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Polémi Uma reflexão de Anne Cova,historiadora e investigadora no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa (ICS-ULisboa).

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Polémi

Uma reflexão de…

Anne Cova,historiadora e investigadora no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa (ICS-ULisboa).

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Uma reflexão de…

Anne Cova,historiadora e investigadora no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa (ICS-ULisboa).

Percursos…

A sua área de investigação incide sobre a história comparada e transnacional das mulheres e do género no século XX. Atualmente estuda «conselhos nacionais das mulheres» na Europa do Sul e na América Latina, 1900-1945. Entre as suas publicações destaca-se: Anne Cova (direção), História comparada das Mulheres. Novas

Abordagens, Lisboa, Livros Horizonte, 2008.

Data

18 de fevereiro de 2018

Na sequência do escândalo que explodiu nos EUA em Outubro de 2017 envolvendo o produtor americano de cinema Harvey Weinstein, nasceram

os hashtags #Balancetonporc e #MeToo que levaram dezenas de milhares de mulheres a testemunhar sobre as violências sexuais. No Twitter, #Balancetonporc foi lançado no dia 13 de Outubro por uma jornalista francesa, Sandra Muller, e dois dias depois a atriz americana, Alyssa Milano, tomou uma iniciativa semelhante com #MeToo. O efeito bola de neve das redes sociais expandiu-se para todos os media e no dia 1 de Janeiro de 2018, trezentas mulheres de Hollywood lançaram o movimento Time’s Up no

prestigiado jornal The New York Times, com o objetivo de acabar com as desigualdades no local de trabalho, as violências sexuais e os assédios contra as mulheres. Esta

iniciativa inclui um fundo de apoio legal às mulheres vítimas e lançou um apelo que foi um sucesso: vestir-se de preto na cerimônia dos Golden Globes num gesto de

solidariedade. Mais recentemente, no dia 28 de Janeiro de 2018, o movimento Time’s

Up marcou também presença nos Grammy Awards através de rosas brancas.

A legítima tomada de consciência das violências sexuais contra as mulheres bem como a libertação dos seus testemunhos são acontecimentos sem precedentes, tendo em conta a sua globalização e a sua difusão extremamente rápida graças às redes sociais.

A contra corrente, três dias depois dos Golden Globes (10 de Janeiro de 2018), foi publicada no jornal francês de referência Le Monde, uma carta coletiva assinada por cem mulheres entre as quais a mais conhecida é a atriz Catherine Deneuve[1]. As outras signatárias são: Ingrid Carven (cantora); Sarah Chiche (psicanalista); Elisabeth Lévy (jornalista); Joëlle Losfeld (editora); Catherine Millet (escritora); etc. Nesta carta cujo título é diferente na versão em papel e na versão online do Le Monde – respectivamente «Mulheres libertam uma outra palavra» e «Defendemos a liberdade de importunar, indispensável à liberdade sexual» – várias afirmações provocaram a polémica dos dois lados do Atlântico.

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A maioria das feministas do passado e da atualidade

queriam e querem, pelo contrário, viver pacificamente

com os homens numa sociedade mais justa. Convém

também não esquecer que houve sempre homens

feministas. Os feminismos não consistem, ao contrário do

que as signatárias pensam, em fazer das mulheres as

«eternas vítimas»

Em primeiro lugar, convém notar que o título na versão online é mais explícito e provocador. Em segundo lugar, em ambos os títulos a ênfase é posta na liberdade. Em nome da liberdade, as autoras afirmam que a liberdade sexual é ameaçada pelo

puritanismo e pelo politicamente correto e defendem a liberdade dos homens de

importunar as mulheres, considerando que uma mulher «pode garantir que o seu salário seja igual ao homem, mas não se sentir traumatizada para sempre por

um frotteur [praticante de frotteurismo, alguém que se encosta, que se roça a outrem sem consentimento] no Metro, mesmo que seja considerado crime. Ela até pode considerar isto como a expressão de uma grande miséria sexual ou mesmo como um não-evento». A resposta da atual secretária de Estado para a igualdade entre mulheres e homens em França, Marlène Schiappa, foi imediata. Afirmou que o discurso é perigoso e alertou para o facto de que «esfregar o sexo de um homem contra uma mulher no Metro, sem o seu consentimento, é uma agressão sexual». De facto, as signatárias parecem estar completamente desligadas da realidade do quotidiano da maioria das mulheres que apanham os transportes públicos todos os dias. Mais: a falta de solidariedade que as autoras da carta expressam é, retomando a palavra da Michelle Perrot, siderante[2]. De facto, como sublinha a historiadora francesa: «Podemos sentir-nos solidários de uma injustiça sem a ter vivido». A única agressão sexual que a carta reconhece como sendo um crime é a violação. As outras violências sexuais — assédio sexual, toques sexuais e carícias não consentidas — são minimizadas.

A carta banaliza as violências contra as mulheres e desvaloriza as consequências que essas podem ter: «Os acidentes que podem afetar o corpo de uma mulher não alcançam necessariamente a sua dignidade (…) Porque não somos redutíveis ao nosso corpo». Esta afirmação vai contra as lutas feministas dos anos setenta que proclamavam «O privado é político» e publicaram Our bodies, Ourselves (1971). Aliás, a carta exprime um antifeminismo: «Enquanto mulheres, não nos reconhecemos neste feminismo, que para lá de denunciar abusos de poder mostra um ódio pelos homens e pela sexualidade». Esta afirmação revela um profundo desconhecimento do que foram e são os

movimentos feministas. Numa perspectiva histórica, a carta insere-se nos movimentos antifeministas. A maioria das feministas do passado e da atualidade queriam e querem, pelo contrário, viver pacificamente com os homens numa sociedade mais justa. Convém também não esquecer que houve sempre homens feministas. Os feminismos não

consistem, ao contrário do que as signatárias pensam, em fazer das mulheres as «eternas vítimas». Recomendo-vos vivamente a leitura dos cinco volumes da História das

Mulheres no Ocidente sob a direção do Georges Duby e da já referida Michelle Perrot, traduzida em mais de quinze línguas.

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[…] a libertação da palavra das mulheres já se traduziu

numa subida das queixas por agressões sexuais: em

França, no quarto trimestre de 2017, as queixas de

agressão sexual aumentaram 32% em comparação com

o mesmo período, em 2016

A carta gerou imensas críticas e a própria Catherine Deneuve alguns dias após a sua publicação prestou declarações ao jornal Libération nas quais pedia desculpa às vitimas de atos odiosos, mas mantinha o seu apoio ao texto que coassinou.

A carta ignora os contributos fundamentais que as feministas deram para a liberdade sexual: contraceção e despenalização do aborto, para mencionar apenas dois exemplos marcantes. Em vez de utilizar a sua visibilidade mediática para apoiar as reivindicações feministas — como já o fez Catherine Deneuve, em 1971, quando assinou com 343 mulheres o famoso manifesto «Eu tive um aborto» publicado no Nouvel

Observateur — esta carta é caracterizada por um maniqueísmo e por uma linguagem exagerada. Assim, faz uma oposição simplista entre o puritanismo Americano e a libertinagem Francesa. O vocabulário utilizado – «feitiçaria», «demónios», «clima de sociedade totalitária», «papel de rapina» – é inadequado bem como as generalizações precipitadas: «A onda purificadora parece não conhecer nenhum limite».

O único mérito da carta é o de ter contribuído para um debate cujos efeitos estão longe de acabados no mundo da globalização em que vivemos. Assim, a libertação da palavra das mulheres já se traduziu numa subida das queixas por agressões sexuais: em França, no quarto trimestre de 2017, as queixas de agressão sexual aumentaram 32% em comparação com o mesmo período, em 2016[3]. Mas mudar as mentalidades demora tempo e atualmente apenas 8% das vitimas de violências sexuais fazem queixa. A libertação à escala mundial, facilitada pela internet, do direito de todas as mulheres se expressarem, é fundamental para lutar contra as violências sexuais e contra as inúmeras formas de discriminar as mulheres. Poder testemunhar e dizer «não» é primordial para a afirmação da liberdade sexual.

[1] Collectif, « Des femmes libèrent une autre parole », Le Monde, 10 de Janeiro de 2018, p. 20.

[2] Propos recueillis par Nicolas Truong, « Michelle Perrot : “L’absence de solidarité me sidère” », Le Monde, 12 de Janeiro de 2018, p. 18.

[3] Gaëlle Dupont e Julia Pascual, « Violences sexuelles : la libération de la parole se traduit en plaintes », Le Monde, 26 de Janeiro de 2018, p. 9.

Referências

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