Volume 10 - Nº 3 - Setembro/Dezembro de 2016
Universidade Federal do Rio de Janeiro – Escola de Comunicação
Laboratório de Pesquisa em Tecnologias da Informação e da Comunicação – LATEC/UFRJ
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Arte e Animação Digital no Ensino Fundamental – Educação no
Contexto de Novas Tecnologias
Imaculada Conceição Manhães Marins
Programa Avançado de Cultura Contemporânea da UFRJ (PACC-UFRJ) imaculada.con@gmail.com
Resumo
Como trabalhar a arte-educação no contexto das novas tecnologias, ou como diria Ana Mae Barbosa, das “tecnologias contemporâneas”? Reflexões a partir da prática em Arte-educação-(audio)visual na rede pública municipal de ensino (Secretaria Municipal de Ensino do Rio de Janeiro – SME-RJ-PCRJ) sobre as possibilidades de fazer animações digitais usando tecnologia simples, de fácil uso e acessível, através dos programas Pivot (gratuito), Paint e Windows Movie Maker (que fazem parte do pacote Office, do Windows, o sistema operacional mais comum na maioria dos computadores), e assim desenvolver as capacidades estético-visuais e criativas, criando e recriando novos modos de pensamento.
Palavras-chave: Arte-educação, Educação e tecnologia, Educomunicação.
Abstract
How to work art education in the context of new technologies, or, as Ana Mae Barbosa would say, of "contemporary technologies"? Reflections from the practice in Art-education- (audio) visual in the municipal public school of education (Municipal Education Secretariat of Rio de Janeiro - SME-RJ-PCRJ) on the possibilities of making digital animations using simple technology, easy to use And accessible through Pivot (free), Paint and Windows Movie Maker (which are part of the Office suite, Windows, the most common operating system on most computers), and thus develop aesthetic-visual and creative capabilities, creating and recreating new ways of thinking.
Keywords: Arts-education, Education and technology, Educommunication.
Introdução
Trabalhar Arte na educação inclui o impacto das novas tecnologias - ou, como prefere Ana Mae Barbosa (BARBOSA, 2010, p.104) [1], “das tecnologias
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contemporâneas” - sobre a vida sócio-politica-cultural no mundo contemporâneo, já que essas produções audiovisuais se tornaram “habituais”, “cotidianas”, graças à expansão, vulgarização e acessibilidade de tecnologias que as tornam possíveis, desde os programas até as plataformas e redes de compartilhamento das produções. Ana Mae Barbosa, que se dedica à luta pela valorização do ensino da arte no Brasil, escreve: “A arte na educação, como expressão pessoal e como cultura, é um importante instrumento para identificação cultural e o desenvolvimento individual” – e ainda: “A arte como linguagem aguçadora dos sentidos transmite significados que não podem ser transmitidos por meio de nenhum outro tipo de linguagem, tal como a discursiva ou a científica. Dentre as artes, as visuais, tendo a imagem como matéria prima, tornam possível a visualização de quem somos, de onde estamos e de como sentimos” (BARBOSA, 2010, p.99).[1]
Partindo dessa importância de conhecer, apreciar esteticamente, contextualizar e criar e recriar arte, foi introduzida na minha prática de arte-educadora uma conexão entre as linguagens do fazer artesanal, das artes visuais (artes plásticas), do audiovisual (cinema etc.) de acordo com novas possibilidades das tecnologias contemporâneas. “Como ver, como ouvir, como aprender e ensinar as artes aliadas às novas tecnologias [...] Como usá-las como instrumento de mediação cultural é tarefa dos arte/educadores de hoje” (BARBOSA, 2010, p.112). [1]
A proposta
Apresenta-se o relato de minha experiência, enquanto arte-educadora trabalhando em uma oficina de vídeo-animação, no Núcleo de Arte Grande Otelo, 6ªCRE-RJ, Anchieta, um dos espaços de extensão educacional da Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro, onde são atendidos alunos da rede no contraturno de suas aulas regulares, e mostrar como o uso de tecnologias extremamente simples e
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acessíveis abre possibilidades de se trabalhar a construção estética da linguagem e do pensamento visual e audiovisual na Educação Básica.
Figura 1: Apropriação artístico-animada da obra do artista plástico Glauco Rodrigues com uso dos programas Pivot/Paint.
Figura 2: Apropriação artístico-animada da obra do artista plástico Cildo Meirelles com uso dos programas Pivot/Paint.
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Figura 3: Apropriação artístico-audiovisual com os programas de animação 2D Pivot-Paint de obras de Cildo Meirelles.
Figura 4: Apropriação artístico-audiovisual com os programas de animação 2D Pivot-Paint de obras de Cildo Meirelles.
Desde 2005 as minhas aulas de artes visuais na Rede Pública Municipal de Ensino do Rio de Janeiro são aliadas à produção audiovisual[3]. A partir de 2009, são realizadas na Oficina de Animação do Núcleo de Arte Grande Otelo produções a partir da junção dos programas Pivot e Paint, entre outras técnicas de animação.
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Figura 5: Alunos de nossa primeira oficina “Animação Trash” do Núcleo de Arte Grande Otelo, em 2009.
Figura 6: Alunos de nossa primeira oficina “Animação Trash” do Núcleo de Arte Grande Otelo, em 2009.
A "lógica" da arte da animação é a mesma com esses programas das demais técnicas de animação que os alunos já experimentam na oficina, como, p.ex., o stop motion com recortes ou massinha, ou o pixilation – que é um stop motion com seres animados – etc.
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Figura 7: Animação com Pivot e Paint, do aluno Alex.
Ou seja, para cada "frame", registra-se um movimento e salva, assim sucessivamente, salvando os “frames” na "linha de tempo" do programa. A diferença é que em vez de se usar a câmera fotográfica para os registros de cada "frame", usa-se o programa Pivot ou Paint, e, p.ex., em vez de desenhar personagens ou recortar (stop motion com recortes) ou ainda modelar bonecos de massinha (stop motion com massinha), são tilizados os recursos do Pivot para criar os personagens e as sequencias animadas.[8]
O software Paint foi utilizado em especial para os cenários e, em alguns casos, para pequenas inserções animadas. Depois da animação pronta no Pivot/Paint, é preciso editar o vídeo. Os alunos usaram o Windows Movie Maker para as edições parciais (cenas, introdução de efeitos nas cenas etc.) e finais, junção de todas as cenas na ordem estabelecida, colocação dos créditos, da abertura etc.
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Figura 8: Animando com Pivot e Paint: “Os vizinhos”, de Pablo.
A proposta trabalhada nas oficinas recentes (2015-2016), com alunos (de 5 a 14 anos), foi a partir de reproduções de obras de artistas visuais (pesquisa Google), trabalham uma “apropriação-artística” animada usando o programa Pivot para interagir com as obras escolhidas. Estes programas, apesar de suas poucas possibilidades técnicas e até mesmo artísticas, são bons para os alunos treinarem a “lógica” da arte da animação (incluindo a da animação por games). E a junção com as pesquisas de obras específicas das artes visuais ou artes plásticas criaram um vínculo rico de possibilidades de leituras e releituras (áudio)visuais.
Para a produção deste trabalho, os alunos pesquisaram na internet imagens de obras de artistas visuais brasileiros. Podiam ser pinturas, esculturas, instalação, performance etc. Dessa pesquisa, cada aluno elegia a obra de um artista para “apropriar-se”, como se diz no mundo das artes, e assim criar “intervenções-animadas”, usando os programas Pivot e Paint.
É de fato reconhecido o quanto é difícil o professor sair com frequência para visitar os espaços de arte e cultura com seus alunos, assim como ter acesso a materiais impressos (livros, pranchas, catálogos de arte) de alta qualidade. Sem contar que boa parte da produção artística encontra-se em regiões geográficas diversas, e quem está no Rio como ver o que se encontra em um museu de Paris,
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por exemplo, senão através das virtualidades das tecnologias contemporâneas? “Antes do computador, nosso remoto acesso a obras de arte dava-se apenas por meio de livros caríssimos, que no Brasil eram produzidos principalmente pelos bancos para presentear clientes no fim de ano, pois até os catálogos eram raros e em preto e branco. Nós, professores e alunos ficávamos a ver navios. [...] As tecnologias contemporâneas “vieram democratizar muito o acesso à obra de arte visual” (BARBOSA, 2010, p.105).[1]
Na oficina de animação, além das produções coletivas, que contam com a participação de vários alunos e onde cada um fica responsável por pelo menos uma parte da realização do filme, busco oportunizar as produções "autorais" dos alunos, como esses pequenos vídeos de animação em Pivot/Paint, ou, outro exemplo, os "folioscópios digitalizados"[8], onde cada aluno é responsável por todo processo de elaboração e edição dos (seus) vídeos.
Figura 9: Aluno (re)criando a partir da obra do artista plástico Glauco Rodrigues com Pivot.
Muitos dos alunos que procuram a oficina de vídeo-animação do Núcleo de Arte esperam ter a oportunidade de realizar "trabalhos autorais" e ficam muito satisfeitos ao produzirem seus próprios trabalhos de arte, suas animações.[6]
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Figura 10: “Navegando nas Pinturas de Debret”, apropriação artístico-animada das obras de Debret com Pivot-Paint.
Figura 11: “Navegando nas Pinturas de Debret”, apropriação artístico-animada das obras de Debret com Pivot-Paint.
“No contexto escolar, a prática de realização sempre corre o risco de escamotear a experiência individual do ato de criação”, diz Bergala, em A Hipótese Cinema. “Muito se exaltou, em pedagogia, as virtudes da criação cinematográfica como criação coletiva [...]. “Este é um velho mito”, prossegue Bergala. E diz ainda: “o ato de
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criação é tão solitário no cinema quanto nas outras artes.[3] Assim, “respeitar essa necessidade de criação individual dos alunos” tem sido, usando uma expressão de Joana Milliet, a “marca da pedagogia”[6] de minhas oficinas de animação.
Conclusão
A utilização dos softwares Pivot e o Paint no contexto educacional permitem uma variedade de possibilidades artísticas de criação, de inteligência do olhar e do julgamento estético visual e audiovisual, mesmo sendo muitíssimo simples em termos tecnológicos. Para desenvolver esse tipo de proposta na educação é preciso que se respeite a autonomia do aluno e a autonomia do professor/propositor no planejamento e na realização da proposta de trabalho.
Outro ponto a ressaltar, é que a experiência da produção de vídeo é capaz de expandir o modo de compreensão da construção e da poética visual e audiovisual, da linguagem específica do cinema; despertar para um olhar diferenciado da arte e mais atento à estética cinematográfica e (audio)visual.
Figura 12: Aluna criando com Pivot a partir da apropriação artístico-animada da reprodução da obra da artista Beatriz Milhazes.
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Com o audiovisual, os alunos trabalham modos de construção de ideias e de visualidades. E é sempre um aprendizado recíproco, porque o professor também aprende ao realizar com os alunos estas experimentações na construção de ideias, de pensamentos em movimento, de experimentação estética e tecnológica (possível) da linguagem audiovisual, onde até mesmo as "limitações" (como as tecnológicas, por exemplo) são desafiadoras. É um desafio à criatividade! Como construir algo interessante, como apresentarmos as nossas ideias e propostas a partir dos recursos materiais, tempo-espaciais e tecnológicos disponíveis?
Para finalizar, vale lembrar que as palavras "animação", "animar", "anima" vem do latim "animare", que significa dar alma, dar vida [2], e do grego "anemon", que significa tanto alma como movimento [5]. E o que dá "alma" ao trabalho de construção audiovisual? É antes o olho, a mão, a mente, a capacidade criativa, por trás (e na frente) da câmera ou na manipulação dos programas de animação e de edição, do que todo um aparato tecnológico! Toda a excelência no domínio tecnológico não substitui o valor único da capacidade de (re)criação humana!
Referências Bibliográficas
[1] BARBOSA, Ana Mae. “Dilemas da Arte/Educação como Mediação Cultural em Namoro com as Tecnologias Contemporâneas” (pp.98-1110 in Arte/Educação Contemporânea – Consonâncias Internacionais, 3ªEd., Ed. Cortez, São Paulo, 2010. [2] BARBOSA Jr., A. L. Arte da Animação. Técnica e Estética Através da História. 2ª. ed. São Paulo: SENAC, 2002.
[3] BERGALA, A. A hipótese-cinema: pequeno tratado de transmissão do cinema dentro e fora da escola. Rio de Janeiro: Booklink; CINEAD-LISE-FE/UFRJ, 2008. p. 203-205.
[4] MACHADO, S. Oficina faz cinema de animação experimental. Portal MultiRio
Educação (09/09/2013). Acesso: 23/10/2015:
http://www.multirio.rj.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=916:ofic ina-faz-cinema-de-animacao-experimental&catid=34&Itemid=344
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[5] MAGALHÃES, M. Cartilha Anima Escola:
http://www.animaescola.com.br/media/arquivos/cartilha%20Anima%20Escola.pdf Acesso: 15/05/2014
[6] MARINS, I. C. M. “Centro de Pesquisa e Formação em Arte e Esporte: Arte, experimentação, território e educação integral”, Instituto Desiderata, Plataforma Prisma: http://www.plataformaprisma.org.br/zona-norte/centro-de-pesquisa-e-formacao-em-arte-e-esporte Acesso: 23/10/2015
[7] MILLIET, J. S. Pedagogias da Animação: Professores criando filmes com seus alunos na escola. Dissertação Mestrado, UNIRIO, RJ, 2014: p.102.
[8] Blog do Núcleo de Arte Grande Otelo:
http://nucleodeartegrandeotelo.blogspot.com.br/ Clique na tag: “Animação Trash...” – Ver ainda as produções dos alunos no Canal do YouTube:
https://www.youtube.com/user/imaculadacon
Sobre a autora
Imaculada Conceição Manhães Marins
Pós-doutoranda pelo Programa
Avançado de Cultura
Contemporânea da Universidade Federal do Rio de Janeiro (PACC-UFRJ).
Doutora e Mestre em Filosofia, pelo Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio
de Janeiro (IFCS-UFRJ).
Graduada em Educação Artística, Artes Plásticas, pela Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de
Janeiro (EBA-UFRJ).
Arte-educadora e pesquisadora da Secretaria de Educação da Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro (SME-PCRJ, desde 1985), Centro de Pesquisa e Formação em Ensino Escolar de Arte e Esporte - Núcleo de Arte Grande Otelo, 6ªCRE, programa de extensão escolar da Secretaria de Educação da Cidade do Rio de Janeiro (SME-PCRJ, nos anos 2009-2010 e 2013-2017). Redatora do portal
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Rioeduca.Net (vinculado à Secretaria de Municipal de Educação do Rio de Janeiro/SME-PCRJ), responsável pelas postagens da 6ª Coordenadoria Regional de Educação (6ªCRE-RJ), de março de 2011 a dezembro de 2011, e colaboradora em suas redes sociais, de setembro de 2010 a dezembro 2011. Em 2014-2015 participa do projeto de design gráfico e ilustrações para o material pedagógico da SME-RJ, pelo aniversário dos 450 anos do Rio. Dedica-se ainda a pesquisa e produção independente no campo das artes e do pensamento filosófico.
Revista EducaOnline, Volume 10, Nº 3, Setembro/Dezembro de 2016. ISSN: 1983-2664. Este artigo foi submetido para avaliação em 08/01/2016 e aprovado para publicação em 30/12/2016.