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EDUCAÇÃO INFANTIL E ÉTICA INTERCULTURAL UMA PROPOSTA PARA A PRIMEIRA ETAPA DA EDUCAÇÃO BÁSICA

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EDUCAÇÃO INFANTIL E ÉTICA INTERCULTURAL – UMA

PROPOSTA PARA A PRIMEIRA ETAPA DA EDUCAÇÃO BÁSICA

SIQUEIRA, Rejane Brandão – PUCRJ rejsiqueira@gmail.com

Área Temática: Diversidade e inclusão Agência Financiadora: CNPQ/FAPERJ Resumo

Este artigo é resultante das reflexões e análises dos registros das observações e entrevistas com crianças realizadas no desenvolvimento da pesquisa “Crianças e adultos em diferentes

contextos: a infância, a cultura contemporânea e a educação”, (PUC-Rio) coordenada pela

professora Sonia Kramer e teve como objetivo tomar como contextos creches, pré-escolas e instituições de atendimento à Educação Infantil, buscando um entendimento de seus componentes a partir do pressuposto de que se faz necessário um olhar sobre as interações que se constituem neste espaço singular, observando suas práticas bem como a circulação de conceitos e preconceitos e as relações de autoridade, identidade e diversidade.O presente texto se constitui num convite a todos aqueles que atuam na educação de crianças, mais diretamente daquelas na faixa etária de 0 a 5 anos, que estão inseridas no contexto escolar na primeira etapa da educação básica, a educação infantil, que pode ser considerado o momento ideal para a introdução da temática do respeito às diferenças tendo em vista que identidade, linguagem e respeito mútuo são eixos norteadores de todo o trabalho pedagógico desenvolvido nessa etapa. Nessa perspectiva faz-se necessária uma reflexão por parte dos educadores sobre o reconhecimento da diversidade e o respeito às diferenças e a compreensão das múltiplas formas como essas duas importantes questões vem sendo abordadas cotidianamente nesses espaços educativos. Iniciamos trazendo uma reflexão a respeito da relação escola/sujeitos e diferença. Num segundo momento apresentamos aS propostas do multiculturalismo e da educação numa perspectiva intercultural baseada nas proposições de Vera Candau. Finalizamos com uma breve análise dos princípios elencados pelas Diretrizes Curriculares Nacionais de Educação Infantil como fundamentos norteadores das propostas das instituições de educação infantil.

Palavras-chave: Educação Infantil; Diferença; Multiculturalismo; Interculturalidade; Ética Civil.

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Quantos véus, que escondem a face do ser mais próximo, que parecia perfeitamente familiar, não precisamos, do mesmo modo levantar, véus depositados nele pelas casualidades de nossas reações, de nosso relacionamento com ele e pelas situações da vida, para ver-lhe o rosto em sua verdade e seu todo. (Bakhtin)

Véus. A cada dia novos véus vêm se descortinado no contexto escolar. Véus que resultam da mistura de experiências individuais e coletivas que enriquecem esse espaço. Convidamos Bakhtin para introduzir esta reflexão em decorrência de nossa consciência de que muitos véus ainda há para serem levantados nesse cenário onde circulam múltiplos olhares, classes sociais, culturas, crenças, convicções. Todavia, nesse artigo se expressa o desejo e a ousadia de levantar alguns dentre muitos outros véus que turvam a nossa visão em relação a uma questão específica, a diversidade.

A escola enquanto um espaço de entrelaçamento de histórias pessoais e coletivas tem diante de si o desafio de respeitar as diferenças que circulam em seu interior e que se manifestam em todas as esferas: sociais, étnicas, culturais e religiosas.

Pensar a infância na contemporaneidade exige de nós um olhar multi, inter e transdisciplinar. As culturas da infância variam de acordo com o contexto em que se inserem, isto é, não há uma determinada cultura de infância ao se considerar a criança como sujeito, o que há, na verdade, é uma variedade de formas de cultura(s) que se alteram em decorrência da sociedade a que estas estão submetidas

O respeito às características individuais de cada criança pode hoje ser considerado o maior desafio da escola que se propõe a não perpetuar as desigualdades e injustiças que, diariamente, assolam a sociedade.

Este é, sem dúvida, um desafio à educação, não apenas a escolar. Todavia, entendemos que a escola deve ser a agência promotora, ao propiciar a manifestação das diferenças para, a partir delas elaborar sua proposta pedagógica baseada em uma pedagogia da heterogeneidade. A educação está imersa nos processos culturais. Assim sendo, a temática da diferença alcança desde as questões curriculares até a prática pedagógica escolar.

A produção desse texto se consolidou a partir das reflexões e análises dos registros nos diários de campo das falas e ações observadas no cotidiano de uma escola Ensino Fundamental com turmas de Pré-escolar no desenvolvimento da pesquisa “Crianças e adultos

em diferentes contextos: a infância, a cultura contemporânea e a educação”, (PUC-Rio)

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creches, pré-escolas e instituições de atendimento à Educação Infantil, buscando um entendimento de seus componentes a partir do pressuposto de que se faz necessário um olhar sobre as interações que se constituem neste espaço singular, observando suas práticas bem como a circulação de conceitos e preconceitos e as relações de autoridade, identidade e diversidade.

A pesquisa abordou a diversidade como uma das questões temáticas centrais por entender que, nas falas, nas ações e na conduta dos sujeitos que compõem nosso campo, estão explícitas as formas de como se constituem os modos de perceber o outro que pode se revelar, socialmente, em preconceito e fonte de discriminação.

Nosso foco está centrado na questão humana, da criança enquanto sujeito, pessoa, indivíduo dotado de vontades, desejos, posturas que a caracterizam como parte da sociedade. Acreditamos ser esta uma reflexão necessária, por entendermos a infância como uma etapa determinante da condição em que se estruturarão todas as experiências da vida dos pequenos e, neste sentido, enfatizamos a importância da Educação Infantil como espaço privilegiado para uma formação de qualidade.

Nesse espaço circulam nas falas, nas ações e na conduta dos sujeitos as formas como se constituem seus modos de perceber o outro que pode se revelar, socialmente, em preconceito e fonte de discriminação.

A construção do pensamento se dá socialmente. Essa afirmação de Vigotski (2003) enfrenta na conjuntura social o problema da estigmatização do outro que difere de mim. Estigmatizar é um princípio que dá margem à exclusão. Goffman (1988:12) aborda esta questão e afirma que,

Enquanto o estranho está a nossa frente, podem surgir evidências de que ele tem um atributo que o torna diferente de outros que se encontram numa categoria em que pudesse ser incluído, sendo, até, de uma espécie menos desejada – num caso extremo, uma pessoa completamente má, perigosa ou fraca. Assim, deixamos de considerá-lo criatura comum e total, reduzindo-o a uma pessoa estragada e diminuída. Tal característica é um estigma, quando o seu efeito de descrédito é muito grande.

Refletir sobre a diferença nos traz alguns questionamentos: Num momento em que o respeito à diversidade é tão aclamado, como se dão as diferenças na escola? De que forma a escola aporta uma gama complexa de diferenças e consegue emudecê-las e isolá-las? Quais as

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formas de concepção do outro? A heterogeneidade de sujeitos que ocupam este espaço é contemplada no sentido de respeitar as subjetividades e singularidades? O estranhamento

provocado pela visão daquilo que não é familiar produz alteridade? A criança entendida como ator social pleno, sujeito inserido na cultura e produtor de

cultura, apresenta diferenças e, sem dúvida, um espaço que aglomera diferentes será palco de conflitos. Nesse sentido, o desafio da escola é promover a troca, o encontro, a tolerância e a solidariedade.

Andrade (2007:48) propõe a tolerância como uma agenda mínima da educação que defende a diferença como uma riqueza a ser preservada.

A solidariedade é o sentimento humano que urge como uma necessidade da escola no tocante às diferenças. Somente assim seremos capazes de conquistar uma verdadeira integração que é um elemento indispensável à sobrevivência da raça humana, e fortalecer as relações entre os homens é o único caminho possível para a conquista deste sentimento.

Em face dessa compreensão torna-se inviável a defesa do pressuposto de que há uma infância única, homogênea, somos uma sociedade desigual, com oportunidades desiguais.

Corsino afirma que “as condições impostas às crianças, em diferentes lugares, classes sociais e momentos históricos, revelam que não é possível viver uma infância idealizada, pretendida e legitimada, vive-se a infância possível, pois a criança está imersa na cultura e participa ativamente dela (2003:64)”.

As questões da diversidade apontam intrinsecamente para a formação da identidade dos indivíduos que compõem o ambiente escolar e, para Habermas (1983), a identidade como um processo de aprendizagem passa por três estruturas: a primeira é a esfera lingüística, que se estrutura com o uso da linguagem para a comunicação; a segunda é a esfera cognitiva, e como a construção da identidade é processual e trata-se de uma internalização de condutas, comportamento e ações, faz-se necessária a busca dos conhecimentos indispensáveis para a vida em sociedade; e a terceira é a interativa - nesta construção, as ações e a interação com o outro serão elementos indispensáveis à consolidação e estruturação da identidade

Nesse sentido, a educação infantil pode ser considerado o momento ideal para a introdução da temática do respeito às diferenças tendo em vista que identidade, linguagem e respeito mútuo são eixos norteadores de todo o trabalho pedagógico desenvolvido nessa etapa. Veremos mais adiante um aprofundamento desse tema.

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O último século foi marcado por uma série de avanços econômicos, sociais e políticos. Esses avanços configuram o que denominamos hoje de globalização, processo que se

caracteriza por uma expansão de mercado e que reinventa as relações entre as diversas culturas.

O acesso às múltiplas culturas que compõem a sociedade contemporânea, no entanto, ao invés de potencializar a diversidade tem reforçado o processo discriminatório, intolerante e estigmatizador que se constituiu ao longo da história.

O multiculturalismo, de acordo com Andrade (no prelo,p.10), na sua definição mais simples é a constatação de um fenômeno que envolve a convivência e coexistência de

diversas culturas num mesmo território e num mesmo tempo histórico. A partir dessa

definição podemos afirmar que este não é um movimento que se iniciou na escola, todavia, a escola como espaço de cruzamento de culturas é um campo profícuo para o seu desenvolvimento.

Nessa perspectiva, alguns pesquisadores têm se debruçado sobre as possibilidades de inserção do multiculturalismo como questão central da escola. No Brasil podemos destacar Silva (2000), Candau (2002, 2006, 2007), Skliar (2003), Canen (2000), Andrade (2006), dentre outros.

Para Silva (2000:97),

A questão da identidade, da diferença e do outro é um problema social ao mesmo tempo em que é um problema pedagógico e curricular. É um problema social porque, em um mundo heterogêneo, o encontro com o outro, com o estranho, com o diferente, é inevitável. É um problema pedagógico e curricular não apenas porque as crianças e os jovens em uma sociedade atravessada pela diferença, forçosamente, interagem com o outro no próprio espaço da escola, mas também porque a questão do outro e da diferença não pode deixar de ser matéria de preocupação pedagógica e curricular. [...] O outro é o outro gênero, o outro é a cor diferente, o outro é a outra raça, o outro é a outra nacionalidade, o outro é o corpo diferente.

O entendimento do aluno enquanto criança, sujeito de direitos, sugere o respeito a seu conhecimento prévio, sua história de vida, sua formação cultural. Estes são hoje pressupostos fundamentais para uma educação de qualidade.

A religiosidade, o nacionalismo exarcebado, o escalonamento do valor da cor da pele, da condição sócio-econômica, da etnia e tantos outros fatores têm sido apropriados por muitos

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Olhar o outro que me constitui, como pontua Bakhtin (2000:37), e reconhecer e respeitar as diferenças são elementos de definição da conduta ética nas relações. Para o autor,

na vida, depois de vermos a nós mesmos pelos olhos de outro, sempre regressamos a nós mesmos; e o acontecimento último, aquele que parece-nos resumir o todo, realiza-se sempre nas categorias de nossa própria vida.

Assim podemos afirmar que necessitamos desse outro para nos constituir, enquanto sujeitos, autores de nossas próprias ações e mesmo que discordemos em nossos posicionamentos podemos estabelecer uma convivência autêntica conforme preceitua Cortina (2005) a partir da compreensão e do respeito mútuo.

Ë a partir desse outro que nos reconhecemos como diferentes. Neste movimento, produz-se a alteridade que, segundo Gusmão (2003:83), revela-se no fato de que o que eu sou

e o outro é não se faz de modo linear e único (...)

Na dinâmica da construção das identidades se por um lado nos diferenciamos do outro, por outro, precisamos ver nele algo que me aproxima que me une. Enfim, [...] devo

identificar-me com o outro e ver o mundo através de seu sistema de valores, tal como ele o vê; devo colocar-me em seu lugar, e depois, de volta ao meu lugar, completar seu horizonte com tudo o que se descobre do lugar que ocupo, fora dele. (Bakhtin, 2000:45).

Entre o que nos identifica e o que não nos identifica com o outro está a possibilidade de um olhar que pode emoldurar-se em duas faces opostas: a do respeito, que se estabelece numa conduta ética mínima (Andrade,2008), em que afirmamos nossa identidade e reconhecemos a do outro; e a da discriminação, que considera a diferença.

Saber o que eu sou e o que o outro é depende de quem eu sou, do que acredito que sou, com quem vivo e por quê. Depende também das considerações que o outro tem sobre isso, a respeito de si mesmo, pois é nesse processo que cada um se faz “pessoa e sujeito”, membro de um grupo, de uma cultura e uma sociedade. Depende também do lugar do qual a partir do qual nos olhamos. Trata-se de processos decorrentes de contextos culturais que nos formam e informam, deles resultando nossa compreensão de mundo e nossas práticas, frente ao igual e ao diferente. (Gusmão, 2003:87)

Quando as ações, posturas e condutas do indivíduo, resultante de seu capital cultural se contrapõe ao que está socialmente instituído, a diferença passa a ser encarada como deficiência e, muitas vezes, o conflito de identidades resulta na subordinação daquela que é classificada como inferior e esse é um dos alicerces da exclusão.

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No intuito da construção de um comportamento social que aceite e respeite as múltiplas identidades culturais de nosso povo no contexto escolar, o multiculturalismo é uma proposta que propõem a discussão de como podemos entender e até resolver os problemas gerados pela heterogeneidade cultural, política, religiosa, étnica, racial, comportamental, econômica, que convivem no espaço escolar.

Silva (2000) define o multiculturalismo como um movimento que, fundamentalmente

argumenta em favor de um currículo que seja culturalmente inclusivo, incorporando as tradições culturais dos diferentes grupos culturais e sociais.

Dentre as diferentes concepções de multiculturalismo pontuadas por Hall (2003), destacamos aquela denominada multiculturalismo crítico, que questiona a origem das diferenças, criticando a exclusão social, a exclusão política, as formas de privilégio e de hierarquia existentes nas sociedades contemporâneas e apóia os movimentos de resistência e de rebelião dos dominados

Ao atentarmos para as falas das crianças, confrontamo-nos com os reflexos do grupo social no qual estão inseridas. Suas ações reproduzem condutas que lhes são familiares e que, cumprindo seu papel de ator de um coletivo, reinterpretam as culturas que lhes são apresentadas e nessa reinterpretação são capazes de reinventar de transgredir o instituído.

(...) as transgressões criativas, produto e produtora de uma cultura da infância, rica pela especificidade que é portadora. A cultura da infância nos obriga a rever o absolutismo do pensamento, a intolerância das práticas discriminatórias, a considerar as possibilidades de um trânsito entre competências e sujeitos diversos, mas, nem por isso, hierarquizáveis e desiguais (...).(Gusmão, 1999: 52).

Partindo de um entendimento de que múltiplas culturas circulam no espaço escolar bem como no seu entorno, cabe à escola identificá-los para, a partir delas, construir sua proposta de educação.

Nossa ênfase está na formação dos indivíduos, sujeitos de uma sociedade injusta e desigual. Diante desse cenário, que cidadãos queremos formar? Que educação é necessária para a transformação deste quadro de reprodução das desigualdades? Pode a escolar interferir nesta situação, de forma a contribuir com esta superação?

Certamente, se nos ativermos a uma proposta de educação que esteja atrelada ao ensino conteudista e distanciado da realidade, estaremos destinados a perpetuação da intolerância e de ações que minimizam o ser humano a uma condição vil e destrutiva, de barbárie. Todavia,

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se nosso compromisso é com uma educação para a humanização, estaremos no caminho em direção a um presente possível e um futuro promissor.

Nesse sentido, Candau (2005) propõe um novo modelo educacional desenvolvido numa perspectiva intercultural baseada nas considerações de Abdallah Pretceille (2001) que considera a interação como elemento fundamental dessa perspectiva que “[...] constitui outra maneira de analisar a diversidade cultural, não concebe as culturas como estados, como entidades independentes e homogêneas, mas a partir de processos, de interações, de acordo com uma lógica da complexidade (p.30).”

Para a autora a expressão multicultural refere-se à constatação de que uma sociedade está composta por diferentes culturas, enquanto “a expressão intercultural expressa já um projeto (...), que é uma interação, o diálogo, a troca entre as diferentes culturas (2002:75)”.

Assim, a partir de uma concepção da escola como espaço de crítica e produção cultural é preciso enfrentar o desafio de torná-la um ambiente de produção e expressão da diferentes linguagens e culturas.

E este é o nosso propósito, desafiar e incentivar os educadores a que se recusem ao imobilismo, ao silenciamento, à neutralidade, e que reconheçam os preconceitos, racismos e discriminações que circulam no ambiente escolar a fim de idealizar e praticar um projeto educativo que promova uma reversão deste quadro.

A seguir constataremos que, considerando os princípios elencados pelas Diretrizes Curriculares Nacionais de Educação Infantil como fundamentos norteadores das propostas das instituições de educação infantil o desenvolvimento de uma proposta na perspectiva intercultural nessa modalidade de ensino é uma possibilidade real e viável.

Os Princípios das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil: Possibilidades de um começo de conversa.

Uma educação centrada na aceitação e no respeito à diversidade pressupõe o entendimento de igualdade de direitos e dignidade a todos os indivíduos e a superação de hierarquias sociais que classificam os indivíduos diferentes em superiores e dominantes e inferiores e subalternos.

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Concordamos com Candau (2008) quando afirma que conceber a dinâmica escolar nessa perspectiva supõe repensar os seus diferentes componentes e o rompimento com práticas padronizadoras e homogeneizadoras, ou seja, é preciso reinventar a escola.

Considerando a construção histórica da sociedade brasileira que se consolidou numa realidade no qual os diferentes são considerados uma ameaça e foram sendo vitimizados por uma sociedade que discrimina e exclui aqueles que por terem sua própria identidade cultural diferem daquela que é socialmente estabelecida, somos desafiados a reflexão de qual o papel da escola de educação infantil frente a esse contexto? Ela o transforma ou perpetua? Ela desconstrói ou reproduz? Como educadores infantis têm tratado a questão da diferença?

A Resolução nº. 01/99 da CEB instituiu as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (DCNEIs) e em seu Art. 3º, estabelece que as propostas pedagógicas das instituições de Educação Infantil devem respeitar os seguintes fundamentos norteadores: a) Princípios éticos da autonomia, da responsabilidade, da solidariedade e do respeito ao bem comum; b) Princípios políticos dos direitos e deveres de cidadania, do exercício da criticidade e do respeito à ordem democrática; c) Princípios estéticos da sensibilidade, da criatividade, da ludicidade e da diversidade de manifestações artísticas e culturais.

Considerando os fundamentos norteadores das propostas pedagógicas das instituições de educação infantil determinados pelas diretrizes, parece-nos que a adoção de uma prática educativa na perspectiva intercultural é uma realidade real e possível.

Ao instituir como princípios éticos a autonomia, a responsabilidade, a solidariedade o respeito ao bem comum e como princípios políticos dos direitos e deveres de cidadania, do exercício da criticidade e do respeito à ordem democrática a proposta abre a possibilidade para a construção de uma ética civil, conforme propõe Adela Cortina (1986).

Para a autora uma ética civil conjuga “éticas de justiça” e “éticas de felicidade”,ou seja, “éticas de máximos” e “éticas de mínimos” e objetiva articular o justo que trata do que deve ser, ou seja, dos deveres de justiça de qualquer ser racional e que se constituem de exigências mínimas e o bom que trata fundamentalmente de uma realização subjetiva, pessoal e intransferível, ou seja, trata-se de um conjunto de bens que os seres humanos usufruem como fonte de felicidade.

Andrade (2006:253), a partir dos pressupostos de Cortina pondera que a educação intercultural pode ser um espaço no qual se constrói uma agenda mínima entre diferentes culturas de uma sociedade pluralista ou de diferentes sociedades pluralistas.

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Os Princípios Estéticos da Sensibilidade, da Criatividade, da Ludicidade e da Diversidade de Manifestações Artísticas e Culturais, apontam para a necessidade de que os educadores infantis tenham um autoconhecimento quanto a sua formação cultural, a formação de seu povo, de sua comunidade e que estes estejam abertos a diversidade e a aceitação da diferença.

Nesse sentido, CORTINA (1997:57/58) afirma que:

Os educadores também têm de saber quais são seus 'mínimos decentes' de moralidade na hora de transmitir os valores, sobretudo no que diz respeito à educação pública numa sociedade pluralista. Pois é certo que, por serem educadores, não tem legitimidade para transmitir, sem mais, apenas os valores que lhes pareçam oportunos. (...) Não seria urgente descobrir quais são os valores que podemos partilhar e que vale a pena ensinar? É ou não é urgente descobrir um 'mínimo decente de valores' já partilhados?

Neusa Gusmão (1999) destaca a abrangência das culturas infantis e a necessidade de nos atentarmos para as múltiplas formas que essa diversidade pode nos ser apresentada, com culturas que são criadas em contextos específicos, e que assim, são diversas, mas não hierarquizáveis.

Numa perspectiva de prática pedagógica intercultural, Candau (2005: 33-35) pontua, que não devemos contrapor igualdade à diferença e que de fato, a igualdade não está oposta à diferença, e sim à desigualdade e que diferença não se opõe à igualdade e sim à padronização. Para a autora, alguns desafios precisam ser enfrentados pelos educadores que pretendam trabalhar numa perspectiva intercultural. Dentre eles, selecionamos alguns que contemplaram nossas reflexões.

I- O primeiro deles é o de penetrar no universo de preconceitos e discriminações presentes na sociedade brasileira [...]. Para a promoção de uma educação intercultural, é necessário reconhecer o caráter desigual, discriminador e racista da nossa sociedade, da educação e de cada um(a) de nós.

II- O segundo é o de questionar o caráter monocultural e o etnocentrismo que, explicita ou implicitamente, estão presentes na escola e nas políticas educativas e impregnam os currículos escolares.

III- O terceiro trata de articular igualdade e diferença: é importante articular no nível das políticas educativas, assim como nas práticas pedagógicas, o reconhecimento e a valorização da diversidade cultural, com as questões relativas à igualdade [...].

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IV- O quarto propõe resgatar os processos de construção das nossas identidades culturais: tanto no nível pessoal como no coletivo. [...].

V- O quinto desafio é o de promover experiências de interação sistemática com os “outros’: para sermos capazes de relativizar nossa própria maneira de situarmo-nos diante do mundo e atribuir-lhe sentido [...] Exige romper toda tendência à guetificação, presente também nas instituições educativas, e supõe um grande desafio para a educação.

VI- O sexto e último desafio, é favorecer processos de “empoderamento”: principalmente orientados aos atores sociais que historicamente tiveram menos poder na sociedade, ou seja, menores possibilidades de influir nas decisões e nos processos coletivos.[...].

A adoção de uma postura didática que tem o educando como centro, uma prática diversificada, com linguagem adequada, abrindo-se ao diálogo, adotando uma postura de respeito e compreensão do outro é uma ação para a transformação, a mudança.

O reconhecimento das diferenças e a decisão de oferecer às crianças diferentes oportunidades provocam mudanças no comportamento daqueles que até aquele momento enxergam os “outros” como estranhos, desconhecidos, pré-determinados.

Ao se abrir a possibilidade de o diferente ser tratado com diferença, surgem novas formas de discriminação e preconceito dentro da escola e fora dela. Dentro da escola, entre os seus pares, o professor passa a ser visto como utópico e sonhador. Fora da escola, estão os conceitos de uma sociedade conservadora que, segrega, discrimina, exclui. Assim por uma sociedade da diferença é preciso aceitar o convite e encarar o desafio.

Conclusão

A vida está presente na escola, espaço onde as relações entre crianças e adultos, criança e criança, criança e meio, criança e aprendizado fazem diferença para quem as vivencia. Precisamos pensar no “ingrediente” fundamental para o sucesso destas relações e suas implicações na vida das crianças.

Falar de diversidade e diferença abre uma rede infinita de conhecimentos e saberes, experiências e vivências coletivas e individuais e, sem dúvida, é possível afirmar que, sempre há e haverá muito a ser aprendido e compreendido nas relações que se estabelecem no universo escolar.

Ao se conceber a criança como um sujeito que produz e é produzido na cultura, torna-se de grande relevância o exercício de uma pedagogia da escuta que lhe dá vez e voz e permite uma interlocução das múltiplas vozes que ecoam no ambiente escolar e, nestas vozes,

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é possível que haja sempre um abarcamento das relações que se estabelecem entre o sujeito e seus pares.

Ouvindo as crianças, há um desnudamento de um pensamento que se reveste de um discurso de igualdade. A capacidade de crítica dos pequenos às situações que lhes incomodam é notória. Sua conduta é de questionamento quanto à posturas discriminatórias. A escola, entendida como um lugar de socialização e de transformação, de busca pela igualdade e preservação das múltiplas identidades que circulam no seu espaço, está sendo desafiada à superação de preconceitos e, principalmente, à aceitação das individualidades dos sujeitos que nela estão inseridos.

No intuito da construção e (re)construção de uma sociedade que se deseja justa e felicitante a ética dos mínimos ancorados num comportamento social que aceite e respeite as múltiplas identidades culturais de nosso povo e que a partir da constatação das diferenças, proponha a discussão de como podemos entender e operar com a heterogeneidade cultural, política, religiosa, étnica, racial, comportamental, econômica, que circula no espaço escolar de forma que todos os indivíduos tenham seus direitos respeitados.

Concluímos afirmando que, a perspectiva intercultural quer promover uma educação para o reconhecimento do outro, para o diálogo entre os diferentes grupos sociais e culturais, (Candau,2005:35), e acreditando que o diálogo é a possibilidade de superação das diferenças entre o Eu e o Outro. E, quando foge ao ser humano o olhar que percebe o outro e reconhece nele o seu semelhante, o que ocorre é a desumanização que gera a violência, o desrespeito, o autoritarismo e toda sorte de sentimentos desleais e destrutivos.

Enfim, a educação infantil foi por nós considerada com solo fértil para essas discussões, tendo em vista que, se queremos uma sociedade justa hoje, devemos começar pelos pequenos.

Referências

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