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Academic year: 2021

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DIDÁTICA: ENTRE SABERES, SUJEITOS E PRÁTICAS

Vera Maria Candau Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro

Resumo

A Didática tem uma longa trajetória histórica, sempre relacionada com os diferentes contextos sócio-políticos e culturais, as diferentes concepções de educação e das relações entre escola e sociedade. Ao longo de sua história, tem sido objeto de ardorosas discussões, controvérsias e intensas buscas. O presente texto, depois de um breve apontamento sobre a história da Didática, centra sua reflexão sobre seu papel para a construção de uma escola comprometida com o direito à educação e a uma aprendizagem significativa que seja efetiva para todas as crianças e jovens do nosso país, em suas diferentes idades, identidades e etnias. Distingue diferentes abordagens sobre a qualidade de educação que hoje disputam nos contextos educacionais e sociais: uma perspectiva que enfatiza os conteúdos cognitivos presentes nos processos de escolarização e trabalha sua organização e desenvolvimento nas diversas áreas curriculares, outra centrada nas habilidades técnicas e operacionais necessárias para a inserção em uma sociedade marcada pelo mercado e a competitividade e uma terceira, sócio-crítica e intercultural, que privilegia a construção de sujeitos capazes de uma atuação cidadã e transformadora na nossa sociedade. A partir desta terceira posição, apresenta os conceitos de conhecimento, escola, ensino, aprendizagem e educador/a em que se baseia. Relaciona esta abordagem com o mapa conceitual sobre educação intercultural construído pelo GECEC (Grupo de Estudos sobre Cotidiano, Educação e Cultura(s)), vinculado à PUC-Rio,que vem norteando as pesquisas que esta equipe da pesquisa vem realizando. Propõe princípios que orientem uma Didática que assuma esta perspectiva. Levanta questões que se colocam para uma formação de educadores, inicial e continuada, que assuma esta proposta.

Palavras-chave: Didática. Qualidade da educação. Perspectiva sócio-crítica e

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Introdução

Hoje diferentes autores, de distintos contextos sociais e a partir de reflexões culturais e científicas diversificadas, afirmam que vivemos uma época em que é cada dia mais forte a consciência de que o mundo passa por transformações profundas e em acelerado ritmo de mudança. Salientam que vivemos uma crise de paradigma. Esta realidade provoca em muitas pessoas e grupos, reações contraditórias de insegurança, mal-estar, inquietação e medo, e também de abertura e esperança, sentimentos mobilizadores das melhores energias para a construção de um mundo diferente, mais humano e solidário.

Esta realidade está especialmente presente entre nós, onde a afirmação de uma sociedade democrática e igualitária encontra diariamente obstáculos nas políticas hegemônicas que em nome da modernização, da inserção no mundo globalizado, na economia de mercado e na sociedade do conhecimento, reforçam a marginalização e a exclusão de diferentes grupos sociais. No entanto, é necessário também reconhecer a presença nos cenários públicos, de movimentos sociais de afirmação de sujeitos socioculturais e de questões e temas específicos, de construção de sociedades que articulem políticas de igualdade e políticas de reconhecimento e favoreçam novas configurações dos estados, tendo como perspectiva a construção de democracias mais plenas e igualitárias.

Vivemos tempos tensos, dinâmicos, instáveis e criativos. Muitas são as interrogações, as urgências e as interpelações à afirmação de uma vida digna a que todas as pessoas têm direito.

Nesse contexto, a educação vive no continente um momento especialmente paradoxal e contraditório. Não se pode negar a enorme expansão do sistema educacional nas últimas décadas, pelo menos no que se refere à educação básica. O discurso oficial apresenta a educação como a grande responsável pela modernização das nossas sociedades, por suas maiores ou menores possibilidades de integra-se no mundo globalizado e na sociedade do conhecimento e do consumo. A educação é vista como a esperança do futuro.

No entanto, persistem elevados índices de analfabetismo, evasão, fracasso e desigualdade de oportunidades de educação entre regiões geográficas e grupos sociais. É grave a crise da escola pública e a crescente fragmentação do sistema de ensino. Grupos sociais, em geral os mais pobres, têm acesso apenas a determinadas escolas e

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outras camadas de população, com maior poder aquisitivo, frequentam as melhores escolas públicas e escolas particulares consideradas de excelência. Por outro lado, é crescente o questionamento e o mal-estar em relação aos sistemas educacionais e às escolas. Fenômenos de violência, discriminação e bullying se multiplicam e afetam diferentes atores presentes nas escolas. A realidade do burnout (“desgaste profissional”) é cada vez mais comum entre os educadores e as educadoras.

Neste contexto, na minha perspectiva, o pensamento pedagógico tem tido um desenvolvimento que podemos classificar de débil, “light”, de pouco debate entre os diferentes atores implicados para o aprofundamento em questões que focalizem o sentido da escolarização hoje. As questões instrumentais dos processos educativos centralizam as políticas públicas como, por exemplo, a gestão e a avaliação dos sistemas educativos, concebidas de modo restrito e focalizando basicamente o desempenho acadêmico obtido em algumas áreas curriculares que podem ser medidos e quantificados. A articulação entre o sistema educacional e a perspectiva empresarial se faz cada vez mais forte. Os temas relativos ao sentido da educação escolar e seu formato historicamente construído não são discutidos, por mais que os desafios que as escolas e os professores/as enfrentam se multipliquem e apresentem em episódios emblemáticos caráter dramático.

Para Dubet (2011):

Em todos os lugares e não somente na escola, o programa institucional [republicano] declina. E essa mutação é muito mais ampla que a simples confrontação da escola com novos alunos e com os problemas engendrados por novas demandas. É também porque se trata de uma mutação radical que a identidade dos atores da escola fica fortemente perturbada, para além dos problemas específicos com os quais eles se deparam. A escola foi um programa institucional moderno, mas um programa institucional apesar de tudo. Hoje somos “ainda mais modernos”, as contradições desse programa explodem, não apenas sob o efeito de uma ameaça externa, mas de causas endógenas, inscritas no germe da própria modernidade. (p.299)

A educação escolar está hoje desafiada a promover uma qualidade adequada à sociedade contemporânea. A dar respostas aos desafios que as escolas e educadores/as enfrentam.

É neste contexto em que a educação escolar se encontra -entre a crise e a reivenção- que situamos a didática, como um campo do conhecimento pedagógico orientado à compreensão dos processos de ensino-aprendizagem e à construção de formas alternativas de desenvolvê-los, orientadas a promover uma educação que dê

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resposta aos interrogantes atuais da sociedade, dos educadores/as, das crianças e jovens sobre o sentido da escolarização em suas vidas. Pretendo identificar sinteticamente as principais concepções de qualidade da educação hoje presentes no discurso educacional e situar as possíveis contribuições da didática numa perspectiva sociocrítica e intercultural de enfrentamento das questões atuais que desafiam nossas escolas, a partir das reflexões desenvolvidas pelo Grupo de Estudos sobre Cotidiano, Educação e Culturas (GECEC), vinculado ao Departamento de educação da PUC-Rio, com o apoio de CNPq.

Qualidade da educação: um discurso plural

Tendo presente o contexto que descrevi, a questão da qualidade da educação adquire relevância especial. Todas as autoridades educacionais, os/as professores/as e as famílias defendem a promoção da qualidade da educação. Além disso, a referência à qualidade sempre orientou distintas concepções e propostas educacionais ao longo da história. Todos os planos de reforma dos sistemas de ensino pretendem trabalhá-la de alguma forma. Contudo, a expressão qualidade da educação, ao mesmo tempo em que explicita um aparente consenso, também admite distintas interpretações e encobre diferentes marcos conceituais e políticos de conceber a educação, relacionando-a com o tipo de sociedade e cidadania que se quer construir. Trata-se de uma expressão polissêmica, de um conceito socialmente construído e em constante reformulação, que suscita fortes polêmicas e debates entre os educadores e educadoras e na sociedade em geral. Esta polissemia da expressão qualidade da educação pode ser evidenciada no discurso cada vez mais frequente que sente a necessidade de acrescentar um adjetivo à palavra qualidade: fala-se de qualidade total, qualidade humana, qualidade social, qualidade cidadã, etc.

Parto nesta reflexão da afirmação de que, em contextos democráticos, a qualidade da educação é objeto de continuas negociações, disputas e revisões e apresenta um caráter multidimensional.

O que está em jogo atualmente é o confronto entre distintas concepções da qualidade da educação, que têm a ver com os diferentes modos de entender as relações entre educação, escola e sociedade.

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Mencionarei três concepções que me parecem ser as mais presentes em nossas sociedades, consciente de que não existem em estado puro e que as articulações entre elas, não necessariamente explícitas e coerentes, transitam em nossos distintos cenários.

A primeira concepção vem adquirindo cada vez maior força e apresenta como característica principal conceber a educação como um produto capaz de responder às exigências do desenvolvimento econômico e do mercado. Seu objetivo principal é formar sujeitos empreendedores e consumidores. Neste sentido, a qualidade vem definida pelas necessidades do aparato produtivo e do mercado. A busca da qualidade supõe um maior ajuste do sistema educacional a estas necessidades. A educação fica assim reduzida a uma função fundamentalmente econômica, a de capacitar o “capital humano” necessário ao modelo econômico vigente. Afirma a centralidade do conhecimento científico e dos saberes valorizados pela sociedade dominante. Enfatiza o domínio das tecnologias de informação e comunicação. Esta é a visão que, com distintos matizes e revestida de linguagens plurais, vem informando as políticas educacionais de inspiração neoliberal.

Uma segunda perspectiva é a que entende a qualidade da educação como uma volta a concepções e aspectos tradicionais da educaçãoi. Afirma que a modernização da educação, assim como os movimentos renovadores têm favorecido processos superficiais e de pouca consistência nas escolas. Defende também que a ênfase nos interesses das crianças e dos adolescentes, aspecto fundamental do conhecido movimento das “escolas novas” enfraqueceu a função do/a professor/a e sua autoridade. A escola passa a priorizar o “acolhimento” em detrimento de sua função cognitiva. É necessário reafirmar a centralidade da formação intelectual e moral dos educandos, a cultura geral, o domínio dos autores que têm um amplo reconhecimento acadêmico, os conteúdos concebidos como universais, a disciplina, a autoridade do/a professor /a, o esforço e os procedimentos formais da avaliação. Nesta perspectiva, a qualidade da educação se entende como uma revitalização dos conteúdos e valores considerados como configuradores de uma concepção tradicional da educação.

Estas duas maneiras de se conceber a qualidade da educação se situam politicamente em uma perspectiva que, em geral, reforça o modelo dominante na sociedade ou propõem algumas mudanças que não afetam sua lógica básica. Algumas vezes estas concepções se articulam, por mais contrapostas que possam parecer. Seu afã é que os processos educacionais respondam às necessidades detectadas, sobretudo as do mercado e a dos grupos sociais hegemônicos. Podem propor medidas orientadas à

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inclusão dos grupos marginados na sociedade vigente, contudo sua lógica estrutural não é colocada em questão. São estas as visões da qualidade de educação que hoje, em geral, se expressam com maior força nas nossas sociedades.

No entanto, é possível perguntar: podemos entender a qualidade da educação em outro marco conceitual e ideológico? Situo-me entre aqueles educadores e educadoras que acreditam que sim. Na verdade, há várias experiências em curso que utilizam outros parâmetros. Partem da convicção profunda de que a educação escolar pode colaborar com processos de transformação estrutural da sociedade. Assumem uma perspectiva crítica e intercultural. Afirmam a importância da educação como direito humano que não pode ser reduzido a um produto que se negocia na lógica do mercado. Defendem o papel do Estado na democratização da educação e se opõem às formas diretas e indiretas de privatização da escola pública. Lutam pela valorização da profissão docente e pelo reconhecimento dos movimentos promovidos por educadores e educadoras. Propõem “reinventar” a escola, seus espaços, tempos, organização, dinâmicas etc.

Assumo esta perspectiva. Sou consciente de que ela já está sendo construída no dia a dia de muitas escolas e salas de aula, por muitos educadores e educadoras, ao longo de todo o país. É nesta busca que situo as possíveis contribuições da didática.

Breves apontamentos sobre a história da didática entre nós

A didática tem uma longa trajetória histórica, sempre relacionada com os diferentes contextos sociopolíticos e culturais, as diferentes concepções de educação e as relações entre escola e sociedade. Ao longo de sua história, da Didática Magna (1631) de Comênio, considerada o ponto de partida da construção da didática moderna, até hoje, tem sido objeto de ardorosas discussões, controvérsias e intensas buscas.

Centrarei estes breves apontamentos no seu desenvolvimento entre nós, especialmente a partir dos anos 80, isto é, do seminário “A Didática em Questão”, realizado em 1982, que está completando, portanto, 30 anos. No entanto, considero fundamental, para uma visão ampla do desenvolvimento da didática a partir dos anos 50 do século 20, a leitura do livro de Magda Soares (1991), baseado no seu memorial do concurso para professora titular de didática da UFMG, “Metamemória - Memórias: travessia de uma educadora”, certamente uma produção fundamental para se compreender o processo vivido nesta etapa.

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Quando foi realizado o seminário “A Didática em Questão”, considerado o início dos hoje chamados ENDIPES (Encontro Nacional de Didática e Prática de Ensino) esta iniciativa estava marcada pelo contexto de forte compromisso com a construção dos caminhos de redemocratização da sociedade brasileira. Para todos os implicados esta era uma exigência iniludível: articular os processos educacionais com as dinâmicas de transformação e resgate do estado de direito no país. Conscientes de que a educação tinha um papel, limitado, mas significativo, no processo sociopolítico e cultural de afirmação da democracia, colocamos nossos melhores esforços na construção de uma pedagogia e uma didática em consonância com esta perspectiva.

Certamente a década dos 80 constituiu uma etapa fecunda e mobilizadora de um pensamento pedagógico e didático original e diversificado, assim como de diferentes propostas, tanto no nível de sistemas educativos como de escolas e salas de aula.

O que se pretendia neste seminário de 1982? Assim foi explicitado em um dos seus objetivos:

Estimular a busca de propostas alternativas que visem, de fato, a ampliação quantitativa e a melhoria qualitativa das oportunidades educacionais para a maioria da população brasileira. (Candau, 2005, p.9).

Oliveira (2000), membro da mesa redonda que no X ENDIPE, realizado no Rio de Janeiro, foi dedicada à análise dos 20 anos de produção dos ENDIPEs, na mesma perspectiva, afirma em relação à década dos 80:

Pode-se constatar, então, o fato de que, para além das diferentes posições sobre o objeto de estudo das áreas, o que existe é um grande consenso. Ele se refere à luta em defesa da legitimidade do saber didático-pedagógico, enquanto constituindo um campo de conhecimento e enquanto conteúdo do currículo da formação do educador, no contexto da luta pela especificidade e importância do papel dos processos da educação e do ensino, no movimento de recuperação e democratização da escola pública e na transformação social. (p.164-165).

Quanto aos anos 90, os depoimentos analisados pela pesquisa Ressignificando a

Didática numa perspectiva multi/intercultural, que coordenei no período 2003-2006,

com o apoio do CNPq, salientam uma menor convergência de ideias e, embora possamos dizer que há uma continuidade das reflexões em torno da perspectiva crítica, naquele momento esta abordagem se faz presente de modo mais frágil. Sobre essa década, os/as entrevistados/as parecem concordar com o fato de que existe uma

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incorporação de novos temas, a partir de outros enfoques teórico-metodológicos. Por exemplo, temas como professor reflexivo, professor pesquisador, identidade docente, questões relativas ao cotidiano escolar ganham força. Para alguns/mas entrevistados/as começa a aparecer aqui o tema do multiculturalismo, mas ainda de modo bastante tangencial.

No que diz respeito à última década, é possível afirmar que, em geral, é percebido como uma fase em que a confluência de olhares e perspectivas se fragilizou ainda mais, e se acentua a diversificação de temas e abordagens. Alguns chegam mesmo a caracterizá-lo como um momento de “risco de dispersão”. Prefiro considerá-lo como a afirmação de um universo plural e diversificado de buscas e referenciais.

Novos elementos parecem ‘afetar’ o campo da didática. Alguns deles são: a tentativa da retomada de uma visão tecnicista, em consonância com as atuais políticas educacionais, a necessidade de busca de novos referencias para lidar com novos contextos, novos sujeitos, novas problemáticas, como, por exemplo, a violência e os impactos provocados pelas tecnologias da informação e comunicação no processo de ensino-aprendizagem. Além disso, as questões relativas ao multiculturalismo ganham maior presença, seja quando apontam o tema das diferenças como uma possibilidade de enriquecimento da reflexão e ação didáticas, ou quando suscitam preocupações em relação à articulação entre o social e o cultural.

Em relação a esta última questão, convém ressaltar que uma maior incorporação da dimensão cultural na análise das questões pedagógicas não supõe necessariamente uma retração do social. Trata-se de articular as diferentes dimensões dos processos educativos, com a consciência da importância de se trabalhar os processos de construção de identidades culturais, tanto no âmbito pessoal como social.

Tendo-se presente estas breves reflexões, é possível afirmar que o campo da didática está no momento atual sendo desafiado por novas problemáticas. É possível interpretar esta realidade como um momento de desestabilização e diversificação, em que emergem uma pluralidade de enfoques, temáticas e problemáticas. O desafio atual da didática, na perspectiva que privilegio, pode ser sintetizado em como trabalhar com a diferença, ou melhor, com as diferenças entre seus próprios atores e protagonistas, favorecendo espaços de interlocução e diálogo entre, principalmente, os grupos de pesquisa presentes neste campo.

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Neste sentido, me sinto provocada a trazer questões que venho trabalhando nos últimos anos, especialmente a partir da última década, que me parecem estar demandando um novo olhar, uma nova leitura para as questões do campo da didática.

Construindo uma didática na perspectiva sociocrítica e intercultural

Situo-me na perspectiva da interculturalidade crítica. Esta é uma proposta epistemológica, ética e política orientada à construção de sociedades democráticas que articulem igualdade e reconhecimento das diferenças culturais, assim como a propor alternativas ao caráter monocultural e ocidentalizante dominante na maioria dos países do continente.

Tendo este como ponto de partida para os trabalhos que venho realizando, considerei necessário construir, de modo coletivo, no espaço do grupo de pesquisa que coordeno, uma concepção de educação intercultural que servisse de referência comum para os trabalhos da equipe e, com este objetivo, optei pela utilização da perspectiva dos mapas conceituais.

A teoria dos mapas conceituais teve sua origem nos anos 1970, com os trabalhos de Joseph Novak, pesquisador estadunidense, especialista em psicologia cognitiva. Tem por base a teoria da aprendizagem significativa de David Ausubel.

Novak concebe os mapas conceituais como ferramentas, cujo principal objetivo é organizar e representar o conhecimento. Segundo Novak e Cañas (2005), os mapas conceituais são estruturados a partir de conceitos fundamentais e suas relações. Esta ferramenta está orientada a reduzir e concentrar a estrutura cognitiva subjacente a um dado conhecimento, visibilizando os elementos básicos da estrutura cognitiva a ele subjacente permitindo analisar seus elementos fundamentais.

A questão focal que orientou nossos trabalhos foi: em que consiste a educação intercultural? Com este ponto de partida, durante o primeiro semestre de 2009, realizamos encontros semanais em que fomos trabalhando conjuntamente as diferentes etapas do desenvolvimento do mapa conceitual.

O passo fundamental consistiu em definir as categorias básicas. Depois de vários encontros, chegamos a assumir consensualmente que eram as seguintes: sujeitos e atores, saberes e conhecimentos, práticas socioeducativas e políticas públicas.

Apresentarei cada uma das categorias básicas e enumerarei alguns desafios postos por cada uma delas para as práticas pedagógicas e a reflexão e pesquisa em

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didática, certamente com caráter preliminar e provisório. Convém ter presente que estas categorias estão inter-relacionadas e concebidas de modo articulado.

A primeira categoria, sujeitos e atores, refere-se à promoção de relações tanto entre sujeitos individuais, quanto entre grupos sociais integrantes de diferentes grupos socioculturais. A interculturalidade crítica fortalece a construção de identidades dinâmicas, abertas e plurais, assim como questiona uma visão essencializada de sua constituição. Potencia os processos de empoderamento, principalmente de sujeitos e atores inferiorizados e subalternizados e a construção da autoestima, assim como estimula a construção da autonomia num horizonte de emancipação social.

Neste sentido, é importante que as práticas educativas partam do reconhecimento das diferenças presentes na escola e na sala de aula, o que exige questionar os processos de homogeneização, que invisibilizam e ocultam as diferenças, reforçando o caráter monocultural das culturas escolares.

Romper com este daltonismo cultural (Cortesão e Stoer, 1999, p.56) e ter presente o arco-íris das culturas nas práticas educativas supõe todo um processo de desconstrução de práticas naturalizadas e enraizadas no trabalho docente para sermos educadores/as capazes de criar novas maneiras de situar-nos e intervir no dia a dia de nossas escolas e salas de aula. Exige valorizar as histórias de vida de alunos/as e professores/as e a construção de suas identidades culturais, favorecendo a troca o intercâmbio e o reconhecimento mútuo, assim como estimular que professores/as e alunos/as se perguntem quem situam na categoria de “nós” e quem são os “outros” para eles. Esta categoria também convida à interação da escola com os diferentes grupos presentes na comunidade e no tecido social mais amplo, favorecendo uma dinâmica escolar aberta e inclusiva.

Quanto à categoria de saberes e conhecimentos, sem dúvida, tem uma especial importância para a didática. Parto da afirmação da ancoragem histórico-social dos diferentes saberes e conhecimentos e de seu caráter dinâmico, o que supõe analisar suas raízes históricas e o desenvolvimento que foram sofrendo, sempre em íntima relação com os contextos nos quais este processo se vai dando e os mecanismos de poder nele presentes. Em consonância com Koff (2009, p.61), assumo a posição que afirma que mais do que discutir se estes termos são sinônimos ou não, o importante é reconhecer a existência de diversos saberes e conhecimentos no cotidiano escolar e procurar estimular o diálogo entre eles, assumindo os conflitos que emergem desta interação.

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currículos que incorporem referentes de diferentes universos culturais, coerentes com a perspectiva intercultural. Este cruzamento de culturas, conhecimentos e saberes se dá de diferentes maneiras, algumas vezes de modo confluente ou complementário, e outras de interação tensa, chegando mesmo a um confronto entre diferentes posições. As tensões entre universalismo e relativismo no plano epistemológico e pedagógico em geral, se fazem especialmente presentes. O que considero importante na perspectiva intercultural é estimular o diálogo e a construção de conhecimentos comuns no cotidiano escolar e nos processos de ensino-aprendizagem desenvolvidos nas salas de aula.

A categoria práticas socioeducativas referida à interculturalidade, exige colocar em questão as dinâmicas habituais dos processos educativos, muitas vezes padronizadores e uniformes, desvinculados dos contextos socioculturais dos sujeitos que dele participam e baseados no modelo frontal de ensino-aprendizagem. Favorece dinâmicas participativas, processos de diferenciação pedagógica, a utilização de múltiplas linguagens e estimulam a construção coletiva.

Destaco dois aspectos incluídos nesta categoria de especial relevância para a didática: a diferenciação pedagógica e a utilização de múltiplas linguagens e mídias no cotidiano escolar. A diferenciação pedagógica não constitui um tema novo na reflexão pedagógica. No entanto, hoje exige uma abordagem mais ampla que, sem desconsiderar os aspectos psicológicos, como os relativos aos ritmos e estilos de aprendizagem, incorporem também a utilização de distintas expressões culturais. A construção de materiais pedagógicos nesta perspectiva e a criação de condições concretas nas escolas que permitam uma efetiva diferenciação é outra exigência. Supõe “desengessar” a sala de aula, multiplicar espaços e tempos de ensinar e aprender.

Quanto o que diz respeito a linguagens e mídias, trabalhadas em articulação com o já afirmado nesta categoria, trata-se de conceber a escola como um centro cultural em que diferentes linguagens e expressões culturais estão presentes e são produzidas. Não se trata simplesmente de introduzir as novas tecnologias de informação e comunicação e sim de dialogar com os processos de mudança cultural, presentes em toda a população, tendo, no entanto maior incidência entre os jovens e as crianças, configurando suas identidades (SARLO 2004, p. 120-121).

Os educadores e educadoras estão chamados a enfrentar as questões colocadas por esta mutação cultural, o que supõe não somente promover a análise das diferentes linguagens e produtos culturais, como também favorecer experiências de produção

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cultural e de ampliação do horizonte cultural dos alunos e alunas, aproveitando os recursos disponíveis na comunidade escolar e na sociedade.

A quarta categoria, políticas públicas, aponta para as relações dos processos educacionais e o contexto político-social em que se inserem. A perspectiva intercultural crítica reconhece os diferentes movimentos sociais que vêm se organizando em torno de questões identitárias, defende a articulação entre políticas de reconhecimento e de redistribuição (FRASER, 2001) e apoia políticas de ação afirmativa orientadas a fortalecer processos de construção democrática que atravessem todas as relações sociais, na perspectiva de radicalização dos processos democráticos.

Na perspectiva da didática, supõe ter presente o contexto onde se realizam as práticas educativas, os constrangimentos e possibilidades que lhe são inerentes, e desenvolver um diálogo crítico e propositivo no sentido de fortalecer perspectivas educativas e sociais orientadas a radicalizar os processos democráticos e articular igualdade e diferença, em todos os níveis e âmbitos, do macrossocial à sala de aula.

Considerações Finais

Retomo agora algumas das reflexões que desenvolvi neste texto. Uma escola de qualidade para todos e todas ainda não foi conquistada. No momento atual está pressionada e desafiada por muitas questões. Não se trata de enfrentá-las através de um mero ajuste ou reforma de alguns aspectos específicos de sua configuração, reduzindo sua problemática à gestão e maior controle através de sistemas de medição de determinadas aprendizagens.

Assumo a perspectiva de que é necessário “reinventar a escola”, para que possa ser mais significativa e relevante para os tempos pós-modernos em que vivemos. Reinventar exige ressignificar e construir uma nova configuração. A dimensão cultural vem adquirindo especial relevância, em todos os âmbitos, do político ao escolar. A consciência de que igualdade e diferença se exigem mutuamente é cada vez mais forte.

Os diferentes grupos socioculturais, particularmente os historicamente marginalizados e silenciados, vêm adquirindo continuamente crescente visibilidade e questionam a escola. A reflexão didática não pode estar alheia a esta problemática. A partir da perspectiva crítica, na qual estou enraizada, considero que a interculturalidade é central para se avançar na produção de conhecimentos e práticas orientados a

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colaborar na afirmação de uma sociedade verdadeiramente democrática em que justiça social e justiça cultural se entrelacem.

Esta perspectiva da didática crítica e intercultural está em construção. No entanto, já é possível identificar elementos que favorecem seu desenvolvimento tanto na produção acadêmica, quanto na prática cotidiana de educadores e educadoras.

Referências

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DUBET, François. Mutações cruzadas: a cidadania e a escola. In: Revista Brasileira

de Educação, v 16, n.47, maio/ago 2011

FRASER, Nancy. Da redistribuição ao reconhecimento? Dilemas da justiça na era

pós-socialista. In: SOUZA, Jessé (org.) Democracia hoje: novos desafios para a

teoria democrática contemporânea. Brasília: Editor Universidade de Brasília, 2001.

KOFF, Adélia Maria Nehme Simão e. Escolas, Conhecimentos e Culturas:

trabalhando com projetos de investigação. Rio de Janeiro: 7Letras, 2009.

OLIVEIRA, Maria Rita N. S. 20 anos de ENDIPE. In: CANDAU, Vera Maria e outros.

Didática, Currículo e Saberes Escolares. Rio de Janeiro: DP&A, 2000, p.161-176.

NOVAK, J. e CAÑAS, A. Building on new constructivist ideas and map tools to create

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SARLO, Beatriz . Escenas de la vida posmoderna. Buenos Aires: Seix Barral, 2004. SOARES, Magda Metamemória-Memórias: travessia de uma educadora. São Paulo: Cortez, 1991.

STOER, Stephen R. e CORTESÃO, Luiza. “Levantando a Pedra”. Da Pedagogia

Inter/Multicultural às Políticas Educativas numa Época de Transnacionalização.

Porto: Edições Afrontamento. 1999.

i Na produção acadêmica da área de educação sobre as distintas tendências pedagógicas, a perspectiva

tradicional é em geral apontada como a de maior vigência no desenvolvimento histórico da escolarização em diferentes países. Para alguns autores, a dificuldade de construir estratégias pedagógicas adequadas para enfrentar os desafios colocados hoje às escolas e aos/as educadores/as está provocando, em muitos contextos, o fortalecimento desta perspectiva.

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