Registro: 2016.0000903705
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº 3002137-31.2013.8.26.0168, da Comarca de Dracena, em que é apelante GUSTAVO RODRIGUES PIVETA, é apelado DIRETOR EXECUTIVO DA FUNDAÇÃO DRACENENSE DE EDUCAÇÃO E CULTURA FUNDEC.
ACORDAM, em 8ª Câmara Extraordinária de Direito Público do
Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "Deram provimento ao recurso. V. U.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores LUÍS FRANCISCO AGUILAR CORTEZ (Presidente), CRISTINA COTROFE E MÔNICA SERRANO.
São Paulo, 6 de dezembro de 2016.
LUÍS FRANCISCO AGUILAR CORTEZ RELATOR
Apelação nº 3002137-31.2013.8.26.0168 Apelante: Gustavo Rodrigues Piveta
Apelado: Diretor Executivo da Fundação Dracenense de Educação e Cultura Fundec
Comarca: Dracena Voto nº 19972
Juiz: Roge Naim Tenn
MANDADO DE SEGURANÇA Vereador do Município de Dracena Pleiteado acesso às informações relacionadas aos nomes de todos os empregados e respectivos cargos e salários, assim como o nome dos diretores e respectivos salários de fundação instituída pelo Município Cabimento Conduta administrativa que deve ser pautada nos princípios constitucionais da moralidade, publicidade e transparência, nela abrangidas as autarquias, fundações públicas, empresas públicas e sociedades de economia mista Inteligência da Constituição Federal e da Lei nº 12.527/11 Precedentes
Sentença reformada Recurso provido.
Recurso de apelação contra r. sentença de fls. 379/381, que denegou a segurança impetrada por Gustavo Rodrigues Piveta (vereador) contra ato do Diretor Executivo da Fundação Dracenense de Educação e Cultura FUNDEC, com pedido de reconhecimento do direito ao acesso a informações relacionadas aos “nomes de todos os empregados e respectivos cargos e salários, nomes dos
diretores e respectivos salários”, de forma a conferir transparência à gestão da
fundação, nos termos exigidos pela Lei Federal nº 11.527/11.
Apela o impetrante sustentando que a requerida (FUNDEC) se encontra subordinada às regras constantes da Lei nº 12.527/2011, conforme dispõe o art. 1º, inciso II do referido diploma legal. Alega que o fundamento legal utilizado pela r. sentença (parágrafo único, do art. 2º da lei acima mencionada) não se aplica às fundações instituídas pelo Poder Público, mas aos entes que se enquadram no denominado Terceiro Setor, tanto que o dispositivo menciona expressamente as “entidades privadas sem fins lucrativos que recebam, para a
realização de ações de interesse público, recursos públicos diretamente do orçamento ou mediante subvenções sociais, contrato de gestão, termo de parceria,
convênios, acordo, ajustes ou outros instrumentos congêneres”. Insiste que deve ser
imputada à fundação municipal em questão a obrigação de natureza pública consistente em disponibilizar a todo e qualquer interessado a relação dos cargos e respectivos vencimentos dos servidores que integram o seu quadro de agentes públicos, consoante o disposto nos artigos 5º, inciso XXXIII e 37, § 3º, inciso II, da Constituição Federal, regulamentados pela Lei nº 12.527/2011. Por fim, alega que, dentre as mencionadas obrigações de ordem pública inerentes ao regime jurídico que disciplina as fundações públicas, estão inseridas aquelas relacionadas à limitação ao teto remuneratório dos respectivos servidores, porquanto os servidores dos entes governamentais de direito privado se equiparam aos demais agentes públicos da administração direta e indireta, nos termos do art. 37, inciso XI e parágrafo 9º, da Constituição Federal. Pede provimento ao recurso (fls. 390/402).
Recurso tempestivo, com preparo (fls. 403/405); não foram apresentadas contrarrazões.
Manifestação da D. Procuradoria de Justiça pelo não provimento do recurso (fls. 414/415).
É o relatório.
O autor é vereador no Município de Dracena (fls. 16) e impetrou mandado de segurança contra ato do Diretor Executivo da Fundação Dracenense de Educação e Cultura FUNDEC, para ver reconhecido o direito ao acesso a informações relacionadas aos “nomes de todos os empregados e respectivos
cargos e salários, nomes dos diretores e respectivos salários”, com base no disposto
pela Lei Federal nº 11.527/11, o que lhe foi negado pela via administrativa, sob o fundamento de que a FUNDEC é fundação governamental de direito privado, instituída pela Administração Pública Municipal, com autorização da Lei Municipal nº 719 de 13 de maio de 1968 (fls. 63/65), com autonomia administrativa e financeira, de modo que não seria coerente “a prevalência do princípio da
publicidade administrativa em detrimento da proteção da intimidade e vida privada, comercial e profissional, quando os salários são remunerados, conforme plano de carreira, e regidos pela CLT e dispositivos Constitucionais, através de Recursos Particulares” (fl. 06).
A matéria em questão envolve a análise de princípios constitucionais, relativos à transparência dos atos administrativos e interesse público subjacente (art. 37, caput, da C.F) e proteção à privacidade e intimidade dos servidores públicos.
A solução deve ser buscada de modo a garantir maior efetividade aos preceitos constitucionais, sendo reconhecido que o exercício de atividade pública ou função de maior notoriedade implica redução na esfera de direitos da personalidade relativos à privacidade e intimidade.
Assim, a opção pelo serviço público implica aceitação daquelas restrições, a fim de que prevaleçam o interesse público e o dever de prestar contas da Administração perante a sociedade, a qual tem o direito de conhecer como são remunerados seus agentes.
Nesse contexto se inserem os servidores dos órgãos públicos da administração direta e indireta da União, Estados, Distrito Federal e Municípios.
Conforme leciona Maria Sylvia Zanella di Pietro “quando a
Administração Pública cria fundação de direito privado, ela se submete ao direito comum em tudo aquilo que não for expressamente derrogado por normas de direito público, podendo essas normas derrogatórias constar da própria Constituição, de leis ordinárias e complementares federais e da própria lei singular, também federal, que instituiu a entidade” (Direito Administrativo, 23ª Edição, Ed. Atlas, pág. 441),
de modo que dentre as normas de direito público que devem ser respeitadas se encontram aquelas relacionadas à aludida transparência dos atos administrativos, notadamente diante da presença de dotação realizada pelo poder público municipal para a sua constituição (fls. 51/58).
Além disso, destaco que o Supremo Tribunal Federal, ao decidir a Suspensão de Liminar nº 3902 AgR-segundo/SP, firmou o entendimento de que não há violação à privacidade, intimidade e segurança de servidor público na divulgação de informações relativas à folha de pagamento de órgãos e entidades públicas, considerando legítimos os atos administrativos baseados na Lei nº 14.720/2008 e Decreto nº 50.070/2008, conforme exposto:
IMPEDIAM A DIVULGAÇÃO, EM SÍTIO ELETRÔNICO OFICIAL, DE INFORMAÇÕES FUNCIONAIS DE SERVIDORES PÚBLICOS, INCLUSIVE A RESPECTIVA REMUNERAÇÃO. DEFERIMENTO DA MEDIDA DE SUSPENSÃO PELO PRESIDENTE DO STF. AGRAVO REGIMENTAL. CONFLITO APARENTE DE NORMAS CONSTITUCIONAIS. DIREITO À INFORMAÇÃO DE ATOS ESTATAIS, NELES EMBUTIDA A FOLHA DE PAGAMENTO DE ÓRGÃOS E ENTIDADES PÚBLCIAS. PRINCÍPIO DA PUBLICIDADE, INTIMIDADE E SEGURANÇA DE SERVIDOR PÚBLICO. AGRAVOS DESPROVIDOS.
1. Caso em que a situação específica dos servidores públicos é regida pela 1ª parte do inciso XXXIII do art. 5º da Constituição. Sua remuneração bruta, cargos e funções por eles titularizados, órgãos de sua formal lotação, tudo é constitutivo de informação de interesse coletivo ou geral. Expondo-se, portanto, a divulgação oficial. Sem que a intimidade deles, vida privada e segurança pessoal e familiar se encaixem nas exceções de que trata a parte derradeira do mesmo dispositivo constitucional (inciso XXXIII do art. 5º), pois o fato é que não estão em jogo nem a segurança do Estado nem do conjunto da sociedade.
2. Não cabe, no caso, falar de intimidade ou de vida privada, pois os dados objeto da divulgação em causa dizem respeito a agentes públicos enquanto agentes públicos mesmos; ou, na linguagem da própria Constituição, agentes estatais agindo 'nessa qualidade' (§6º do art. 37). E quanto à segurança física ou corporal dos servidores, seja pessoal, seja familiarmente, claro que ela resultará um tanto ou quanto fragilizada com a divulgação nominalizada dos dados em debate, mas é um tipo de risco pessoal e familiar que se atenua com a proibição de se revelar o endereço residencial, o CPF e a CI de cada servidor. No mais, é o preço que se paga pela opção por uma carreira pública no seio de um estado republicano.
3. A prevalência do princípio da publicidade administrativa outra coisa não é senão um dos mais altaneiros modos de concretizar a República enquanto forma de governo. Se, por um lado, há um necessário modo republicano de administrar o Estado brasileiro, de outra parte é a cidadania mesma que tem o
direito de ver o seu Estado republicanamente administrado. O 'como' se administra outra coisa pública a preponderar sobre o 'quem' administra falaria Norberto Bobbio -, e o fato é que elemento conceitual da nossa República. O olho e a pálpebra da nossa fisionomia constitucional republicana.
4. A negativa de prevalência do princípio da publicidade administrativa implicaria, no caso, inadmissível situação de grave lesão à ordem pública.
5. Agravos Regimentais desprovidos. (SS 3902 AgR-segundo/SP SÃO PAULO, relator Ministro AYRES BRITTO, j. 09.06.2011).
Nesse sentido, também o decidido na Suspensão de Segurança nº 630/RS nos autos da Ação Ordinária nº 001.1.12.0152707-5, rel. Min. Ayres Britto, j. 30.07.2012 e, mais recente, no julgamento de mérito do recurso representativo da controvérsia (RExtr. nº 652.777-SP), o Pretório Excelso reconheceu, em 23 de abril de 2015, como legítima a publicação dos nomes dos servidores da Administração Pública e de seus vencimentos e vantagens pecuniárias,
in verbis:
“CONSTITUCIONAL. PUBLICAÇÃO, EM SÍTIO
ELETRÔNICO MANTIDO PELO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO, DO NOME DE SEUS SERVIDORES E DO VALOR DOS CORRESPONDENTES VENCIMENTOS. LEGITIMIDADE. 1. É legítima a publicação, inclusive em sítio eletrônico mantido pela Administração Pública, dos nomes dos seus servidores e do valor dos correspondentes vencimentos e vantagens pecuniárias. 2. Recurso extraordinário conhecido e provido.”
Anoto, ainda, que a Lei Federal nº 12.527, de 18.11.2011, dispõe sobre os procedimentos a serem observados pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios, com o fim de garantir o acesso a informações previsto no inciso XXXIII do art. 5º, no inciso II do § 3º do art. 37 e no §2º do art. 216 da Constituição Federal (art. 1º).
“Parágrafo único. Subordinam-se ao regime dessa Lei:
(...)
públicas, as sociedades de economia mista e demais entidades controladas direta ou indiretamente pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios.
(...)
Art. 3º - Os procedimentos previstos nesta Lei destinam-se a assegurar o direito fundamental de acesso à informação e devem ser executados em conformidade com os princípios básicos da administração pública e com as seguintes diretrizes:
I observância da publicidade como preceito geral e do sigilo como exceção;
II divulgação de informações de interesse público, independentemente de solicitações; (...)” Destaquei.
A despeito de o texto legal referir-se a “fundações públicas”, uma vez que “a constituição não faz distinção quanto à personalidade jurídica,
tem-se que entender que todos os tem-seus dispositivos que tem-se referem às fundações abrangem todas, independentemente da personalidade jurídica, pública ou privada”
(Maria Sylvia Zanella di Pietro in Direito Administrativo, 23ª Edição, Ed. Atlas, pág. 441), razão pela qual, respeitado o entendimento do magistrado sentenciante, o regramento atinente à FUNDEC não pode ser enquadrado no disposto pelo art. 2º e parágrafo único da Lei nº 12.527/11.
Portanto, a divulgação da relação dos nomes de todos os servidores da Fundação Dracenense de Educação e Cultura FUNDEC e respectivos cargos e salários não fere o direito à intimidade, à vida privada, à honra e a imagem de seus funcionários, empregados e servidores, em função do princípio da publicidade e em razão do dever de transparência da Administração Pública, princípios que vinculam à Administração (direta e indireta) e seus servidores.
Nesse sentido é o entendimento desta Corte:
“MANDADO DE SEGURANÇA Vereador do Município de
Parisi Pedido de fornecimento de listagem contendo "A remuneração e proventos recebidos por todos os funcionários e servidores ativos, inativos, pensionistas e colaboradores da Prefeitura do Município de Parisi, incluindo-se as indenizações e outros valores pagos a qualquer título, bem como os descontos legais, com
identificação individualizada e nominal do beneficiário e da unidade na qual efetivamente presta serviços" Cabimento Conduta administrativa que deve ser pautada nos princípios constitucionais da moralidade, publicidade e transparência Inteligência da Constituição Federal e da Lei nº 12.527/11 Precedentes Ordem concedida Recurso provido.” (Apelação nº 0002589-88.2015.8.26.0664,
rel. Des. Luís Francisco Aguilar Cortez, 1ª Câmara de Direito Público, j. 20/10/2015).
Assim sendo, merece reforma a r. sentença proferida pelo juízo de 1º grau para que seja concedida a ordem pleiteada pelo impetrante.
Ante o exposto, meu voto é pelo provimento do recurso, nos termos acima.
Luís Francisco Aguilar Cortez Relator