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Midialivristas, uni-vos!

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Academic year: 2021

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Midialivristas, uni-vos!

Adriano Belisário

Gustavo Barreto

Leandro Uchoas

Oona Castro

Ivana Bentes

A comunicação é um campo de batalhas. Nela, o status quo se faz con-senso. Nela, os grupos minoritários disputam espaço, chamando atenção para os silêncios da fala hegemônica. Na história do Brasil, não faltam exemplos deste combate. Do monopólio da imprensa nos tempos coloniais às enxurradas de con-cessões dadas a políticos durante o governo Sarney, pouca coisa mudou. Ainda assim, por pior que fosse a censura, movimentos sociais de resistência sempre conseguiriam criar rotas de fuga, propagar seus ideais e difundir suas lutas. Com o advento da internet, surgiram também atores sociais que, por vezes de maneira despretenciosa, aumentam a pluralidade de culturas, visões e desejos no universo midiático. Todo cidadão torna-se um potencial produtor de conteúdo, e a associa-ção em coletivos de interesses comuns intensifi ca-se. A mídia livre é um conceito antigo e consolidado, ainda que assuma diversas roupagens. A cultura digital ape-nas a colocou em evidência.

Deste caldo, surgiu o Fórum de Mídia Livre. São jornalistas, artistas, professores, sindicalistas, historiadores, blogueiros e cidadãos das mais diversas tendências ideológicas unidos pela necessidade de radicalizar o direito à comuni-cação. São “fazedores de mídia” que se multiplicam, buscando não a hegemonia, mas a contribuição para a diversidade de vozes e opiniões. Não se trata de uma tarefa fácil. O setor de comunicação é um dos mais atrasados dentre todos os segmentos do Brasil. Até a estrutura agrária conta ao menos com um movimento organizado e forte, enquanto as lutas pela democratização da mídia apenas come-çam a ganhar corpo. Há um verdadeiro latifúndio estabelecido neste setor, sem que qualquer regra ou fundamento legal seja aplicado, por pressão de grandes grupos que hoje dominam o mercado e ocupam o imaginário da população bra-sileira.

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É preciso investir em condições equânimes para o exercício do direito à comunicação, seja através de uma melhor distribuição das verbas publicitárias públicas ou da revisão das outorgas de concessões governamentais. Também é necessário pensar a criação de um mercado específi co para ações independentes, tendo em vista não uma busca desenfreada pelo lucro, mas a garantia de susten-tabilidade de tais iniciativas. Igualmente importante é agir para instauração de políticas de comunicação com incidência ampla, indo além dos meios de comu-nicação. Em primeiro lugar, porque a comunicação é um instrumento da própria gestão pública, essencial para a consecução dos objetivos das diversas políticas sociais. Em segundo, porque a informação é um instrumento fundamental para qualifi car a participação do cidadão no processo democrático. O acesso pleno à informação é condição necessária do exercício da cidadania.

O Fórum de Mídia Livre conseguiu convergir porque reconheceu que os problemas do século passado ainda são atuais e, hoje, ainda temos uma série de novos desafi os a enfrentar. No encontro, as atividades foram realizadas sob a for-ma de desconferências. É o contrário das grandes palestras, onde alguém suposta-mente iluminado dará respostas à platéia passiva. Desconstruindo este modelo, foi praticado o exercício de uma ação coletiva e horizontal, que resultou em debates plurais, organizados em cinco eixos.

O primeiro eixo foi em torno da “Democratização da Publicidade Pública e dos Espaços na Mídia Pública”. Historicamente, os recursos governamentais destinados à publicidade são empregados de acordo com as regras do mercado, sendo, portanto aplicados em veículos de grande porte. Tal fenômeno gera um ciclo vicioso, de fortalecimento do campo hegemônico da comunicação, concen-trando ainda mais o mercado. O Fórum de Mídia Livre entende que a distribuição das verbas públicas para publicidade deve levar em conta os pequenos empreen-dimentos, os veículos alternativos e a mídia independente, que carecem de re-cursos para viabilizar suas iniciativas. O poder público estaria assim garantindo condições menos desiguais para os veículos da mídia livre nas TVs e nas rádios públicas, assegurando assim maior diversidade informativa e amplo direito à co-municação.

O segundo eixo tratou especifi camente das Políticas Públicas de Comuni-cação e Fortalecimento da Mídia Livre, abordando questões como Regulamenta-ções, Lei Geral da Comunicação, Direito à Comunicação, TV Pública, Telefonia e Internet Pública, Convergência das Mídias ou os Pontões de Cultura Digital.

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O tema da terceira desconferência foram os “Fazedores de Mídia”. Pro-pôs-se o mapeamento e a discussão da rede de produtores de mídia livre, co-letivos, sites, jornais, canais, empresas, agências, movimentos sociais e outras propostas que tenham o “comum” como referência.

O quarto eixo estava ligado à questão da “Formação para Mídia Livre”. Pensou-se e debateu-se como as experiências de educação não-formal, escolas livres, ONGs, coletivos, etc., desenvolveram processos, metodologias, novas prá-ticas de formação que possam dinamizar um modelo disciplinar e hierarquiza-do de educação que vem privilegianhierarquiza-do a formação para as mídias tradicionais. Os relatos trouxeram questões como: a importância de um domínio de todas as linguagens, não simplesmente a letrada, mas a incoporação do audiovisual, da cultura oral, dos games, aproximação com ambientes cognitivos novos, como as Lan Houses, a televisão, como outros espaços possíveis de formação. Enfatizou-se a mudança no perfi l do midialivrista, que deixou de Enfatizou-ser apenas o “jornalista” e se ampliou: “a mídia somos nós”. Nessa perspectiva, foi proposta uma mudança, no interior das universidades, do entendimento da formação para a mídia, incor-porando os principios da autonomia e da liberdade midialivristas, para além das especialidades. Propôs-se, além disto, um agregador de conteúdos, uma platafor-ma wiki para midialivristas, bem como o reconhecimento e apoio aos “pontos de mídia”, ou seja, de todos os atores que produzem mídia livre e uma parceria dos midialivristas com as universidades, de forma a trazer a midia livre para a centra-lidade do debate, para além dos “especialistas” e corporações.

O quinto e último eixo foi sobre as mídias colaborativas e as novas mí-dias. Embora não seja possível dissociá-lo do debate dos “fazedores de mídia”, dessa desconferência fi zeram parte debates relacionados a movimentos, projetos, ferramentas e tecnologias de criação livre (Software Livre, Creative Commons, Wiki, P2P, sites e portais colaborativos, etc.) e políticas de acessos e capacitação para o uso dessas ferramentas, implantação de ferramentas livres e não-proprietá-rias nos serviços públicos e mídias livres. Foram apresentados casos bem sucedi-dos de ferramentas colaborativas e sugestões de parcerias.

Entendemos que a multiplicidade de meios de comunicação não garante a diversidade informativa ou a pluralidade de opiniões. Os indivíduos em rede não se confi guram da mesma forma que os indivíduos isolados. Quando um grande grupo de comunicação, monopolista por natureza e de caráter fortemente concen-trador, divulga uma mensagem falsa ou incompleta, conta com o isolamento dos

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cidadãos que, nesta condição, pouco podem fazer a não ser discordar com vee-mência. É a conhecida fi gura do cara que fi ca sentado ao sofá, assistindo televisão e reclamando do conteúdo nela exibido, sem qualquer repercussão a não ser na própria família, que provavelmente já conhece suas opiniões.

Por outro lado, quando este mesmo grupo de cidadãos está em rede, esta discordância vira uma reivindicação concreta: será agora um grupo de muitos, e não “cada um na sua”, que reivindicará um posicionamento mais honesto para determinada veiculação. Esta dinâmica de sociabilidade permite criar um novo hábito cidadão, humano, que precisa, no entanto, de um respaldo desta rede. É preciso pensar que estamos em rede por meio de nossas próprias pernas e que, se desejamos mais democracia nos meios de comunicação, desejamos, com ainda mais ênfase, uma revisão do próprio modelo de sociabilidade humana, pois o atual, de “massa”, parece-nos ultrapassado.

Para a consolidação das mudanças desejadas, todos os cinco grupos reu-niram em um manifesto uma síntese das reivindicações, que podem ser conferidas na íntegra no site do Fórum. Um dos principais eixos do documento fi nal trata da implantação de “pontos de mídia” como política pública, integrados e articulados aos pontos de cultura, veículos comunitários, escolas e ao desenvolvimento local, viabilizando, por meio de infra-estrutura tecnológica e pública, a produção, dis-tribuição e difusão de mídia livre. Trata-se de uma proposta central, pois busca intrinsecamente a maior participação cidadã na vida política e social do país. Esta rede ponto a ponto – tal como o modelo P2P, largamente utilizado hoje na Internet – permitirá, por exemplo, que idéias como a realização de consultas públicas com maior efi ciência avancem, tornando-se instrumentos de radicalização da demo-cracia participativa.

Outra proposta é o estímulo à criação e ao fortalecimento de modelos de gestão colaborativa das iniciativas e mídias, como os sistemas de trocas de serviços. Temos exemplos, entre os integrantes do Fórum de Mídia Livre, deste tipo de intercâmbio, diretamente vinculado ao conceito de economia solidária, gerador de renda e trabalho. São alternativas fl exíveis e mais sintonizadas com uma economia em que os bens intelectuais não são escassos e onde se atua em rede, permitindo aos produtores de conteúdo abrir mão do modelo concentrador de distribuição de obras artísticas.

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Este é só o começo. O Fórum de Mídia Livre, articulação de muitos mo-vimentos e ativistas, continua aberto à participação de todos aqueles identifi cados com nosso manifesto. Temos agora uma ampla e unifi cada pauta para lutar pelo direito à comunicação plural e democrática. Para ler o manifesto da Mídia Livre, consultar as conclusões do primeiro encontro e contribuir com as discussões aces-se o site: fml.wikispaces.com

Reinventemos nossas mídias!

Adriano Belisário, jornalista, atualmente é editor do site da Revista de História da

Biblioteca Nacional. Possui ainda trabalhos em literatura e vídeo.

Gustavo Barreto é radialista, integrante do Pontão de Cultura da Escola de

Comuni-caçnao da UFRJ e editor de meios independentes como Consciente.net e Fazendo Média.

Leandro Uchoas é jornalista formado pela UFSC, membro do Fórum de Mídia Livre

do Rio de Janeiro, integrante do Pontão de Cultura da Escola de Comunicação da UFRJ e editor da Fazendo Média.

Oona Castro é integrante do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social e

coordenadora-executiva do Instituto Overmundo.

Ivana Bentes é doutora em Comunicação pela UFRJ, pesquisadora do CNPQ e

pro-fessora da Escola de Comunicação da UFRJ, onde está na direção desde 2006. Atua no campo das Tecnologias e Estéticas de Comunicação, Audiovisual e Políticas Públicas de Comunica-ção. Participa da Rede Universidade Nômade.

Referências

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