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MELHOR POSSÍVEL : A DISCIPLINARIZAÇÃO DO CORPO INFANTIL NA EDUCAÇÃO NÃO FORMAL DO ESCOTISMO

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“MELHOR POSSÍVEL”: A DISCIPLINARIZAÇÃO DO CORPO

INFANTIL NA EDUCAÇÃO NÃO FORMAL DO ESCOTISMO

Andressa Barbosa de Farias Leandro Universidade Federal de Campina Grande-UFCG

andressa-leandro@ig.com.br Adriano Peixoto Leandro

Universidade Federal De Campina Grande-UFCG adrianopeixoto@ifpb.edu.br

Resumo: O Escotismo, movimento de educação não formal, foi criado no ano de 1907, pelo general inglês Robert Stephenson Smyth Baden-Powell, para complementar a educação dos jovens ingleses. Propagando um discurso assentado na disciplina, na moral e no altruísmo, o Escotismo logo se expandiu para outros países, inclusive para o Brasil. Devido a insistência das crianças que queriam acompanhar seus irmão mais velhos nas atividades escoteiras, Baden-Powell decide fazer algumas alterações e adaptações no método escoteiro, para adequá-lo à faixa etária infantil, criando dessa forma, o Ramo Lobinho para agregar as crianças dos 7 aos 10 anos. O presente trabalho tem como principal interesse, refletir sobre a adequação do Método Escoteiro para adequá-lo à faixa etária infantil, problematizando a disciplinarização da infância na educação não formal do Escotismo.

Palavras-chave: Corpo infantil, Disciplinarização, Educação não formal, Escotismo.

Introdução

O Escotismo foi gestado pelo general inglês Robert Stephenson Smyth Baden-Powell, com o intuito de complementar a educação dos jovens ingleses, em um momento em que a instituição escolar formalista enfrentava severas críticas. Ao elaborar o seu Método Escoteiro, Baden-Powell coadunava com as inovações educacionais de sua época, que visavam transformar a escola e o seu papel educativo, adequando-os a sociedade moderna. De acordo com Cambi (1995), essas inovações se nutriam de um forte ideal libertário e progressista, respaldada no movimento de emancipação social e política dos indivíduos, que rejeitavam o aspecto elitista da escola.

Essa renovação da educação foi chamada de “ativismo” ou “Escola Nova”, se configurando em um movimento internacional, sobretudo, europeu e americano, que surgiu no final do século XIX e, consolidou-se, na primeira metade do século XX. O Ativismo se

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caracteriza por colocar a criança, no centro do processo de aprendizagem, enfatizando o aprender a fazer. Desse modo, o ensino se dá pela ação e não pela instrução, rompendo, portanto, com a instituição escolar formalista.

Influenciado pelas ideias do Ativismo, Baden-Powell defendia que a educação é um processo contínuo que acontece de dentro para fora, argumentava que se o jovem fosse estimulado de forma correta poderia desenvolver suas habilidades tanto físicas quanto intelectuais, e o Escotismo poderia contribuir para a formação desses jovens, através de valores que os acompanhariam ao longo da vida. Para isso, ele propôs um processo educativo que estimulasse o jovem a buscar o seu próprio desenvolvimento através de atividades práticas realizadas ao ar livre, pois acreditava que os jovens, como pessoas ativas poderiam desenvolver as suas capacidades através das experiências vividas do aprender fazendo.

Quando idealizou o seu Método Escoteiro, Baden-Powell estava pensando na educação dos jovens ingleses, contudo, as crianças também foram atraídas pelos jogos, pela vida em grupo e pelas atividades realizadas ao ar livre e insistiam em acompanhar os irmãos mais velhos durante as reuniões do Escotismo, diante disso, Baden-Powell decide fazer adaptações e alterações em seu método para adequá-lo a essa faixa etária. Interessa-nos então inquirir como ocorre essa adaptação e, sobretudo, problematizar a educação e a disciplinarização da infância no Movimento Escoteiro.

Metodologia

O presente artigo se constrói através de um levantamento bibliográfico sobre as obras que versam sobre o Escotismo, a infância, a disciplina e a educação não formal. A pesquisa foi subsidiada ainda, pelos referenciais teóricos de Philiphe Ariés (2008) sobre o conceito de infância, de Maria da Glória Gohn (1998/2006) com a educação não formal e Michel Foucault (1987) sobre o poder disciplinar. O cruzamento do referencial bibliográfico e teórico nos possibilitou problematizar a disciplinarização da infância no Movimento Escoteiro e inquirir quais as estratégias disciplinares que são utilizadas para esse fim.

Resultados e discussões

Segundo Boulanger (2011), o Escotismo foi desenvolvido para jovens com idade superior aos onze anos. Já Nascimento (2008) argumenta que, em seu projeto original,

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Baden-Powell não estabeleceu um limite de idade, máxima ou mínima, para o ingresso de garotos. O Escotismo, tinha tropas que eram formadas por garotos cujas idades variavam entre 9 e 18 anos. Diante disso, Baden-Powell se preocupou em estabelecer um programa que atendesse as distintas faixas etárias. Assim, além do Ramo Escoteiro, ele criou o ramo lobinho para agregar a faixa etária infantil dos 7 aos 10 anos, e posteriormente, o ramo pioneiro para os jovens maiores de 17 anos.

Ainda de acordo com Nascimento (2008), Baden-Powell não queria uma versão simplificada do programa dos escoteiros, seu intuito era que o ramo lobinho tivesse suas próprias características, embora o princípio do método fosse o mesmo, as aplicações deveriam ser diferentes. Antes de escolher a denominação lobinho (Wolf Cubs), Baden-Powell conjecturou alguns nomes, tais como, castores (beavers), filhotes (cubs), poltros (colts) e ajudante de caçador (trappers), contudo o termo lobinho pareceu-lhe mais adequado, visto que, “ele sempre comparou um bom escoteiro a um lobo, que era o elogio dos índios americanos a um bom explorador” (BOULANGER, 2011, p. 263).

Em dezembro de 1916, é publicado o Manual do Lobinho, escrito por Baden-Powell com a colaboração da enfermeira Vera Barclay, o livro, ilustrado com desenhos do próprio Baden-Powell, tinha uma linguagem apropriada para a faixa etária infantil. Baden-Powell se inspirou na obra Livro da Jangal, de autoria de Rudyard Kipling para escrever o Manual do Lobinho, o fundador do Escotismo pediu autorização ao autor, para utilizar os fundamentos de sua obra em seu método, pois acreditava que, [...] a obra de Kipling, especialmente Mowgli, o menino lobo, era um importante suporte para estimular a imaginação dos meninos mais jovens, oferecendo a eles divertimento e atividades que despertavam o interesse pelo Escotismo (NASCIMENTO, 2008, p. 62).

A adaptação do Escotismo para agregar meninos na mais tenra idade foi alvo de muitas críticas, que alegavam que a faixa etária infantil não era adequada para as atividades escoteira. Os jovens escoteiros argumentavam que as crianças não conseguiriam acompanhar as atividades que, eles comumente realizavam. Talvez, devido as críticas o Lobismo, como era chamado o Ramo Lobinho, tenha se expandido de forma lenta, somente no ano de 1923, é que a entidade inglesa de organização do Escotismo, vai reconhecer as regras para este ramo.

O programa educativo do ramo lobinho tinha por objetivo a socialização, ou seja, ensinar a criança viver em grupo. O grupo de lobinhos foi denominado de alcateia, dividida em matilhas, eram representadas pela imagem do lobo. O lema dos lobinhos era “Melhor

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Possível”. É válido ressaltar que, a ideia de infância é uma construção histórica e social que surge no contexto da modernidade:

[...] a ideia de infância surge no contexto histórico e social da modernidade, com a redução dos índices de mortalidade infantil graças ao avanço da ciência e a mudanças econômicas e sociais. Sabemos que a ideia de infância, da maneira como hoje a conhecemos, nasceu no interior das classes médias que se formavam no interior da burguesia. (KRAMER, p. 87. 2003). Segundo Ariés (1973), durante a idade média, as crianças eram tratadas como adultos em miniatura, não havia uma diferenciação quanto as vestimentas, os jogos, atividades e até mesmo o trabalho. A sociedade medieval desconhecia a infância ou uma representação elaborada sobre essa fase da vida. O autor argumenta que, este aparente desinteresse pela infância é decorrente das altas taxas de mortalidade infantil, que tornava essa fase instável. Seus estudos evidenciam ainda que, durante o século XV e XVI, as iconografias passam a representar as crianças e adultos em cenas cotidianas, o que para ele, sinaliza o anúncio do sentimento moderno de infância, embora identificasse sentimentos de indiferença e insensibilidade em relação à criança. Somente com os avanços científicos, econômicos e sociais é que gradativamente vai ser formulado o conceito de infância, tal como o concebemos na contemporaneidade. Provavelmente, foi devido o advento do conceito de infância e o investimento da sociedade e dos adultos, em criar formas de regular a infância, que possibilitou pensar a inserção dessa faixa etária no Movimento Escoteiro.

No Brasil, o escotismo foi implantado no ano de 1910, por iniciativa de oficiais e praças da Marinha Brasileira1. Entusiasmado com o êxito que o Escotismo lograra na Europa, os

marinheiros e brasileiros decidiram fundar o primeiro “Centro de Boys Scouts do Brasil”2,

entretanto, conforme Nascimento (2008), o primeiro grupo de lobinhos só vai ser fundado em janeiro de 1921, pelo monsenhor Luís Gonzaga do Carmo, da Paróquia da Glória, no Rio de Janeiro.

1 Um núcleo de oficiais e praças da Marinha Brasileira se encontrava na Inglaterra para acompanhar a construção

de contratorpedeiros, cruzadores e dos encouraçados Minas gerais e São Paulo, quando tiveram contato com o movimento para jovens de Baden-Powell e julgaram que a sua introdução no Brasil seria útil para a pátria (BLOWER,1994).

2 No dia 14 de junho de 1910, em uma reunião realizada na casa nº 13 da rua do Cichorro, no bairro do Catumbi,

Rio de Janeiro, na qual estavam presentes os suboficiais da marinha interessados em implantar o Escotismo no Brasil, foi elaborado, o primeiro estatuto do Centro de boys Scouts do Brasil. Assim, essa data marca o dia da introdução do escotismo no Brasil, contudo, para a União dos Escoteiros do Brasil (UEB), a data oficial da fundação do Escotismo no Brasil é 29 de novembro de 1914, quando foi instituída a associação Brasileira de Escoteiros, com sede em São Paulo (BLOWER, 1994).

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Entendemos o Escotismo com um espaço de produção de disciplina e de controle do corpo, que através do seu método de ensino regula, vigia e normatizam as crianças e jovens. O autodisciplinamento desenvolvido no Movimento Escoteiro leva a uma autovigilância, que condiciona os membros escoteiros a terem um comportamento adequado em qualquer lugar e em qualquer ocasião. Quanto mais disciplinado for o escoteiro, mais dócil e útil para sociedade ele será, conforme explicita Foucault:

A disciplina aumenta as forças do corpo (em termos econômicos de utilidade) e diminui essas mesmas forças (em termos políticos de obediência). Em uma palavra: ela dissocia o poder do corpo; faz dele por um lado uma “aptidão”, uma “capacidade” que ela procura aumentar; e inverte por outro lado a energia, a potência que poderia resultar disso, e faz dela uma relação de sujeição estrita. Se a exploração econômica separa a força do produto do trabalho, digamos que a coerção disciplinar estabelece no corpo o elo coercitivo entre uma aptidão aumentada e uma dominação acentuada (FOUCAULT, 1987, p.118).

No Escotismo é feito um investimento no corpo das crianças e jovens, esses corpos são adestrados, manipulados e moldados em um processo disciplinar que intenciona a produção de um corpo educado, capaz de viver de acordo com as normas sociais. Quanto antes iniciasse esse investimento melhor, haja vista, que “o corpo é o primeiro lugar onde a mão do adulto marca a criança, ele é o primeiro espaço onde se impõem os limites sociais e psicológicos que foram dados à sua conduta, ele é o emblema aonde a cultura vem inscrever seus signos como também seus brasões”. (VIGARELLO, 1978 apud SOARES, 1998, P. 17).

A Promessa e a Lei escoteira3 foram adaptadas por Baden-Powell para que ficassem

compreensíveis para os lobinhos: “Prometo fazer o melhor possível para: cumprir meus deveres para com Deus e minha pátria; obedecer a Lei do Lobinho e fazer todos os dias uma boa ação” (UEB, 2008, p. 9). Já a Lei escoteira foi reduzida para cinco artigos, contudo não perdeu o seu aspecto disciplinador: “I-O lobinho ouve sempre os velhos lobos; II-O lobinho pensa primeiro nos outros; III- O lobinho abre os olhos e os ouvidos; IV- O lobinho é limpo e

3 A promessa Escoteira: “Prometo pela minha honra fazer o melhor possível para cumprir meus deveres para

com Deus e aminha pátria, ajudar o próximo em toda e qualquer ocasião e obedecer a Lei Escoteira. Já a Lei Escoteira é composta pelos seguintes artigos: I.O escoteiro tem uma só palavra; sua honra vale mais que a sua própria vida; II. O escoteiro é leal; III. O escoteiro está sempre alerta para ajudar o próximo e pratica diariamente uma boa ação; IV. O escoteiro é amigo de todos e irmão dos demais escoteiros; V. O escoteiro é cortês; VI. O escoteiro é bom para os animais e as plantas; VII. O escoteiro é obediente e disciplinado; VIII. O escoteiro é alegre e sorri nas dificuldades; IX. O escoteiro é econômico e respeita o bem alheio; X. O escoteiro é limpo de corpo e alma (BADEN-POWELL, 2006, p. 24).

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está sempre alegre; V-O lobinho diz sempre a verdade” (UEB, 2008, p. 10). Assim, como a Lei Escoteira a Lei do Lobinho não foi elaborada em uma base negativa, mas apesar de não ser proibitiva, a mesma pode ser entendida como um código de conduta, que tem a finalidade de regular e normatizar o comportamento infantil, pelo menos é o que os seus artigos sugerem. Não obstante, a palavra Lei pressupõe algo que você tem que obedecer.

Fica evidente que a Lei do Lobinho é assentada em bases morais, nesse sentido, entendemos que a transmissão desses princípios utilizam estratégias que facilitam a disciplinarização do corpo infantil para ajustá-lo ao modelo pretendido de disciplina, ordem e do aprimoramento moral. Para Foucault (1987), a vigilância dos corpos e o controle do indivíduo no espaço e no tempo, são estratégias utilizadas pelo poder, para garantir a docilização do indivíduo para torná-lo útil à sociedade. O controle e a vigilância são tão constantes, que gradativamente as crianças passam a se autovigiarem.

As peculiaridades da educação não formal no Escotismo

O Escotismo se insere na modalidade da educação não formal, visto que é um espaço de formação de saber que visa à complementação da educação de crianças e jovens. Em relação a educação não formal, Fávero (2007, p. 614) assevera:

O não formal tem sido uma categoria utilizada com bastante frequência na área da educação para situar atividades e experiências, distintas das atividades e experiências que ocorrem nas escolas, por sua vez classificadas como formais e muitas vezes a elas referidas. Na verdade, desde há muito tempo classificava-se como extraescolares atividades que ocorriam à margem das escolas, mas que reforçavam a aprendizagem escolar, nas bibliotecas, no cinema, no esporte, na arte (Grifos do autor).

A denominação educação não formal passou a ser utilizada para designar todas as atividades de cunho educativo que ocorriam fora dos espaços de educação formal, substituindo o termo extraescolar. Desde a sua criação, o Escotismo era descrito como um movimento de educação extraescolar, na prática, o que ocorreu foi somente a substituição do termo que passou a ser designado de educação não formal, contudo o seu sentido continua o mesmo.

Até a década de 1980, a educação não formal era um campo pouco valorizado, no Brasil, tanto para os educadores como para as políticas públicas, haja vista, que o alvo das

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atenções era as instituições de ensino. Mas, a partir da década de 1990, em decorrência de mudanças na economia, na sociedade e no mundo do trabalho, “passou-se a valorizar os processos de aprendizagem em grupos e a dar-se grande importância aos valores culturais que articulam as ações dos indivíduos” (GOHN, 1998, p. 512), ampliando assim, a necessidade de ultrapassar os conteúdos programáticos curriculares, desenvolvidos pela educação formal.

No Brasil, assim como na Inglaterra e em outros países, para onde o Escotismo se expandiu, ele se caracterizou como um Movimento destinado à complementação da educação formal. No Brasil, apesar de ter sido implantado no ano de 1910, o escotismo só foi oficializado como uma instituição de educação extraescolar em 24 de janeiro de 1946, pelo Decreto-Lei nº 8.828 (THOMÉ, 2006).

Deste modo, a alcateia pode ser entendida como um espaço de educação não formal. De acordo com a UEB (2014), a alcateia é calcada em uma estrutura, uma forma de organização e códigos de conduta através dos quais se rege. Nesse espaço educativo, a criança aprende, através da realização de atividades, a viver em grupo. As variadas atividades desenvolvidas na alcateia contribuem para a aquisição de competências, que levam ao desenvolvimento pessoal da criança. Não obstante, o programa educativo do Ramo Lobinho disponibiliza um sistema de progressão pessoal, que se apoia em um esquema de especialidades, que resultam em distintivos e insígnias para incentivar esse desenvolvimento. Conforme a definição da UEB (2008, p. 7), “especialidade é um conhecimento ou uma habilidade particular que se possui sobre um determinado tema”. Ao cumprir a etapa de uma especialidade, o lobinho é “recompensado” com um distintivo que é colado no seu uniforme.

A alcateia é formada por no máximo 24 crianças, meninos e meninas, na faixa etária dos 7 aos 10 anos. Visando facilitar o funcionamento da alcateia, as crianças formam grupos que são denominados de matilhas, cada uma delas compostas por no máximo 6 lobinhos. Os pequenos grupos favorece a aprendizagem das responsabilidades, a iniciativa pessoal e as decisões tomadas em conjunto, além de dar oportunidade para que as crianças exponha os seus pontos de vista, aspectos que uma criança teria dificuldade de desenvolver em um grupo maior. Para Baden-Powell (1986), a convivência em pequenos grupos, compostos por indivíduos da mesma faixa etária, com objetivos em comuns, estimula o processo de sociabilização e a capacidade para a cooperação e liderança. Partindo da ótica foucaultiana, entendemos que a matilha forma uma unidade, onde os lobinhos se distribuem, circulando em uma rede de relações.

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Nas matilhas as crianças têm a oportunidade de exercer o aspecto da liderança. Cada matilha é liderado por um primo ou prima, denominação dada ao líder da matilha, que é eleito pelos seus colegas e permanecem no cargo por um período de um ciclo (4 meses). Esse líder é auxiliado por outro lobinho, que é denominado segundo primo/prima, o qual pode assumir a função de primo/prima, se este estiver ausente. Os primos realizam um trabalho de orientação, gozando de inteira liberdade para executar tarefas na sua matilha. Ao distribuírem os lobinhos em matilhas, lideradas por um primo/prima e um segundo primo/prima, o Escotismo, torna viável o controle de cada lobinho, ao mesmo tempo que facilita o trabalho em conjunto.

O chefe dos lobinhos é chamado de akelá, ou velho lobo, que como um irmão mais velho, está sempre disposto a escutar, orientar, corrigir e proteger os lobinhos e lobinhas. Assim como chefe escoteiro, a figura do akelá assume um papel fundamental no projeto de Powell ele é o mediador no processo de desenvolvimento dos lobinhos. Para Baden-Powell (2006), o sucesso do adestramento depende em grande parte do chefe, cabe a ele ensinar os jovens e as crianças a respeitarem as “regras do jogo”. Sendo assim, não deve errar, nem falhar para não dar o mau exemplo, visto que “[...] é chefe, é líder, é mestre, é um exemplo a ser seguido e, dessa maneira, só pode colecionar acertos” (BURITI, 2002, p. 266).

Assim como ocorreu com a pedagogia do ativismo, os jogos são muito valorizados no Escotismo. Os jogos escoteiros se caracterizam por serem atraentes e variáveis, os mesmos são realizados ao ar livre em contato direto com a natureza, e estimulam o jovem a enfrentar desafios e a superar seus limites. No Escotismo, os jogos não são apenas lazer e diversão, eles são planejados com uma finalidade de desenvolver a saúde, o vigor e o aprimoramento do caráter (BADEN-POWELL, 2006), dito de outro modo, os jogos são pensados para o disciplinamento, não só do corpo, mas também das emoções.

Através dos jogos, as crianças e jovens são estimulados a lidar com alegrias e frustações, a entender o significado de cooperação e a respeitar regras, por isso, é importante que os jogos sejam organizados de maneira que envolva todos os lobinhos. Os jogos são elaborados de modo que sejam agradáveis para crianças e jovens, para que dessa forma, seja possível alcançar os objetivos pretendidos:

Estes jogos tem que ser atraentes e devem despertar o espírito de competição, pois é através deles que incutimos as noções de coragem, respeito ás regras do jogo, disciplina, autodomínio, vivacidade, fortaleza de ânimo, liderança e auto sacrifício em benefício da vitória de sua equipe, no

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jogo (BADEN-POWELL, 2006, p.67).

A educação ministrada no Escotismo está fundamentada em valores morais e no disciplinamento do corpo, da mente e das emoções das crianças e jovens, esse disciplinamento ocorre de uma forma sutil quase imperceptível, através de brincadeiras, jogos e regras.

Conclusões

O Escotismo, entendido nesse estudo como um espaço de educação não formal para complementar a educação de crianças e jovens, foi fundado a mais de cem anos pelo general inglês Baden-Powell. Inicialmente gestado para a educação de jovens ingleses, o Escotismo logo se expandiu pelo mundo, atraindo jovens e crianças, através de um método educacional que propunha uma educação diferenciada da oferecida pelas instituições formalistas. Baseado em atividades ao ar livre, na vida em grupo e em jogos, o Escotismo chamou a atenção das crianças que queriam acompanhar seus irmão maiores nas atividades escoteira. Diante dessa demanda, Baden-Powell teve que fazer algumas alterações e adaptações ao Método Escoteiro para poder adaptá-lo a faixa etária infantil. Assim, em 1916, ele lança o Manual do Lobinho, fundando oficialmente o Ramo Lobinho, para agregar as crianças da faixa etária de 7 a 10 anos.

O método educativo para os lobinhos idealizado por Baden-Powell tinha como principal objetivo a socialização, na qual a criança aprenderia a viver em grupo. Tendo como pano de fundo a fábula de Mowgli, o menino lobo, o Escotismo faz um investimento continuado no corpo infantil, para moldá-lo através de estratégias disciplinares e transformá-lo em um “corpo dócil”, útil para a sociedade.

Apesar de o Escotismo ter sido criado a mais de cem anos, o método de Baden-Powell continua atraindo crianças, jovens e adultos voluntários em vários países do mundo. De acordo com a União dos Escoteiros do Brasil4 (UEB), atualmente são mais de 40 milhões de

escoteiros distribuídos pelo mundo. Já no Brasil, são 84.000 mil escoteiros filiados a UEB. Referências Bibliográficas

4 Fundada em 4 de novembro de 1924, A União dos Escoteiros do Brasil (UEB) é uma sociedade civil de âmbito

nacional, de direito privado e sem fins lucrativos, de caráter educacional, cultural, beneficente e filantrópico, reconhecida de utilidade pública, que congrega os Grupos de Escoteiros no Brasil. Disponível em <http.:// escoteiros.org.br.> Acesso em: 01/02/2013.

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