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Geometria Simplética - Notas de Aula

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Geometria Simplética - Notas de Aula

Ivo Terek

*

6 de julho de 2018

Notas de aula baseadas na disciplina MAT6654 - Geometria Simplética ministrada no Instituto de Matemática e Estatística da Universidade de São Paulo, no primeiro semestre de 2018.

Sumário

1 Equações de Hamilton e Álgebra Linear Simplética (13/03) 3

1.1 Equações de Hamilton . . . 3

1.2 Álgebra Linear Simplética . . . 5

2 Bases simpléticas e redução linear (15/03) 7

2.1 Bases simpléticas . . . 7

2.2 Redução linear . . . 12

Exercícios 12

3 Variedades simpléticas (20/03) 19

4 Fibrados cotangentes e uma revisão do Cálculo de Cartan (22/03) 22

4.1 A 1-forma tautológica. . . 22

4.2 Cálculo de Cartan . . . 23

5 Campos Hamiltoneanos e colchete de Poisson (27/03) 25 6 Aspectos locais da Geometria Simplética (03/04) 30

6.1 Teorema de Darboux-Weinstein . . . 30

6.2 Truque de Moser . . . 32

(2)

Exercícios 35

7 Subvariedades (24/04) 42

8 Fibrados vetoriais simpléticos (26/04) 46 9 Vizinhanças de subvariedades Lagrangeanas e pontos fixos de

simplectomorfismos (05/03) 49

Exercícios 52

10 Estruturas complexas (08/04) 54

10.1 Caso linear . . . 54

10.2 O caso suave . . . 56

11 Formas diferenciais em variedades complexas (10/05 e 15/05) 60

12 Variedades de Kähler (17/05) 68

13 Potenciais de Kähler (22/05) 74

Exercícios 79

Exercícios - Faixas bônus 85

14 Revisando grupos de Lie (24/05) 91

14.1 Ações de grupos de Lie . . . 91

14.2 Representações e exemplos . . . 97

15 Fibrados vetoriais equivariantes 99

16 Ações Hamiltoneanas 104

17 Mais propriedades da aplicação momento 114

18 Redução simplética 116

(3)

1

Equações de Hamilton e Álgebra Linear

Sim-plética (13/03)

1.1

Equações de Hamilton

Motivação: Geometria Simplética é o modo formal de estudar espaços de fase na Mecânica Clássica.

Sejam F = −∇U um campo de forças conservativo, onde U :R3 → R

é suave, e q(t) = (q1(t), q2(t), q3(t))uma curva descrevendo o movimento de uma partícula de massa m =1 sob a ação de F.

R3

q(t)

Figura 1: Trajetória de uma partícula de massa m =1.

O movimento da partícula é governado pela bem conhecida Segunda Lei de Newton F = ma. No nosso caso, temos a equação diferencial de segunda ordem ¨q(t) = ∇U(q(t))emR3.

Definindo pi =. ˙qi, temos então coordenadas(q, p)emR6e um sistema de equações        ˙qi(t) = pi(t) ˙pi(t) = −∂U ∂qi(q(t)), (†)

que é uma equação diferencial de primeira ordem no espaço de posições e momentos R6, que é então chamado o espaço de fase do sistema. A evo-lução temporal do sistema é determinada por uma única função de seis variáveis: defina o Hamiltoneano do sistema, H : R6→R, por

H(q, p) =. 1 2 3

i=1 p2i +U(q).

(4)

É fácil ver que ∂H ∂qi(q, p) = ∂U ∂qi(q) e ∂H ∂ pi (q, p) = pi,

donde(†)pode ser reescrito na seguinte forma:          ˙qi(t) = ∂H ∂ pi (q(t), p(t)) ˙pi(t) = − ∂H ∂qi(q(t), p(t)), (††)

Tais equações são chamadas as equações de Hamilton.

Observação. Para cada(q, p) ∈ R6, temos

∇H(q, p) =  ∂H ∂qi (q, p),∂H ∂ pi (q, p)  ∈R6. Defina então um campo de vetores XH por

XH(q, p) =.  ∂H ∂ pi (q, p),−∂H ∂qi (q, p)  ∈ R6. Note que XH(q, p) =  

0

Id

3

Id

3

0

 ∇H(q, p)

Agora, as equações de Hamilton lêem-se como ˙α(t) = XH(α(t)),

onde α(t) = (q(t), p(t)) ∈ R6. Ou seja, as soluções das equações de Ha-milton são dadas por curvas integrais do campo de vetores XH.

Observação. Curvas integrais de XH estão contidas em superfícies de ní-vel do Hamiltoneano H : R6 →R, conforme a figura a seguir:

R

(q, p)

c

(5)

Objetivo: escrever ˙α(t) = XH(α(t)) de um modo “geométrico”. Para

tanto, observamos que

J =.  

0

Id

3

Id

3

0

 

é anti-simétrica. Em particular, J corresponde à forma bilinear anti-simétrica emR6,Ω : RR6 R dada por

Ω(x, y) = hx, Jyi,

onde h·,·ié o produto interno Euclideano usual em R6. Mas além disto, det J 6= 0. Isto significa queΩ é não-degenerada1. Agora, observamos que

XH é caracterizado pela relação

DH(Y) =Ω(XH, Y), para todo campo de vetores Y emR6, ou seja, XH é o “gradiente simplético” de H (ou então, umΩ-gradiente).

Conclusão: A equação ˙α(t) = XH(α(t)) faz sentido em qualquer espaço

vetorial munido de uma forma bilinear anti-simétrica e não-degenerada.

Observação (Sobre a convenção de Einstein). Forças são objetos que po-dem ser integrados ao longo de um caminho, a fim de produzir um nú-mero (o trabalho). Portanto, em um contexto mais geral forças seriam me-lhor representadas por 1-formas ao invés de campos de vetores.

Isto de certo modo explica a falha do balanceamento de índices quando definimos pi com o índice i embaixo, ao passo em que a coordenada qi possui o índice em cima. Com efeito, se(q1, . . . , qn)são coordenadas locais em uma variedade M, então(q1, . . . , qn, p1, . . . , pn)são coordenadas locais no fibrado cotangente T∗M.

Estamos utilizando a métrica canônica deR3 para identificar campos de vetores com 1-formas, então poderíamos ter escrito pi =. ∑3j=1δijpj, de

modo a obeceder a convenção da soma de Einstein (os valores numéricos de pie pisão, obviamente, iguais).

1.2

Álgebra Linear Simplética

Observação. Todos os nossos espaços vetoriais serão reais e de dimensão finita.

1Ou seja, se (x, y) = 0 para todo y, então x = 0. Equivalentemente, a aplicação Ω[:R6→ (R6)dada porΩ[(x)(y)=. (x, y)é um isomorfismo.

(6)

Definição 1.1. Um espaço vetorial simplético é um par(V,Ω), onde V é um espaço vetorial e Ω : V×V → R é uma forma bilinear, anti-simétrica e

não-degenerada.

Observação. Um espaço vetorial simplético possui dimensão par. Com efeito, seja A = (aij)ni,j=1a matriz associada a Ω, com respeito a uma dada base de V. Então:

• A> = −A, poisΩ é anti-simétrica. • det A6=0, poisΩ é não-degenerada. Isto implica que

det A =det A> =det(−A) = (−1)ndet A e segue disto que (−1)n =1 (donde n é par).

Exemplo 1.2. (1) (R2n,Ω2n), ondeΩ2n(x, y) = hx, Jyi, com J =.  

0

Id

n

Id

n

0

 

eh·,·ié o produto interno usual emR2n.

(2) Seja V qualquer espaço vetorial, e considere o produto V×V∗. Então a forma bilinear

Ω (x, ξ),(y, η) .

=η(x) −ξ(y)

em V×V∗é simplética.

(3) Para generalizar os itens anteriores, utilizamos o seguinte conceito: se V e W são espaços vetoriais, uma aplicação bilinear B : V×W → R é

um pareamento perfeito se as aplicações V → W∗ e W → V∗ induzidas por B são isomorfismos. A forma bilinear

ΩB (x, u),(y, v) .

= B(x, v) −B(y, u)

em V×W é simplética. Note que nas condições dadas temos a igual-dade dim V =dim W (de modo que dim(V×W)é par).

Para o item (1), veja que o produto interno usual h·,·i de Rn é um pareamento perfeito de Rn com si mesmo, e temos Ω2n = Ωh·,·i. Já

aplicação B : V×V∗ → R dada por B(v, f) =. f(v) é um pareamento perfeito entre V e V∗, que fornece o item (2).

(7)

Pergunta: Se(V,Ω)é um espaço vetorial simplético e W ⊆V é um subes-paço, é verdade queΩ|W é uma forma bilinear simplética?

Resposta: em geral não, apesar de Ω|W sempre continuar sendo anti-simétrica. No exemplo (2) acima, para W = V⊕ {0} temos Ω|W = 0. E para qualquer espaço vetorial simplético, se dim W =1 temosΩ|W =0.

Definição 1.3. Sejam(V,Ω) um espaço vetorial simplético e W ⊆ V um subespaço vetorial. O ortogonal simplético de W é

WΩ = {. x∈ V | Ω(x, y) =0 para todo y∈ W}. Diremos que W é

(i) isotrópico se W ⊆WΩ(ou seja,Ω|W =0). (ii) coisotrópico se WΩ ⊆W.

(iii) Lagrangeano se W =WΩ.

(iv) simplético se W∩WΩ = {0}(ou seja, seΩ|Wé simplética).

Observação. Segue da definição que se W1⊆W2, então W2Ω ⊆W1Ω. Além disto, W é simplético se e somente se WΩ o for.

2

Bases simpléticas e redução linear (15/03)

2.1

Bases simpléticas

Proposição 2.1. Sejam (V,Ω)um espaço vetorial simplético e W ⊆ V um su-bespaço vetorial. Então

(i) dim W+dim WΩ =dim V; (ii) (WΩ)Ω =W.

(iii) W é isotrópico se e somente se WΩé coisotrópico. (iv) • se W é isotrópico, então 2 dim W ≤dim V;

• se W é coisotrópico, então 2 dim W ≥dim V; • se W é Lagrangeano, então 2 dim W =dim V. (v) W é simplético se e somente se W⊕WΩ =V.

(8)

(i) A aplicação linear V 3 x 7→ Ω(x,·)|W ∈ W∗ é sobrejetora e tem WΩ como núcleo. Pelo Teorema do Núcleo e Imagem segue que

dim V =dim WΩ+dim W∗ =dim W+dim WΩ.

(ii) Seja x ∈ W. Para mostrar que x∈ (WΩ)Ω, devemos ver queΩ(x, y) =

0 para todo y∈WΩ. Mas isto é óbvio, e concluímos que W ⊆ (WΩ)Ω. Do item (i) também sabemos que dim W = dim(WΩ)Ω. Portanto vale a igualdade W = (WΩ)Ω.

(iii) Temos:

W é isotrópico ⇐⇒ W ⊆WΩ

⇐⇒ (WΩ)Ω ⊆WΩ

⇐⇒ WΩé coisotrópico.

(iv) Segue de (i).

(v) Pelo item (i), temos

dim(W+WΩ) +dim(W∩WΩ) =dim W+dim WΩ =dim V, donde W+WΩ =V se e somente se W∩WΩ = {0}.

Teorema 2.2. Seja(V,Ω)um espaço vetorial simplético com dimensão dim V =

2n. Então existe uma base B= (e1, . . . , en, f1, . . . , fn)de V com Ω(ei, ej) =Ω(fi, fj) = 0 e Ω(ei, fj) = δij,

para todos i, j =1, . . . , n. Diremos que B é uma base simplética para V.

Demonstração: Vamos provar o teorema por indução em n.

Para n = 1, tome e1 ∈ V não-nulo. ComoΩ é não-degenerada, existe v1 ∈ V\ {0} com Ω(e1, v1) 6= 0. Então se f1 =. v1/Ω(e1, f1), temos que

(e1, f1)é uma base2simplética de V.

Agora façamos o passo indutivo: o mesmo argumento nos dá e1, f1 ∈ V\ {0} comΩ(e1, f1) = 1. Então W =. span(e1, f1) é simplético, e assim V = W⊕WΩ, com dim WΩ = 2n−2. Pela hipótese de indução, existe uma base simplética(e2, . . . , en, f2, . . . , fn)para WΩ. Então

(e1, . . . , en, f1, . . . , fn)

é uma base simplética para V.

2Com efeito, se ae

1+b f1 =0, aplicarΩ(e1,·)nos dá b =0, enquantoΩ(f1,·)nos dá que a=0. Assim(e1, f1)é linearmente independente.

(9)

Observação. Não utilizamos que a dimensão de V é par nesta demonstra-ção. Então isto na verdade é uma consequência do teorema acima.

Definição 2.3. Uma aplicação linear ϕ : (V1,Ω1) → (V2,Ω2)entre espaços vetoriais simpléticos é dita simplética se

Ω1(x, y) = Ω2(ϕ(x), ϕ(y)),

para todos x, y ∈ V. Um isomorfismo linear simplético é chamado um simplectomorfismo.

Observação. ComoΩ1é não-degenerada, toda aplicação linear simplética é automaticamente injetora. Mas não é sobrejetora em geral, como mostra a inclusão de um subespaço simplético W ⊆V.

Proposição 2.4. Seja(V,Ω)um espaço vetorial simplético. O conjunto Sp(V,Ω) = {ϕ∈ GL(V) | ϕ é um simplectomorfismo}

possui uma estrutura de grupo com a operação de composição. Chamamos Sp(V,Ω)

o grupo simplético de(V,Ω).

Exemplo 2.5.

(1) Sejam(V,Ω)um espaço vetorial simplético e(e1, . . . , en, f1, . . . , fn)uma base simplética para V. Então a aplicação linear ϕ : V → V definida por ϕ(ei) = fie ϕ(fi) = −ei, para todo i =1, . . . , n, é um simplector-morfismo.

(2) Sejam V um espaço vetorial qualquer, (e1, . . . , en) uma base para V e

(e1, . . . , en)a correspondente base dual de V∗. Para a forma simplética Ω (x, ξ),(y, η) = η(x) −ξ(y) em V ×V∗ que vimos anteriormente,

temos que

(e1, 0), . . . ,(en, 0),(0, e1), . . . ,(0, en)

é uma base simplética. De fato, vale

Ω (ei, 0),(0, ej) 

=ej(ei) = δ j

i.

Um exemplo simples de simplectomorfismo deste espaço é o seguinte: se T : V → V é um isomorfismo linear e T∗: V∗ → V∗ é a aplicação dual3, então T× (T∗)−1: V×V∗ →V×V∗é um simplectomorfismo.

(10)

De fato: Ω (T(x),(T∗)−1(ξ)),(T(y),(T∗)−1(η)) = = (T∗)−1(η)(T(x)) − (T∗)−1(T(y)) =T∗◦ (T∗)−1(η)(x) −T∗◦ (T∗)−1(ξ)(y) =η(x) −ξ(y) =Ω (x, ξ),(y, η),

como desejado. Vamos ver no Exercício2.4que este é essencialmente o único modo de um produto de operadores ser um simplectormofismo. (3) Sejam(V,Ω)um espaço vetorial simplético e(e1, . . . , en, f1, . . . , fn)uma

base simplética para V. Então se A ∈ GL(n,R) é não-singular, a apli-cação linear ϕ : V →V definida por

ϕ(ej) = n

i=1 (A>)ijei e ϕ(fj) = n

i=1 (A−1)ijfi é um simplectomorfismo. Com efeito:

Ω(ϕ(ei), ϕ(ej)) =Ω n

k=1 (A>)kiei,

`=1 (A−1)`jf` ! = n

k,`=1 (A>)ki(A−1)`jΩ(ek, f`) = n

k,`=1 (A>)ki(A−1)`jδk` = n

k=1 (A>)ki(A−1)kj =δij,

como queríamos. Que Ω(ϕ(ei), ϕ(ej)) = 0 e Ω(ϕ(fi), ϕ(fj)) = 0 para todas as escolhas de i e j é claro. Veremos no Exercício2.8que na ver-dade todo simplectomorfismo que deixa os subespaços gerados pelas “metades” de uma base simplética invariantes é dessa forma.

(4) Seja (V,Ω) um espaço vetorial simplético. Para todo isomorfismo li-near ϕ ∈GL(V), a aplicação

(ϕ∗Ω): V×V →R

(x, y) 7→Ω(ϕ(x), ϕ(y))

é uma forma simplética, que torna ϕ um simplectomorfismo entre

(11)

Da existência de bases simpléticas, temos o seguinte:

Corolário 2.6. Se (V,Ω) é um espaço vetorial simplético com dim V = 2n, então (V,Ω) é simplectomorfo à (R2n,Ω2n), onde Ω2n(x, y) = hx, Jyi, com

h·,·io produto interno Euclideano usual emR2n e J =  

0

Id

n

Id

n

0

 .

Demonstração: Tome uma base simplética (e1, . . . , en, f1, . . . , fn) de V, e defina ϕ: R2n →V (x, y) 7→ n

i=1 xiei+yifi.

Note que a base canônica de (R2n,Ω2n) é simplética - e um isomorfismo linear que leva uma base simplética em outra é trivialmente um simplec-tomorfismo. Em particular Ω2n((x, y),(u, v)) = n

i=1 xi yi ui vi . Observação.

• Se(V,Ω)é um espaço vetorial simplético e é dada uma base simplé-tica(e1, . . . , en, f1, . . . , fn)de V, então a matriz deΩ relativa à tal base é justamente a matriz J dada acima.

• Além disto, se (e1, . . . , en, f1, . . . , fn) é a correspondente base dual de V∗, entãoΩ pode ser descrita em termos de produtos exteriores, como

Ω=e1∧ f1+ · · · +en ∧ fn. • Chame

Ω(V) = {. Ω : V×V →R| Ω é uma forma simplética}. O grupo GL(V) age em Ω(V) por pull-back: ϕ·Ω .= ϕ∗Ω. É uma

consequência do corolário acima que esta ação é transitiva, visto que sempre existe um simplectomorfismo entre quaisquer duas formas simpléticas em V. E claramente o estabilizador de Ω ∈ Ω(V) é Sp(V,Ω). Portanto concluímos queΩ(V) ∼=GL(V)/Sp(V,Ω).

(12)

2.2

Redução linear

Pergunta: se(V,Ω)é um espaço vetorial simplético e W é um subespaço de V, o que acontece com o quociente V/W?

Em geral, o quociente não é simplético. Por exemplo, se dim W = 1, então a dimensão de V/W é ímpar, e assim não existirá uma estrutura simplética. Este mesmo exemplo mostra que se W é isotrópico, o quoci-ente V/W não é, em geral, simplético. Por dualidade, se W é coisotrópico também não temos nada.

Já se W é simplético, então V/W é isomorfo à WΩ, que é simplético. Assim podemos transferir a estrutura simplética de WΩ para V/W.

Para analisar quocientes de subespaços de V, temos a:

Proposição 2.7(Redução linear). Sejam(V,Ω)um espaço vetorial simplético e W ⊆V um subespaço coisotrópico. Então o quociente(W/WΩ,Ω)é um espaço vetorial simplético, onde Ω : W/WΩ×W/WΩ → R é definida por Ω(x, y) =.

Ω(x, y).

Demonstração: Como W é coisotrópico, o quociente W/WΩ faz sentido. Vejamos inicialmente que Ω está bem definida, ou seja, que se x = x0 e

y=y0em W/WΩ, entãoΩ(x, y) = Ω(x0, y0). Com efeito, se x−x0, y−y0 ∈

WΩ, vale queΩ(x, w) = Ω(x0, w)eΩ(y, w) = Ω(y0, w), qualquer que seja w∈W. Fazendo boas escolhas, vemos que

Ω(x, y) = Ω(x0, y) = −Ω(y, x0) = −Ω(y0, x0) = Ω(x0, y0), como queríamos. PortantoΩ está bem definida.

Bilinearidade e anti-simetria deΩ são herdadas de Ω. Agora suponha que Ω(x, y) = 0 para todo y∈ W/WΩ. Devemos mostrar que x =0. Para tanto, fixe um representante x ∈ W. MasΩ(x, y) = 0 para todo y ∈W nos diz que x ∈ WΩ, donde x=0.

Exercícios

Exercício 2.1. Mostre a Proposição2.4(p. 9).

Exercício 2.2. Sejam (V,Ω) um espaço vetorial simplético, e W1, W2 ⊆ V dois subespaços vetoriais quaisquer. Mostre que:

(a) (W1+W2)Ω =W1Ω∩W2Ω;

(13)

Dica. O item (b) segue de (a), trocando os subespaços por seus ortogonais simpléticos.

Exercício 2.3. Sejam (V,Ω) um espaço vetorial simplético e W ⊆ V um subespaço vetorial. Mostre que:

(a) se W é isotrópico, então W está contido em algum subespaço Lagran-geano de V;

(b) se W é coisotrópico, então W contém algum subespaço Lagrangeano de V.

Dica. Para (a), aplique o Lema de Zorn para a coleção

C= {Z| Z é um subespaço isotrópico de V conténdo W},

obtenha um elemento maximal L, e argumente que L deve ser Lagrange-ano. O item (b) segue de (a).

Exercício 2.4. Sejam V e W espaços vetoriais. Lembre que uma aplicação bilinear B : V×W →R é um pareamento perfeito se as aplicações induzidas

V →W∗ e W →V∗são isomorfismos.

Vamos ver detalhes do item (3) do Exemplo1.2(p. 6), e concluir coisas sobre o item (2) do Exemplo2.5(p. 9).

(a) Verifique que de fato a aplicação

ΩB: (V×W) × (V×W) →R

(x, u),(y, v)

7→ B(x, v) −B(y, u)

é uma forma simplética em V×W.

(b) Seja T : V →W linear. Mostre que gr(T)é um subespaço Lagrangeano de(V×W,ΩB)se e somente se o seguinte diagrama comuta:

W∗

V T

T∗

V∗ W

(14)

(c) Use o item (b) e mostre que para a estrutura simplética canônica em V×V∗, o gráfico gr(T)de uma aplicação linear T : V →V∗ é Lagran-geano se e somente se a forma bilinear induzida por T é simétrica, ou seja, vale T(x)(y) = T(y)(x)para todos x, y ∈ V.

(d) Sejam ϕV: V → V e ϕW: W → W operadores lineares. Mostre que

ϕϕW: V×W →V×W é um simplectomorfismo se e somente se o seguinte diagrama comuta:

W∗

V ϕV V

W∗

(ϕW)∗

(e) Sejam ϕV: V → V e ϕW: W → W operadores lineares. Mostre que

ϕV ×ϕW: V ×W → V×W é um simplectomorfismo se e somente dadas bases B e C de V e W, vale a relação

B= [ϕV]>BB[ϕW]C,

onde também denotamos por B a matriz de Gram de B relativa às ba-ses B e C.

(f) Use o item anterior e mostre que para a estrutura simplética canônica de V×V∗, se são dados ϕV: V → V e ϕV∗: V∗ → V∗ lineares, então o produto ϕV×ϕV∗: V×V∗ →V×V∗ é um simplectomorfismo se e somente se ϕV∗ = ((ϕV)∗)−1.

Dica. Uma implicação já foi feita no item (2) do Exemplo2.5(p. 9).

Exercício 2.5. Sejam(V1,Ω1) e(V2,Ω2) espaços vetoriais simpléticos. No produto V1×V2, definimos as seguintes aplicações:

Ω1⊕Ω2: (V1×V2) × (V1×V2) → R

(x, u),(y, v)

(15)

e

Ω1 Ω2: (V1×V2) × (V1×V2) →R

(x, u),(y, v)

7→Ω1(x, y) −Ω2(u, v). (a) Mostre queΩ1⊕Ω2eΩ1 Ω2são formas simpléticas em V1×V2. (b) Sejam W1⊆V1e W2 ⊆W2subespaços vetoriais. Mostre que

(W1×W2)Ω1⊕Ω2 =W1Ω1 ×W Ω2

2 = (W1×W2)Ω1 Ω2.

(c) Conclua que se W1 ⊆V1e W2⊆V2são ambos subespaços isotrópicos, coisotrópicos, Lagrangeanos ou simpléticos, então W1×W2 também o é (seja qual for a estrutura Ω1⊕Ω2 ou Ω1 Ω2 considerada em V1×V2).

Exercício 2.6. Sejam(V,Ω)um espaço vetorial simplético. Notando queΩ é um pareamento perfeito de V com si mesmo, a construção do Exercício

2.4 acima nos dá uma estrutura simpléticaΩ em V×V, muito similar à forma simpléticaΩ Ω vista no exercício anterior.

Sabemos pelo Corolário2.6 (p. 11) que existe um simplectomorfismo

(V×V,Ω) → (V×V,Ω Ω), mas seria natural nos perguntarmos se

existe um simplectomorfismo que não depende de nenhuma escolha de base de V.

A resposta é sim: mostre que

ϕ: V×V →V×V (x, u) 7→ x√+u 2 , x−u √ 2  funciona.

Exercício 2.7. Considere a estrutura simplética usual no produto Rn × (Rn)∗, e o protótipo canônico(R2n,Ω2n).

(a) Exiba um simplectomorfismo entre esses espaços.

(b) Mostre que se V é um espaço vetorial com dim V = n, uma escolha de base de V induz um simplectomorfismo V ×V → Rn × (Rn).

Conclua que V×V∗ é simplectomorfo à(R2n,Ω2n).

Dica. O produto interno deRninduz um isomorfismo [: Rn → (Rn)

(16)

Exercício 2.8. Este exercício estabelece um tipo de recíproca para o que vi-mos no item (3) do Exemplo2.5(p. 9). Sejam(V,Ω)um espaço simplético e(e1, . . . , en, f1, . . . , fn)uma base simplética para V. Defina os subespaços E=. span(e1, . . . , en)e F=. span(f1, . . . , fn).

(a) Mostre que E e F são Lagrangeanos.

(b) Sejam ϕ ∈ Sp(V,Ω)um simplectomorfismo que deixa E e F invarian-tes, e considere as matrizes B = (bij)ni,j=1 e C = (cij)ni,j=1 ∈ Mat(n,R)

satisfazendo ϕ(ej) = n

i=1 bijei e ϕ(fj) = n

i=1 cijfi.

Mostre que existe uma matriz A ∈GL(n,R)com B= A> e C= A−1.

Exercício 2.9. Sejam(V,Ω) um espaço simplético, B= (v1, . . . , v2n) uma base de V, e ϕ : V → V linear. Se J = (Ω(vi, vj))2ni,j=1 é a matriz de Gram deΩ relativa à B, mostre que ϕ∈ Sp(V,Ω)se e somente se vale a relação

J = [ϕ]>BJ [ϕ]B. Conclua que, em caso afirmativo, det ϕ =1 ou−1.

Observação.

• Na verdade é possível mostrar que det ϕ=1, com um pouco mais de trabalho. Pelo menos para a classe de simplectomorfismos estudada no Exercício2.8acima, isso é óbvio. Veja o Exercício2.12adiante. • Motivados pela expressão deste exercício, diremos que uma matriz

S ∈Mat(2n,R)é simplética se satisfaz a relação J =S>JS, onde

J =  

0

Id

n

Id

n

0

 ,

como de praxe. Denotamos por Sp(2n,R)o grupo das matrizes sim-pléticas. Para a estrutura simplética canônica em (R2n,Ω2n), vista no item (1) do Exemplo 1.2 (p. 6), temos um isomorfismo natu-ral Sp(R2n,Ω2n) ∼= Sp(2n,R), de modo análogo aos isomorfismos GL(Rn) ∼=GL(n,R), O(Rn,h·,·i) ∼=O(n,R), etc..

(17)

Exercício 2.10. Seja S=  

A B

C D

  ∈Mat(2n,R) uma matriz qualquer, dividida em blocos de ordem n.

(a) Mostre que se S ∈ Sp(2n,R), então S> ∈ Sp(2n,R), usando a defini-ção de matriz simplética.

(b) Mostre que S ∈ Sp(2n,R)se e somente se valem as relações de Luneburg (

A>C e B>D são simétricas, e A>D−C>B=Idn.

(c) Conclua que se S ∈Sp(2n,R), então S−1 =  

D

>

B

>

C

>

A

>  .

Dica. Em (c), use as relações de Luneburg para S>.

Exercício 2.11. Sejam(V,Ω)um espaço vetorial simplético, e ϕ ∈ Sp(V,Ω)

um simplectomorfismo.

(a) Mostre que ϕ preserva Ω-ortogonalidade no seguinte sentido: para todo subespaço vetorial W ⊆V, vale que ϕ[WΩ] = ϕ[W]Ω.

(b) Mostre que se W ⊆V é um subespaço isotrópico, coisotrópico ou La-grangeano, então ϕ(W)também o é.

(c) Mostre que dois autovetores de ϕ associados à autovalores cujo pro-duto não seja 1 são necessariamenteΩ-ortogonais.

(d) Mostre que um subespaço vetorial W ⊆V é ϕ-invariante se e somente se WΩtambém o for.

Observação. O item (a) vale para simplectomorfismos entre espaços veto-riais simpléticos(V1,Ω1)e(V2,Ω2)possivelmente distintos, com a mesma demonstração: ϕ[WΩ1] = ϕ[W]Ω2.

(18)

Exercício 2.12. Seja(V,Ω)um espaço vetorial simplético. Considere uma base simplética (e1, . . . , en, f1, . . . , fn) de V, e (e1, . . . , en, f1, . . . , fn) a cor-respondente base dual de V∗.

(a) Mostre queΩ =e1∧ f1+ · · · +en∧ fn, como afirmado na Observação da página11;

(b) Mostre que para todo 1≤k ≤n, vale Ω∧k

k! =1i

1<···<ik≤n

ei1 fi1∧ · · · ∧eik fik,

ondeΩ∧k =. Ω∧ · · · ∧Ω (k vezes). Em particular, conclua que

Ω∧n n! =e

1 f1∧ · · · ∧en fn

é uma n-forma em V que nunca se anula, valendo 1 quando avaliada na base simplética considerada.

(c) Conclua que se ϕ ∈ Sp(V,Ω), então det ϕ =1.

Dica.

• Lembre que se V é um espaço vetorial e ξ, η ∈ V∗, então o produto exterior de ξ e η é a aplicação bilinear ξη: V×V →R dada por

(ξη)(x, y)=. ξ(x) ξ(y) η(x) η(y) =ξ(x)η(y) −ξ(y)η(x).

• Faça o item (b) por indução.

• No item (c), note que como Ω∧n/n! é uma forma de volume em V, vale a igualdade ϕ∗ Ω∧n n!  = (det ϕ)Ω ∧n n! .

Por outro lado, ϕ∗Ω=Ω, pois ϕ é um simplectomorfismo. Logo...

Exercício 2.13. Sejam V um espaço vetorial eΩ : V×V → R uma forma

bilinear anti-simétrica, mas não necessariamente simplética. Mostre que existe uma base

(u1, . . . , uk, e1, . . . , en, f1, . . . , fn)

de V tal que

Ω(ui, v) = Ω(ei, ej) = Ω(fi, fj) =0 e Ω(ei, fj) = δij,

(19)

Observação. Note que dim V = k+2n, n é um invariante do par (V,Ω), e queΩ é representada nessa base pela matriz

    

0

0

0

0

0

Id

n

0

Id

n

0

     . Dica. Chame

rad(Ω) ≡VΩ = {. u ∈V |Ω(u, v) = 0 para todo v∈ V},

e considere qualquer subespaço W complementar a rad(Ω) satisfazendo V =rad(Ω) ⊕W. Tome uma base qualquer(u1, . . . , uk)de rad(Ω), mostre que a restriçãoΩ|W é simplética, e aplique o Teorema2.2(p.8).

Exercício 2.14. Vimos na Proposição 2.7 (p. 12) que se (V,Ω) é um es-paço vetorial simplético e W ⊆ V é um subespaço coisotrópico, então

(W/WΩ,Ω) é um espaço vetorial simplético, ondeΩ é induzida natural-mente porΩ.

Nestas condições, suponha que L seja um subespaço Lagrangeano de V, e mostre que

L0 =. (L∩W) +W

Ω WΩ é um subespaço Lagrangeano de W/WΩ.

Dica. Mostre que L0é isotrópico, e calcule dim L0.

3

Variedades simpléticas (20/03)

Ideia:

variedade diferenciável de dimensão n

modelo linear (local)

espaço vetorialRn variedade simplética

de dimensão 2n

modelo linear (local) espaço simplético

(R2n,Ω2n)

Observação. Se(x1, . . . , xn, y1, . . . , yn) são coordenadas emR2n ∼= T∗Rn, então ω2n = n

i=1 dxi∧dyi =d n

i=1 xidyi !

é uma 2-forma exata. Então, poderíamos considerar uma variedade dife-renciável M equipada com uma 2-forma ω ∈ Ω2(M)satisfazendo

(20)

(i) ωp: TpM×TpM→R é não degenerada, para cada p∈ M, e; (ii) ω =dα é exata.

Esta não é uma boa noção de “ser simplética”, no contexto de variedades sem bordo!

Para justificar a observação acima, temos a:

Proposição 3.1. Sejam M uma variedade diferenciável (sem bordo) e ω ∈ Ω2(M) uma 2-forma não-degenerada e exata. Então M não é compacta.

Demonstração: Pelo que vimos de Álgebra Linear anteriormente, neces-sariamente temos que a dimensão de M é par, dim M = 2n. Já que ω é não-degenerada, a 2n-forma

ω∧n =. ω∧ · · · ∧ω (n vezes)

é uma forma de volume em M (por exemplo, pelo Exercício 2.12, p. 18). Assuma que ω = dα com α ∈ Ω1(M). Se M é compacta, então usando o Teorema de Stokes juntamente com o fato de ω ser fechada obtemos

06= Z Mω ∧n =Z Md (αω∧(n−1)) = Z ∂M αω∧(n−1) =0,

o que é uma contradição.

Então a ideia inicial proposta de variedade simplética acaba por excluir todas as variedades compactas. Visto que a condição de que ω seja exata é restritiva demais, gostaríamos de considerar ω apenas localmente exata. Pelo Lema de Poincaré, isto é equivalente a ω ser fechada. Isto motiva a:

Definição 3.2. Uma variedade simplética é um par (M, ω), onde M é uma variedade diferenciável e ω ∈ Ω2(M) é uma 2-forma não-degenerada e fechada.

Observação.

• Veremos adiante que a toda função suave H : M→R pode ser

asso-ciado um campo XH ∈ X(M), chamado o campo Hamiltoneano de H, cujo fluxo preserva ω e, portanto, é conservativo. Isto ocorre justa-mente em vista da condição dω =0 imposta na definição acima. • Do ponto de vista da Física, variedades simpléticas são variedades

(21)

• Obstruções para a existência de estruturas simpléticas: seja (M, ω)

uma variedade simplética. Então: (i) dim M=2n é par;

(ii) ω∧n ∈ Ω2n(M) é uma forma de volume em M. Em particular, M é orientável;

(iii) Se M é compacta, então ω não é exata ou, em outras palavras, a classe[ω] ∈ HdR2 (M)é não-nula e HdR2 (M)é não-trivial.

Exemplo 3.3. Exemplos e não-exemplos de variedades simpléticas: (1) Qualquer espaço vetorial simplético.

(2) Qualquer superfície orientávelΣ, com estrutura simplética dada justa-mente por sua forma de área.

(3) Para todo n, o espaço projetivo realRPn nunca é uma variedade sim-plética. Analisamos em casos:

• Se n é ímpar, então não pode existir uma estrutura simplética; • Se n é par,RPn não é orientável, e portanto não pode existir uma

estrutura simplética.

Para compensar, veremos mais adiante que CPn sempre admite uma estrutura simplética. Na verdade,CPné um exemplo de uma variedade de Kähler. Veremos (na Seção12) que, essencialmente:

geometria de Kähler = geometria simplética+ geometria Riemanniana+ geometria complexa

(4) Se(M1, ω1)e(M2, ω2)são variedades simpléticas, então(M1×M2, ω±)

é uma variedade simplética, onde a forma simplética é

ω± =. pr∗1ω1±pr∗2ω2

e pri: M1×M2 → Mi são as projeções. Outras notações comuns são M1×M2 = (M1×M2, ω−)e ω− =ω1⊕ (−ω2).

(5) Fibrados cotangentes: sejam N uma variedade diferenciável e T∗N o seu fibrado cotangente. Há uma estrutura simplética canônica em T∗N.

Para isso, utilizaremos a 1-forma tautológica α ∈ Ω1(TN) (forma de

Liouville), construída do seguinte modo: se ξ ∈ T∗N e Xξ ∈ Tξ(T

(22)

é um vetor tangente, então queremos definir um certo funcional linear

αξ: Tξ(T

N) → R. Mas ξ ∈ (T

π(ξ)N)

, onde π : TN N é a

proje-ção. Observando que dπξ(Xξ) ∈ Tπ(ξ)N, a coisa natural a se fazer é

colocar

αξ(Xξ)

.

=ξ(dπξ(Xξ)).

Veremos que ωcan = −. ∈Ω2(M)é uma forma simplética em TN.

Observe que quando(V,Ω)é um espaço vetorial simplético visto como variedade, esta construção nos dá (talvez a menos de sinal) a estrutura simplética canônica em T∗V ∼=V⊕V∗que vimos anteriormente.

4

Fibrados cotangentes e uma revisão do Cálculo

de Cartan (22/03)

4.1

A

1-forma tautológica

Considere uma variedade diferenciável N e π : T∗N → N o seu fibrado cotangente. Como discutimos anteriormente, definimos α ∈ Ω1(T

N)por αξ(Xξ) . =ξ(dπξ(Xξ)), para ξ ∈ T∗N e Xξ ∈ Tξ(T ∗N).

Queremos descrever α em coordenadas. Para tal, começamos com co-ordenadas locais (U,(x1, . . . , xn)) em N. Isto determina um referencial local de campos e, portanto, um co-referencial de 1-formas ao longo de U:

∂x1, . . . , ∂xn dualizando −−−−−−→dx1, . . . , dxn. Se ξ ∈ Ω1(U), podemos escrever ξ = n

i=1 yidxi, com yi =ξ  ∂xi  ,

e assim obtemos coordenadas locais(T∗U,(x1, . . . , xn, y1, . . . , yn))em T∗N, e um referencial local ∂x1, . . . , ∂xn, ∂y1 , . . . , ∂yn .

Nestas coordenadas, podemos escrever a 1-forma tautológica como

α =

n

i=1

(23)

Por um lado, temos α  ∂xj  = n

i=1 aidxi  ∂xj  +bidyi  ∂xj  = n

i=1 aiδij+bi·0=aj, e αξ  ∂xj  =ξ  dπξ  ∂xj  =ξ  ∂xj  =yj,

donde aj =yj. Analogamente

α ∂yj ! =bj e αξ ∂yj ! =ξ dπξ ∂yj !! =ξ(0) = 0,

de modo que a expressão local para α é

α =

n

i=1

yidxi.,

o que em particular justifica o nome de forma “tautológica”.

Definição 4.1. Seja N uma variedade diferenciável. A estrutura simplé-tica canônica ωcan ∈ Ω2(TN) no fibrado cotangente de N é definida por

ωcan = −. dα.

Observação. Claramente dωcan = 0, e a não-degenerabilidade de ωcan segue da expressão local ωcan=ni=1dxi∧dyi.

Pergunta: Vimos que T∗N possui uma estrutura simplética. Será que o fibrado tangente TN também tem?

Resposta: Sim! Tome uma métrica Riemanniana em N, identifique TN com T∗N via os isomorfismos musicais, e puxe a estrutura de T∗N para TN.

4.2

Cálculo de Cartan

Sejam M uma variedade diferenciável e C∞(M) a álgebra associativa de funções suaves em M. Temos que (Der(C∞(M)),[·,·])é a álgebra de Lie das derivações de C∞(M), onde[·,·]denota o comutador de derivações. Temos um isomorfismo4

X(M) → Der(C∞(M))

X 7→ DX: C∞(M) → C∞(M)

f 7→d f(X)

4Tomamos como definição que um vetor tangente a M em um ponto p M é uma derivação na álgebra Fpdos germes de funções suaves em p.

(24)

Em particular, usamos este isomorfismo para definir um colchete de Lie em X(M) do seguinte modo: se X, Y ∈ X(M), o campo [X, Y] é o único satisfazendo a relação D[X,Y] = DX◦DY −DY ◦DX.

Observação. Recordamos que todo campo de vetores X ∈ X(M) deter-mina um fluxo local: existem um domínio de fluxo D ⊆ R×M aberto tal que para cada x ∈ Do conjunto Dx = {. t∈ R| (t, x) ∈ D}é um intervalo aberto contendo 0, e uma aplicação suave

ΦX: D→ M

(t, x) 7→ΦX(t, x),

satisfazendoΦX(0, x) = x para todo x ∈ M e

ΦX(t,ΦX(s, x)) =ΦX(t+s, x)

para todos x ∈ M e t∈ Dxe s ∈ DΦX(t,x) tais que t+s∈ Dx.

Pode-se ainda mostrar que cx,X: Dx → M dada por cx,X(t) =. ΦX(t, x)

é a única curva integral maximal de X que começa em x, ou seja, é a única solução maximal do problema de valor inicial

(

α0(t) = Xα(t)

α(0) = x.

O campo X é então chamado o gerador infinitesimal do fluxoΦX, e ainda

valem as seguintes propriedades:

(i) Se t∈ Dx, então DΦX(t,x) = Dx−t;

(ii) Para cada t ∈ R, o conjunto Mt = {. x ∈ M | (t, x) ∈ D}é aberto em M eΦt,X: Mt → M−t dada porΦt,X(x) =. ΦX(t, x) é um

difeomor-fismo, com inversaΦ−t,X1 =Φ−t,X.

(iii) Para cada(t, x) ∈ D, vale d(Φt,X)x(Xx) = XΦt,X(x), ou seja, o gerador

infinitesimal X éΦt,X-relacionado a si mesmo para cada t possível. Um campo de vetores X ∈X(M)determina duas operações:

• A contração

ιX : Ωk(M) → Ωk−1(M)

(25)

• A derivada de Lie LX: Ωk(M) → Ωk(M) θ 7→LXθ = d dt t=0 (Φt,X)∗θ.

Estas operações estão relacionadas pela Fórmula Mágica de Cartan:

LXθ =Xθ+ιX

que, em particular, nos diz que cada LX comuta com a derivada exterior.

5

Campos Hamiltoneanos e colchete de Poisson

(27/03)

Seja(M, ω) uma variedade simplética. Como ω é não-degenerada, te-mos que a aplicação

ω[ : TM →T∗M

(p, v) 7→ (p, ωp(v,·))

é um isomorfismo de fibrados vetoriais. Em particular, obtemos também um isomorfismo a nível de seções5:

ω[ : X(M) →Ω1(M) X 7→ ω(X,·)

Definição 5.1. Sejam(M, ω)uma variedade simplética e f ∈ C∞(M)uma função suave. O campo vetorial Hamiltoneano de f é o campo Xf ∈ X(M) definido pela relação d f =ιXfω.

Observação.

• Note que como f é suave, de fato Xf também o é, em vista da ex-pressão Xf = (ω[)−1(d f).

• O campo Hamiltoneano é também chamado o gradiente simplético de f , satisfazendo a expressão d f(Y) =ω(Xf, Y)para todo Y ∈ X(M). Compare com o gradiente clássico de uma função suave definida em uma variedade Riemanniana.

(26)

• É comum pela literatura definir o campo Hamiltoneano satisfazendo a relação d f = −ιXfω, com o sinal trocado. Nossa escolha faz com que as equações de Hamilton em um fibrado cotangente (mais geral-mente, em coordenadas de Darboux, que veremos em breve) tomem a forma apresentada na Seção1.

Exemplo 5.2. Seja Mn uma variedade diferenciável, e considere o seu fi-brado cotangente com a estrutura simplética canônica,(T∗M, ωcan).

Suponha que (q1, . . . , qn) sejam coordenadas locais em M, induzindo coordenadas locais canônicas (q1, . . . , qn, p1, . . . , pn) em T∗M. Se é dada H : T∗M→R suave, podemos considerar o seu campo Hamiltoneano XH e expressá-lo nestas coordenadas. Ou seja, escrever

XH = n

i=1 ai ∂qi +bi ∂ pi ,

para certos coeficientes suaves aie bi, 1 ≤i ≤n. Por dualidade temos

ai =dqi(XH) =ωcan(Xqi, XH) = −ωcan(XH, Xqi) = −dH(Xqi)

e, analogamente, bi = −dH(Xpi). No Exercício 6.2 pedimos que você verifique que Xqi = − ∂ pi e Xpi = ∂qi,

para 1 ≤i≤n. Assim, concluímos que

XH = n

i=1  ∂H ∂ pi ∂qi − ∂H ∂qi ∂ pi  .

Em particular, note que se α : I → T∗M é uma curva integral de XH, vale que α0(t) = n

i=1 dqi dt (t) ∂qi α(t) +dpi dt (t) ∂ pi α(t) !

para todo t ∈ I, e recuperamos as equações de Hamilton:          dqi dt (t) = ∂H ∂ pi (α(t)) dpi dt (t) = − ∂H ∂qi(α(t)). Prosseguimos:

(27)

Definição 5.3. Sejam(M1, ω1)e(M2, ω2)variedades simpléticas. Um sim-plectomorfismo é um difeomorfismo ϕ : M1 → M2satisfazendo ϕω2 =ω1.

Justamente como fizemos quando discutimos álgebra linear simplética, podemos considerar o grupo de simplectomorfismos de uma variedade sim-plética(M, ω):

Sp(M, ω) = {. ϕ: M→ M| ϕé um simplectomorfismo}.

Veremos que em vários casos, este grupo é bem grande:

Proposição 5.4. Sejam(M, ω)uma variedade simplética compacta e f ∈ C∞(M). Então para todo t ∈ R, o fluxo Φt,Xf: M → M do campo Hamiltoneano de f é um simplectomorfismo. Ou seja, Φt,Xf ∈ Sp(M, ω), para todo t ∈ R e, em

particular, Sp(M, ω)é infinito.

Demonstração: Note que como M é compacta, o campo Xf é completo, e assim a situação descrita no enunciado faz sentido para todos os valores reais de t. Por definição de fluxo, vale que

d

dtΦt,Xf(p) = Xf(Φt,Xf(p)), para todos t ∈ R e p∈ M. E devemos mostrar queΦ∗t,X

fω =ωpara todo t∈ R. Para tanto, basta mostrar que

d dtΦ

t,Xfω =0,

donde concluiremos queΦ∗t,X

fω

0,Xfω =Id

Mω =ω, como desejado. Vamos utilizar a Fórmula Mágica de Cartan, o fato de ω ser fechada, e d2 =0. Temos: d dtΦ ∗ t,Xfω (∗) = Φ∗t,X f(LXfω) =Φ∗t,X f d(ιXfω) +ιXf()  =Φ∗t,X f d(d f) +ιXf()  =Φ∗t,X f 0+0  =0.

Pedimos que você explique o passo indicado com(∗)no Exercício6.4. Outro resultado desta vez tomando o ponto de vista de curvas integrais é a:

(28)

Proposição 5.5. Sejam (M, ω)uma variedade simplética, f ∈ C∞(M), e con-sidere α : I → M uma curva integral do campo Hamiltoneano de f . Então f é constante ao longo de α. Demonstração: Diretamente: d dt f(α(t)) =d fα(t)(α 0( t)) =ωα(t)(Xf(α(t)), α 0(t)) =ωα(t)(Xf(α(t)), Xf(α(t))) =0.

Em geral, se M é uma variedade diferenciável e X ∈X(M)é um campo de vetores ao longo de M, uma função g : M → R é chamada uma

inte-gral primeira de X se g for constante ao longo das curvas integrais de X. Então, no caso simplético, a proposição acima nos diz que toda função f ∈ C∞(M) é uma integral primeira do seu campo Hamiltoneano. Ou seja, f é uma quantidade conservada, ou uma constante de movimento.

Claro que buscamos descobrir mais quantidades conservadas. Para entender a situação, note que g ∈ C∞(M) é uma integral primeira de Xf se e somente se dg(Xf) = 0, o que é equivalente à ω(Xf, Xg) = 0. Isto motiva a:

Definição 5.6. Sejam (M, ω) uma variedade simplética, e f , g ∈ C∞(M)

funções suaves. O colchete de Poisson de f e g é a função suave definida por

{f , g}ω

.

=ω(Xf, Xg).

Então, com essa nova nomenclatura, temos que uma função é cons-tante ao longo das curvas integrais do campo Hamiltoneano da outra se e somente se elas Poisson-comutam.

Exemplo 5.7. Sejam Mn uma variedade diferenciável, (T∗M, ωcan) o seu fibrado cotangente munido da estrutura simplética canônica, (q1, . . . , qn)

coordenadas locais em M e as coordenadas (q1, . . . , qn, p1, . . . , pn) indu-zidas em T∗M. Vamos achar uma expressão para o colchete de Poisson

{·,·}ωcan. Se f , g∈ C∞(T∗M), sabemos que Xf = n

i=1  ∂ f ∂ pi ∂qi − ∂ f ∂qi ∂ pi  e Xg = n

j=1 ∂g ∂ pj ∂qj − ∂g ∂qj ∂ pj ! ,

(29)

donde segue do Exercício6.2que {f , g}ωcan =ωcan(Xf, Xg) =ωcan n

i=1  ∂ f ∂ pi ∂qi − ∂ f ∂qi ∂ pi  , n

j=1 ∂g ∂ pj ∂qj − ∂g ∂qj ∂ pj !! = n

i,j=1 −∂ f ∂ pi ∂g ∂qjωcan ∂qi, ∂ pj ! − ∂ f ∂qi ∂g ∂ pj ωcan  ∂ pi , ∂qj  = n

i,j=1 −∂ f ∂ pi ∂g ∂qjδ j i − ∂ f ∂qi ∂g ∂ pj (−δji) = n

i=1 ∂ f ∂qi ∂g ∂ pi − ∂ f ∂ pi ∂g ∂qi.

Aproveitamos para registrar algumas propriedades do colchete de Pois-son:

Proposição 5.8. Sejam(M, ω)uma variedade simplética e

{·,·}ω: C∞(M) × C∞(M) → C∞(M)

o colchete de Poisson associado à ω. Então{·,·}ω:

(i) éR-bilinear; (ii) é anti-simétrico;

(iii) satisfaz a seguinte regra de Leibniz:

{f , gh}ω = {f , g}ωh+g{f , h}ω;

(iv) satisfaz a identidade de Jacobi:

{f ,{g, h}ω}ω+ {g,{h, f}ω}ω+ {h,{f , g}ω}ω =0.

Observação. A regra de Leibniz do item (iii) diz que {f ,·}ω é uma

deri-vação em C∞(M).

Uma das utilidades do colchete de Poisson é caracterizar a forma sim-plética, no seguinte sentido:

Proposição 5.9. Sejam M uma variedade diferenciável e ω1, ω2 ∈ Ω2(M) for-mas simpléticas tais que{·,·}ω1 = {·,·}ω2. Então ω1 =ω2.

(30)

Pedimos que você mostre isto no Exercício6.12. A consequência mais importante deste fato é o:

Teorema 5.10. Sejam(M, ω)uma variedade simplética, e ϕ : M→ M um dife-omorfismo. Então M é um simplectomorfismo se e somente se

{f ◦ϕ, g◦ ϕ}ω = {f , g}ωϕ

para quaisquer f , g ∈ C∞(M).

Demonstração: Inicialmente, note que a relação acima é válida para ϕ se e somente se o for para ϕ−1.

Suponha que ϕω =ω. Dado p ∈ M, temos

{f , g}ω(ϕ−1(p)) =ωϕ−1(p)(Xf(ϕ−1(p)), Xg(ϕ−1(p)))

=ωp dϕp(Xf(ϕ−1(p))), dϕp(Xg(ϕ−1(p)))

(∗)

= ωp(Xf◦ϕ−1(p), Xg◦ϕ−1(p)) = {f ◦ϕ−1, g◦ϕ−1}ω(p),

onde em(∗)utilizamos o resultado do item (a) do Exercício6.5.

Reciprocamente, suponha que ϕ−1 preserva os colchetes de Poisson. Em vista da proposição anterior e do fato de ϕω ser uma forma

simplé-tica, é suficiente mostrar que {·,·}ϕω = {·,·}ω. Dadas f , g ∈ C∞(M) e

p∈ M, temos {f , g}ϕω(p) = (ϕω)p(Xϕω f (p), X ϕω g (p)) =ωϕ(p) dϕp(X ϕω f (p)), dϕp(X ϕω g (p)) =ωϕ(p)(X ω f◦ϕ−1(ϕ(p)), X ω g◦ϕ−1(ϕ(p))) = {f ◦ϕ−1, g◦ϕ−1}ω(ϕ(p)) = {f , g}ω(p), como queríamos.

6

Aspectos locais da Geometria Simplética (03/04)

6.1

Teorema de Darboux-Weinstein

Nosso objetivo aqui é provar o seguinte:

(31)

Teorema 6.1(Darboux-Weinstein). Sejam(M2n, ω)uma variedade simplética e x ∈ M. Então existe uma carta(U, ϕ)centrada em x tal que

ω|U = ϕ∗(ω2n|ϕ(U)),

onde ω2n é a estrutura simplética canônica emR2n.

Observação.

• Em outras palavras, toda variedade simplética é localmente simplec-tomorfa à R2n ou, ainda, em torno de qualquer ponto existem coor-denadas (q1, . . . , qn, p1, . . . , pn) para as quais a forma simplética se expressa como ω = n

i=1 dqi∧dpi.

• Este resultado nos diz que em Geometria Simplética, não existem invariantes locais. Isto não ocorre, por exemplo, em Geometria Rie-manniana (por causa da curvatura):

ϕ

(M1,h·,·i1) (M2,h·,·i2)

ϕ∗h·,·i2 = h·,·i1 K1(p) = K2(ϕ(p))

Figura 3: Isometrias locais preservam curvatura Riemanniana.

Ou seja, qualquer invariante deve ser global, e não há um análogo para a curvatura no nosso contexto.

• Sabemos que toda variedade admite uma métrica Riemanniana, uti-lizando o argumento padrão com partições da unidade. Tal argu-mento não funciona para formas simpléticas: a “colagem” não pode-ria funcionar, pois a soma de duas formas simpléticas em um aberto de M pode degenerar-se.

(32)

6.2

Truque de Moser

Proposição 6.2. Sejam M uma variedade compacta e

{ωt ∈ Ω2(M) |t∈ [0, 1]}

uma família de formas simpléticas em M que seja exata, no sentido de que d

dtωt =dαt,

para certas 1-formas αt ∈ Ω1(M). Então existe uma família de difeomorfismos

{ϕt: M→ M |t ∈ [0, 1]}tal que ϕ0 =IdMe ϕ∗tωt =ω0para todo t∈ [0, 1]. Antes dar a ideia desta proposição, introduzamos um pouco de termi-nologia:

Definição 6.3. Seja M uma variedade diferenciável. Uma isotopia em M é uma família de difeomorfismos{ϕt: M→ M |t ∈ [0, 1]}tal que

[0, 1] ×M→ M

(t, x) 7→ ϕt(x)

é suave, e ϕ0 =IdM. Associado à isotopia ϕt, temos um campo de vetores dependente do tempo Xt ∈X(M), caracterizado por

d

dtϕt =Xt◦ϕt.

Se M é compacta, podemos “integrar” campos vetoriais dependentes do tempo para isotopias.

Ideia: Utilizar um certo campo de vetores dependente do tempo cons-truído a partir das hipóteses, e integrá-lo para uma isotopia. Para provar-mos que ϕtωt =ω0, bastará mostrar que

d dtϕ

tωt =0,

de modo que ϕtωt = ϕ0ω0 = Id∗Mω0 = ω0. Mas pelo Exercício6.8,

tere-mos 0= d dtϕ ∗ tωt = ϕt  LXtωt + d dtωt  = ϕ∗t (Xtωt+ιXt(dωt) +dαt) = ϕ∗t(d(ιXtωt+αt)).

(33)

Assim, se Xt for uma solução de ιXtωt+αt = 0, a isotopia gerada por Xt está nas condições que queremos. Mas tal solução sempre existe, visto que cada ωté não-degenerada! Com efeito, ponha Xt = ((ωt)[)−1(αt).

Recordemos a existência de vizinhanças tubulares: se M é uma varie-dade diferenciável e Q ⊆ M é uma subvariedade, o fibrado normal de Q é o fibrado vetorial NQ → Q cujo espaço total é NQ = TM/TQ, ou seja, NqQ = TqM/TqQ para todo q ∈ Q. Se é dada uma métrica Riemanniana em M, o fibrado normal de Q pode ser identificado com o complemento ortogonal de TQ: NQ ∼= TQ⊥. Da Geometria Riemanniana, sabemos que a aplicação exponencial normal exp⊥ é um difeomorfismo local em alguma vizinhança V da seção nula em NQ:

0NQ ∼=Q V

exp⊥

M

U Q

Figura 4: Construindo uma vizinhança tubular de Q.

Se Q é compacta, a vizinhança tubular U pode ter um “diâmetro” uni-forme.

Com isto, podemos enunciar e provar o:

Lema 6.4(Poincaré). Sejam M uma variedade diferenciável, Q ⊆ M uma sub-variedade, e α ∈Ωk(M)uma k-forma fechada com i∗α =0, onde i é a inclusão de

Q em M. Então existem uma vizinhança tubular N0 ⊆ M de Q e uma(k−1) -forma β∈ Ωk−1(N0)tal que α=dβ e β|

Q =0.

Demonstração: Pela discussão acima, podemos considerar a situação des-crita na Figura4e demonstrar o lema no modelo local “linear” V, que po-demos ainda supor que possui que é convexo, ou seja, possui a seguinte propriedade: se(q, v) ∈V, então(q, tv) ∈ V para todo t∈ [0, 1].

Com isto, conseguimos uma família de difeomorfismos

ϕt: V →V

(34)

para t ∈ ]0, 1], enquanto ϕ0(q, v) = (q, 0) é uma submersão. Definimos o operador de homotopia H : Ωk(V) →Ωk−1(V)por

=.

Z 1

0 ϕ

t(ιXtθ)dt,

onde Xt é o campo de vetores dependente do tempo tal que d

dtϕt =Xt◦ϕt. Tal H satisfaz

ϕ1ϕ0 =d◦H+H◦d.

Notando que ϕ0α = (i◦π)∗α = π∗(i∗α) = π∗0 = 0, ϕ1 = IdV e que

=0, concluímos pela expressão acima que α =d().

Finalmente, como cada ϕt restrito à Q é a identidade, temos que Xt é nulo ao longo de Q, donde β|Q =0.

Dadas estas ideias, a chave para a demonstração do Teorema6.1(p.31) é a seguinte:

Proposição 6.5 (Moser relativo). Sejam dadas M uma variedade diferenciável e Q ⊆ M uma subvariedade compacta. Suponha que ω0, ω1 ∈ Ω2(M) sejam formas simpléticas tais que

ω0

Q =ω1 Q,

no sentido de que para todo q ∈ Q, as aplicações bilineares

(ω0)q,(ω1)q: TqM×TqM→R coincidem.

Então, existem vizinhanças N0 e N1 de Q e um difeomorfismo ϕ : N0 → N1 tal que ϕ|Q =IdQ e ϕω1 =ω0.

Observação. No caso especial em que Q reduz-se a um ponto, esta propo-sição nos dá o Teorema de Darboux6.1!

Demonstração: A ideia é tomar ϕ como sendo o difeomorfismo em tempo 1 de uma certa isotopia, e imitar o truque de Moser.

Como ω0|Q = ω1|Q, temos que i∗(ω1−ω0) = 0, onde i : Q ,→ M é a inclusão. Assim, notando que ω1ω0é fechada, o Lema de Poincaré nos fornece uma vizinhança tubular N0⊆ M de Q e uma 1-forma β ∈ Ω1(N0) com ω1ω0 =dβ.

(35)

Agora, para cada t∈ [0, 1], defina ωt ∈ Ω2(M)por

ωt =. ω0+t(ω1−ω0) = ω0+t dβ.

Reduzindo se necessário, podemos supor que todas as ωtsão simpléti-cas em N0.

Com efeito, pela definição das ωt vemos que a não-degenerabilidade é contínua conjuntamente nas variáveis q e t. Deste modo, dado qualquer

(q, t) ∈ Q× [0, 1], existe um retângulo Ut,q ×It,q 3 (q, t) tal que (ωs)p é não-degenerada para todos (p, s) ∈ Ut,q ×It,q. Daí {It,q}t∈[0,1] é uma

cobertura aberta do compacto [0, 1], e extraímos uma subcobertura finita It1(q),q, . . . , Itnq(q),q. Troca-se então: N0−→ N0∩ [ q∈Q nq \ i=1 Uti(q),q.

Finalmente, que dωt =0 é claro, e ainda temos d

dtωt =dβ,

donde imitar o truque de Moser nos fornece uma isotopia ϕt: N0 → N0, com t∈ [0, 1], satisfazendo ϕ0 =IdN0 e ϕtωt =ω0, para todos os t∈ [0, 1].

Coloque ϕ =. ϕ1e N1=. ϕ(N0).

Exercícios

Exercício 6.1. Sejam Mn uma variedade diferenciável e T∗M o seu fibrado cotangente. Sejam(q1, . . . , qn) e(qe1, . . . ,qe

n) coordenadas locais em M, in-duzindo coordenadas locais

(q1, . . . , qn, p1, . . . , pn) e (qe1, . . . ,qe n, e p1, . . . ,epn) em T∗M. Mostre que: (a) qe j = n

i=1 ∂qi qe j ∂qi; (b) dqe j =

n i=1 qe j ∂qidq i;

(36)

(c) pej = n

i=1 ∂qi eq jpi; (d) pje = n

i=1 ∂ pi epj ∂ pi, e; (e) dpje = n

i=1 epj ∂ pidpi.

Observação. Enquanto os itens (a) e (b) são bem conhecidos e o (c) segue sem dificuldades, os itens (d) e (e) nos diz como deve ser o balanceamento correto de índices segundo a convenção de Einstein: consideramos o ín-dice i nas expressões

∂qi e dpiinferior, mas nas expressões ∂ pi

e dqicomo superior.

Exercício 6.2. Sejam Mn uma variedade diferenciável, (T∗M, ωcan) o seu fibrado cotangente munido da estrutura canônica simplética, (q1, . . . , qn)

coordenadas locais em M e (q1, . . . , qn, p1, . . . , pn) as coordenadas locais induzidas em T∗M.

(a) Mostre que

Xqi = − ∂ pi e Xpi = ∂qi, para 1≤i ≤n.

(b) Mostre que o referencial coordenado é simplético, no seguinte sentido:

ωcan  ∂qi, ∂qj  =ωcan ∂ pi , ∂ pj ! =0 e ωcan ∂qi, ∂ pj ! =δij,

quaisquer que sejam 1≤i, j≤n.

Dica. Use que nestas coordenadas vale a expressão ωcan =

n

k=1

dqk∧dpk.

Observação. Continuando com os comentários sobre o balanceamento de índices da convenção de Einstein, o item (a) acima nos diz que o índice i em Xqi deve ser visto como superior, e em Xpi como inferior, de fato.

Exercício 6.3. Vimos que se (M2n, ω) é uma variedade simplética com-pacta, então o segundo grupo de cohomologia de de Rham de M é não trivial: HdR2 (M) 6= {0}. Mostre que na verdade vale HdR2k(M) 6= {0}, para todos 1 ≤k≤n.

(37)

Dica. Use o Teorema de Stokes de novo.

Exercício 6.4. Sejam M uma variedade diferenciável, θ ∈ Ωk(M) uma k-forma diferencial e X ∈ X(M) um campo de vetores quaisquer. Mostre que

d dt(Φ

t,Xθ) = Φ∗t,X(LXθ),

ondeΦt,X denota o fluxo de X (onde definido, claro).

Dica. Utilize diretamente a definição de derivada, que a operação de pull-back satisfaz (f ◦g)∗ =g∗◦ f∗para quaisquer f , g ∈ C∞(M), e as propri-edades da definição de fluxo.

Exercício 6.5. Sejam (M1, ω1) e(M2, ω2) variedades simpléticas, e consi-dere ϕ : M1 → M2um simplectomorfismo.

(a) Mostre que dϕp(Xω1

f (p)) = X

ω2

f◦ϕ−1(ϕ(p)) para todo ponto p ∈ M1,

usando a não-degenerabilidade de ω2.

(b) Mostre que se f ∈ C∞(M1)e α : I → M1é uma curva integral de Xωf1, então ϕαé uma curva integral de Xωf2

ϕ−1.

M1

M2

R

f ϕ

Figura 5: Transferindo curvas integrais via ϕ.

Observação. Em termos de fluxos, o item (b) nos diz que vale a igualdade ΦXf(t, p) =ΦXf ◦ϕ−1(t, ϕ(p)), onde fizer sentido.

Exercício 6.6. Mostre que a forma bilinear

ω =. i 2 n

j=1 dzj∧dzj

define uma estrutura simplética em Cn (visto como R-espaço vetorial). Nos encontraremos de novo com esta ω na Seção12.

(38)

Exercício 6.7(Brincando comS2). Sejamh·,·io produto interno usual e×

o produto vetorial emR3. Na esfera

S2= {. p R3| hp, pi = 1}, defina ω ∈ Ω2(S2)por ω p(v, w) = h. p, v×wi. S2 v w p

Figura 6: Estrutura simplética canônica emS2.

(a) Mostre que ω é uma forma simplética emS2(em particular, mostre di-retamente que cada ωpé não-degenerada). Note que ω é precisamente

a forma de área deS2(vide Exemplo3.3, p. 21).

(b) Mostre que SO(3,R) ⊆Sp(S2, ω). A inclusão contrária não vale, ape-sar disto.

(c) Para cada zR3, defina a função altura relativa à z, como h

z: S2 → R

dada por hz(p) = h. p, zi. Mostre que hz ∈ C∞(S2) e que o campo

Hamiltoneano de hzé dado por Xhz(p) = z×p. (d) Descreva as curvas integrais de Xhz.

(e) Sejam z1, z2R3. Mostre que {hz1, hz2}ω(p) = hp, zz2ipara todo

pS2 e conclua que hz1 e hz2 Poisson-comutam se e somente se z1 e

z2são proporcionais.

Dica.

• No item (a) você pode usar coordenadas cilíndricas x=√1−z2cos θ e y = √1−z2sen θ, e verificar que ω = dz. Mas dá para fazer sem coordenadas e é ainda mais fácil. Descubra como!

(39)

• Lembre que dados u, v, wR3, o triplo produto vetorial é dado pela expressão u× (v×w) = hu, wiv− hu, viw.

Exercício 6.8. Seja M uma variedade diferenciável, e suponha dados • uma isotopia{ϕt: M → M| t∈ [0, 1]}em M;

• o campo vetorial (dependente do tempo) Xt ∈ X(M) associado à isotopia, e;

• uma família de k-formas diferenciais{αt ∈ Ωk(M) |t ∈ [0, 1]}. Mostre que d dt(ϕ ∗ tαt) = ϕt  LXtαt+ d dtαt  .

Dica. Não é tão simples como no Exercício6.4 (p. 37). Verifique o resul-tado para funções, e que se vale para duas formas, vale para o seu produto exterior.

Exercício 6.9. Preencha os detalhes da demonstração do Lema6.4(p. 33)

Exercício 6.10. Sejam(M, ω)uma variedade simplética. (a) Mostre que dadas f , g ∈ C∞(M)e λR, valem

Xf+λg = Xf +λXg, Xf g = f Xg+gXf e X{f ,g}ω = −[Xf, Xg]. (b) Mostre que dadas f , g, h ∈ C∞(M), valem

Xf({g, h}ω) = {{g, h}ω, f}ω e ω([Xf, Xg], Xh) = {{g, f}ω, h}ω.

(c) Usando os itens anteriores, conclua a Proposição5.8(p. 29).

Dica.

• Para mostrar que X{f ,g}ω = −[Xf, Xg], utilize a fórmula mágica de

Cartan juntamente com a identidade LXgω =0, ou então apele para coordenadas de Darboux e as expressões locais vistas no Exemplo

5.7(p. 28).

• Para mostrar a identidade de Jacobi para {·,·}ω, abra a expressão

(40)

Observação. Essencialmente, este exercício nos diz que a aplicação

(C∞(M),{·,·}ω) → (X(M),[·,·])

f 7→Xf

é um anti-morfismo de álgebras de Lie. Dependendo das convenções de sinais adotadas, esta aplicação torna-se de fato um morfismo de álgebras de Lie.

Exercício 6.11. Seja(M, ω)uma variedade simplética. Um campo vetorial

X ∈ X(M)é dito

• Hamiltoneano se existe f ∈ C∞(M)com X = Xf, e

• simplético se LXω = 0 (ou equivalentemente, se ιXω é fechada, por

exemplo).

Denotamos os conjuntos dos campos Hamiltoneanos e simpléticos por XHam(M, ω)e XSp(M, ω), respectivamente. Mostre que:

(a) X ∈ X(M)é simplético se e somente se é localmente Hamiltoneano. (b) XSp(M, ω)equipado com o colchete de Lie [·,·]torna-se uma álgebra

de Lie, tendo XHam(M, ω)como subálgebra.

Exercício 6.12. Vejamos um roteiro para mostrar a Proposição5.9(p. 29). Sejam M uma variedade diferenciável e ω1, ω2 ∈ Ω2(M)formas simpléti-cas. Suponha que{·,·}ω1 = {·,·}ω2.

(a) Mostre que se f ∈ C∞(M), então Xω1 f = X

ω2

f . Em particular, veja que XHam(M, ω1) = XHam(M, ω2).

(b) Conclua que ω1 =ω2.

Exercício 6.13. Sejam M uma variedade diferenciável e T∗M o seu fibrado cotangente. Mostre que a 1-forma tautológica α ∈ Ω1(M) fica caracteri-zada pela propriedade

σα =σ, para toda σ∈ Ω1(M).

Dica. Suponha que σβ = σ para toda σ ∈ Ω1(M) = Γ(T∗M). Para

provar que β = α, tome ξ ∈ T∗M e Xξ ∈ Tξ(T∗M) quaisquer, e avalie

ambos os lados de σβ= σpara uma σ conveniente escolhida em termos

Referências

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