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INVESTIGAR PARA APRENDER: ANÁLISE DE PROTOCOLOS NO

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Academic year: 2021

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CÉSAR, Margarida (macesar@fc.ul.pt) Universidade de Lisboa, Centro de Investigação da Faculdade de Ciências BÁRRIOS, Jorge (jorgeb@eselx.ipl.pt)

Cristo, Ileser (leise.ccc@hotmail.pt) E.B.1 de Moscavide

RESUMO

Apresenta-se um estudo exploratório para analisar o efeito da investigação na formação de professores. Com base num quadro de referência teórico, em que o currículo é concebido como um processo dinâmico, que configura e é configurado na praxis, salienta-se a necessidade de o professor adoptar uma atitude reflexiva sobre a sua própria prática. Apresentam-se relatos escritos de alunos de 3 turmas, de 3 anos lectivos diferentes, de uma disciplina de Mestrado, em que se estudam os processos interactivos, através da análise de protocolos. Pretende-se avaliar o impacto desta disciplina nas práticas dos docentes, bem como o papel da investigação, enquanto ferramenta de formação analisando o seu impacto no desenvolvimento pessoal e profissional dos professores.

PALAVRAS-CHAVE

Investigação, formação de professores, análise de protocolos, reflexão sobre as práticas, dialogismo.

Introdução

As transformações sociais e tecnológicas têm reflexos nos cenários de aprendizagem formal. Na sala de aula, o professor depara-se com turmas heterogéneas que o desafiam a introduzir práticas de inclusão, promovendo uma escola de todos e para todos (Ainscow & César, 2006). Levar o professor a reflectir sobre as suas práticas, partindo da noção de um contrato didáctico inovador e coerente, bem como da análise de protocolos de interacções sociais na sala de aula, é importante para o seu desenvolvimento pessoal e profissional. A introdução destes conteúdos, na componente curricular dos cursos de mestrado e doutoramento em educação, facilita a

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construção de ferramentas mediadoras necessárias para promover o desenvolvimento de competências académicas e sociais, assim como o espírito critico e a capacidade de argumentação, quer dos alunos quer dos professores.

A investigação tem sido considerada, por diversos autores, como uma poderosa ferramenta de formação de professores, nomeadamente quando associada a formas de trabalho colaborativo, que permitam atingir níveis mais aprofundados e teoricamente suportados de reflexão sobre as práticas (Hamido, 2005; Oliveira, 2006). A formação de professores desempenha um papel importante, enquanto processo de desenvolvimento de competências de investigação que estabeleçam um suporte teórico e metodológico para a reflexão e a acção. Nesta perspectiva, considera-se um movimento de vai-vem entre a teoria e a prática, em que a construção teórica se faz a partir de problemas concretos das práticas profissionais, como aqueles que se relacionam com a construção do sucesso académico, por parte dos alunos. Por sua vez, a análise de protocolos permite desenvolver a conceptualização teórica de novas questões, elaborando um quadro de referência teórico concebido como uma ferramenta mental (Vygotsky, 1978), que sustente os desenvolvimentos e inovações curriculares postos em acção.

O presente trabalho baseia-se em comunidades de questionamento (Wells, 1999) de professores e jovens investigadores envolvidos na construção de ferramentas de análise das suas práticas e das dos seus pares. Esta actividade faz parte do processo de formação no âmbito de uma disciplina do Mestrado em Educação da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa.

Quadro de referência teórico

O currículo configurador da prática

A construção do conhecimento sobre as questões curriculares implica uma reflexão atenta sobre o currículo, a investigação e o desenvolvimento profissional do professor. O desenvolvimento e a inovação curricular, por ele configurada, não resultam apenas do suporte em modelos predefinidos, sustentados numa determinada teoria. A resolução de problemas concretos da actividade do professor levanta questões importantes para o desenvolvimento do currículo. Segundo Sacristán (2000), um modelo curricular orientado por objectivos estabelece eixos organizadores do conhecimento. Porém, é fundamental reflectir sobre os efeitos do referido modelo enquanto suporte da acção do professor. Como refere Oliveira (2006), “na escola, os

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desenhadores do currículo são os professores e, para desenhar o currículo, os professores precisariam de uma teoria que os ajudasse a antecipar dificuldades e o modelo por objectivos não contribui para uma teoria neste sentido” (p. 137). O referido modelo consubstancia uma prática em que a escola é concebida como um “espaço-tempo de transmissão de saberes, que se escutam passivamente, para depois serem reproduzidos o mais fielmente possível” (César, 2003: 118). É no fazer que as práticas se aperfeiçoam; por isso, o currículo deve ser também uma base de acção, sendo necessário ter como foco o processo, mas um processo que não só é dinâmico em si mesmo, mas envolve também indivíduos que são uma construção dialógica de si mesmos, em termos identitários (César, 2003; Hermans, 1996, 2001).

No decorrer da última década tem-se vindo a assistir a uma viragem nas tomadas de decisão curricular: o poder concentrado na administração central tem dado lugar a uma crescente participação das escolas como centros de decisão contextualizados (Oliveira, 2006). Neste processo é fundamental a reflexão crítica do professor sobre as situações com que se depara na sala de aula e a consequente acção, o modo como analisa a situação e faz a gestão do currículo. Como afirma Ponte (2005), o professor “interpreta e (re)constrói o currículo, tendo em conta as características dos seus alunos e as suas condições de trabalho” (p. 21). Para Stenhouse (1984), a investigação sobre o currículo, o aperfeiçoamento das práticas e o desenvolvimento profissional do professor são indissociáveis. O currículo é concebido como um processo e não um produto predefinido, devendo ser encarado como um objecto social em torno do qual se gera uma prática. O currículo como “configurador da prática” (Sacristán 2000: 47) permite estabelecer a ponte entre a teoria e a prática, podendo ser encarado como uma ferramenta mediadora que pode facilitar a apropriação de conhecimentos e a mobilização e desenvolvimento de competências, por parte dos alunos (César & Oliveira, 2005).

O professor/investigador

Para Stenhouse (1984), o desenvolvimento curricular deve basear-se nos estudos sobre a sala de aula. Segundo este autor, para o desenvolvimento de um currículo com qualidade, é necessário que os professores sejam capazes de analisar, de uma forma sistemática e crítica, as suas práticas. Oliveira (2006) salienta que “a experimentação na prática torna o professor um investigador da sua própria actividade docente” (p. 134). O professor/investigador e reflexivo procura compreender os efeitos

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das suas práticas no sentido de as melhorar, mas também de as tornar susceptíveis de puderem configurar as práticas dos seus pares e de permitirem uma compreensão mais aprofundada sobre o próprio processo de aprendizagem dos alunos. Nesta perspectiva, o professor deve desenvolver competências de investigação que se traduzem na sustentação teórica e metodológica. O aprofundamento teórico permite que o professor expresse a compreensão da sua própria prática, conceptualizando-a em torno quer de problemas práticos quer teóricos. O suporte metodológico permite estabelecer a forma como os dados devem ser recolhidos e, em simultâneo, equacionar o problema complexo da objectividade na investigação (Stenhouse, 1984). O professor, ao investigar sobre a sua prática, não pode dissociar-se da sua perspectiva subjectiva, que resulta da vontade de melhorar as suas práticas, o que confere um carácter interventivo à sua actuação pedagógica.

Stenhouse (1984) sublinha a importância da percepção subjectiva do professor, necessária ao controlo da situação na sala de aula, salientando a necessidade do ”desenvolvimento de uma perspectiva subjectiva sensível e auto-crítica e não uma aspiração a uma objectividade inalcançável” (p. 112). Para o controlo da aparente dicotomia entre a objectividade na investigação e as crenças e hábitos do professor não basta a auto-crítica. O trabalho colaborativo com os pares e outros agentes educativos, como investigadores e formadores, bem como o confronto de formas de actuação e de compreensão dos fenómenos, desempenham um papel fundamental.

A investigação sobre a prática educativa deve ser um processo colaborativo que resulta da relação mutuamente constitutiva entre o sujeito, o professor (investigador e reflexivo) e uma comunidade. Esta comunidade, entendida como comunidade de questionamento (Wells, 1999), é constituída por sujeitos empenhados em compreender e debater os processos de ensino-aprendizagem na sala aula com a disposição e a capacidade de agir em situações presentes e futuras. A comunidade de questionamento pode ser um grupo de professores de uma área curricular, um grupo de agentes de uma instituição de educação constituído por alunos, professores e administradores escolares, ou uma turma de pós-graduação que integre professores das mais diversas áreas curriculares e níveis de ensino.

A importância da análise de episódios interactivos na sala de aula

A ligação da praxis ao currículo pressupõe que a prática deve ser sustentada na reflexão. Mas o professor reflexivo não se limita a aplicar um conjunto de técnicas para

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situações distintas e complexas. Deve saber agir perante as circunstâncias, promovendo a realização de tarefas apropriadas (Sacristán, 2000). A gestão da sala de aula deve ser feita de uma forma criativa, cabendo-lhe a elaboração, orientação e sustentação de actividades de aprendizagem significativas, bem como o aproveitamento de situações resultantes das intervenções dos alunos. O ensino e a aprendizagem são concebidos como processos comunicacionais, em que as interacções entre pares, bem como entre professores e alunos, jogam um papel fundamental (César, 2003). A aprendizagem é um acto social, sendo o conhecimento socialmente construído. Desta forma, através dos jogos interactivos existentes na sala de aula, que configuram e são configurados pelo contrato didáctico e pelo meta-contrato institucional, os alunos tornam-se participantes legítimos na construção do seu próprio conhecimento. A análise das interacções sociais surge, assim, como uma ferramenta que permite um enquadramento analítico e teórico na investigação de práticas de sala de aula (Oliveira, 2006).

A abordagem dialógica da aprendizagem (Marková, 2005) permite adoptar uma perspectiva holística na compreensão das actividades desenvolvidas na sala de aula. Realça também o carácter conflitual que podem assumir as diversas identidades dialógicas, bem como a relevância dos diversos tempos e espaços que cada uma dessas mesmas identidades podem ocupar. É ocupando diferentes espaços e tempos que cada participante pode compreender outras facetas das suas próprias identidades, bem como das dos outros elementos daquele jogo interactivo. E é da gestão, mais ou menos conseguida, destes diversos tempos e espaços que podem resultar processos interactivos mais, ou menos, facilitadores da apropriação de conhecimentos, do desenvolvimento dos participantes e, ainda, dos equilíbrios conseguidos entre as diversas identidades dialógicas. Assim, as vozes expressas nos diversos relatos são concebidas como entidades dialógicas, sendo importante ouvir – para desocultar – aquelas que são mais silenciadas, como as dos alunos, em relação ao seu próprio processo de aprendizagem e desenvolvimento. Para além disso, só uma perspectiva dialógica permite assumir os ideais da educação inclusiva. Como afirma Oliveira (2006), “privilegiar a função dialógica do discurso pode contribuir para a inclusão escolar e social” (p. 64). E a escola, para se tornar um espaço/tempo inclusivo, necessita de ser concebida como “uma comunidade educativa interagindo dialogicamente” (César, 2003: 118), na qual dar voz a todo e cada um dos participantes se torne um objectivo curricular prioritário.

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Metodologia

Apresenta-se um estudo exploratório, baseado num estudo de caso (Stenhouse, 1990), de natureza interpretativa/qualitativa, que faz parte do projecto Interacção e Conhecimento, cujo objectivo último consistia em criar, com os professores, um espaço de reflexão e elaboração/implementação de práticas inovadoras baseadas no trabalho colaborativo (para mais detalhes, ver César, 2003; César & Oliveira, 2005). Paralelamente, pretende-se usar o próprio processo de investigação como actividade de formação para professores e jovens investigadores, considerando que, ao investigar sobre as próprias práticas, ou as dos pares, os professores constroem poderosas ferramentas de análise dessas mesmas práticas.

Assim, consideraram-se participantes todos os alunos de 3 turmas, de 3 anos lectivos diferentes, de uma disciplina de Mestrado, bem como a respectiva professora. Nesta disciplina pretendia-se estudar em profundidade processos interactivos, através da análise de protocolos de episódios gravados em cenários de educação formal. Os instrumentos de recolha de dados são a observação e os relatos escritos recolhidos através de uma técnica de inspiração projectiva e de um questionário. Para duas destas turmas os relatos escritos constituem uma forma de follow up e de avaliação do impacto desta disciplina nas suas práticas profissionais, já depois de concluído o Mestrado. Os dados foram tratados através de análise de conteúdo sucessiva e progressivamente mais aprofundada, que permitiu identificar indutivamente categorias de análise. Os nomes utilizados são fictícios, para garantir o anonimato dos participantes e, para além disso, as citações utilizadas foram autorizadas pelos próprios para serem usadas para este efeito. Por uma questão ética, este texto foi lido pelos participantes antes de ser enviado, para que eles pudessem comentar/completar as análises que tínhamos efectuado com base nos seus relatos.

Resultados

Os resultados iluminam que a análise de protocolos se constituiu, para a maioria dos participantes, como um episódio muito marcante. Tornou visíveis aspectos das práticas profissionais de que os participantes nem sempre se apercebiam: os aspectos implícitos na linguagem verbal; o poder da linguagem não verbal; a

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importância dos jogos interactivos para a qualidade dos desempenhos dos alunos e, até, dos próprios professores, bem como a sustentação teórica de algumas das práticas que implementavam, mas para as quais não tinham uma conceptualização sólida e coerente.

Um excerto de um dos relatos ilustra-o de forma paradigmática, focando aspectos que aparecem em muitos outros relatos: (1) o tempo para as referidas análises, que parecia sempre curto, porque havia outros aspectos a explorar, o que dava, muitas vezes, a sensação de que aquela análise não estava completa, de que ainda poderia ser melhorada; (2) um conhecimento mais aprofundado dos pares, que não teria existido caso as análises, em grupo, não fizessem parte das actividades a desenvolver durante as aulas; (3) o esforço de organização subsequente, pois era necessário conjugar formas diferentes de trabalhar, experiências prévias e formações diversificadas, partilhar conhecimentos, discutir quando não se estava de acordo, mas também conseguir chegar a consensos, para que fosse possível elaborar uma análise que representasse o grupo; (4) a evolução que foram sentido ao longo do tempo, à medida que mais protocolos tinham sido analisados e discutidos. Assim, o que os participantes descrevem é um processo, em que cada um, e também o grupo, vai evoluindo na sua capacidade de ler e desocultar os implícitos, de analisar os jogos interactivos do protocolo em análise, mas também de descodificar e participar nos jogos interactivos dentro do próprio grupo.

As aulas de análise de protocolos em grupo. Eram aulas onde o tempo era (e julgo que seria) sempre insuficiente. O desenvolvimento da análise em grupo permitiu ficar a conhecer um pouco melhor as minhas colegas de grupo e acima de tudo obrigou a um grande esforço de organização, que foi evoluindo ao longo das diferentes aulas. De um primeiro trabalho onde ficámos a perceber o que realmente cada um era capaz de fazer após a distribuição de tarefas, em que algumas ficaram

incompletas, e com desenvolvimentos muito diversificados,

correspondendo alguns ao esperado e discutido em grupo, outros nem por isso. Até um último trabalho, em que já havia um melhor entendimento do trabalho a desenvolver (Rui, 05/06)

Os diversos relatos realçam o papel desta disciplina e, particularmente, da análise de protocolos relacionados com interacções áudio gravadas em cenários de educação formal, como uma forma de promoverem o desenvolvimento pessoal e profissional, o que inclui também o desenvolvimento de competências sociais que permitiam trabalhar de forma mais colaborativa e eficiente com os pares. Acresce que,

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para muitos dos participantes, a frequência da disciplina constituiu uma primeira oportunidade de trabalharem colaborativamente com pares, o que tornou estas vivências ainda mais marcantes.

Todos os participantes estabeleceram relações entre o trabalho desenvolvido nesta disciplina e a investigação. Uns realçaram o seu carácter de “Investigação-acção, ou seja, investigar o que se fez na prática” (Joana, 06/07) uma vez que os protocolos analisados tinham sido gravados em cenários de sala de aula, de diversas disciplinas e anos de escolaridade. Como tal, a reflexão sobre as práticas era uma constante das análises e, para além disso, observava-se que os participantes faziam extrapolações para as suas próprias aulas e formas de actuação, apercebendo-se de detalhes que caracterizavam as suas práticas, mas também ganhando uma maior consciência da relevância da actuação do professor, quer em termos explícitos, como quando fala, quer em termos implícitos, através da linguagem não verbal. Assim, a importância das interacções sociais surgiu de uma forma muito nítida, relacionando-as mesmo com a investigação, uma vez que qualquer forma de conhecimento pressupõe a existência de processos interactivos e é uma maior compreensão destes processos que pode favorecer a aprendizagem:

Em qualquer área do conhecimento há interacção e é ela que motiva toda a investigação. (...) na educação, o estudo das interacções será uma forma de compreendermos tudo sobre aprendizagem, uma vez que ninguém aprende sozinho, nem que interaja apenas com o livro ou com as próprias mãos (Ernesto, 05/06)

Para além disso, os alunos aperceberam-se da necessidade de sustentar teoricamente as práticas, de aprofundarem os seus conhecimentos de metodologias de investigação, assim como o rigor da expressão escrita, o que também se relaciona directamente com a análise de protocolos e com o trabalho colaborativo que tiveram de desenvolver. Como afirma o Miguel (06/07), esta disciplina “Tem por base um vasto conjunto de conceitos teóricos. Fornece um conjunto consistente de metodologias de investigação. Fomenta o rigor na escrita e na apresentação dos resultados.”

No entanto, um dos aspectos mais interessantes para investigar era a existência, ou não, de impactos na vida profissional, tanto mais que alguns dos participantes já tinham terminado esta disciplina e o Mestrado, não esperando que algo lhes viesse a ser perguntado sobre a mesma, nem sobre o impacto que tinha tido na sua vida profissional. No entanto, a maioria indica que esses mesmos impactos existiram,

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nomeadamente no que se refere à relevância que davam às interacções sociais na sala de aula. Assim, muitos deles afirmam que procuraram novas formas de trabalhar, que podiam passar pelo trabalho em díade, ou por tentar implementar outras formas de avaliação, também elas mais interactivas e alternativas aos testes escritos individuais. Para além disso, todos eles se mostraram mais atentos aos jogos interactivos existentes num cenário de educação formal e, sobretudo, a que precisavam de acompanhar todos os alunos e não apenas aqueles que, por diversas características, interagiam mais facilmente em cenários de educação formal.

Passei a investir mais nas interacções na sala de aula. Passei a ter em conta todos os elementos patentes no processo ensino-aprendizagem e a organizar outras formas de trabalhar (Sofia, 06/07)

Maior atenção ao relacionamento interpessoal dos alunos e desenvolvimento de novas estratégias, com base nas aprendizagens retiradas das aulas (Leonor, 03/04)

Estou a aplicar nas minhas turmas (...) as díades e estou a começar a substituir a avaliação de testes por trabalhos realizados em contexto sala de aula, nas que se realizam em vários blocos de 90 minutos (parecidos com análises de protocolos) (Mariana, 06/07)

Alguns dos participantes realçam também o impacto que a disciplina teve em termos de sustentação teórica e de relação entre a teoria e as práticas, bem como dos seus contributos enquanto apropriação de outras ferramentas e investigação, como é o caso da Tâmara e do Miguel. Nestes casos, a referência explícita à reflexão, logo, ao professor reflexivo (Sacristán, 2000), bem como à necessidade de apropriar ferramentas que possam ser usadas nas dissertações (o Miguel era aluno de doutoramento, mas frequentou esta disciplina), parecem-nos também elementos a salientar enquanto contributos para o desenvolvimento pessoal e profissional dos professores, preparando-os para poderem actuar como construtores do currículo, algo que diversos autores consideram essencial (Hamido, 2005; Oliveira, 2006; Ponte, 2005).

Tiveram impacto na medida em que me permitiram evoluir, tanto do desenvolvimento das aulas (...) em termos de progressão e numa base mais teórica. (...) senti impacto no modo como promovo as interacções sociais entre os meus alunos, na medida em que as aulas me permitiram refrescar conceitos base e reflectir um pouco mais sobre situações que acontecem frequentemente e que podemos melhorar. E senti também impacto no meu desenvolvimento intelectual, no sentido em que a discussão nas aulas e a reflexão posterior me ajudaram a avançar. (Tâmara, 03/04)

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(...) sinto que me apropriei de uma ferramenta de investigação com muito interesse para a minha tese de doutoramento, a análise de protocolos. Na minha actividade como professor sinto que o conceito de contrato didáctico e a compreensão dos jogos interactivos dos alunos vão ter muita importância. (Miguel, 06/07)

Assim, os resultados iluminam os contributos da investigação, enquanto ferramenta de formação de professores, para a promoção do seu desenvolvimento pessoal e profissional, incluindo as competências necessárias para trabalharem colaborativamente com os pares, mas também aquelas que lhes permitem usar os jogos interactivos como forma facilitadora das aprendizagens dos alunos. Neste aspecto, a relação estabelecida entre os constructos teóricos e as práticas afigurou-se-nos como particularmente pertinente, pelos impactos que teve nas práticas profissionais dos participantes.

Considerações finais

Muitos estudos têm realçado a necessidade de os professores serem construtores do currículo e não meros executantes (Hamido, 2005; Oliveira, 2006; ponte, 2005; Sacristán, 2000). Porém, poucos estudos se têm dedicado a estudar a necessidade de os professores conseguirem analisar os jogos interactivos existentes nos cenários de educação formal, para que estes consigam constituir-se como construtores do currículo. Mas só concebendo o currículo como uma ferramenta mediadora (César & Oliveira, 2005), que pode, ou não, estabelecer pontes entre os conhecimentos e as culturas dos alunos e os conhecimentos e a cultura académica, conseguimos que construir o currículo corresponda a sermos capazes de implementar uma educação em que a equidade tenha lugar, onde a escola não se transforme num lugar de exclusão de alguns – por vezes, muitos – e de inclusão de apenas alguns (César, 2003).

Os jogos interactivos que decorrem em cenários de educação formal não são isentos de conflitos, uns explícitos e outros implícitos, que configuram e são configurados pelos diversos contratos que regem aqueles cenários. Assim, uma maior capacidade de interpretação dos fenómenos em jogo permite saber actuar de forma mais adaptada, mais dialéctica mas também mais dialógica, compreendendo as identidades dos diversos agentes educativos como complexas, interdialogantes, em evolução (Hermans, 1996, 2001; Marková, 2005). Saber lidar com esta complexidade,

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incluindo os imprevistos e as inseguranças que lhe estão subjacentes, faz parte das competências que os professores precisam de desenvolver.

A investigação, enquanto ferramenta de formação de professores, pode dar contributos indispensáveis para a sua preparação para actuarem enquanto construtores do currículo e para virem a desenvolver investigação, incluindo a que é feita sobre as suas próprias práticas. Já Piaget, nas conversas que manteve com Bringuier (1977), realçava o papel essencial que a investigação, enquanto processo de aprendizagem, deveria desempenhar:

J.-C. Bringuier – Mas a universidade ideal, para si, seria como?

J. Piaget – Ah, seria a investigação em todas as escalas e seminários à volta dessa mesma investigação.

J.-C. Bringuier – Com um mínimo de aulas? J. Piaget – Sim. (p. 199)

A sugestão não é nova. Porém, muito caminho nos falta ainda percorrer para chegarmos lá.

Referências bibliográficas

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CESAR, M. (2003). A escola inclusiva enquanto espaço-tempo de diálogo de todos e para todos. In D. Rodrigues (Ed.), Perspectivas sobre a inclusão: da educação à sociedade (pp. 117-149). Porto: Porto Editora.

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doutoramento, documento policopiado]

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Referências

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