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INICIAÇÃO ÀS CONCEPÇÕES DE VIDA APÓS MORTE NO PERÍODO VIKING

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INICIAÇÃO ÀS CONCEPÇÕES DE VIDA APÓS MORTE

NO PERÍODO VIKING

Rodrigo Tonon Bergantini1

Alex Giacomin Rebonato2

Rogério Costa dos Reis3

RESUMO

A morte tem causado fascínio e curiosidade na humanidade desde o al-vorecer das civilizações. Cada povo interpretou e tratou o fi m da vida de maneiras diferentes. Nesse ponto foram realizados estudos sobre a morte em diversas civilizações como o Egito e a Mesopotâmia. Sem dúvida essas civilizações antigas são fascinantes, entretanto, outro povo que tinha uma visão bastante peculiar sobre a vida após a morte, o qual fi cou considera-velmente esquecido, foram os germanos. Considerados pagãos e iletrados, permaneceram no esquecimento por muito tempo, sofrendo preconceito no mundo acadêmico, que ecoa até os dias atuais. O século XX nos trouxe uma era de prosperidade na pesquisa do passado escandinavo. Os avanços no trabalho de historiadores dedicados a desvendar esse passado obscuro contam com o apoio da arqueologia, suprindo as lacunas da historiografi a, já que é muito difícil que surjam novos textos medievais ou romanos do

1Estudante do 6º período do curso de Licenciatura em História da Faculdade

Cas-telo Branco; rodrigo.tonon.86@hotmail.com

2Estudante do 6º período do curso de Licenciatura em História da Faculdade

Cas-telo Branco; alexrebonato@gmail.com

3Mestre em Gestão Integrada do Território – UNIVALE, Professor da Faculdade

Castelo Branco e orientador do trabalho junto ao Programa de Iniciação Científi ca da Faculdade Castelo Branco.

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período das migrações. Neste trabalho nos atemos apenas às referências historiográfi cas e poéticas, deixando a oportunidade de explorar os acha-dos arqueológicos para um momento posterior.

Palavras-chave: Idade Média; Vikings; Morte; Paganismo; Mitologia

Nórdica; Politeísmo.

ABSTRACT

The death has caused fascination and curiosity in humanity since the dawn of civilization, every people interpret and treat the end of life in a way, at this point in history studied a lot about Egypt and Mesopotamia, no doubt these ancient civilizations are fascinating, yet another people who had a rather peculiar about life after death was considerably forgotten, the Germans, of which this work as we focus the Vikings, these pagan and illiterate people remained in oblivion for a long time, there is prejudice in the academic world that echoes until today, but in the twentieth century brought an era of prosperity in the past Scandinavian research. The ad-vances of historians dedicated to uncovering the past have obscured the support of archeology, which supplies the gaps in the historiography, as it is very diffi cult there are new or Roman and medieval texts of the period of migration, but this work we stick only to the historiographical references and poetic, leaving the opportunity to explore the archaeological fi ndings to a later time.

Keywords: Middle Age; Vikings; Death; Paganism; Norse Mithology;

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I – INTRODUÇÃO

Este trabalho tem como objetivo fazer uma análise das principais ideias ligadas à vida após a morte na era viking, procurando reparar uma imagem prejudicada pela difusão da visão romântica acerca da religiosidade nór-dica. Neste intuito busca-se ainda detalhar alguns costumes e concepções presentes na literatura posterior ao período pagão, buscando uma interpre-tação desses textos.

II – AS FONTES

As fontes típicas que podem ser usadas no estudo da mitologia e religiosi-dade nórdicas são os poemas posteriores ao período viking, as chamadas Eddas, divididas em dois grupos: a Edda em prosa, escrita pelo islandês Snorri Sturlusson, por volta do ano 1220, e a Edda Poética, que constituiu uma coletânea de poemas de autoria desconhecida, reunidos num pequeno manuscrito chamado Codex Regius. Outras fontes são reconhecidas como o trabalho do eclesiástico dinamarquês Saxo Gramaticus. A obra é conhe-cida como Gesta Danorum, possuindo uma narrativa em latim complexo e rebuscado, mas está carregada de preconceito e alterações nos mitos feitas pelo autor. Ainda assim, traz contribuições signifi cativas. Além destes, te-mos também as Sagas.

Todas essas fontes descritas estão carregadas de elementos mitológicos e lendários, contudo é exatamente por isso que se faz evidência útil no es-tudo da religião e costumes antigos, desde que se tenha cautela em sua utilização, pois não é fácil analisar e interpretar mitos e uma mentalidade já perdida há vários séculos.

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possuem respeito acadêmico, como a Dra. Hilda R. Davidson, autora espe-cializada no assunto mitologia germânica e R. I Page, dentre outros. Destacamos que as nomenclaturas dos deuses e outros seres mitológicos, neste artigo, seguem o mesmo padrão da obra Mitos Nórdicos de Robert Ian Page (1990), observando que este livro utiliza os nomes nórdicos em formas adaptadas para a língua portuguesa, o que cremos facilitar a com-preensão, principalmente de leitores iniciantes.

III – DEUSES DA MORTE

Para uma melhor compreensão do assunto, é preciso estabelecer quais eram as principais divindades ligadas ao destino dos mortos no mundo escandinavo. A princípio, a mais memorável entre as divindades ligadas ao mundo dos mortos é Odin, conhecido também como pai da batalha, senhor das hostes, deus dos enforcados, entre outros diversos outros epítetos. Se-gundo Hilda R. Ellis Davidson:

(...) no fi m do período pagão não havia certamente outra fi gura que representasse o deus da Batalha, pois Odim aparece continuamente como o senhor das hostes e concedente da Vitória. No relato de Snorri e muitos outros poemas, ele é mostrado dando boas-vindas em sua morada aos homens corajosos que eram derrotados em com-bate. Suas criaturas eram os corvos e o lobo que se alimentavam dos derrotados, enquanto sua morada era o palácio dos aniquilados, Valhalla (DAVIDSON, 2004, p. 39).

Em contrapartida ao paraíso dos guerreiros mortos em batalha havia o Rei-no de Hel, deusa fi lha de Loki, responsável pelo submundo nebuloso de Hel, um local que parece ter servido tanto como um tipo de depósito

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te-dioso para os mortos por doença, velhice ou acidentes, quanto câmara de tortura para aqueles que tivessem vivido de forma totalmente desonrada e fora do comportamento idealizado pela sociedade. Há muita dúvida quan-to ao real caráter de Hel, pois a presença do cristianismo possivelmente infl uenciou diversas crenças a respeito dele, comparando-o ao Inferno da mitologia cristã.

Além de Odin e Hel, outras divindades se relacionavam com o destino dos mortos, entre essas podemos apontar Freiá, deusa do amor, fertilidade e magia, que também desempenhava um papel semelhante ao de Odin, no que diz respeito aos mortos. O próprio Tor, deus do trovão e fi lho de Odin, responsável pela proteção tanto do mundo dos homens quanto dos deuses, possuía características que o ligavam ao domínio dos mortos. Outras divin-dades como Frei, irmão de Freiá, também um deus da fertilidade, possuía ligação com costumes funerários que permitem inseri-lo na lista de divin-dades conectadas ao pensamento de vida após a morte dos Vikings. Outras fi guras relacionadas aos ideais de vida após a morte no período pagão viking também devem ser consideradas neste artigo, como as Val-quírias de Odin, os Einherjar (aquele que luta sozinho), guerreiros mortos que lutam por Odin no fi m dos tempos, e a fi gura do dragão, presente em sepulturas do período pagão, entre outras.

IV – VIDA APÓS A MORTE NA SOCIEDADE VIKING

Os povos ancestrais que se estabeleceram nas ilhas britânicas, os Vikings e Anglo-saxões, veneravam seus deuses antes do advento do Cristianismo. Com costumes pragmáticos, transmissão oral de conhecimento, pratica-mente sem registros próprios escritos, o culto aos deuses estava presente em todos os aspectos no cotidiano desses povos, desde plantio e colheitas,

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casamentos, festivais de mudança de estações climáticas e confl itos arma-dos. A concepção de vida após a morte não poderia estar desligada dessa prática de culto. Possuindo vários deuses, os vikings tinham também uma diversidade maior de crenças sobre o destino dos mortos, de acordo com suas vidas e formas de morte.

A concepção da morte como o fi m absoluto da existência, não estava pre-sente no pensamento viking. Para esses nórdicos, a morte estava mais para um processo de mudança, um acontecimento de transição para um estágio diferente de existência, no qual os mortos permaneciam conectados aos vivos, através do culto aos ancestrais. Estes rituais faziam com que os an-tepassados permanecessem presentes no cotidiano da família ou do clã. Dessa maneira, não havia uma barreira bem defi nida que separasse vivos e mortos. Os dois estados de existência se entrelaçavam e interagiam na mentalidade e religiosidade nórdica. A morte como mudança de estado pa-rece estar enraizada até mesmo no mito da origem, a partir do qual obser-va-se a crença de que o mundo teria sido criação de três deuses, Odin, Vili e Vê, que consumaram a construção a partir do corpo morto do gigante primordial Ymir, segundo o poema Grímnismál (Os Dizeres de Grimnir):

Da carne de Ymir foi o mundo moldado, e de seu sangue, o mar.

Os penhascos de seus ossos, as árvores de seu cabelo, e a abóbada celestial de sua cabeça.

De suas sobrancelhas os deuses bondosos fi zeram o Midgard para a humanidade. E de seus miolos foram criadas

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Assim a morte de um ser primordial representou a geração de um novo mundo e seres que nele habitariam, o que pode ser considerado um pro-cesso de transformação ou mudança em que algo “velho e primitivo” dá origem a uma geração nova.

Associados à ideia de uma morte como transição, os vikings possuíam tam-bém uma religiosidade prática, livre de formalidades, na qual o indivíduo poderia estabelecer uma ligação bastante pessoal com certa fi gura divina. Os nórdicos não rezavam, tampouco praticavam meditações, seu contato com o divino poderia dar-se mais como uma conversa entre parentes ou amigos. Sua prática baseava-se em “dar presentes para receber presentes”. Assim a relação entre o homem e os poderes divinos era bastante próxima e de caráter pessoal. Neste aspecto, o pragmatismo se mostrava presente quando homens e mulheres prestavam cultos e devoção à determinada di-vindade associada a sua atividade mundana.

Dessa maneira, chefes e guerreiros prestariam culto rígido e sacrifícios ao deus Wodan (Odin) ou Tiwaz (Tir) em tempos anteriores ao período viking, para em troca receberem a vitória em batalha. O romano Tácito escreveu acerca dos deuses venerados pelos germanos de seu tempo, em sua obra chamada A Germânia:

Adoram Mercúrio, sobre todos os deuses, e em certos dias têm por santo sacrifi car-lhe algumas vítimas humanas, para o aplacar. A Hércules e a Marte fazem com o mesmo fi m sacrifícios animais. Parte dos suevos adora Ísis (TÁCITO, 1941, p.14).

As divindades germanas são apontadas por Tácito com nomes romanos, mas podemos defi nir que Mercúrio num papel central era Wodan (Odin), Hércules e Marte deveriam ser respectivamente Tor e Tir, enquanto Ísis provavelmente seria Freiá ou talvez Nerthus, deusa da terra.

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Em outros níveis da sociedade, tínhamos os camponeses associados aos

cultos de Tor ou das deidades da família Vanir4, já que estes últimos

es-tavam mais ligados à fertilidade da qual necessies-tavam os camponeses em suas atividades cotidianas.

Neste viés religioso, os nórdicos se identifi cavam com determinadas di-vindades, muitas vezes tentando imitar, assumir aspectos semelhantes aos de seu patrono divino, o que sugere uma vontade de assumir um lugar próximo de sua divindade depois da morte. Por outro lado, talvez o ca-ráter pragmático desses povos representasse um contato próximo com a divindade apenas em vida, fi cando a maioria dos homens fadados ao sono nas profundezas de Hel, o reino sobrenatural destinado àqueles mortos por velhice, doenças e acidentes, em oposição ao Valhala, salão dos escolhidos de Odin, mortos gloriosamente em batalha.

Se recorrermos às referências presentes na literatura medieval, encontrare-mos evidências de que essa visão limitada de apenas duas moradas para os mortos não condiz com os mitos descritos nessas obras tardias. Contudo, é importante analisar essas fontes cautelosamente, verifi cando seu grau de confi abilidade.

A validade da literatura do período medieval posterior aos vikings nos traz a dúvida quanto a sua qualidade como pista para desvendar a crença dos nórdicos pagãos, visto que essas obras foram escritas por cristãos, que po-dem ter feito alterações que julgassem necessárias, além disso, pode ser que os próprios relatos orais das antigas crenças tenham se desgastado bas-tante até que pudessem fi nalmente ser escritos na forma de poesia, que tinha como objetivo entreter, o que também pode prejudicar o valor dessas

4Na Poesia nórdica, nome das Vanes, estirpe de deuses, mais antigos que os Ases,

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obras como evidência histórica. Ainda assim, estas são as fontes históricas mais palpáveis, sendo a principal base deste trabalho. De maneira comple-mentar, usamos as interpretações de autores contemporâneos.

V – AS MORADAS DOS MORTOS

Com base nos textos consultados, pode-se afi rmar que existia um pater-nalismo/maternalismo divino entre os nórdicos, uma vez que a relação es-treita com uma divindade em específi co era comum. A deidade e o devoto poderiam tornar-se amigos muito próximos, ou mesmo parentes, como é o caso dos reis que reivindicavam serem descendentes de Freir ou Odin. É possível imaginar que a devoção além de trazer benefícios imediatos como a fertilidade da terra ou o bom tempo para viagem marítima, também poderia trazer algum tipo de compensação pós morte, como é explícito no culto de Odin, no qual seus escolhidos adentram aos salões de Valhala, como podemos saber através de poemas como o éddico Hárbarðsliód (A Canção de Hárbarðr) e outros mais: O qual destaca: “A Odin pertencem os que morrem nas batalhas e a Tor a raça dos escravos.” (PAGE, 1990, p. 58) A visão de Valhala foi, e ainda é, bastante explorada popularmente. Esse paraíso era destinado à primeira vista, apenas aos escolhidos de Odin tom-bados no calor da batalha, sendo o salão dos aniquilados um paraíso para poucos merecedores: apenas os melhores guerreiros caídos nos campos de combate adentravam as portas desse paraíso dos guerreiros. Uma breve descrição de Valhala está presente no poema Grímnismál, parte da literatu-ra escandinava conhecida como Edda Poética:

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Os que chegam para Óðinn, reconhecem bem, o salão dele,quando veem,que tem o teto com cabos de lanças e telhas com escudos

e os bancos estão espalhados com cotas de malhas. Os que chegam para Óðinn, reconhecem bem, o salão dele,quando veem,

que um lobo fi ca atento perante a porta oeste

e uma águia paira acima (Grímnismál, estrofes 9 e 10).

Segundo Davidson (2004), o deus Odin possuía uma companhia de guer-reiras sobrenaturais conhecidas como Valquírias, termo que signifi ca li-teralmente “a que escolhe os mortos” (DAVIDSON, 2004, p. 99). Essas mulheres possuíam a função de visitar os campos de batalha, selecionar e guiar os mortos dignos de Valhala até o salão, onde seriam recepcionados de maneira adequada. É possível também associar as valquírias aos corvos, animais sagrados de Odin, o que é perfeitamente plausível se pensarmos que logo após uma batalha uma revoada de corvos poderia se alimentar dos cadáveres dos combatentes mortos e depois se retirarem, como se estives-sem levando consigo as almas dos mortos.

No paraíso dos escolhidos do deus da guerra, esses soldados mortos pode-riam banquetear-se com carne de javali e hidromel saído das tetas da cabra Heidrun. Para encher os chifres, o tempo é preenchido também entre com-bates como um tipo de treinamento para a grande batalha fi nal chamada Ragnarok, na qual esses escolhidos de Odin, conhecidos como Einjerjar, combateriam as forças do caos e da destruição, sendo ambas as hostes destruídas ao fi nal da batalha. Desse embate fi nal restam apenas alguns deuses que herdariam um novo mundo renascido das cinzas do antigo, a

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raça dos humanos também seria destruída, recomeçando a partir de um casal sobrevivente.

“O campo não semeado crescerá; todo o mal se transformará para melhor, Baldr retornará,

Höðr e Baldr habitarão no salão de guerra de Hropt os felizes Valtívar.

Quem saberia ainda mais que isso?” (VOLUSPÁ, verso 62, tradu-ção livre dos autores)

A morte da própria estrutura e ordem conhecidas não representa o fi m defi -nitivo, mas o recomeço em um mundo novo e diferente do anterior. Apesar de a lenda do Ragnarok parecer infl uenciada pelo cristianismo, se tomar-mos por verdade não há registros anteriores à chegada da fé cristã em terras normandas. Mesmo que seja o caso de Ragnarok carregar uma profunda infl uência cristã, outras ideias herdadas do paganismo certamente estão presentes: o próprio fi m do mundo seguido de um renascimento parece corroborar com a associação da morte como elemento de transformação. O próprio Valhala nos suscita a ideia de um local habitado apenas por homens e pelas Valquírias de Odin, tendo em raciocínio que apenas os homens lutavam e morriam em batalhas, contudo as práticas funerárias descritas pelo viajante Ibn Fadlan, nos fazem crer que havia a crença de que a esposa ou uma criada do guerreiro morto que fosse sacrifi cada junto ao corpo de seu senhor iria com ele para o Valhala, também acreditavam que objetos queimados com o morto seguiriam também para o palácio dos

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aniquilados. Essas características são enfatizadas por Snorri5. Tal prática

de sacrifício está descrita na Volsung Saga, na qual a valquíria Brunhild atira-se ao barco funerário de seu amante Sigurd, na intenção de segui-lo ao palácio de Valhala.

Em Asgard, mesmo mundo em que se encontra Valhala, existiria o Gimlé, um enorme palácio com teto de ouro, para o qual iriam os homens justos após a morte, demonstrando um tipo de recompensa por boa conduta em vida (DAVIDSON, 2004, p. 23). Ainda assim, esse local parece um paraíso

reservado à aristocracia, como se pode perceber na Voluspá6: Ela vê um

salão se levantar mais belo que o Sol, de telhados de ouro, no Gimlé. Lá deverão os íntegros governantes viver, e eternamente desfrutando sua ale-gria (A VÖLUSPÁ, verso 64).

O caráter prático e de afi rmação da elite social parece residir na lenda de Gimlé, dando preferência aos mortos da aristocracia, mesmo quando estes não morrem em batalha, premiando-os pela boa conduta, que poderia ser algo bastante relativo na cultura germânica, visto que havia uma conside-rável pluralidade de costumes entre os povos do norte.

A partir da observação desses exemplos, é possível perceber que era pos-sível que os cultos a outras divindades também rendessem algum tipo de morada após a morte. Há indícios na literatura referencial que nos revelam como outras divindades possuíam responsabilidade para com os mortos, respeitando cada um seus domínios específi cos.

5Poeta, político e historiador islandês (1178 – 23 de setembro de 1241), são a ele

atribuídas as autorias da Edda em Prosa e de algumas Sagas.

6As Profecias da Vidente, poema da Edda Poética, que narra o início e o fi m dos

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Sem dúvida alguma, depois de Odin e Hel, a divindade mais ligada aos mortos é Freiá como fi ca expresso em Grímnismál, onde é afi rmado que Freiá recebe alguns daqueles que morrem em batalha; ela obtém metade dos que são abatidos a cada dia, enquanto a outra metade vai para Odin (DAVIDSON, 2004, p. 99). Chama-se Folkvang o lugar onde Freiá dispõe de assentos em seu castelo. A cada dia ela apanha metade dos massacrados, a outra metade pertence a Odin” (PAGE, 1990, p.61).

Aqui temos claramente Freiá dividindo uma responsabilidade com Odin, o pai da batalha e também um deus dos mortos, apesar de tudo indicar que Odin possuía a preferência na escolha dos mortos nos campos de batalha, fi cando Freiá em segundo plano. Apesar disso, parece possuir prioridade sobre as almas das moças solteiras, como é expresso em Egils Saga:

Ela parece ter tido uma certa autoridade no mundo da morte. Em Egils Saga, a fi lha do herói, uma jovem chamada Thorgerda, ame-açou cometer suicídio após seu irmão ter sido morto, e declarou: “Não comerei nada até ter um jantar com Freya”. (DAVIDSON, 2004, p. 99)

Outra deusa que surge na mitologia como detentora de poder sobre os mor-tos é a misteriosa Gefi on, citada por Snorri na sua famosa edda em prosa, que segundo ele teria como uma das funções, receber as mulheres solteiras na vida após a morte.

As águas parecem nos revelar mais um aspecto diferencial, dessa vez entre os saxões, que possuíam o costume de carregar ao menos uma moeda de ouro, caso morressem no mar, acreditavam que isso garantiria que fossem acolhidos no palácio do deus dos mares Egir. Na Islândia existe caso seme-lhante, onde se acreditava que os mortos por afogamento seriam acolhidos por Ran, deusa esposa de Egir.

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Uma saga posterior, Friðjófs Saga, dizia que era bom uma pessoa ter ouro caso se perdesse no mar. O herói da saga chega a distribuir pequenas peças de ouro entre seus homens quando atravessam uma tempestade, para não chegarem de mãos vazias ao palácio de Ran, caso se afogassem. A idéia da hospitalidade de Egir e Ran, que vi-viam ansiosos por encher seu reino subaquático com as hostes de mortos, pode ser comparada à do deus da batalha. (DAVIDSON, 2004, p. 110)

Não se pode esquecer do deus Tor, divindade que ao fi nal da era Viking assume a posição de divindade mais popular do panteão nórdico. Enquan-to Odin era venerado pela arisEnquan-tocracia guerreira, o poderoso Tor era, ao mesmo tempo, um deus e herói do povo simples, da grande maioria da população de camponeses e possivelmente de escravos.

Basicamente as concepções de vida após a morte são divididas em torno de dois grandes espaços: os que morrem em batalha, indo para o palácio de Valholl juntar-se às valquírias e ao deus Odin; e de ou-tro lado, os que morrem de doenças, velhice ou acidentes e vão para os subterrâneos de Hel. Também existem algumas variações: algu-mas fontes relatam que as mulheres virgens iriam para o palácio de Gefyon, outras elas dirigiam-se para o de Freyja. Escravos e fazen-deiros seriam destinados ao reino de Thor (FUNARI, 2008, p.136).

Em oposição aos ambientes que parecem agradáveis, ao menos aos olhos de alguns, existe nas profundezas o reino de Hel, tendo como regente a deusa de mesmo nome. Esse reino é um local sombrio e tenebroso, cheio de dor e sofrimento, destino daqueles que, para seu infortúnio, morreram acidentados, doentes ou vítimas da inexorável velhice, ao menos é assim

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que Hel aparece nos mitos. Reforçamos que a semelhança entre o reino de Hel e a palavra “Hell” (inferno) não é mera coincidência. Esta resulta de um processo de mistura entre a cultura pagã e cristã, contudo as semelhan-ças não são totais, tendo possivelmente a visão cristã infl uenciado conside-ravelmente as descrições contidas em Voluspá.

Um salão ela viu longe da Sol em Náströnd, com as portas ao norte. Veneno estava pingando do teto, e abaixo no salão estava tecido com serpentes.

Ela viu um local para atravessar através de rios selvagens, homens mentirosos e cães assassinos e os que seduzem a consorte dos ou-tros. Lá Niðhöggr chupa os corpos dos homens mortos. O lobo rasga os homens em pedaços (A VÖLUSPÁ, versos 38-39).

As semelhanças entre Hel e o Inferno cristão fi cam apenas no ponto em que ambos são locais de tormento, há divergência em relação ao inferno cristão, pois sabemos que entre os germanos não havia a mesma noção de pecado, tampouco a mesma dicotomia entre o bem e mal, amplamente presente na religião cristã.

Existe por outro ponto de vista, uma ideia de que Hel pode ter contido algo além do sofrimento eterno, uma característica, como se pode ver em Bal-drs Draumar, poema no qual Odin, preocupado com os terríveis sonhos do deus Balder, viaja até Hel para interrogar uma suposta Völva, usando seus conhecimentos e cânticos mágicos. Ele traz a feiticeira de volta à vida para que responda suas indagações.

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(...) Óðinn cavalgou adiante. A terra trovejava, e Ele chegou no alto salão de Hel

(BALDRS DRAUMAR, verso 3) Que homem é esse quem eu não conheço

que tem aumentado meu sofrimento por sua jornada? Eu estava coberta de neve, e batida pela chuva,

e encharcada com orvalho,eu estava a muito tempo morta (BALDRS DRAUMAR, verso 5).

A situação da vidente reanimada por Odin parece realmente a de um cadá-ver enterrado, morto, inerte, o que não combina com a descrição de uma região do cosmos repleta de criaturas e ambientes hostis aos habitantes. O caso da Völva morta em Baldrs Draumar demonstra um local de repouso total, sono e esquecimento, chegando o mais próximo de um fi m da exis-tência no imaginário viking, onde o esquecimento e o desprezo talvez fos-sem as piores formas de se deixar o mundo dos vivos, pois sabemos que os vikings eram um povo que valorizava a memória dos mortos.

Em todo caso, Hel é extremamente enigmático e parece conter infl uências cristãs mescladas aos mitos e lendas mais primitivos, tornando uma inter-pretação defi nitiva muito arriscada.

VI – CONCLUSÃO

A partir deste estudo, podemos concluir que as concepções a respeito da vida após a morte entre os vikings eram atreladas a sua religião pagã po-liteísta, que por sua vez estava inserida num cenário de descentralização,

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no qual não havia uniformidade de crenças e concepções religiosas. O que existia de fato era um sistema de crenças em comum. Nesse contexto es-tava também a ideia do pós-morte, que como vemos através da literatura posterior ao período pagão, era variável e podia ser representada de dife-rentes maneiras, apresentando particularidades de um lugar para outro. As evidências nos revelam também uma realidade carregada com dife-rentes idéias e costumes relacionados aos anseios por uma vida posterior à morte, que refl etiam as características religiosas e sociais desses germa-nos: O pragmatismo e o apego à existência mortal são marcas registradas. Vemos isso na imagem do guerreiro, que luta tanto na vida quanto depois de morto em Valhala, mantendo sua atividade principal mesmo depois de deixar os vivos. Contudo, verifi cando as fontes literárias, vemos que essa imagem do Salão dos Aniquilados como um paraíso almejado por todo nórdico, é uma infl uência romântica muito posterior, já que era privilégio apenas da aristocracia, guerreiros e heróis.

O caso dos camponeses e escravos mostra-se bem interessante, pois nos lembra as utopias medievais, como a Cocanha, a utopia da abundância, demonstrando os anseios de uma população por saciar suas necessidades básicas. Observamos isso quando Loki acusa Tor de receber em seu reino as almas de escravos, demonstrando que é bem possível que a fi gura do poderoso Tor, protetor dos deuses e dos homens, inspirasse confi ança e esperança contra os temores da morte até mesmo nos escravos. Essa ideia parece plausível, já que o próprio cristianismo quando veio substituir a velha religião pagã, apresentou-se com caráter semelhante, no sentido de oferecer algum tipo de conforto ao adepto.

Observamos também a particularidade de algumas deusas em amparar as mulheres: Freiá e Gefi on, ambas acolhendo mulheres mortas, mais uma vez, com uma identifi cação com o patrono divino e a delimitação da área de ação do deus. Esse último padrão se repete com o casal de deidades,

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Egir e Ran, que se acreditava, acolhiam os afogados ou mortos de alguma maneira no mar.

Vendo todas essas possíveis moradas dos mortos, parece que o Hel, antes habitado por todo aquele que não morrera em batalha parece vazio, ou talvez mal interpretado e distorcido. É mais provável que fosse apenas um local de castigo para aqueles que fossem covardes e não possuíssem as virtudes desejadas pelos nórdicos, ou mesmo é possível que fosse apenas um lugar para aqueles que não tivessem realizado nada notável em vida, podendo ser este o caso da Volva que surge em Völuspá.

Podemos notar que a vida após a morte era entre os pagãos nórdicos um tema relevante, estando diretamente relacionado à vida do indivíduo e suas atividades. Também estavam presentes o pragmatismo e os anseios de um povo que vivia em condições seriamente inóspitas, desejando assim uma existência imortal carregada daquilo que era desejado, porém escasso em vida, ou seja, o conforto de um palácio, a proteção de um senhor poderoso (a divindade), alimento e bebida em abundância e a estabilidade de um mundo praticamente imutável, o contrário do caos presente no mundo em que viviam, com permanentes ameaças de violentos fenômenos naturais, clima ríspido e constantes guerras, etc.

A morte e suas recompensas ou punições eram, portanto, refl exo de um povo, que tinha características próprias, difi culdades e esperança num fu-turo melhor, não apenas bárbaros indomáveis como são frequentemente retratados na fi cção. Portanto, entendê-los em aspectos complexos com os quais se assemelham a nós pode nos ensinar sobre nós mesmos, interpretar melhor o outro, e também nos abrir a visão para que possamos nos analisar e criticar sempre que necessário.

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REFERÊNCIAS

DAVIDSON, Hilda Roderick Ellis, Deuses e Mitos do Norte da Europa; tradução de Marcos Malvezzi Leal. – São Paulo: Madras, 2004.

FUNARI, Pedro Paulo. Religiões que o mundo esqueceu – São Paulo: Contexto, 2009.

PAGE, Robert I., Mitos Nórdicos – São Paulo: Centauro, 1990.

DAVIDSON, Hilda Roderick Ellis, Escandinávia – São Paulo: Virgo, 1987.

CAMPBELL, Joseph, Vikings – São Paulo: Folio, 2006.

TÁCITO, A Germânia; tradução de Alberto Machado Cruz. – São Paulo: Editora Livraria Educação Nacional, 1941.

AUTOR ANÔNIMO, The Poetic Edda; tradução de Carolyne Larrington – New York: Oxford University Press, 2008.

AUTOR ANÔNIMO DO SÉC XIII, Saga dos Volsungos; tradução de Théo de Borba Moosburger. – São Paulo: Hedra, 2009.

ESOPINHO, Owen Ranieri Mussolin, Dicionário de Mitologia Nórdica – São Paulo: Enigmística Moderna, 1968.

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