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Anais V CIPSI - Congresso Internacional de Psicologia Psicologia: de onde viemos, para onde vamos? Universidade Estadual de Maringá ISSN X

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Academic year: 2021

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ALGUMAS REFLEXÕES SOBRE A PSICOTERAPIA PSICANALÍTICA COM PACIENTES PSICOSSOMÁTICOS

Marina Gregório Menita* Este trabalho tem como objetivo propiciar alguma reflexão frente algumas experiências experimentadas em um inicio do processo de “vir a ser” psicoterapeuta psicanalítico. Busca-se compartilhar algumas vivências e angústias vivenciadas no contato com aqueles pacientes cujo corpo é instrumento de expressão da dor psíquica.

Ao iniciar alguns atendimentos cuja queixa era quase que exclusivamente uma dor física, me deparei com alguns questionamentos como: onde está a outra dor que não a do corpo? Do que essa dor física fala? Que lugar ela está? Como entrar em contato com essa dor escondida no corpo?

As doenças psicossomáticas correspondem às falhas dos processos de simbolização. Contaremos com a ajuda de Bion e Winnicott para compreender esta “falha”.

Bion (1994) entende que a percepção da realidade psíquica depende do desenvolvimento da capacidade de pensamento verbal. A incapacidade de pensar que alguns pacientes apresentam está atrelada ao conceito de intolerabilidade à frustração e a teoria do pensamento proposta por este autor.

Bion (1962, 1994) constrói uma teoria do pensamento a partir de duas condições mentais, sendo estas a capacidade ou não de tolerância a frustração. De forma geral, o autor evidencia mecanismos psíquicos de ataque ao próprio pensamento sempre que existe intolerância a frustração, o que leva a intensa dor mental.

O autor propõe um modelo com raízes bastante arcaicas, no qual se o bebê é capaz de tolerar a frustração frente à ausência do seio, é possível que a sua psique desenvolva o pensamento e também um aparelho para pensá-lo. Contudo, se a capacidade de tolerar frustração foi insuficiente, temos a fuga através de um significativo afastamento, de forma que o que deveria ser um pensamento torna-se algo que deve ser evacuado devido ao sofrimento que algo sem nome causa. O alívio provém

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através da atividade motora (pela criança), dos acting (pelos pacientes) somatizações (adultos), acompanhados sempre de identificações projetivas maciças.

A somatização é entendida como uma resposta á dor mental, sendo uma das respostas psíquicas mais comuns frente a cargas emocionais irrepresentáveis e registros indizíveis. Em outras palavras, conforme aponta a “Escola Psicossomática de Paris”, os indivíduos de pensamento operatório “tem dificuldades em fantasiar, de sorte que o ego não consegueprocessar, elaborar e representar as pulsões, e disso resulta que ele super libiniza o corpo de forma concreta” (Zimerman, 2001, p. 719).

Winnicott também contribui para o entendimento da questão. Como bem se sabe, este autor defende que o relacionamento mãe-bebê é de importância única na etapa inicial da vida, sendo essencial para o desenvolvimento saudável do individuo. O autor compreende que se a mãe é capaz de proporcionar uma adaptação suficientemente boa às necessidades do bebê, seu desenvolvimento é pouco perturbado, levando a “[...] um estado de coisas em que a integração começar a tornar-se um fato, e uma pessoa começa a ser encontrada ali” (Winnicott, 1952/ 2000, p. 165).

Winnicott (1964/1994, p. 88) considera que há uma tendência que “conduz o bebê e a criança no sentido de um corpo que funciona, no qual e a partir do qual se desenvolve uma personalidade que funciona, completa com defesas contra a ansiedade de todos os graus e espécies”. Assim, na saúde o self mantém uma identidade com o corpo, estabelecendo assim uma integração na qual o psique e o soma não são distinguíveis. Nesta configuração o bebê encontra um ponto de apoio, não só para o seu desenvolvimento emocional (funcionamento do ego) mas também para o funcionamento do corpo.

Entretanto, quando tais cuidados não são suficientemente bons, representados pela falha materna, há uma interrupção no “continuar a ser” deste. O eu não se desenvolve adequadamente, e o excesso das reações à intrusão do ambiente é sentido pelo bebê como uma ameaça de aniquilação do seu próprio eu. A ausência de relacionamento entre psique e soma é entendida como um tipo de ansiedade que ocorre como consequência das falhas dos cuidados iniciais (Winnicott, 1952/2000,1956/2000).

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Agora, outra pergunta ainda mai angustiante surge com grande evidência: Como desenvolver um trabalho analítico no qual necessitamos das funções simbólicas, do sonhar e do contato com o mundo interno com tais pacientes que apresentam falhas na simbolização, a elaboração psíquica fica prejudicada por um pensamento concreto e o contato com o mundo interno é algo estranho e muitas vezes dolorido?

Ferro (2003) contribui de forma única para o entendimento desta questão quando nos diz que como em um restaurante, onde existe grande diferença entre o que acontece na cozinha e aquilo que é servido, a mente do analista deve possuir uma área onde seja possível pegar todos os ingredientes provenientes das comunicações do paciente, também a nível transferencial, e devolvê-los como um prato pronto e agradável a ponto do paciente concordar em degustar ao invés de simplesmente devolver o prato ao garçom.

Portanto, penso que seja absolutamente fundamental oferecer ao paciente aquilo que ele pode entender, sem ficar com pressa ou medo de que algo seja perdido. Porque, se algo está na mente do analista, já está no campo, já está na sala. O problema é esperar o tempo, a maneira de podê-lo cozinhar e oferecendo-o ao paciente de uma forma assimilável por ele (Ferro, 2003, p. 22). O autor faz referencia especialmente as interpretações, contudo, podemos pensar também que “o prato” a ser preparado pode ser o próprio envolvimento da dupla analítica. Para alguns pacientes esse contato tão íntimo e inevitável desta relação pode ser algo muito angustiante e extremamente difícil, demandando muita cautela, continência e paciência por parte do psicoterapeuta psicanalítico ou analista.

Para concluir essa reflexão, temos um belo ensinamento apresentado no livro Pequeno Príncipe de Antoine de Saint-Exupéry:

Em sua busca, o pequeno príncipe encontrou uma raposa e tão logo convidou-a para brincar. A raposa respondeu que não seria possível, pois ainda não havia sido cativada. Após certa insistência do pequeno príncipe, a raposa explicou a ele o significado de cativar. Ela disse que era criar laços. “Tu não és ainda para mim senão um garoto inteiramente igual a cem mil outros garotos. E eu não tenho a necessidade de ti. E tu também não tens necessidade de mim. Não passo a teus olhos de uma raposa igual a cem mil outras raposas. Mas, se tu me cativas, nós teremos necessidade um do

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outro. Serás para mim único no mundo. E eu serei para ti única no mundo [...] A gente só conhece bem as coisas que cativou”. Após algum tempo, era a raposa quem queria muito ser cativada, mas o jovem príncipe não sabia como fazê-lo. A raposa explicou então como fazer para cativar o outro. “É preciso ser paciente [...] Tu te sentarás primeiro um pouco longe de mim, assim, na relva. Eu te olharei com o canto do olho e tu não dirás nada. A linguagem é uma fonte de mal-entendidos. Mas, cada dia, te sentarás um pouco mais perto.” Pacientemente o pequeno príncipe foi cativando a raposa, porém, chegou à hora dele ir embora, e a raposa ficou muito triste e chorou. Para a raposa o pequeno príncipe era não mais um menino qualquer, mas era um menino único, e para o pequeno príncipe, a raposa era única também. Na despedida, a raposa contou a ele um segredo: só se vê bem com o coração. O essencial é invisível aos olhos. Remetendo a rosa que o pequeno príncipe cuidava com todo carinho, a raposa disse que esta rosa só era importante, pois ele havia perdido muito tempo com ela. A raposa alertou o pequeno príncipe para uma verdade que os homens se esqueceram: “Tu te tornarás eternamente responsável por aquilo que cativas”.

Podemos concluir, a partir desta breve reflexão, o quanto estamos em áreas delicadas e precisamos estar muito atentos para prosseguir nesta delicada caminhada de vir a ser um psicoterapeuta psicanalítico.

Referências

Bion, W.R (1994). Uma teoria sobre o pensar. In: Estudos psicanalíticos revisados – Second thoughts. Trad. Wellington M. de Melo Dantas. 3ª ed. revisada- Rio de Janeiro: Imago.

__________ (1962). Os elementos da psicanálise. Trad. Jayme Salomão e Paulo dias Correa. Rio de Janeiro: Zahar.

Ferro, A. (2003). O Pensamento clinico de Antonino Ferro: Conferências e Seminários. Org. Marta Petricciani. São Paulo: Casa do psicólogo.

Saint-Exupéry, A (2006). O pequeno principe. Trad. Dom Marcos Barbosa. Rio de Janeiro: Agir.

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Zimerman, E. D.(2001) O paciente psicossomático. São Paulo: Rev.Bras.Psicanál. vol.35 (3). p.717-727.

Winnicott, D.W (2000). Ansiedade associada à insegurança. In: Da Pediatria á psicanálise. Trad. Davy Bogomoletz. Rio de Janeiro:Imago. (Original publicado em 1952).

______________(1994). Transtorno [disorder] Psicossomático In: Explorações psicanalíticas. Trad. José Octavio de Aguiar Abreu. Porto Alegre: Artmed. (Original publicado em 1964).

______________(2000) A preocupação materna primária. In: Da Pediatria á psicanálise. Trad. Davy Bogomoletz. Rio de Janeiro: Imago. (Original publicado em 1956)

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