• Nenhum resultado encontrado

A LÍNGUA E CULTURA ALEMÃS NO SUL DO BRASIL ATRAVÉS DA MÚSICA

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "A LÍNGUA E CULTURA ALEMÃS NO SUL DO BRASIL ATRAVÉS DA MÚSICA"

Copied!
15
0
0

Texto

(1)

A LÍNGUA E CULTURA ALEMÃS NO SUL DO BRASIL ATRAVÉS DA MÚSICA

Ciro Damke, Doutor, Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE (cdamke@hotmail.com).

Resumo: O Brasil é mundialmente conhecido, e reconhecido, como um país plurilíngüe e multicultural, alguns autores o chamam de grande mosaico nacional onde os vários brasis se

encontram. Nestas últimas inclui-se a língua, junto com a cultura, aqui nesta análise as

músicas alemãs. Com este trabalho pretendemos ampliar os estudos sobre a participação dos imigrantes alemães e de seus descendentes, portanto, em um dos brasis, no processo civilizatório, na formação sócio-cultural do povo brasileiro e, através de sua língua e cultura, na composição deste grande mosaico nacional. Para isso, utilizamos o gênero textual letras de músicas no tempo e no espaço sócio-histórico do falar da língua alemã no sul do país.1

PALAVRAS-CHAVE: Língua; cultura, musicas alemãs.

ABSTRACT: Brazil is world-wide known, and recognized, as a multicultural and

multilingual country, some authors even call it the great national mosaic where the diverse

Brazils meet each other. The latter one includes the German language and music as well as

the culture. This work intends to extend the studies on the participation of the German immigrants and descendants, therefore, one of the Brazils, in the civilizing process, the Brazilian socio-cultural formation and, through its language and culture, the composition of its great national mosaic. It is used the text genre letters of music in the in the social-historical space and time of the German language speech in the south of Brazil.

KEYWORDS: Language, culture, German musics.

1

Alguns destes aspectos foram abordados anteriormente por Damke em Políticas lingüísticas e a conservação da língua alemã no Brasil. Madri: Especulo, nº 40, 2008.

(2)

1 – INTRODUÇÃO

A diminuição e o aumento da utilização de uma variedade lingüística depende de vários fatores. Por isso, não é fácil comprovar se há conservação ou renascimento de uma língua, ou se a diminuição do uso de uma variedade já se aproxima mais da morte, de sua extinção. São três os fatores que têm importância fundamental nestes processos: a competência, o desempenho e as atitudes dos falantes com relação às variedades utilizadas. Na maioria dos casos, como afirma Schlieben-Lange (1991, p.108ss.), os três fatores agem juntos, assim, à uma maior utilização da língua corresponde, em geral uma maior competência e atitudes mais positivas com relação às variedades utilizadas. No caso de língua e cultura alemãs no sul do Brasil, esta afirmação nem sempre corresponde à realidade.

Concordando com Fishman (1966), definimos o termo manutenção da língua (language

maintenance) como o processo de conservação de uma determinada variedade lingüística de

um indivíduo em si, ou de uma comunidade lingüística inteira, no transcorrer de várias gerações com base em sua consciência de grupo, lealidade lingüística, credo religioso etc. Como regressão do uso da língua (Sprachverfall/language shift), conforme o autor citado, definimos a diminuição do uso; enquanto renascimento lingüístico, como o aumento da utilização de uma variedade lingüística. No que se refere a utilização de uma ou mais variedades lingüísticas por uma comunidade, concordamos com o autor, (1975, p.109) que afirma, que em suma, nenhuma comunidade necessita de mais de um sistema lingüístico oficial para sua comunicação no mesmo contexto social. No entanto, assim como o autor, também nós enfatizamos a importância da existência do bilingüismo e até do multilingüismo, quando as necessidades comunicativas dos membros de uma comunidade lingüística assim o exigirem.

A regressão e perda de uma língua têm implicações dos mais diversos aspectos na vida do falante e também na própria sociedade na qual este está inserido, no entanto, somente agora pesquisadores estão acordando para esta questão como afirma Woodbury (2003, p. 39):

Sociolingüistas e lingüistas-antropólogos estão apenas agora começando a entender os efeitos da perda ou da mudança de línguas nas comunidades. O processo é complicado porque a perda pode ser voluntária ou involuntária, embora sempre haja algum tipo de pressão. Qualquer que seja o caso, percebe-se freqüentemente uma perda de identidade social, como um

(3)

símbolo de derrota pela força colonial, se não ainda por aqueles que abandonam a língua, então pelos da geração seguinte.

Além disso, a perda não é somente uma questão de percepção da identidade. Muito da vida cultural, espiritual e intelectual de um povo é transmitido pela língua: rezas, mitos, cerimônias, poesia, oratória, vocabulário técnico, saudações, despedidas, registros conservacionais, humor, maneiras de falar com as crianças, e os termos para hábitos, comportamentos e emoções. Quando se perde uma língua tudo isso precisa ser refeito numa outra língua com diferentes categorias de palavras, sons e estruturas gramaticais. Pesquisas lingüísticas em comunidades onde a mudança está ocorrendo mostram que quase sempre este ‘refazer’ implica numa perda abrupta de tradições mesmo quando é mantida a identidade social.

Segundo o autor (idem, 2003, p. 39.), as causas, fatores da regressão de uma língua podem ser os mais diversos: “a pressão sofrida pelas línguas pode ser econômica, social, cultural, religiosa, política ou militar, ou uma combinação destes fatores”. Diversos destes fatores estão presentes no processo de conservação e regressão da língua alemã no sul do Brasil.

O processo de perda lingüística (Sprachverfall) foi, também observado, por Borstel (2003, p. 144) em comunidades lingüísticas por ela pesquisadas:

A cultura e a identidade de minorias lingüísticas surgem a partir das considerações da heterogeneidade lingüística que se dá em grupos restritos no país. Pois atualmente, as comunidades lingüísticas de imigrantes encontram-se em um processo de perda cultural e lingüística, pois os grupos étnicos estão limitados a pequenos grupos que falam a língua materna, restrita à rede familiar em determinadas comunidades de formação étnicas culturais. As revitalizações de redes culturais e lingüísticas regionais, só serão possíveis, se houver um programa nacional de educação bilíngüe, reconhecendo a necessidade do uso de duas variedades lingüísticas em contextos de línguas em contato no Brasil. O que se observou nestas duas comunidades interétnicas é que os jovens estão cada vez mais assimilando a cultura nacional e deixando de lado a língua e a cultura materna.

Alguns dos aspectos da perda lingüística ou regressão de uma língua observados no contexto sob análise, que não chegam, porém, a morte lingüística, language death, já foram descritos por Crystal (2000). Ammon (1973, p. 570), já naquele ano, ligava a regressão lingüística, denominada por ele Sprachauflösung, à seqüência de gerações.

(4)

Se há forças que pressionam a Sprachverfall (regressão/perda lingüística), há também aspectos que são responsáveis pela Spracherhalt (conservação) da língua e cultura alemãs. No entanto, como não é possível, num único trabalho, abordar todos estes fatores, analisaremos aqui, mais especificamente, as chamadas músicas populares alemãs, ou melhor, as letras musicais como gênero textual, responsáveis, também, entre outros fatores, pela conservação da língua e cultura alemãs no sul do Brasil.

Partimos do princípio, com base na sociolingüística, que a língua/linguagem, assim como a cultura, os usos e costumes, fazem parte da identidade do próprio ser humano. Assim, não é possível falar-se em construção do sujeito ou da identidade do indivíduo, sem se falar também da identidade étnica, do aspecto cultural e, portanto também da própria identidade lingüística. As músicas, no nosso caso, trazidas pelos imigrantes alemães e ainda hoje cantadas por seus descendentes, fazem parte da cultura destes imigrantes e, em termos gerais, dentro de um contexto de pluralismo lingüístico e cultural, fazem parte da própria cultura brasileira. Por isso, conhecer e estudar textos de músicas alemãs que ainda são cantadas em Clubes de Terceira Idade, conjuntos de músicas e pessoas em geral na região oeste do Paraná e no sul do Brasil, é uma forma, ao lado do resgate das próprias músicas, de se conhecer melhor o aspecto multifacetado da própria cultura da região.

Também Certeau (2001, p.9) afirma que a cultura faz parte da vida social de qualquer pessoa, no entanto, se insurge constantemente contra o que ele chama de cultura no singular e prega, o que coincide com o nosso ponto de vista, a cultura no plural. Afirma também, que (ibid.): “Para que haja verdadeiramente cultura, não basta ser autor das práticas sociais; é preciso que as práticas tenham significado para aquele que as realiza”.

O fato de os descendentes de imigrantes alemães ainda cantarem músicas populares alemãs com a intensidade que se conhece, depois de quase dois séculos de aculturação, mostra justamente que estas têm um profundo significado para eles, em outras palavras, estas fazem parte da própria identidade, a identidade, conforme Schneider in Damke (1997, p.277) de

brasileiros descendentes de imigrantes alemães.

Ao se reconhecer o aspecto multicultural do povo brasileiro, estudar a influência e participação dos imigrantes, no caso alemães, na formação da cultura brasileira, é também uma forma de se estudar e conhecer a própria cultura brasileira, por isso o motivo do presente estudo.

Sob a visão da sociolingüística, a língua, assim também a cultura, não é estática, imutável, mas se altera constantemente, tanto no espaço temporal quanto geográfico pelo uso que os falantes fazem dela como meio de comunicação e interação com o grupo social do qual fazem

(5)

parte. O mesmo afirma Napolitano (2005, p. 90-91) quando diz que os conceitos de passado,

herança cultural e tradição devem ser vistos com muito cuidado na definição de

cultura/música:

temos uma pluralidade de tempos e tradições, muitas vezes conflitiva, que transforma a criação e o consumo musical num labirinto histórico, em cujas galerias se encontram vários passados materializados em vários estilos, gêneros e temas poético-musicais.

Ainda com relação à importância da música popular brasileira e a dificuldade em se definir o que é música popular diz (idem, p. 7): “Não só a música brasileira, no sentido estrito, mas a partir de uma mirada local, é possível pensar e repensar o mapa mundi da música ocidental, sobretudo este objeto-não-identificado chamado de música popular”.

Quanto à formação da música popular brasileira e ao aspecto multicultural e multi-étnico desta, o autor (ibidem, p. 7) diz: “A música, sobretudo a chamada música popular, ocupa no Brasil um lugar privilegiado na história sócio-cultural, lugar de mediações, fusões, encontros de diversas etnias, classes e regiões que formam o nosso grande mosaico nacional”.

Na visão da dinamicidade da língua e cultura, os vários brasis continuam a se modificar constantemente.

Com relação às músicas populares alemãs, objeto de nosso estudo, pode-se afirmar o mesmo. Quando o autor fala em mosaico da cultura brasileira e nos vários brasis que a formam, vem justamente de encontro ao nosso ponto de vista quando defendemos o aspecto da diversidade lingüística e cultural do povo brasileiro, o que também coincide com a concepção de Certeau (2001, p. 192 ss), já citado, quando defende o que ele chama de cultura no plural: “Mais do que um conjunto de valores que devem ser defendidos ou idéias que devem ser promovidas, a cultura tem hoje a conotação de um trabalho que deve ser realizado em toda a extensão da vida social”. Estes aspectos, o da dinamicidade e a estreita relação entre cultura e contexto social estão fortemente presentes nas letras musicais que analisamos2.

2 – A IMPORTÂNCIA DAS MÚSICAS POPULARES ALEMÃS

Antes de seguir, e continuando ainda as reflexões teóricas, consideramos necessário definir, o que entendemos, no presente contexto, por músicas populares alemãs. Já afirmamos que consideramos a língua e cultura, e no presente caso também a música, como fazendo parte da

2

Veja-se mais em DAMKE, Ciro; FRANCENER, Djeini Suelen e GUNDT, Miria. Como se canta em alemão na Terceira Idade. Marechal Cândido Rondon – PR: EDUNIOESTE, 2007.

(6)

própria constituição ser humano. Assim, ser ser humano significa relacionar-se como indivíduo com outros seres humanos através da língua, cultura etc. Daí o aspecto individual e social da língua e cultura que defendemos. Sob esta ótica não é fácil definir e compreender a música, em especial a popular, como afirma Moraes (2000, p.212): “(...) como parte constitutiva de uma trama repleta de contradições e tensões em que os sujeitos sociais, com suas relações e práticas coletivas e individuais e por meio dos sons, vão (re)construir partes da realidade social e cultural”.

Também Duarte (2002, p. 187) tenta fugir da uniformização, homogenização do significado de música dizendo que não deve ser visto como algo universal, mas que é “criada e compartilhada pelos diferentes grupos e culturas”.

É justamente este aspecto, o do pluralismo lingüístico e cultural que nos levou a pesquisar com um pouco mais de profundidade o tema músicas populares alemãs, estas, na concepção de Napolitano (2005, p.110), fazendo parte do grande mosaico chamado cultura brasileira. A importância da música e da arte de cantar é vastamente conhecida pelo mundo afora, até sob seu aspecto moralista através do provérbio “Quem canta, seus males espanta ?”

Um verso em alemão segundo Munz (1962, p. IV) e Müller (1981, p. 112), também destaca esta importância:

Onde se canta

Pode-se estar tranqüilo, porque pessoas más não sabem cantar.3

Um outro verso em alemão cuja autoria seria do poeta Eduard Mörike, mas cuja origem bibliográfica é desconhecida, tem significado idêntico:

Quem aprende música, Um bem celestial tem, Pois na primeira origem Do próprio céu provém. Mesmo que muitas vezes As coisas como fumaça vão Fica na eternidade

A música como viva canção, Porque os próprios anjos

3

As traduções do alemão para o português, quando não há destaque diferente, são da nossa autoria e nelas procuramos conservar, acima de tudo, o sentido do texto.

(7)

No céu músicos são.

Da mesma forma Jaskulsky (1999, p. 14ss), em mais de 50 textos, destaca a importância da música dizendo “Viva la música” e “céus e terra passarão, mas a música não passará”.

Fischer (s. r.) muito bem destaca o caráter universal, sem limites e fronteiras, da música:

Melodias rompem fronteiras, são linguagens deste mundo,

cantemos e façamos ressoar debaixo do imenso céu, participem do nosso cantar.

Esta música foi apresentada em 2005 na região Oeste do Paraná por um coral de mais de 100 participantes da região Rhein-Hunsrück, Alemanha, como um chamado para a paz e harmonia entre os povos. Aliás, para este aspecto universal da música, também Jaskulsky (1999, p. 25) chama atenção “Sine musica nulla disciplina” (Sem música não há disciplina). Disciplina, ao lado da ordem, significa, como o restante do texto deixa claro, também paz e harmonia.

Recentemente as Geschwister Hofmann (Irmãs Hofmann), duas cantoras de músicas populares alemãs, em seu novo CD sob o título Grenzenlos (sem fronteiras), reforçaram a idéia de que a música efetivamente não tem limites, não tem fronteiras, seja entre povos, etnias ou regiões.

Estas considerações mostram bem a importância e o caráter universal da música, do canto, e se esta não tem fronteiras, deve ser considerada, como toda a cultura e língua, um dos direitos inalienáveis do indivíduo e dos indivíduos, como grupo social.

O direito à manutenção e ao uso da própria língua e à prática da cultura por parte dos indivíduos pertencentes a minorias étnicas foi reconhecido na convenção da UNESCO em Barcelona em 1996 através da Declaração Universal dos Direitos Lingüísticos. Esta declaração diz: “... são direitos pessoais inalienáveis exercíveis em qualquer situação: ser reconhecido como membro de uma comunidade lingüística, usar a língua privada e publicamente, manter e desenvolver a própria cultura, dispor de serviços culturais...”

Mais recentemente, em outubro de 2005, na Assembléia da UNESCO em Paris, foi aprovado por mais de 150 votos o Estatuto em defesa da diversidade cultural no mundo.4

4

(8)

Estes fatos mostram a preocupação, também dos organismos internacionais, na valorização da diversidade lingüística e cultural, ponto de vista que defendemos ao longo do trabalho.

3 – O REPERTÓRIO DAS MÚSICAS

Convém esclarecer que desenvolvemos dois projetos, um de pesquisa e outro de extensão sobre o assunto. No primeiro coletamos, junto a corais, principalmente da Terceira Idade, conjuntos musicais ou junto a famílias em torno de 150 letras de músicas das quais selecionamos 100 das mais cantadas. No projeto de extensão fizemos a reescrita (muitas em alemão gótico) deste repertório para deixá-lo, em forma de compêndio, à disposição de grupos, conjuntos e pessoas em geral que apreciam e ainda cantam músicas populares alemãs. Os temas que mais estão presentes no repertório são: a saudade da terra natal que ficou longe, o sentimento de amor, paixão, desejos de felicidade, o espírito aventureiro do povo alemão, a saudade da juventude, etc. Alguns destes temas serão analisados nos tópicos seguintes.

3.1 - O TEMA HEIMAT

O sentimento que mais se destaca é a saudade da Heimat, da pátria distante. Este é um fato totalmente compreensível, e até seria anormal se assim não fosse. Deixar a terra natal, amigos, a própria família ou parte dela, talvez alguma pessoa especial, deixar um país inteiro com seus aspectos culturais, históricos, geográficos, políticos etc, diferentes da nova terra para onde estavam migrando, quem não sentiria saudade? Mey in Signorini (1998, p. 70), já define

Heimat como “aquele intraduzível conceito germânico que engloba desde os quitutes

maternos até as sepulturas dos ancestrais e a árvore sob a qual beijamos o nosso primeiro amor”.

Diversas músicas destacam este tema:

1) Lieb Heimatland, ade!

Querida terra natal, adeus.

2) In der Heimat ist es schön.

Na terra natal é belo.

(9)

No mais belo vale está a minha casa paterna. 4) In der Heimat, in der Heimat, da gibt’s ein Wiedersehn.

Na terra natal, na terra natal, lá tem um novo encontro.

5) Kennst du das Land?

Você conhece a terra?

6) Muss i denn, muss i den zum Städtele naus.

Então, então eu tenho que deixar a minha vila. 7) Abschied.

Adeus.

8) Heimatlos.

Sem pátria. 9) Kein schöner Land.

Não há terra mais bonita.

10) Das schönste auf der Welt ist mein Tirolerland.

A terra mais bonita é o meu Tirol. 11) Tirol, Tirol, Tirol, du bist mein Heimatland

Tirol, Tirol, Tirol, você é a minha terra natal.

A lista poderia se estender bem mais ainda, porém o número já é suficiente para mostrar o quanto a saudade, a falta da pátria distante, as lembranças da terra natal com tudo o que faz parte dela devem ter doído na alma dos imigrantes e de seus descendentes. Por isso, é fácil de se entender porque estas músicas eram, e ainda são, as mais cantadas até hoje.

3.2 - O TEMA JUGEND

Ao lado deste tema, também outros como a temática Jugend (juventude) segundo Damke e Francener, (2005, p. 61-64) está amplamente presente nestas músicas. Tomamos como exemplo a música Schön ist die Jugend. O texto e a tradução são de Hübner-Flores (1983, P. 30).

Die Jugend

(10)

Schön ist die Jugend, sie kommt auch nicht mehr! Sie kommt nicht zurück, kommt auch nicht wieder, Schön ist die Jugend, sie kommt nicht mehr!

2 - Ich Hab’ein Weinstock und der träg Reben Aus diesen fliesst der süsse Wein,

Drum sag ich noch einmal, schön sind die Jugendjahre, Schön ist die Jugend, sie kommt nicht mehr!

3 - Und wer verheiratet ist, der muss zufrieden sein, Es stellt sich Kreuz und Trübnis ein,

Drum sag ich noch eimal: schön ist die Jugendzeit, Schön ist die Jugend, sie kommt nicht mehr!

A juventude

1 - Bela é a vida em alegres tempos,

Alegre é a juventude, que não volta mais. Ela não regressa, não vem novamente, Alegre é a juventude que não volta mais!

2 - Tenho uma parreira que carrega frutos Do quais brota o doce vinho:

Por isso digo mais uma vez, alegres são os anos da juventude, Alegre é a juventude que não volta mais!

3 – Quem é casado deve estar satisfeito, Aparecem cruzes e obstáculos,

Por isso digo mais uma vez: bela é a juventude, Bela é a juventude, ela não volta mais!

Como já afirmamos, esta música foi assumida como verdadeiro hino oficial das pessoas da Terceira Idade.

3.3 - O TEMA WANDERLUST

Sobre o espírito de aventura do povo germânico, em outra oportunidade (Damke, 1997, p. 30ss) já escrevemos que a tendência ao sonho, à fantasia, às aventuras, o chamado Wanderlust

(11)

(amor à aventura, às conquistas) do povo alemão, descendente dos antigos germânicos era bem conhecida. Corre em suas veias o sangue irrequieto dos antigos bárbaros: germanos, alemanos, hunos, godos, visigodos, wikings, celtas, iberos, que invadiram a Europa no século V depois de Cristo. Também Hübner-Flores (1983, p.110ss) e Damke (1997, p.15ss) afirmam que a obsessão pelo desconhecido, pelo longínquo, que levava a querer conhecer novos mares e novas terras, a saudade dos habitantes do norte pelo ensolarado sul era um atributo dos europeus, aqui incluídos os alemães, mundialmente conhecido e que é amplamente cantado por poetas e cantores. Este espírito aventureiro, o Wanderlust, é comparado à vida nômade do povo cigano na música Zigeunerleben (vida de cigano) que faz parte do repertório de músicas populares alemãs em estudo.

Lustig ist das Zigeunerleben

1 - Lustig ist das Zigeunerleben, faria, faria, ho!

Brauch´ dem Kaiser kein´ Zins zu geben, faria,faria,ho! Lustig ist es im grünen Wald, faria, faria, ho!

Wo des Zigeuners Aufenthalt, faria, faria, ho!

2 - Soll uns einmal der Hunger plagen, faria, faria, ho! Gehn wir uns ein Häschen jagen, faria, faria, ho! Häschen nimm dich wohl in Acht, faria, faria, ho! Wenn des Jägers Büchse kracht, faria, faria, ho!

3 - Sollt uns einmal der Durst sehr quälen, faria, faria, ho! Gehn wir hin zu Wasserquellen, faria, faria, ho! Trinken das Wasser wie Moselwein, faria, faria, ho! Wär es der schönste Champagnerwein, faria, faria, ho!

4 - Madel willst du Tabak rauchen, faria, faria, ho! Brauchst dir keine Pfeif’ kaufen, faria, faria, ho! Pfeif’ und Tabak hab’ ich hier, faria, faria, ho! Geb´ ich gerne, gerne dir, faria, faria, ho!

5 - Wenn uns tut der Beutel hexen, faria, faria, ho! Wir uns´re Taler wechseln, faria, faria, ho! Wir treiben die Zigeunerkunst, faria, faria, ho!

(12)

6 - Wenn wir auch kein Federbett haben, faria, faria, ho! Tun wir auch uns ein Loch ausgraben, faria, faria, ho! Legen Moss und Reisig ‘nein, faria, faria, ho!

Das soll uns ein Federbett sein, faria, faria, ho!

Alegre é a vida de cigano

1 - Alegre é a vida de cigano, faria, faria, ho!

Não se precisa pagar imposto para o imperador, faria, faria, ho! Alegre é no meio do mato verde, faria, faria, ho!

Onde fica a casa dos ciganos, faria, faria, ho!

2 - E se a fome nos perseguir, faria, faria, ho! Caçamos um coelho, faria, faria, ho! Coelho, tome cuidado, faria, faria, ho!

Quando a arma do caçador disparar, faria, faria, ho!

3 - E se alguma vez a sede nos atormentar, faria, faria, ho! Procuramos uma fonte de água, faria, faria, ho!

Tomamos a água como o vinho do Mosela, faria, faria, ho! E pensamos ser champanha, faria, faria, ho!

4 - Menina, se você quer fumar tabaco, faria, faria, ho! Não precisa comprar cachimbo, faria, faria, ho! Ponha a mão no meu bolso, faria, faria, ho! Ali tem cachimbo e tabaco, faria, faria, ho!

5 - Quando a sacola estiver vazia, faria, faria, ho! Trocamos algumas moedas, faria, faria, ho! Exercemos a arte dos ciganos, faria, faria, ho! E já temos dinheiro nas mãos, faria, faria, ho!

6 - Mesmo que não tenhamos cama de penas, faria, faria, ho! Fazemos um buraco em algum lugar, faria,faria, ho! Colocamos feno e palha neles, faria, faria, ho! Isto será nossa cama de penas, faria, faria, ho!

(13)

A letra enaltece a vida alegre, feliz e despreocupada do povo cigano, idéia que é reforçada pela interjeição em forma de estribilho: Faria, faria, faria, faria, faria, ho. Segundo o texto, quando a fome e a sede apertar, busca-se os recursos da natureza: mata-se um coelho e

toma-se água de vertente como toma-se fostoma-se vinho da região do rio Motoma-sela. E quando o dinheiro acabar, exerce-se a profissão característica do povo cigano: ler a sorte.

4 – CONCLUSÕES

Diversos outros temas abordados pelas músicas coletadas poderiam ser analisados, porém acreditamos que as abordagens feitas já provam que as músicas populares alemãs, mesmo em fase de regressão, são um dos fatores de conservação da língua e cultura alemãs. E quanto mais forte for a relação entre as músicas e a própria identidade das pessoas que apreciam e ainda cantam estas músicas, maior o poder de influenciar a conservação da própria língua e cultura alemãs, fato comprovado ao longo dos quase dois séculos da imigração alemã ao Brasil.

Concluímos com as palavras de Sole (1975, p. 16) que defende o pluralismo lingüístico em oposição ao monolinguismo:

Em tais circunstâncias nos encontramos diante do dilema de se o abandono da língua materna é coisa necessária e até desejável, já que é bom sintoma de assimilação e integração à sociedade dominante, ou se existe a possibilidade de alcançar os mesmos fins mediante uma visão mais ampla da pluralismo lingüístico que inclua também o aspecto lingüístico.

No caso dos imigrantes alemães, deixamos a palavra aos próprios imigrantes, SCHNEIDER em GLOBUS (1984:3/10) resumindo os sentimentos dos descendentes dos imigrantes alemães com muita propriedade diz:

Nós somos brasileiros, e sobre isto não deve haver dúvidas. Assim como os filhos e netos dos portugueses se tornaram brasileiros...Nós amamos esta terra, pois ela é nossa pátria. Ano após ano nós ajudamos a construir o progresso desta terra, ajudamos de pequenas vilas fazer cidades e de cidades, grandes metrópoles. Nós nos sentimos em casa aqui, nós amamos esta terra...

(14)

A pergunta que sempre se faz, de novo, é: até quando este quadro continuará a existir? Quanto tempo a língua alemã, na forma de qualquer variedade, continuará a existir? Como já comentado, não há, para estas perguntas, respostas categóricas. Certo é, no entanto, que, devido aos modernos meios de comunicação, pressão social, modernização da agricultura etc, mostram-se tendências de assimilação cada vez mais fortes. Apesar disso, a forte conservação e utilização, faz prever que a língua e cultura alemãs continuarão a existir no Brasil ainda durante muitos anos.

Somos da opinião (DAMKE, 1998, p. 20ss), que uma minoria, aqui o caso de imigrantes, tem o dever, tanto sob o aspecto político quanto lingüístico, de se adaptar ao novo contexto da vida, isto significa querer pertencer à nova pátria, o que exige um certo grau de assimilação. No entanto, este processo deveria ser levado a efeito dentro de uma política democrática o mais liberal possível, o que significa, que o processo de assumir a nova cidadania, da qual faz parte também, a nova língua, deve ser levado a termo com respeito à língua materna do falante e a toda sua cultura de origem.

Com relação à cultura, da qual fazem parte as músicas populares alemãs, sua conservação e utilização transcorreu, como prova a história, de forma bastante democrática. O fato de os temas mais freqüentemente abordados pelas músicas fazerem parte da vivência e, portanto, da própria identidade de descendentes de imigrantes alemães, fez com que estas se tornassem um dos fatores mais importantes da conservação da língua e cultura alemãs no sul do Brasil.

5 – REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AMMON, Ulrich. Dialekt und Einheitssprache in ihrer sozialen Verflechtung. Weinheim/Basel: s. e., 1973.

BORSTEL, Clarice N. von. A interface língua e identidade alemã no Brasil. In: VANDRESEN, Paulino. (Org. ) Variação, Mudança e Contatos Lingüísticos no Português da

Região Sul. Pelotas: EDUCAT, 2006.

CERTEAU, Micchel de. A cultura no plural. 2 ed. Campinas: Papirus, 2001. CRYSTAL, David. Language death. s. l., 2000.

DAMKE, Ciro e FRANCENER, Djeini Suelen. Variação em Músicas Populares Alemãs. In.

Anais da 8ª Jornada de Estudos Lingüísticos e Literários. Marechal Cândido Rondon:

Unioeste, 2005.

DAMKE, Ciro. Políticas lingüísticas e a conservação da língua alemã no Brasil. Madri: Especulo, nº 40, 2009.

(15)

DAMKE, Ciro, FRANCENER, Djeini S. e GUNDT, Miria. Como se canta em alemão na Terceira Idade. In: SOARES, Alexandre S. F. (org.) Anais da 9ª Jornada de Estudos

Lingüísticos e Literários. Marechal Cândido Rondon – PR: EDUNIOESTE, 2007.

DAMKE, Ciro. Sprachgebrauch und Sprachkontakt in der deutschen Sprachinseln in

Südbrasilien. Frankfurt am Main/Berlin/Bern/New York/Paris/Wien: Lang, 1997.

DAMKE, Ciro. Variação lingüística e a construção do sujeito. In: Revista da JELL – Jornada

de Estudos Lingüísticose Literários. Marechal Cândido Rondon: Escala, 1998.

DUARTE, Geni Rosa. História e música. In: Cattelan, João C. e Von Borstel, Clarice Nadir (Orgs.). Anais da 5ª JELL Jornada de Estudos Lingüísticos e Literários “Lingüística:

linguagem e produção de sentidos”. Marechal Cândido Rondon: UNIOESTE, 2002.

FISCHER, Theo. Melodien sprengen Grenzen. St. Augustin: Chormusikverlag, s.d. FISHMAN, Joshua. Language loyality in the United States. Mouton: The Hauge, 1966.

FISHMAN, Joshua. Soziologie der Sprache: eine interdisziplinäre sozialvissenschaftliche Betrachtung der Sprache in der Gesellschaft. München: Max Hueber, 1975.

HOFMANN, Geschwister. Grenzenlos. CD ROOM.

HÜBNER-FLORES, H. A. H. Canção dos Imigrantes. Porto Alegre/Caxias: EST/EDUCS, 1983.

JASKULSKY, H. Das Kanon Buch: 400 Kanons aus 8 Jahrhunderten. Mainz/London/Madrid/ New York/Paris/Tokyo/Toronto: Schott, 1999.

MEY, Jacob L. Etnia, identidade e língua. In: SIGNIRINI, Inês (Org) Língua(gem) e

identidade. Campinas: Mercado de Letras; São Paulo: Fapesp. 1998.

MORAES, José Geraldo Vinci de. História e Música: canção popular e conhecimento histórico. In: Revista Brasileira de História, nº20/39, ANPUH/Humanistas/FAPESP, 2000. MÜLLER, Telmo Lauro. Colônia alemã: histórias e memórias, 2 ed. Porto Alegre: EST, 1981.

MUNZ, E. Alle singen mit. Welzheim: s.e., 1962.

NAPOLITANO, Marcos. História & Música: história cultural da música popular. 2 ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2005.

SCHLIEBEN-LANGE, Brigitte. Soziolinguistik: eine Einführung. Stuttgart/Berlin/Köln: Kohlhammer, 1991.

SCHNEIDER. In: GLOBUS, 1984, Nº 3.

WOODBURY, Anthony. Línguas em extinção. In: HEYE, Jürgen (org.). Lingüísticas: panorama da Lingüística Contemporânea. Rio de Janeiro: PUC (Texto em CD), 2001.

Referências

Documentos relacionados

a) Dos pais, pois mesmo com as informações sobre as consequências do uso, deveriam orientar os filhos. b) Dos filhos, porque com tanta informação disponível, deveriam ter noção

Podemos fazê-lo ao dizer determinadas coisas sobre nós próprios (como dizer a nossa morada ou o que gostamos de fazer a outras pessoas) ou ao fazer coisas com outras pessoas (como ir

An increase of R$ 1 million in credit at the municipality level in the Caatinga, which corresponds to 27.5% of the average municipal credit supply of this biome, increases

A análise por linha de crédito concentra-se no impacto de um aumento de 1% na oferta de crédito rural municipal do Pronaf e Pronamp - associados aos pequenos e médios

This analysis evaluates the impacts of rural credit from three perspectives: credit lines (PRONAF, PRONAMP, Rural Savings, and Compulsory Resources), 3 producer types (individuals

Reduzir desmatamento, implementar o novo Código Florestal, criar uma economia da restauração, dar escala às práticas de baixo carbono na agricultura, fomentar energias renováveis

Reducing illegal deforestation, implementing the Forest Code, creating a restoration economy and enhancing renewable energies, such as biofuels and biomass, as well as creating

Observamos que nesse processo, em que o Estado (aí representado pela Polícia Federal) nomeia em língua macuxi, caracteriza-se um discurso sobre diferenciado, posto que assim se