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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS MESTRADO EM LETRAS

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS

MESTRADO EM LETRAS

RENATA FONSECA LIMA DA FONTE

ESTRATÉGIAS MATERNAS NA INTERAÇÃO COM GÊMEOS, CEGO

E VIDENTE, NA AQUISIÇÃO DA LINGUAGEM

JOÃO PESSOA

2006

(2)

RENATA FONSECA LIMA DA FONTE

ESTRATÉGIAS MATERNAS NA INTERAÇÃO COM GÊMEOS, CEGO

E VIDENTE, NA AQUISIÇÃO DA LINGUAGEM

Dissertação apresentada ao programa de

Pós-Graduação em Letras da Universidade

Federal da Paraíba (UFPB) para obtenção do

título de Mestre em Letras.

Área de Concentração: Lingüística e Língua

Portuguesa.

Orientador: Profª Drª Marianne Carvalho

Bezerra Cavalcante

JOÃO PESSOA

2006

(3)

RENATA FONSECA LIMA DA FONTE

ESTRATÉGIAS MATERNAS NA INTERAÇÃO COM GÊMEOS, CEGO

E VIDENTE, NA AQUISIÇÃO DA LINGUAGEM

Dissertação apresentada ao programa de

Pós-Graduação em Letras da Universidade

Federal da Paraíba (UFPB) para obtenção do

título de Mestre em Letras.

Área de Concentração: Lingüística e Língua

Portuguesa.

Aprovado em _____ de ______________ de 2006

Banca Examinadora:

________________________________________________________

Profª. Drª. Marianne Carvalho Bezerra Cavalcante

Universidade Federal da Paraíba

________________________________________________________

Profª. Drª. Evangelina Maria Brito de Faria

Universidade Federal da Paraíba

________________________________________________________

Profª. Drª. Marígia Ana de Moura Aguiar

(4)

Dedico este trabalho às mães e a seus filhos

deficientes visuais, e em especial, à mãe e

às crianças que foram objeto de estudo

deste trabalho, tornando-o realidade.

(5)

AGRADECIMENTOS

À Deus, maior exemplo de amor, por iluminar sempre meus caminhos.

À Profª. Drª. Marianne Bezerra Carvalho Cavalcante, por acreditar no trabalho, pela tranqüilidade, competência e sabedoria nos momentos de orientação.

Às Professoras Doutoras Evangelina Faria e Mônica Nóbrega, pela leitura cuidadosa deste trabalho.

À Coordenadora da Pós-Graduação em Letras, Elisalva Madruga, pela cordialidade e presteza com que sempre nos atendeu.

À Roseane Morais e Maria do Socorro Bezerra pela cordialidade com que sempre nos atenderam na secretaria da Pós- Graduação em Letras.

À Dermeval Da Hora, pelos ensinamentos recebidos em suas brilhantes aulas.

À Nadia Azevedo, minha grande incentivadora durante o período universitário e no meu caminhar enquanto profissional. Obrigada pelo constante apoio e incentivo e pela leitura cuidadosa deste trabalho. A você Nadia, minha eterna gratidão.

À Ana Azevedo, pela revisão e leitura cuidadosa deste trabalho.

À Therezinha, terapeuta ocupacional, por me receber no Instituto de Cegos, me apresentando as mães e por disponibilizar materiais na área de deficiência visual.

Ao Instituto de Cegos Antônio Pessoa de Queiroz instituição na qual fui atendida e recebida com muita cordialidade.

À Drª Conceição e à Drª. Diana, que me orientaram de que forma entrar em contato com as mães.

À Dr. Jaime Figueiredo, por esclarecer algumas questões e termos sobre deficiência visual na área da oftalmologia.

À mãe e às crianças, que participaram desse estudo, presenças efetivas na construção desse trabalho.

À Izaías, Fabiana, Ítalo, Leia e Davi, que se disponibilizaram em colaborar com o trabalho. Aos meus pais, Mário e Zara, pela confiança em mim e amor, e por estarem presentes em todos os momentos de minha vida, me dando força e coragem para enfrentar desafios e dificuldades.

Aos meus irmãos, Romero e Tiago, que estiveram sempre ao meu lado, me incentivando e torcendo por minha realização pessoal e profissional. E a Rodrigo pela paciência em me escutar falar de meus trabalhos e pesquisas.

(6)

Aos meus familiares, por fazerem parte de minha vida. À Aninha, à Gabi e à Henrique pela disponibilidade e atenção em ajudar, e à Rosário, pelo apoio e informações.

À Nádia, Josiane e Rafael, que compartilharam comigo o momento de seleção do mestrado. À Amanda, Carol e Vanessa, pelo carinho e amizade.

À Gabi Lima, pelo apoio, torcida e amizade, pelas informações de cursos e eventos e por sempre se colocar a disposição em ajudar quando precisei.

À Guto e Cecília, pela atenção, pelo carinho e apoio.

À Patrícia e Wilma, companheiras de viagem e amigas; à Patrícia, pelo apoio, alegrias, risos, conversas e desabafos compartilhados; à Wilma, pelo incentivo, pela força e por acrescentar tanto ao meu crescimento pessoal e profissional.

À Waléria, pela amizade, por me acolher em sua casa, pela disponibilidade em me ajudar, pela leitura e sugestões ao trabalho.

À Iana, Janaína e Juliana, que passaram a ser companheiras de viagem, tornando-a mais rápida e prazerosa. A vocês, pela força e torcida. A você, Janaína, por suas histórias, que propiciaram momentos de descontração.

À Eliza, pelo apoio, amizade e disponibilidade em ajudar.

À André Pedro, Fernanda e demais companheiros de curso, pelo carinho, incentivo e atenção.

À Jones e Juliene, pelas dicas de fonética. À Clérisson, pelas dicas de computação.

(7)

RESUMO

Esta pesquisa propõe estudar as estratégias interativas utilizadas pela mãe de gêmeos idênticos, cego e vidente. Um deles apresenta apenas percepção luminosa característica que prejudica muitas de suas ações e a interação com a mãe, assim consideraremos esta criança como sendo cega (C1) e o outro possui miopia, déficit visual que não interfere na relação de interação com sua mãe, assim a chamaremos de criança vidente (C2). Nesse estudo de natureza longitudinal e caráter qualitativo, pretendemos discutir a seguinte questão: quais

estratégias interativas utilizadas pela mãe com a criança cega são semelhantes e quais são diferenciadas das utilizadas com a criança vidente? Por isso, analisaremos as estratégias

interativas utilizadas pela mãe na relação com as crianças gêmeas, cega e vidente, da mesma forma que identificaremos e descreveremos os traços prosódicos da fala materna, as posturas gestuais e as atitudes lingüísticas da mãe nas relações de interação com os gêmeos, cego e vidente, e investigaremos o papel da prosódia como via privilegiada de interação mãe-criança cega. O corpus foi constituído de transcrições fonéticas e prosódicas e da descrição das posturas gestuais extraídas de filmagens de situações interativas realizadas no ambiente domiciliar, entre a tríade mãe-crianças gêmeas, cega e vidente. O presente estudo encontra-se ancorado na perspectiva teórica em aquisição de linguagem proposta por De Lemos (1992; 1997; 1999a; 1999b; 2001; 2002; etc), bem como em Scarpa (1985; 1990; 1991; 1996; 1999; 2001; 2005) e Cavalcante (1999; 2003a; 2003b). De acordo com os dados analisados, podemos constatar que há estratégias interativas diferenciais que a mãe utiliza com C1 com base na prosódia e nas interfaces voz/tato(toque) e tato (toque)/movimento, não presentes na interação com C2, e há estratégias maternas que se assemelham na interação com ambas as crianças, entre elas a manutenção de olhar e marcações prosódicas características. Especificamente com relação à díade mãe-criança cega, estratégias prosódicas maternas, assim como as interfaces voz/toque e toque/movimento foram fundamentais na interação dialógica, minimizando os efeitos negativos da falta de visão sobre essa interação.

(8)

ABSTRACT

This research aims to study the interactive strategies used by a mother of two identical twins, blind and sighted. One of them has only a characteristic luminous perception, that affects negatively most of his actions and the interaction with his mother, and thus, will be considered as blind child(C1). The other one is short-sighted, suffers from visual deficit which does not interfere in his relationship with his mother, and thus, will be considered as sighted child (C2). This concerns a longitudinal, qualitative study in which we intend to discuss the following question: which interactive strategies used by the mother with the

blind child are similar and which were different from the ones used with the child that is sighted? This way, we will analyze the strategies used by the mother with the twin children,

blind and sighted, as same as identify and describe the prosodic characteristic of maternal speech, the mother’s gesture and linguistic attitudes in the interaction relations with the twin, blind and sighted, also we will investigate the role of prosody as a privileged via of interaction between mother-blind child. Our corpus consists of phonetic and prosodic transcriptions and the descriptions of gestural behavior extracted from video-taping of spontaneous interactive situations experienced by the mother and their twins children, at their home. The present work is fundamentally based on the theoretical perspectives of language acquisition proposed by De Lemos (1992; 1997; 1999a; 1999b; 2001; 2002; etc), and also on Scarpa (1985; 1990; 1991; 1996; 1999; 2001; 2005) and Cavalcante (1999; 2003a; 2003b). According to the data analyzed, we confirmed that the mother utilizes different strategies with C1 based on prosody and on the interfaces voice/touch and touch/movement, which are not present in the interactions with C2. And yet, we verified that some maternal strategies are similar in the interaction with both children, such as eye fixing and characteristic prosodic marks. In relation to the pair mother-blind child specifically, the mother’s prosodic strategies and the interfaces voice/touch and touch/movement were fundamental in the dialogical interaction, minimizing the negative effects provoked by the lack of sight.

(9)

Tabela I- Transcrição Fonética

Símbolos* Exemplos ortográficos extraídos do corpus Transcrição Fonética

π pega [∪πεγα] β bola [∪β λα] τ titia [τι∪τια] δ cadê [κα∪δε] κ carrinho [κα∪ηι)υ] γ gostosa [γ Σ∪τ ζα] φ falando [φα∪λα)δυ] ϖ você [ϖο∪σε] σ ensaboar braço castigo [ι)σαβυ∪α] [∪βρασυ] [καισ∪τιγο] ζ mãozinha [μα)υ∪ζι)α] Σ chama costas nas luz [∪Σαμα] [∪κ Σταis] [ναΣ] [λυΣ] Ζ joelho [Ζυ∪ε×υ] η rosto barriga torneira [∪ηοΣτυ] [βα∪ηιγα] [τοη∪νεΨρα] μ mamãe [μα)μα)ι] ν bonita [βυ∪νιτα] ⎠ banho [∪βα)⎟υ] ρ parabéns briga [παρα∪βε)Σ] [∪βριγα] × olha [∪ ×α] λ levanta [λΕ∪ϖα)τα] ι vai vira eita [∪ϖαι] [∪ϖιρα] [ειτα] ι) bunitinho bunequinho [βυνι∪τι)υ)] [βυνΕ∪κι)υ)] ε ele [ελι] ε) nenê frente [νε)∪νε)] [∪φρε)τι] Ε essa [∪Εσα] α Boca calor [∪βοκα] [κα∪λ ] Símbolos* Exemplos ortográficos extraídos do corpus Transcrição Fonética

α) não [∪να)υ]

joga [∪Ζ γα]

(10)

ο) longe [λο)Ζι] υ sigura viu calma [σι∪γυρα] [∪ϖιυ] [∪καυμα] υ) num [νυ)]

*Utilizados nas transcrições dos dados

Não faremos distinção entre vogais e semivogais, pois tal distinção não será relevante para nosso objeto de estudo.

Tabela II- Outros símbolos

Outros Símbolos

Observação

∪ Indica a sílaba acentuada da palavra

// Fronteiras entonacionais

: Alongamento silábico ou vocálico breve (até 2 s) :: Alongamento silábico ou vocálico longo

(acima de 2 s)

(11)

SUMÁRIO

Introdução... 12

I. A aquisição da linguagem e a interação dialógica na perspectiva de De

Lemos: Um percurso inicial ...18

1. 1 Movimentos teóricos delineados na proposta de De Lemos ... 18

1.1.1 Primeira fase dos estudos aquisicionais de De Lemos ... 18

1.1.2 Segunda fase dos estudos aquisicionais de De Lemos ... 22

II. A prosódia materna na perspectiva lingüístico-discursiva e a interface

com os recursos não-verbais na interação mãe-criança ... 31

2.1 Parâmetros prosódicos ... 31

2.1.1 A prosódia na fala materna dirigida ao bebê ... 34

2.2 A linguagem do corpo: os movimentos e o tocar na interação ... 42

III. Interação mãe-criança vidente X Interação mãe-criança cega ... 49

3.1 Caracterizando a deficiência visual ... 49

3.2 Efeitos da falta de visão na aquisição da linguagem ... 52

IV. Os Episódios interativos com gêmeos, cego e vidente: uma análise

... 58

4.1 Primeiro momento da análise: díade mãe-criança cega (C1) ... 58

4.2 Segundo momento da análise: díade mãe-criança vidente (C2) ... 86

4.3 Terceiro momento da análise: tríade mãe-crianças gêmeas, cega (C1) e

vidente (C2) ... 102

(12)

V. Considerações Finais ... 120

Referências Bibliográficas ... 124

(13)

Introdução

Estudos voltados à interação mãe-bebê ou mãe-criança têm conquistado cada vez mais espaço no cenário da pesquisa científica no Brasil, mais precisamente no campo da Psicologia, da Psicanálise, da Fonoaudiologia e da Lingüística. A maioria desses estudos têm privilegiado a investigação entre a díade mãe-criança vidente, alguns deles enfocam uma situação atípica1, ou seja, voltam-se para uma patologia. A interação mãe ouvinte-criança surda2 é um exemplo.

No que diz respeito à interação mãe-criança cega, é relativamente recente o interesse dos pesquisadores em estudar esta interação característica. Podemos dizer que estamos situados entre esses pesquisadores, uma vez que a interação entre a díade mãe-criança cega em processo de aquisição da linguagem é algo que nos instiga. Diante deste interesse e da escassez de pesquisas, uma situação particular encontrada, ou seja, a tríade mãe-crianças gêmeas, cega e vidente, chamou-nos a atenção e motivou-nos a investigar mais profundamente esta situação de interação peculiar.

Este trabalho centra-se no estudo das estratégias interativas maternas endereçadas a crianças gêmeas, cega e vidente, em processo de aquisição da linguagem. Pretendemos aqui discutir a seguinte questão: quais estratégias interativas utilizadas pela mãe com a criança cega são semelhantes e quais são diferenciadas das utilizadas com a criança vidente?

Com base nessa questão, partimos da seguinte hipótese: as estratégias interativas da mãe dirigidas à criança cega, em geral, serão diferenciadas daquelas que utiliza na interação com a criança vidente. Entre estas estratégias, a prosódia exerce um papel primordial e a voz um papel fundamental na díade mãe-criança cega. Como também a interface voz/tato é relevante na interação dialógica entre a díade mãe-criança cega.

Partindo desta hipótese, este estudo tem como objetivo analisar as estratégias interativas utilizadas pela mãe na relação com as crianças gêmeas, cega e vidente, em processo de aquisição da linguagem, com o intuito de compreender e descrever as diferenças e

1

Entendemos que esta situação envolve uma ou mais características de qualquer natureza, que prejudica ou limite, de alguma maneira, seu desenvolvimento natural.

2

Encontramos pesquisas sobre essa temática em: PEREIRA, M.; LEMOS, C. O gesto na interação mãe ouvinte-criança deficiente auditiva. DELTA-Revista de Documentação de Estudos em Lingüística Teórica e Aplicada, são Paulo, v. 3, n. 1, p. 01-18, 1987; PEREIRA, M. Conversação entre mães ouvintes e crianças surdas. Cadernos de Estudos Lingüísticos, Campinas, São Paulo, v. 33, n. jul/dez, p. 67-73, 1997; GOLDFELD, M. O brincar na relação entre mães ouvintes e filhos surdos. 2000. Tese (Doutorado em Distúrbios da Comunicação Humana (Fonoaudiologia)) - Universidade Federal de São Paulo. São Paulo. 2000, dentre outros estudos.

(14)

semelhanças entre essas interações singulares. Para isto, identificaremos e descreveremos os traços prosódicos da fala materna, as posturas gestuais, ou melhor, todos os recursos não-verbais, e as atitudes lingüísticas da mãe nas relações de interação com os gêmeos, cego e vidente, como também, investigaremos o papel da prosódia como via privilegiada de interação mãe-criança cega. Acreditamos que essas estratégias, com base na prosódia e no tato, poderão constituir-se como via privilegiada diante dos limites que a deficiência visual, ou melhor, a cegueira pode trazer à criança em processo de aquisição da linguagem.

O presente estudo encontra-se ancorado na perspectiva teórica em aquisição de linguagem, proposta por De Lemos (1986a; 1986b; 1989; 1995; 1997; 1999a; 1999b; 1999c; 2000; 2001; 2002) e seguidores, Guimarães de Lemos (1994; 1995), Castro (1995, 1998) e Lier De-Vitto (1997; 1998), entre outros. Assumiremos essa abordagem teórica, pois acreditamos que favorece um melhor entendimento do funcionamento de linguagem nas situações de interação entre mãe/adulto-criança, assim como da trajetória lingüística infantil em sua relação com o outro. Dentro desta perspectiva teórica de De Lemos, deter-nos-emos nos estudos de Scarpa (1985; 1990; 2001; 2005) e Cavalcante (1999; 2003a; 2003b) sobre a prosódia materna, guia de inserção da criança no diálogo, para melhor descrever os traços prosódicos da fala maternae investigar o papel da prosódia como via privilegiada de interação mãe-criança cega. Consideraremos também, na análise de nossos dados, os estudos a respeito dos recursos não-verbais, incluindo o estudo anterior de Cavalcante (1994) sobre o gesto de apontar, as reflexões de Montagu (1988)3 sobre o toque, assim como as contribuições de outros autores, Rector e Trinta (1990), Locke (1997) e Kerbrat-Orecchioni (1990), que estudaram o não-verbal. E ainda nos reportaremos, quando necessário, à literatura a respeito dos estudos voltados às interações, mãe-criança vidente e mãe-criança deficiente visual.

- Os capítulos

Esta dissertação inicia-se (Capítulo I) com a apresentação do percurso dos estudos aquisicionais realizado por De Lemos, considerando seus movimentos teóricos, desde a aproximação com o Socioconstrutivismo/Sociointeracionismo de Vygotsky e o Interacionismo de Brunner até sua interlocução atual com a Lingüística saussureana e de Jakobson e a Psicanálise Lacaniana, ou seja, das concepções mais antigas até as atuais. Nesse

3

Especialista norte-americano em fisiologia e anatomia humana, que se dedicou ao estudo de como a experiência tátil, afeta o desenvolvimento do comportamento humano.

(15)

caminho, a noção de interação dialógica na perspectiva de De Lemos será discutida, uma vez que é nela que se ancora nosso estudo, o qual apresenta como viés de análise a interação mãe-crianças gêmeas.

No capítulo II, descreveremos os estudos a respeito da prosódia materna, numa perspectiva lingüístico-discursiva, desenvolvidos por Scarpa (1985; 1990; 1997; 2001; 2005) e Cavalcante (1999; 2003a; 2003b), para compreendermos o papel da prosódia como guia de entrada da criança no diálogo. Mas, antes de descrevermos sobre a prosódia materna na fala dirigida ao bebê, abordaremos os parâmetros prosódicos que nortearão esta pesquisa. Além disso, tocaremos na questão dos recursos não-verbais, que podem estar presentes na relação de interação entre mãe e filho(s), é o que nos propomos no final desse capítulo.

No capítulo III, abordaremos estudos voltados para as interações, mãe-criança vidente e mãe-criança cega. Partiremos da caracterização da deficiência visual, destacando, em seguida, alguns estudos voltados às interações citadas, com o intuito de investigar até que ponto as atitudes e papéis preenchidos pelas mães de crianças videntes aproximam-se/distanciam-se daqueles das mães de crianças cegas e, por fim, apontaremos, segundo a literatura, os efeitos da cegueira sobre o processo de aquisição da linguagem.

No capítulo IV, analisaremos e discutiremos os episódios interativos, dos quais serão selecionados fragmentos significativos de três momentos distintos. O primeiro referente à interação entre a mãe e a criança cega, o segundo entre díade mãe-criança vidente e no terceiro serão selecionados recortes discursivos referentes à interação entre a tríade mãe-crianças gêmeas, cega e vidente.

Nas considerações finais, descreveremos as estratégias diferenciais e as semelhantes que a mãe utiliza nas relações de interação com as crianças gêmeas (cega e vidente), refletindo sobre essas estratégias e destacando novas possibilidades que minimizem os efeitos negativos da cegueira na interação dialógica, e conseqüentemente, na trajetória lingüística, ou seja, nos caminhos da aquisição da linguagem infantil.

Aspectos metodológicos

A) Descrição do corpus

O corpus foi constituído com base em transcrições fonéticas e prosódicas e na descrição da postura gestual, extraídas de filmagens de sessões quinzenais (totalizando 12

(16)

sessões e, aproximadamente 5 horas filmadas, com duração de 20 a 30 minutos cada), realizadas no ambiente domiciliar, entre a tríade mãe-crianças vidente e deficiente visual, esta última portadora de cegueira, sem outras deficiências ou problema neurológico associado. Participaram deste estudo duas crianças do sexo masculino, gêmeas idênticas, uma que apresenta uma deficiência visual, sendo apenas capaz de perceber luminosidade, característica que a impede de visualizar os objetos e as pessoas que a rodeiam e que limita muitas de suas ações e a interação com a mãe, aqui considerada, portanto, como cega (C1); a outra (C2) apresenta miopia, alteração visual que não a impede de perceber visualmente objetos e pessoas e não interfere na relação de interação com sua mãe, por isso denominada de criança vidente.

B) Procedimento

Após a aprovação do Comitê de Ética da Universidade Federal da Paraíba (Anexo A) para a realização do projeto de pesquisa proposto

,

entregamos ao Instituto de Cego Antônio Pessoa de Queiroz, da cidade do Recife uma carta de solicitação (Anexo B), para que possibilitasse nosso contato com a mãe de uma criança cega, quando explicaríamos, verbalmente e por escrito, a pesquisa a ser realizada. Por meio dessa instituição, fomos apresentadas à mãe de duas crianças gêmeas, uma cega e outra vidente, de nível socioeconômico baixo. Daí, nosso interesse voltou-se para essa situação particular.

Com a concordância em participar da pesquisa, a mãe assinou um termo de consentimento livre e esclarecido (Anexo C) e, como início do procedimento de pesquisa, realizamos uma entrevista inicial (ver anexo D), com a finalidade de coletar dados relevantes sobre a história de vida das crianças e a história da deficiência visual.

Em seguida, marcamos sessões quinzenais no ambiente familiar para observações da interação entre mãe-filhos, de tal forma que fossem identificados os traços prosódicos da fala materna, as posturas gestuais, ou seja, todos os recursos não-verbais, e as atitudes lingüísticas da mãe em relação à criança vidente e à criança cega.

A entrevista inicial foi gravada em fita cassete e as sessões de interação foram filmadas por meio de uma câmara JVC modelo VHS doméstica. Posteriormente, os diálogos registrados foram transcritos fonética e prosodicamente, e a postura gestual foi descrita ortograficamente. Para a análise, selecionamos fragmentos de alguns episódios (Anexo E)

(17)

entre a díade mãe-criança cega, a díade mãe-criança vidente a tríade mãe-crianças, cega e vidente.

C) A história das crianças gêmeas

Na entrevista individual realizada com a mãe, obtivemos dados relevantes sobre a história de vida das crianças, gêmeas idênticas, desde o período da gestação, cujo acompanhamento médico ocorreu a partir do primeiro trimestre.

Em relação aos antecedentes pré-natais, a mãe menciona que a gestação foi bastante complicada, havendo várias ameaças de aborto e uma diabete forte, somente diagnosticada por volta do 6° mês. Depois de uma semana da comunicação do diagnóstico da diabete, as crianças nasceram de parto cesáreo, prematuras, necessitando ficar na incubadora por quatro meses.

A mãe informou que, por volta de um mês de vida, as crianças foram submetidas a um exame de visão, que acusou que uma delas (C2) poderia desenvolver grave problema visual. Com relação a C1, o médico descartou a possibilidade do surgimento desse problema. Assim, somente C2 foi submetido a três cirurgias na retina realizadas com laser no período de 2 a 3 meses de vida. Hoje C2 apresenta miopia, assim como o pai, e utiliza óculos. Essa alteração visual não impede que a criança realize determinadas tarefas independentemente.

Ao sair da maternidade, as crianças estavam com 4 meses de vida. Nesse período, a mãe notou que os olhos de C1 praticamente não abriam, principalmente na claridade, e lacrimejavam constantemente. Por isso, a mãe resolveu levá-la para um hospital, que a encaminhou para a Fundação Altino Ventura, na qual o oftalmologista informou que havia passado o período de reverter o quadro. No diagnóstico oftalmológico da criança (C1) encontra-se que teve retinopatia da prematuridade4 grau V e sua capacidade visual é apenas percepção luminosa. A mãe relata que ficou triste e sentiu-se inútil ao saber do diagnóstico da deficiência visual.

C1 freqüenta o Instituto de Cegos Antônio Pessoa de Queiroz, ou melhor, o Centro de Apoio Pedagógico para Atendimento às Pessoas com Deficiência Visual – CAP, da cidade de Recife, desde agosto de 2004, quando se encontrava com aproximadamente 1 ano e 7 meses

4

A retinopatia da prematuridade pode ocorrer devido a uma imaturidade da retina pelo parto prematuro ou por alta dose de oxigênio na incubadora. Este em alta concentração provoca vasoconstrição, impedindo a irrigação da retina. A retinopatia grau I, II e III geralmente apresenta bom desempenho visual. Enquanto a retinopatia grau IV e V apresentam uma acuidade visual bastante reduzida (MEC, 2001).

(18)

de vida. No CAP, a criança cega (C1) é atendida por uma terapeuta ocupacional, que realiza estimulação visual, e por uma fisioterapeuta, que trabalha seus aspectos motores. A mãe é orientada a estimular a visão, por meio de uma lanterna, a trabalhar em casa as sensações tatéis por meio de diferentes texturas e as sensações de movimento com a criança, de tal forma que ela sinta a diferença de cada movimento realizado.

A mãe menciona que C1 não tem contato com outras crianças a não ser com o irmão. “As crianças da vizinha são malvadas, podem brigar com ele e como ele não pode ver não tem como se defender”.

Segundo a mãe, as crianças são acompanhadas por um pediatra e já realizaram diferentes exames até mesmo neurológicos, que descartaram qualquer tipo de comprometimento correlacionado ao visual.

De acordo com as informações relatadas durante a entrevista, vimos que a mãe é orientada a estimular o resíduo visual de C1 e a promover situações que estimulem o desenvolvimento das sensações táteis e de movimento, questão que pode tornar-se um diferencial nas interações dialógicas com C1, conforme veremos na análise dos episódios interativos entre a díade mãe-C1.

D) Instrumentos de análise

Analisaremos a fala materna dirigida às crianças por meio da transcrição fonética de acordo com o IPA (Alfabeto Fonético Internacional) e da transcrição prosódica, por meio da qual a descrição da qualidade vocal, altura e velocidade de fala, etc, serão registradas em parênteses logo acima da transcrição fonética. As pausas serão identificadas com o seu tempo em parênteses. Além disso, descreveremos as posturas gestuais maternas e todos os comportamentos da criança, tanto os verbais quanto os não-verbais, que normalmente, são maioria, para posterior análise. Registraremos a fala e a postura gestual materna no lado esquerdo da tabela e os da criança, do lado direito. Na primeira coluna, enumeraremos o turno discursivo.

Os recortes discursivos selecionados para análise serão descritos seguindo o modelo da ficha de transcrição (Anexo E). Com o intuito de facilitar a leitura, abaixo da transcrição fonética, inserimos uma outra, obedecendo à maneira como a palavra foi pronunciada.

A análise será realizada de forma qualitativa, já que se trata de um estudo longitudinal de uma única tríade, realizado em situações naturalísticas.

(19)

I. A aquisição da linguagem e a interação dialógica na perspectiva de De

Lemos: um percurso inicial

Neste capítulo, apresentaremos o caminho percorrido pelos estudos aquisicionais realizados por De Lemos e discutiremos a noção de interação dialógica, por meio da qual a autora estuda a aquisição de linguagem, ou seja, a trajetória lingüística infantil.

1.1 Movimentos teóricos delineados na proposta de De Lemos

Este tópico apresenta os movimentos teóricos delineados por De Lemos, ao estudar a aquisição da linguagem a partir da interação mãe-criança, desde o momento inicial, no qual se interessou em estudar a aquisição da linguagem da criança até sua concepção atual em relação a esta aquisição e à fala da criança. Considerando os movimentos teóricos na proposta de De Lemos, dividiremos os estudos realizados pela autora em duas fases. A primeira relacionada ao momento no qual seus trabalhos eram influenciados por Vygotsky e por Bruner, e a segunda fase referente à aproximação dos estudos em aquisição de linguagem com a Lingüística Estrutural, por meio de Saussure e Jakobson, e a Psicanálise com Lacan.

1.1.1 Primeira fase dos estudos aquisicionais de De Lemos

Foi por volta da década de 70, a partir da leitura de Chomsky5, que De Lemos decidiu estudar a aquisição de linguagem. E foi a partir desse contexto teórico que as pesquisas em aquisição de linguagem começaram no Brasil.

5

Como as seguintes obras: “Review of skinner, Verbal Behavior” (1959); “Aspects of the theory of syntax “(1965); e “Formal discussion of Miller and Ervin’s the development of grammar in child language” (1964).

(20)

Inicialmente, os estudos desenvolvidos pela autora eram influenciados pelas idéias de Vygotsky e Bruner, uma vez que ela partiu da intersubjetividade6, ou seja, da relação entre sujeitos, e considerava a idéia do sujeito ativo da psicologia, que tem relação com a concepção desses teóricos (DE LEMOS, 2002). Entende-se por sujeito ativo aquele capaz de construir a linguagem e a cognição na sua relação de interação com um outro.

Para compreender melhor o momento inicial, ou seja, a primeira fase dos estudos sobre a aquisição de linguagem realizados por De Lemos, inicialmente realizaremos um percurso histórico de seus estudos a partir da década de 80, do século XX.

Em meados dessa década, a autora, influenciada pela Psicologia do Desenvolvimento, procurava entender o processo de aquisição de linguagem infantil por meio do diálogo entre o adulto e a criança. Pode-se dizer que, nessa primeira fase, a perspectiva teórica de De Lemos estava centrada no diálogo mãe-criança e tinha como principal unidade de análise a relação dialógica.

Segundo De Lemos (1986b), é no diálogo mãe/adulto-criança, ou melhor, na atividade intersubjetiva, que a produção de significação é regulada. Aos turnos discursivos que os interlocutores ocupam é atribuído o estatuto de processos constitutivos do diálogo enquanto matriz de significação.

De Lemos (1989) considera o diálogo como fenômeno de natureza discursiva e, simultaneamente, como lugar de inserção da criança na linguagem. Observamos que, nessa linha de pensamento, a autora demonstra interesse pelos processos dialógicos na questão da aquisição da linguagem, tomando o lugar de inserção da criança na própria linguagem e o diálogo adulto-criança enquanto fenômeno de natureza discursiva a partir de uma unidade de análise.

O enunciado da criança era considerado “como um indício do processo instaurado pela

sua relação com a linguagem de que o outro era portador e representante” (DE LEMOS,

1989, p. 2). Pode-se dizer que o enunciado da criança apresenta uma relação de dependência em relação ao enunciado do adulto no diálogo. Diante desta concepção, De Lemos (op. cit.) apontou a existência de três processos dialógicos constitutivos do diálogo inicial entre a mãe/adulto e a criança: especularidade, complementaridade e reciprocidade.

6

Para Bruner, a intersubjetividade envolve uma função de “acordo” entre os sujeitos falantes ( GUIMARÃES DE LEMOS, 2002). Lier De-Vitto (1998) acrescenta que a noção de intersubjetividade implica sujeitos já constituídos e o outro é visto como provedor de input para a criança.

(21)

De acordo com De Lemos (op.cit.), o processo de especularidade pode ser entendido como o movimento, inicialmente do adulto e posteriormente da criança, de incorporar ou especular o enunciado produzido pelo outro. As primeiras emissões da criança são resultados desse processo recíproco de espelhamento. Seguidores de De Lemos, Guimarães de Lemos (1995; 2002) e Lier De-Vitto (1998) posicionam-se diante da questão do processo de especularidade. A primeira autora (op. cit.) diz que a especularidade revela a alienação do sujeito como dimensão constitutiva, que estaria na base de todas as transformações simbólicas que operam na fala. Lier De-Vitto (op.cit.) acredita que a imitação remete à especularidade e que a dimensão constitutiva desta é revelada pelos fragmentos congelados ou não analisados que circulam no dizer da criança. Apesar da relação entre a imitação e a especularidade, Guimarães de Lemos (2002) diz que são distintas, uma vez que a primeira é um comportamento (do sujeito) e a segunda, processo de estrutura, que garante que o sujeito se veja através do outro.

Quanto ao processo de complementaridade, a produção da criança preenche um lugar semântico, sintático ou pragmático instaurado pelo enunciado do outro (DE LEMOS, 1989). Pode-se dizer que este processo é:

representado pela relação de pergunta da mãe com a resposta da criança e, principalmente, pela relação formal entre as partes mutuamente incorporadas que parecem complementar-se, compondo uma unidade ou instanciando uma “sentença” (DE LEMOS, 2002, p. 46-47).

Já o processo de reciprocidade trata da possibilidade da criança de preencher os papéis dialógicos antes assumidos pelo adulto, instaurando o diálogo e o adulto como interlocutor (DE LEMOS, 1989). Goldgrub (2001) diz que o termo reciprocidade ilustra a finalização de um ciclo mediante o qual a criança se deslocaria da posição de reprodutora do enunciado do outro para emissora de seu próprio discurso.

No decorrer de seus estudos, De Lemos passou a pensar que esses processos não seriam mais produtivos no estudo da aquisição da linguagem, uma vez que, ao chegar no processo de reciprocidade, a criança passaria a ter o domínio da língua, o que traz à tona a

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concepção de um sujeito “detentor” e a idéia de que a língua é algo que está fora e que deve ser adquirida gradativamente pela criança. Assim, apenas o processo de

especularidade7 permanece ativo nos trabalhos recentes da autora8 (2002).

De Lemos (1986a) observou que, na literatura psicológica, o termo interacionismo foi utilizado para designar uma posição epistemológica distinta do racionalismo e do empirismo, na medida em que assume a interação como matriz de transformações qualitativas do indivíduo.

A autora recusa o empirismo, o racionalismo e a secundarização da linguagem, propondo a radicalização da abordagem interacionista, com o intuito de incluir o processo de socialização ao aporte teórico da investigação, uma vez que a inserção no simbólico exigiria uma vinculação ao mesmo tempo intersubjetiva e cultural. É este o momento em que Vygotsky torna-se referência nos estudos de De Lemos, já que a obra do autor Pensamento e

Linguagem “tematiza conjuntamente a questão do discurso interno em sua relação com a

problemática da subjetividade e a inserção do sujeito no universo cultural” (GOLDGRUB, 2001, p. 141).

De Lemos (1986a) separa os estudos conhecidos como interacionistas em três categorias ou classes: a primeira categoria de estudos interacionistas, que surge no início dos anos 70, representada na primeira parte da coletânea organizada por Snow & Ferguson (1977) e conhecida como a hipótese do “manhês”, foi definida pela visão facilitativa que impõe à relação entre o comportamento lingüístico do adulto na interação com a criança e seu desenvolvimento lingüístico. Nos trabalhos referentes a essa categoria, está em questão a relação do aprendiz com o input lingüístico, logo não é levada em consideração a interação

7

O conceito de especularidade aproxima-se da noção de espelho introduzida por Lacan. Para melhor compreensão desta noção, sugerimos a leitura do texto: “O estádio do espelho como formador da função do eu tal como nos é revelada na experiência analítica” (1998).

8

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adulto-criança, nem a atividade comunicativa, característica que a distancia de ser, de fato, interacionista.

A segunda e a terceira categorias de estudos conhecidos como interacionistas afastam-se de uma função facilitativa em favor de uma relação explicativa entre interação social ou comunicação e o processo de aquisição de linguagem (DE LEMOS, op. cit.).

Nos trabalhos da segunda classe, representada por Bates et al (1975), Dore (1975), Carter (1974), entre outros autores, a unidade de análise é o comportamento comunicativo da criança, seja gestual ou vocal, vocal ou prosódico, no período antecedente à emergência da linguagem. A característica comum desses trabalhos é a categorização dos comportamentos infantis como realizações não-lingüísticas de intenções comunicativas da criança, ou seja, de atos de fala (DE LEMOS, 1986a).

Na terceira categoria, estão incluídas as linhas de pesquisa cuja unidade de análise é a própria interação, ou melhor, as seqüências interacionais de que a criança e seu interlocutor mais experiente, geralmente a mãe, participam. É nesta terceira categoria que se encontram inseridos os trabalhos de Bruner e da própria autora, De Lemos (Ibidem).

Porém, num movimento que se delineia ao longo da década de 90, De Lemos (1995; 1999a) vai se distanciando do “rótulo” interacionista, mesmo que assuma ter incluído alguns de seus trabalhos nesse rótulo.

De Lemos (1999a) justifica sua posição (rejeitar e assumir o rótulo interacionismo), que tende a ser classificada como contraditória, voltando aos anos de 1975, momento em que se deu conta da dificuldade de descrever a fala infantil tomando apenas a lingüística como instrumento de análise, uma vez que a fala da criança espelhava a fala do adulto (do outro) e esta categoria “outro” não existia teoricamente para a lingüística. Então, a solução era:

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buscar na psicologia ou em trabalhos sobre Aquisição de Linguagem inspirados em teorias psicológicas sobre desenvolvimento um lugar para esse outro que, como representante da língua para a criança, tinha um efeito no percurso da aquisição de linguagem. Bruner era, naquele momento, quem conduzia essa linha de pesquisa, já cunhada então de interacionista, na medida em que privilegiava a interação (DE LEMOS, 1999a, p. 13).

A autora aponta que perspectivas defensoras de hipóteses interacionistas, como por exemplo a de Bruner (1975), as quais tomavam a interação inicial entre criança e adulto como matriz comunicativa do desenvolvimento lingüístico, funcionaram para ela como apoio parcial para vincular a heterogeneidade da fala da criança ao seu estatuto de dependência da fala materna. (DE LEMOS, 1997).

Caracterizando a primeira fase dos estudos realizados por De Lemos, vimos uma aproximação das concepções teóricas de Vygotsky e Bruner, teóricos filiados à Psicologia do Desenvolvimento. A seguir, entraremos na segunda fase dos estudos aquisicionais da autora.

1.1.2 Segunda fase dos estudos aquisicionais de De Lemos

A instância subjetiva, a qual pode ser observada nos fragmentos da fala do outro e nos enunciados insólitos da criança9, leva De Lemos (1999a) a distanciar-se dos teóricos da Psicologia do Desenvolvimento e buscar, na Psicanálise, particularmente em Lacan, a noção de sujeito10, e na lingüística estrutural, ou seja, em Saussure e Jakobson, a noção de estrutura11, caracterizando a segunda fase de sua abordagem.

A noção dessa instância subjetiva implica que os sujeitos, ou seja, a mãe e a criança constituem-se mutuamente enquanto falantes durante o processo de aquisição da linguagem. De Lemos (1995) diz que os sujeitos constituem-se na/pela língua, subjetivam-se inseridos na língua.

9

Produções estranhas da fala da criança.

10

Atravessado pela linguagem.

11

Enquanto sistema e movimentos de signos, estes últimos relacionados às relações associativas e sintagmáticas, as quais serão retomadas mais adiante.

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Vem à tona, neste novo direcionamento, o processo de subjetivação, determinado pela língua em funcionamento e “definido como mudanças de posição da criança em uma

estrutura cujos pólos são a língua, o outro e a própria criança” ( DE LEMOS, 1999b p. 1).

Assim, a autora (op. cit.) identifica, através de um processo de subjetivação, a natureza das mudanças de posição da criança enquanto falante, buscando explicar sua relação com a língua.

O processo de aquisição da linguagem é definido pela mudança de posição da criança em uma estrutura, ou seja, na língua, cujos pólos são o outro (enquanto instância representativa da língua), a língua (em seu funcionamento) e a criança (como sujeito falante) que emerge na estrutura (DE LEMOS, 1999c). Essa noção de estrutura distancia-se da idéia de ordenação de estágios e sua superação, no sentido de em que não há superação de nenhuma das três posições12, mas uma relação de dominância que se manifesta (DE LEMOS, 1999b; 2002).

Na primeira, pela dominância da fala do outro, na segunda posição, pela dominância do funcionamento da língua e, na terceira posição pela dominância da relação do sujeito com a própria fala (DE LEMOS, 2002, p. 56).

Dentro dessa perspectiva, ao estudar a aquisição da linguagem, ao invés de se falar em desenvolvimento13 seria mais adequado referir a mudança de posição da criança em sua relação com a língua.

A criança é capturada pelo funcionamento da língua na qual é significada pelo outro, como falante. Essa captura tem o efeito de colocá-la em uma estrutura em que comparece o outro como instância de interpretação, e o Outro – a língua, o sistema como depósito e rede de significações. Nessa mesma estrutura, encontra-se o outro/adulto, enquanto sujeito falante. Assim, criança e adulto estão submetidos ao sistema, ao movimento da língua (DE LEMOS, 2001). Esses movimentos ocorrem na relação de interação dialógica outro/adulto-criança.

12

Essas posições serão descritas posteriormente com maior detalhe, no tópico Posições discursivas na relação mãe-criança.

13

Este termo é comumente utilizado na literatura sobre aquisição da língua materna para caracterizar o processo no qual o conhecimento lingüístico vai sendo gradativamente adquirido e aprendido através de construções e reconstruções realizadas pela criança.

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Com base na perspectiva de De Lemos (1982; 1986a; 1992; 2001) e seguidores, Arantes, Lier- De Vitto (1998) e Castro (1995; 1998), enfocaremos esta interação relacionando-a com a interpretação. É o que nos propomos a seguir.

- A interação dialógica e a interpretação

Na área de Aquisição de Linguagem, o compromisso teórico com a noção de interação, assumido por De Lemos e seguidores, abrange a noção de interpretação e torna necessário entender interação e interpretação como determinação, como força fundante do sujeito e da linguagem, uma vez que o outro e sua relação com a fala da criança ocupam lugar central (ARANTES; LIER-DE VITTO, 1998).

Na abordagem teórica proposta por De Lemos (1982; 1986a; 2001), a interação é o espaço dialógico, no qual mãe/adulto e criança estão envolvidos e os significantes infantis são postos em circulação e interpretados pela mãe/adulto. Assim, segundo Castro (1995), pode-se dizer que a relação/interação dialógica ocorre na medida em que a criança é falada no sistema do outro ou que seus significantes – fragmentos incorporados e fragmentos cristalizados são interpretados pelo adulto. Os significantes utilizados pela criança voltam, pois, pela interpretação, para o sistema em funcionamento do adulto, sendo postos em novas relações e sofrendo, conseqüentemente, resignificação.

Para compreender o papel da interpretação do adulto na aquisição da língua materna deve-se levar em consideração que os significantes do próprio adulto são incorporados, promovendo transformações na fala da criança (CASTRO, 1995). Segundo Castro (1998), a interpretação deve ser reconhecida como um ponto de subjetivação, que na relação mãe-criança caracteriza-se muitas vezes pela restrição que os enunciados da primeira impõem à fala desta última.

Dentro dessa perspectiva, observamos que a interação dialógica é estudada para compreender as mudanças de posição da criança em sua relação com a língua no processo de aquisição de linguagem, na qual o diálogo representa o lugar de inserção da criança na língua, sendo considerado a unidade de análise desse processo.

Voltando aos movimentos teóricos percorridos por De Lemos ao estudar a aquisição de linguagem, vimos que inicialmente há uma aproximação com a Psicologia do Desenvolvimento e, no segundo momento, com a Lingüística estruturalista, ou seja, com Saussure e Jakobson, e com a Psicanálise lacaniana. Daí, poderíamos pensar na existência da relação entre a Lingüística e a Psicanálise no campo de estudo da aquisição de linguagem. Tal relação pode ser melhor observada a partir do estudo que a autora realizou acerca dos

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processos metafóricos e metonímicos, uma vez que essa mudança de referencial teórico foi confirmada através do texto: “Los procesos metafóricos y metonímicos como mecanismos de

cambio”, publicado em 1992. Neste momento, olharemos mais profundamente essa relação.

- Aquisição de linguagem: Lingüística e Psicanálise

Nos estudos iniciais dos processos metafóricos e metonímicos, realizados por De Lemos, constam as elaborações da autora a partir da inclusão de um referencial teórico estruturalista em sua obra, principalmente de Saussure e Jakobson, com base na leitura destes feita por Lacan (GUIMARÃES DE LEMOS, 1994).

Inspirada em leituras de Lacan (1966) e na releitura de Saussure (1916/1972) e Jakobson (1963), a autora (1992; 1995; 1999c; 2002) utiliza o estatuto dos processos metafóricos e metonímicos, inicialmente propostos por Jakobson, para compreender as mudanças na relação da criança com a língua materna no percurso de sua constituição como falante, ou seja, na aquisição de linguagem.

Jakobson, partindo da idéia de Saussure a respeito das relações associativas e sintagmáticas14, reinterpreta e renomeia essas relações a partir das figuras de linguagem existentes na retórica clássica, metáfora e metonímia, respectivamente, daí o surgimento dos termos processos metafóricos e metonímicos.

Segundo Jakobson (1985), o processo metafórico tem como característica a similaridade, isto é, envolve a seleção e a substituição, as quais são duas faces de uma mesma operação. Nesse contexto, é possível substituir um termo por outro equivalente em um aspecto e diferente em outro, graças à seleção entre termos alternativos. Já o processo metonímico apresenta como característica a contigüidade, o que indica que envolve a combinação e o contexto para unidades mais simples ou encontra seu próprio contexto em uma unidade lingüística complexa.

De Lemos (2002) utiliza a noção dos processos acima descritos para explicar a aquisição da linguagem infantil, ou seja, a trajetória lingüística da criança da posição de infans15 a de sujeito falante. Segundo a autora, a partir de substituições (metáforas) e de

combinações/contiguidades (metonímias), é possível compreender os movimentos que caracterizam a mudança de posição da criança na língua. Nesses movimentos, a criança passa por três posições distintas enquanto falante, as quais apresentaremos a seguir.

14

As relações associativas, também conhecidas como paradigmáticas, associam-se na memória e ocorrem fora do discurso, formando grupos dentro dos quais prevalecem relações muito diversas. Essas relações unem termos ausentes na cadeia discursiva, sendo conhecidas como “relações in absentia” . Enquanto, as relações sintagmáticas resultam do encadeamento de termos no discurso e estão baseadas no caráter linear da língua, que exclui a possibilidade de pronunciar dois termos simultaneamente, os mesmos encontram-se alinhados um após o outro na cadeia da fala. Esse tipo de relação se estabelece entre dois ou mais termos presentes no discurso, por isso são denominadas de “relações in praesentia” (SAUSSURE, 1995).

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- Posições discursivas na relação mãe-criança

Na abordagem de De Lemos (1997; 1999b; 1999c; 2000; 2002), a criança vai-se constituindo como falante inserida na língua e, nesse percurso, assume diferentes posições discursivas em relação à língua16.

Na primeira posição, a criança encontra-se circunscrita à fala do outro, ainda não capaz de interpretar a língua, ela especula a fala do outro, sendo dependente dessa fala. O fragmento presente na fala da criança é como um vestígio metonímico das cadeias pelas quais o outro a interpreta. Assim, o pólo dominante é o outro, pois o funcionamento da língua se dá através das relações de significantes deste sujeito (DE LEMOS, 1999b; 2002).

Vale mencionar que, apesar da condição de dependência da criança em relação à fala materna, não se pode dizer que há uma assimilação do tipo reprodutivo em relação aos enunciados do outro, uma vez que há, desde sempre, uma língua em funcionamento, que determinaria um processo de subjetivação, o qual impede que haja uma coincidência entre a fala da criança e a do outro (DE LEMOS, 1999c; 2002).

Para exemplificar melhor essa posição, faremos uso de um episódio dialógico, utilizado pela própria autora em alguns de seus artigos (1997; 1999b; 1999c; 2002, etc). Episódio 1 (Criança entrega para mãe uma revista tipo Veja)

(legenda: C – criança; M – mãe) 1. C.: ó nenê/o auau

2. M.: Auau? Vamo acha o auau? Ó, a moça ta tomando banho 3. C.: ava? Eva?

4. M.: É. Tá lavando o cabelo. Acho que essa revista não tem auau nenhum. 5. C.: auau

6. M.: Só tem moça, carro, telefone. 7. C.: Alô?

8. M.: Alô, quem fala? É a Mariana? (Mariana 1; 2.15)

Neste episódio, De Lemos (1999c; 2002) aponta que a relação de contigüidade teceria o diálogo entre criança e mãe, mostrando uma dominância do processo metonímico na fala inicial. Como se pode observar, os fragmentos infantis (ava? Eva?), presentes na linha 3, são convocados pela expressão tomando banho (linha 2) presente na fala materna, assim como a relação entre telefone ( linha 6), no enunciado da mãe, e alô, na fala da criança sugerem que esta se ancora em fragmentos que fazem parte de outros textos ou cenas nos quais estas relações – tomando banho/ava eva e telefone/alô – estão presentes. As relações entre esses enunciados falados pela mãe e pela criança apresentam uma não-coincidência, uma vez que vão além da semelhança e os enunciados desta última precisam de uma interpretação do outro para significá-los e para que o diálogo prossiga e tenha coerência. Desse modo, pode-se dizer que essas relações também sugerem uma dependência da criança à fala/interpretação materna.

16

Desde a condição de interpretado pelo outro até o momento em que passa a ser intérprete de sua própria fala e da fala do outro.

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Além disso, a autora (op. cit.) observa que a fala da criança retoma parte dos enunciados utilizados pela mãe como podemos observar, na linha 5, quando a criança diz auau, especulando um enunciado da fala materna, esta situação reforça a dominância do pólo do outro.

Na segunda posição, a criança é um falante submetido ao movimento da língua. Nesse momento, ocorre a entrada do outro/interlocutor no diálogo da criança, no entanto ela se mostra impermeável ao pedido de correção do interlocutor, o que sugere que ainda não é capaz de escutar/reconhecer o próprio erro e a diferença entre sua fala e a fala do outro. Nessa posição, há uma dominância do funcionamento da língua (DE LEMOS, 1997; 1999b; 2002).

O erro é a característica principal da segunda posição, pois, através dele, a criança (re) significa sua linguagem tendo como referência a fala do outro. O erro pode ser visto “como indício de (re) significação pela criança de fragmentos incorporados da fala do outro” (DE LEMOS, 1999c, p. 18). A autora descreve o erro como parte integrante da aquisição de linguagem, pois é concebido como marca da singularidade da fala infantil.

“O erro na fala da criança, em diferentes momentos de seu percurso como falante, tem seu estatuto determinado pela posição que a criança ocupa em uma estrutura cujos pólos são a língua e o outro” (DE LEMOS, 2000, p. 14).

Abaixo, descreveremos um episódio dialógico utilizado por De Lemos (1997; 1999b; etc) para caracterizar melhor essa segunda posição discursiva.

Episódio 2 (Quando C. faz muito barulho, M. a repreende dizendo que ela vai acordar a vizinha, Flávia, que está dormindo. Durante este episódio, C. brinca com a bola)

1. M.: Esta bola faz muito barulho. 2. C.: A Flávia é nananda.

3. M.: É, a Flávia está nanando e você fica fazendo barulho. (Mariana: 1;9.15)

Neste episodio, o processo metonímico mostra-se no diálogo através da relação entre

barulho no enunciado da mãe e o enunciado da criança A Flávia é nananda. O “erro” presente

neste enunciado, ou seja, a substituição do verbo está por é, assim como a do gerúndio

nanando por nananda, mostra uma relação com o processo metafórico. Assim, o que aparece

como “erro”, isto é, a presença do verbo auxiliar “ser” com o gerúndio na forma progressiva e concordância do gerúndio com a forma nominal feminina, resulta de um processo metafórico (DE LEMOS, 1997; 2002). Além disso, é observada a dominância do funcionamento da língua sobre a relação da criança com a fala do outro, a partir do erro, ou seja, da substituição do verbo ser em: é nananda presente na fala da criança pelo verbo estar em: está nanando, presente na enunciado do adulto. Esse erro da criança ocorre como diferença em relação aos significantes do adulto. Como vimos, nesta posição, a criança não se desloca em relação à reação do adulto diante do seu erro, não reconhecendo/escutando no enunciado do outro a diferença que o opõe a sua própria fala (DE LEMOS, 1999b). Tal situação irá modificar-se na terceira posição discursiva ocupada pela criança.

Na terceira posição, caracterizando a fase de desaparecimento dos erros, a criança está submetida à língua e à fala do outro. Esse desaparecimento do erro caracteriza o estado

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chamado de estável, o qual coincide com a ocorrência, na fala da criança, de pausas, reformulações, correções provocadas pela reação do interlocutor e autocorreções. Essas reformulações, correções e autocorreções acontecem sob a forma de substituições, o que significa que elas também remetem aos processos metafóricos e metonímicos que implicam o reconhecimento da diferença entre a unidade a ser substituída e aquela que vem substituir. Tal posição representa um deslocamento do falante em relação à sua própria fala e à fala do outro. Aqui, os processos metafóricos e metonímicos regem as relações entre fala e escuta, instâncias subjetivas distintas, que permitem à criança, enquanto sujeito falante, dividir-se entre aquele que fala e aquele que escuta sua própria fala, sendo capaz de retomá-la e reconhecer a diferença entre sua fala e a fala do outro (DE LEMOS, 1997; 1999b; 1999c). Para ilustrar melhor essa posição, descreveremos um episódio utilizado pela própria autora em seus artigos (1999b; 2002).

Episódio 3 ( Uma amiga (T.) da mãe da criança riscou no chão quadros para C. e ela brincarem de amarelinha, mas estava faltando um dos quadros).

1. C.: Quase que você não fez a amarelinha. 2. T.: O que, Verrô?

3. C.: Faz tempo que você não faz amarelinha sua 4. T.: O que, Verrô? Eu não entendi.

5. C.: Está faltando quadro na amarelinha sua. (Verônica 4;0.8)

Neste episódio, o erro pode ser observado no enunciado da criança, como na 1ª e 2ª linhas, mas a reação do interlocutor (T.) a ele é reconhecida pela criança, desencadeando tentativas de correção e reformulação, característica marcante da terceira posição. Como

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mencionamos anteriormente, de acordo com De Lemos (1997) essas reformulações e correções ocorrem, sob a forma de substituição, o que indica que há relações com os processos metafóricos e metonímicos.

“A substituição de quase que por faz tempo que e, finalmente, pela expressão adequada está faltando, mostra que essa escuta repercute sobre o que ela escuta de sua própria fala” (DE LEMOS, 1999b, p. 11).

É a partir da posição descrita acima que a criança é capaz de retomar e reformular sua própria fala, assim como de perceber seus erros, realizando auto-correções.

Segundo Lier De-Vitto (1997), pesquisadores que estudaram os monólogos da criança acreditam que os dados, interpretados como autocorreções e reformulações, sinalizam o desenvolvimento dos comportamentos metalingüísticos. Assim, “essas habilidades metalingüísticas explicitariam, no campo da aquisição da linguagem, o momento em que a criança começa a tomar consciência da inadequação de sua fala e a corrigir-se” (Ibidem: 28). Nessa posição, existe um movimento de assemelhamento à fala do outro, à medida que há um deslocamento do falante em relação à sua fala e à fala do outro (DE LEMOS, 1997). Assim, de acordo com De Lemos (2002), o pólo dominante é a relação do sujeito com a própria fala.

Os erros e acertos na fala da criança não devem ser vinculados ao conhecimento que se apresenta da língua. Mas, precisam ser entendidos numa relação dialética de alienação e separação relativamente à fala do outro. Na fala da criança “a língua, o outro e o próprio

sujeito que emergem dessas relações estão estreitamente vinculados” (DE LEMOS, 1999b, p.

7).

De Lemos aponta a importância do papel do outro no processo de aquisição de linguagem, pois é no outro que a criança vai se espelhar para falar, e este, por sua vez, irá (re) significar a criança como falante. “... o outro é como representante da língua para a criança” (DE LEMOS, 1999a, p. 13). O outro ocupa lugar enquanto instância de funcionamento lingüístico discursivo, posição que lhe permite interpretar a criança (DE LEMOS, 1995). A autora coloca em questão as transformações da criança em si e atribui ao diálogo e aos processos dialógicos sua importância no desenvolvimento lingüístico da criança (DE LEMOS, 1997).

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De Lemos (op. cit.) buscou relacionar a heterogeneidade da fala infantil à dependência da fala adulta, com o propósito de redefinir o processo de aquisição de linguagem, como uma maneira pela qual a criança passa da posição de interpretado à posição de intérprete. A criança tem a fala do adulto como instância de língua constituída, que (re)significará a linguagem da criança em seu processo de aquisição.

Considerando a abordagem Estrutural17 proposta por De Lemos podemos afirmar que a mãe e a criança se constituem como sujeitos no diálogo, ou seja, inseridos na língua, constituem-se como sujeitos falantes.

Esta dissertação fundamenta-se na abordagem apresentada uma vez que acreditamos ser a melhor que explica a aquisição da linguagem nas situações de interação mãe- crianças e nosso estudo tem como enfoque tais situações.

Inserida na abordagem proposta por De Lemos ao estudar a aquisição da linguagem infantil, dentro de uma perspectiva lingüístico-discursiva, trataremos, no próximo capítulo, os estudos de Scarpa (1985; 1990; 1991; 1996; 1999; 2001; 2005) e Cavalcante (1999; 2003a; 2003b; 2005) sobre a prosódia materna, guia de inserção da criança no diálogo, e abordaremos os recursos não-verbais, considerando suas interfaces com a voz (prosódia).

II. A prosódia materna na perspectiva lingüístico-discursiva e a interface

com os recursos não-verbais na interação mãe-criança

Neste capítulo, enfocaremos a prosódia materna na perspectiva lingüístico-discursiva estudada por Scarpa (1985; 1990; 1991; 1996; 1999; 2001; 2005) e Cavalcante (1999; 2003a; 2003b) para facilitar nossa descrição dos traços prosódicos e investigação a respeito do papel da prosódia como via privilegiada de interação mãe-criança cega. Entraremos na questão da prosódia na fala materna dirigida ao bebê e na discussão do papel dos recursos não-verbais, isto é, não-lingüísticos, entre eles o gesto de apontar, movimentos corporais e faciais e, em especial, o toque, uma vez que neste estudo iremos identificar e descrever as posturas e os recursos não-verbais utilizados pela mãe das crianças gêmeas, cega e vidente, nas situações de interação.

17

Termo que chamamos a abordagem teórica de Lemos com a inclusão da referência estruturalista, com Saussure e Jakobson, e da Psicanálise lacaniana.

(33)

Antes de iniciarmos a discussão da prosódia materna, necessitamos esclarecer os parâmetros prosódicos básicos que nortearão este trabalho.

2.1 Parâmetros prosódicos

Cavalcante (1999) apresenta um quadro geral sobre os elementos prosódicos e paralingüísticos, com o intuito de ter melhor compreensão dos elementos supra-segmentais. Alguns dos elementos supra-segmentais encontrados na produção da fala materna apresentam três parâmetros prosódicos: altura, duração e intensidade (Ibidem).

A altura é o parâmetro prosódico mais relacionado com a entonação. Apresenta como correlato acústico a freqüência fundamental (F0), determinada pelas vibrações das moléculas de ar diante das pregas vocais. Quanto maior for essa vibração mais alto será o valor da freqüência fundamental e, inversamente, quanto menor a vibração das pregas mais baixo será o valor de F0. Daí, resultam as vozes percebidas como agudas no primeiro caso e as graves, no segundo (CRUTTENDEN, 1997).

O espaço compreendido entre o som mais grave e o mais agudo na fala de um indivíduo é denominado tessitura, a qual é considerada um dos fenômenos que sinalizam os turnos lingüísticos nas situações dialógicas (CAGLIARI; MASSINI-CAGLIARI, 2001).

Assim como a aproximação da altura com a entonação apontada anteriormente, Cagliari e Massini-Cagliari (2003) afirmam que as aproximações entre a tessitura e a entonação são nítidas. Enquanto a primeira focaliza as variações nos intervalos entre freqüência mais grave e mais aguda do indivíduo, a segunda é constituída sobre as variações da freqüência fundamental nos limites do enunciado. As variações da freqüência fundamental constituem os padrões entonacionais dos enunciados e as variações de registro (tessitura) podem deslocar esses padrões para níveis mais graves ou mais agudos.

Logo, podemos afirmar que a variação da tessitura muda de acordo com o contexto dialógico estabelecido na interação. Cagliari (1992) diz que, no controle dos turnos dialógicos, usar continuamente uma tessitura alta, sobretudo quando as falas se sobrepõem, pode indicar pedido de turno durante a fala do outro. Já uma tessitura muito baixa pode ocorrer quando se tem o intuito de sinalizar o final de um turno conversacional, para que o interlocutor continue a conversa, ocupando o turno no diálogo.

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Segundo Cagliari e Massini-Cagliari (2003), o estudo da tessitura é relevante na determinação do papel dos elementos prosódicos, enquanto organizadores do contínuo da cadeia sonora e reveladores da estrutura do discurso.

A duração, por sua vez, corresponde à organização no tempo que a língua faz das sílabas de uma palavra, ou seja, que um segmento leva para ser produzido. Esse parâmetro apresenta como correlato acústico o tempo (CAVALCANTE, 1999).

Já a intensidade representa o parâmetro prosódico que o ouvinte percebe relacionado à maior ou menor energia com que seu interlocutor produz um som ou um enunciado. Apresenta, como correlato acústico, a amplitude, que significa o deslocamento máximo da partícula de ar com relação a seu ponto de repouso (Ibidem).

Cavalcante (op. cit.), ao analisar a fala materna dirigida ao bebê no decorrer da interação mãe e bebê, observa que, dentre os parâmetros prosódicos apresentados, as variações de altura, principalmente nas curvas ascendentes de altura com freqüências fundamentais (F0) bastante elevados, são utilizadas com maior freqüência. “Duração e intensidade também desempenham em conjunto com a altura a caracterização deste tipo de fala” (Ibidem: 34).

Além desses parâmetros prosódicos, Cavalcante (op. cit.) destaca outros, como o grupo tonal, que é unidade dos padrões entonacionais e a entonação, da qual fazem parte a pausa, o ritmo e a velocidade de fala.

A entonação corresponde ao termo genérico que engloba tom (altura como correlato fonológico), altura, já definida, e contorno, entendido como a configuração quase visual do enunciado em termos de tessitura e direção de curva (CAVALCANTE, op.cit.).

A entonação é o fenômeno que apresenta contrastividade lingüística máxima dentro da gama dos efeitos vocais e tem como função a distinção de significados (CAVALCANTE, 1999).

Na língua portuguesa, diferentes entonações envolvem padrões melódicos predeterminados pelo sistema. Nesse caso, as frases afirmativas se diferenciam das interrogativas, uma vez que aquelas apresentam padrão entonacional descendente e estas, ascendente ( CAGLIARI, 1992; CAGLIARI; MASSINI-CAGLIARI, 2001).

Em relação à pausa, Cavalcante (op. cit.) menciona que pode ser de dois tipos: pausa preenchida (como no caso de hesitação) e não preenchida (no caso do silêncio). E Cagliari (1992, p. 143) afirma:

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o uso de pausas ‘fora do esperado” representa uma hesitação, o que revela uma re-organização do processo de produção da fala (ou da linguagem, melhor dizendo), ou uma atitude do falante para impressionar o seu interlocutor.

Cagliari (1992) diz ainda que a pausa pode desempenhar diferentes funções. Pode apresentar uma função aerodinâmica que permite ao falante respirar durante a fala; ter uma função de segmentação da fala, podendo, por isso, ocorrer depois de frases, sintagmas, palavras e até mesmo depois de sílabas, quando se “silaba” uma palavra. Ainda para este autor, a pausa pode ser usada para indicar um deslocamento de elementos sintáticos e para sinalizar algum tipo de mudança repentina ou radical do conteúdo semântico, que se vai iniciar ou terminar. Há tipo de pausa como maneira de enfatizar ou chamar a atenção para o que se vai dizer em seguida ou para segmentar a fala em sintagmas de um jeito particular. A velocidade de fala, algumas vezes confundida com o ritmo, corresponde à taxa de elocução no discurso (CAVALCANTE, op. cit.). Variações de velocidade de fala podem causar modificações fonéticas. Essas variações podem ocorrer para enfatizar o que se diz (desaceleração), para evitar que o interlocutor ocupe o turno (aceleração) ou para indicar final de argumentação e de turno discursivo nos diálogos (desaceleração) (CAGLIARI; MASSINI-CAGLIARI, 2001).

Quanto ao ritmo, Cagliari e Massini-Cagliari (op.cit.) definem sua noção em termos fonéticos como a maneira como as línguas organizam no tempo os elementos salientes da fala. O ritmo está relacionado com a maneira como as línguas organizam a substância fonética no tempo.

Cavalcante (1999) aponta duas visões acerca do ritmo na língua: uma temporal e uma não-temporal. A primeira abrange o ritmo de acordo com a periodicidade (recorrência de um evento em períodos regulares) e a isocronia (duração igual dos períodos de tempo em que o evento ocorre). Já para a visão não-temporal, o ritmo é estabelecido na mente do ouvinte quando ele percebe impressões como um todo e não como uma sucessão de eventos não relacionados.

Em relação aos parâmetros prosódicos apresentados, Cavalcante (op. cit.) sugere que são envolvidos quando se propõe uma análise considerando elementos supra-segmentais e que, na fala materna dirigida ao bebê, alguns ocorrem com maior, outros com menor freqüência. Tais parâmetros representam as principais modificações passíveis de serem trabalhadas, através da voz, na inserção da criança na língua. “De forma que a língua

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