Bicicross
Rumãozinho e Zé Rufino trabalhavam no armazém Bem defronte a um campinho
No meio de uma estradinha de terra batida Que saía lá do asfalto
Vinha margeando as cercas dos sítios E ia até onde as vista alcançava Rumãozinho, filho do dono da venda. Cuidava do caixa e do balcão
Zé Rufino atendia os fregueses, nas mesas e no salão. Rumãozinho, gordinho rosado.
Zé Rufino, neguinho espetado.
Durante a semana, era sempre uma lesera. Quando em vez, entrava um freguês.
E aí pra matar o tempo “Garraro” a mania de apostá E tudo era motivo
_O primeiro que vai passar, vai sê caminhão!
_To apostanu qui é camioneta!
Retruca Zé Rufino, cutucando a orelha com um palito de dentes. Às vezes levava tempo, pra saber o resultado.
_O próximo freguês é homi! _To apostanu qui é mué! Mais espera...
Molequinho embicava em direção a venda.
_Esse moleque vai querer bala de goma! Diz Rumãozinho. _Acho qui vai de chicrete! Retruca Zé Rufino.
_Moço, tem linha pra sortá pipa? Às vezes dava empate.
E os dias iam passando, e os dois sempre apostando. Pra quebrar a monotonia.
Certos dias apareceram uns caras Com umas roupas coloridas
Montados numas bicicletas incrementadas, ”arrepiando Carrera” Desde o asfalto, até onde a vista alcançava.
Depois ficaram sabendo, que era um tal de “bicicrós” Depois a poeira foi baixando
Lá foi a vida voltando
_Aposto que hoje chove!
Diz Rumãozinho, limpando as unhas, com um canivetinho
_Qual o que, aposto que não! Responde Zé Rufino, ameaçando um cochilo E estava tudo indo nos conforme de sempre
Quando Zé Rufino percebeu que Rumãozinho, olhava fixo pra ele _Que qui tu ta mi oiando?
_To aqui matutando! _Matutandu nu que? _No tal de Bicicrós! _E daí?
_E se a gente fizer um!
_Seria bão,.. si nós tivesse bicicleta!
_Eu compro uma pra mim, e tu usa a de fazer entrega!
_Zé Rufino coçou a cabeça, com ar preocupado. Rumãozinho sem dar tempo pro amigo pensar muito _ Então, topas!
_Ta topado!
Dois dias depois, tava Rumãozinho de bicicleta nova vermelha, rodas cromadas, um porrilhão de marchas freios reforçados, selim anatômico, uma belezura.
Pra completar, capacete, luvas, óculos, camiseta, bermuda Tudo nos trinques.
_Tu vai cabê nessa bermudinha? Ô Rumãozinho! _É “licra” sua besta, estica!
Zé Rufino olhou pra bicicleta de entrega, meio cabrêro. As rodas pareciam meio empenadas
O guidão, ferrugem só _Ué! Tem freio não?
_O freio é contra-pedal, o cavalgadura!
E foram pro balcão da venda, discutir os pormenores do circuito em um mapa feito na véspera, num pedaço de papel de embrulho _Que diabo é esse tal de circuito? Pergunta Zé Rufino, bestando. _É o caminho, mas no bicicrós se fala circuito! Explica Rumãozinho com ar de entendido no assunto.
_...ah...entendi !
_Nós da partida aqui em frente à venda, vamos até o sítio do seu Teles, dobra as esquerdas no milharal, segue beirando os pé de milho até a porteira da dona Mirtes, quebra de novo as esquerdas até o rio, passa a pinguela contorna o bambuzal, até o pé do morrinho, sobe, desce, fazendo a curva no espinheiro, pega a estrada que vem do asfalto e
termina aqui na frente da venda. _Entendeu? Pergunta Rumãozinho.
Zé Rufino, tinha parado no alto do morrinho, pensando na ribanceira e no tal do “contra pedal”
_Entendeu Zé? Insiste Rumãozinho.
_Claro, entendi tudinho! Respondendo ao cutucão do amigo. Dia seguinte, cedinho, lá estavam os dois.
Rumãozinho, bicicleta nova, todo paramentado _Tô parecendo um atleta, tô ou num tô?
Zé Rufino olhando meio de banda, cum risinho meio cínico. _Cum essa bermudinha colada na bunda,...sei não !
_Toma prumo, seu bósta! Resmunga Rumãozinho. _É um...é doi...é três...é já !
E lá foram, os dois.
Rumãozinho que largara na frente, já estava na curva do milharal Zé Rufino, tava ainda na porteira do seu Telis, mais adiante, se aproveitando de um aclive do terreno, mais leve, passa Rumãozinho Depois um declive até a porteira da dona Mirtes, Zé Rufino de novo na rabeira. Na curva que ia dar no rio, Rumãozinho se atrapalha com o porrilhão de marchas. Zé Rufino se aproveita e passa de novo.
Chegam juntos na pinguela, Rumãozinho passa primeiro e se manda, Zé Rufino vai atrás. Rumãozinho acertando na marcha, ganha uma dianteira, chegando primeiro no pé do morrinho. Não dando pra subir pedalando, desceu e foi empurrando,e suando, e bufando. Zé Rufino que tinha chegado depois no morrinho, magrinho, tirou a diferença. E chega no alto quase ao mesmo tempo. Rumãozinho começou a
descida um pouco antes, e foi tenteando no freio, controlando a velocidade _ Êta breque bão!
Zé Rufino, vendo o chão passar cada vez mais rápido, carcou o pé no tal de contra pedal, mas a corrente enferrujada num guentou o tranco. _To sem breque, to sem breque! Berrava Zé Rufino, vendo Rumãozinho e a curva do espinheiro, chegando rápido.
Daí pra frente, foi braço com roda, perna com guidão, eles tudo embolado Atravessaram o espinheiro, só pararam no valão.
...
No hospital, lado a lado
Só não tinha curativo, onde tava engessado Os dois olhando pro teto, cos pescoços entalados Rumãozinho mais gemendo que falando...
Zé Rufino cos beiços tudo ralado Respondeu cum cantinho da boca
_ Tá apostado! Ricco Paes 07/225
