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A CLÍNICA DA CRIANÇA E A SUPERVISÃO EM PSICANÁLISE: AVANÇOS E IMPASSES

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Academic year: 2021

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A CLÍNICA DA CRIANÇA E A SUPERVISÃO EM PSICANÁLISE:

AVANÇOS E IMPASSES

Cássio Eduardo Soares Miranda

Professor do Centro Universitário do Leste de Minas Gerais

Palavras-chaves: Psicanálise – Linguagem – Criança – supervisão

APONTAMENTOS INICIAIS

Por onde começar? Pelo começo, você me diria. Pelo início, com certeza. Ou melhor, pela instauração daquilo que Freud, em 1896, denominou pela primeira vez no texto Novas

observações sobre as psiconeuroses de defesa de Psico-análise. A partir do tratamento de

Anna O... com J. Breuer, que mesmo sob hipnose apresentava dificuldades para falar, Bertha Von Pappenheim – verdadeiro nome de Anna O... – deu nome a esse procedimento de Talking Cure, o tratamento pela palavra.

Passados 100 anos deste ato inagural de Freud que faz com que o saber seja incluído nos ditos dos pacientes, a regra fundamental da associação livre permanece como a única condição imposta ao analisante na direção do tratamento, o que vem apontar para a vocação da Psicanálise: tudo ocorre dentro e pela linguagem.

A Psicanálise, assim, tem uma relação imediata com a linguagem. Para Freud, existe uma estreita relação entre a Psicanálise e a linguagem, uma vez que a Psicanálise vê o seu objeto na fala do sujeito. Para ele, o psicanalista não tem outro meio ao seu alcance para explorar o funcionamento da estrutura e das instâncias psíquicas do sujeito alem da fala.

Sendo assim, o saber inaugurado por Freud e retomado por Lacan acredita que qualquer sintoma é uma linguagem, fazendo dele um significante cujas leis devem ser descobertas, através dos quais os conteúdos inconscientes passam ao sistema pré-consciente-consciente, vinculando-os às representações verbais correspondentes.

Na estrutura do ato discursivo, o sujeito falante serve-se da língua para nela construir a lógica do seu discurso. É neste discurso que a língua, comum a todos, torna-se o canal de transmissão de uma mensagem única, própria da estrutura particular de cada sujeito “que imprime sobre a estrutura obrigatória da língua uma marca específica, em que se marca o sujeito sem que por tal ele tenha consciência disso”. (Kristeva; 1969:98) Desse modo, para

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o psicanalista, o discurso vai além do dito, do dizer explícito, carrega consigo o não-dito e o inter-dito, o outro de nós mesmos, que por nós é ignorado e recusado, conforme sustenta Anika Lemaire.

Assim, como o sintoma é uma linguagem, o trabalho da análise será o de, através da linguagem, promover uma outra amarração do sujeito que não sintomática. Para Lacan,

“o sintoma psicanalisável é sustentado por uma estrutura idêntica à estrutura da linguagem. Isto se refere ao fundamento desta estrutura, ou seja, à duplicidade que submete a leis distintas os dois registros que aí se consagram: o do significante e o do significado. A palavra registro designa aqui dois encadeamentos tomados na sua globalidade e a posição primeira de sua distinção, a priori suspendendo de exame toda eventualidade de fazer estes registros se equivalerem termo a termo”. (Lacan; 1998: 444).

Por esse caminho, é preciso fazer com que o sujeito fale, pois é pela mediação da fala que o inconsciente aparece e promove, de certa forma, o rearranjo da libido do sujeito. É por uma fala dirigida a um Analista que a verdade do inconsciente se revela.

Por outro lado, o questionamento que surge ao se tomar uma criança em análise é como se apropriar deste aparato lingüístico de Freud e Lacan e aplica-lo na clínica com crianças. Como fazer da regra fundamental a sustentação de uma clínica do sujeito que, por muitas vezes, não possuem insígnias simbólicas suficientes que possibilitam a sua fala e, por conseguinte, a sua cura. Como tomar uma criança em análise tendo o referencial psicanalítico como suporte

O Caso clínico, a supervisão e seus efeitos

Estas e outras questões apareceram quando uma mulher procura-me para atender seu filho de 6 anos com queixas - estas vindas por parte de familiares e amigos da família - de uma possível homossexualidade de seu filho, buscando em um psicólogo, uma atitude corretiva para o sintoma de sua criança. Assim, questionei-me sobre o como acolher uma demanda de cura sem incorrer-me no risco de práticas ajustativas e adaptativas de uma certa psicologia que se configura como um conjunto de técnicas que A. Badiou denominou de técnicas de adaptação social fundamentadas em uma ética do Bem.

A partir do acolhimento de minhas angústias e inquietações quanto ao tratamento e a direção da cura, a supervisão abriu-me perspectivas da possibilidade de se tomar este caso considerando-se a criança como um analisando por inteiro, sendo o que sustenta Rosine

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Lefort ao apontar para uma equiparação entre a criança e o adulto enquanto sujeitos: “A criança é um sujeito por inteiro. (...) não há diferença entre uma cura de adulto e a análise com uma criança”.(LEFORT, LEFORT;1990:1).

Por essa via, a Escola de Lacan vem nos ensinar que não há uma Psicanálise de Adultos e uma Psicanálise de Crianças, mas uma Psicanálise que lida com sujeitos do Inconsciente, buscando desvendar a novela fantasmática na qual o Sujeito encontra-se enredado.

Entretanto, na psicanálise com crianças é sempre preciso a convocação de uma fala dos pais. Uma fala que possibilite, através da entrevistas preliminares, verificar que lugar a criança ocupa no desejo dos pais, que depósitos e projeções os pais fazer sobre a criança e o que a criança faz com tudo isso, ou seja, quais os ganhos secundários que ela obtém em termos de gozo.Para tanto, é necessário fazer uma distinção entre aquilo que os pais dizem ao Analista, de seus fantasmas, desejos e construções em torno da criança e entre o que a criança organizou em sua cabeça. Desse modo, na entrevista com a mãe, ela afirma que o menino é muito apegado a ela, que o pai sempre ficou pouco em casa devido ao trabalho (sic) e afirma dizer para o filho, numa tentativa de supressão do sintoma, que ele é homem, foi assim que Deus fez e assim deve ser. Neste caso, a entrevista abre um espaço para a mãe apresentar suas queixas e reclamações. Entretanto, da homossexualidade de quem ela está falando da criança, do marido ou dela mesma.

De qualquer maneira, as entrevista com os pais representam um lugar crucial para a análise com crianças, pois o que está em jogo é o bom andamento do caso e, para tanto, a transferência dos pais, tanto quanto da criança, é de fundamental importância.

A partir daí, da forma como se acolhe o Sujeito é possível fazer uma aposta de uma entrada em análise. Sem seguir normas, a Psicanálise aposta na norma do Sujeito, que no caso do menino em questão, ele mesmo se propõe brincadeiras, jogos e passa para um jogo de adivinhação através de uma seqüência de desenhos, o que faz pensar no surgimento de uma cadeia de significantes, um significante remetendo a outro significante, fazendo também uma demanda ao Analista. Tal fato remete-nos ao jogo do fort-da, jogo da presença-ausência, “no qual uma criança constrói as primeiras simbolizações.”, (VIDAL; s.d.: 46) sendo algo prazeroso uma vez que na simbolização existe uma brincadeira inerente à linguagem, visto que a palavra “brinca” com a ausência da coisa.

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Enquanto o jogo do Fort-da se desenvolve, a criança cria um objeto que permite simbolizar a ausência da mãe e presentificar a primeira experiência de brincar. Este objeto passa a ser construído no campo do Outro, visto que ele representa a emergência do desejo e este sempre ocorre no campo do Outro. Para Freud, a criança brinca porque deseja.

Em Lacan, o brincar é um ato, surgido como efeito da estruturação significante do Sujeito. O Sujeito, enquanto tal, só é constituído a partir da fundação da experiência do Inconsciente, que por sua vez é estruturado como uma linguagem.

Ao observar a brincadeira de seu neto, Freud constata que o jogar o carretel vinha acompanhado dos fonemas Fort e da. Para ele, o brincar seqüenciado pela verbalização elevava aquele ser à posição de Sujeito: “Ele se relacionava à grande realização cultural da criança, a renúncia pulsional (isto é, a renúncia à satisfação pulsional) que efetuara ao deixar a mãe ir embora sem protestar” (Freud; 1975:25). Ao agir dessa maneira, o Sujeito inscreve-se na ordem da linguagem. Algo opera nele a fim de que passe de sua posição de objeto dependente e se aventurar no domínio da perda do objeto e assim percebe-lo como faltante. Neste momento, ocorre a apropriação do objeto pela linguagem. Há assim, a instauração de uma falta no simbólico, como argumenta Vidal: “A palavra, o símbolo, nasce sobre o fundo da ausência: ‘o símbolo se manifesta como morte da coisa, e essa morte constitui no sujeito a eternização de seu desejo’” (op. Cit.;47).

Com Lacan, o Fort-da se configura como uma maneira de assegurar ao significante “sua liberdade em relação ao significado, e ao sujeito, pelo mesmo lance, sua função de Senhor do significante”, pondera Safouan (1988:25). É o nome representando a coisa, sendo que neste jogo, brincando de “jogar ao longe”, a criança exerce sua função de “soberano” em relação ao significante entregando-se à substituição. A substituição permite, gradativamente, o acesso ao simbólico, conduzindo a criança à posição de sujeito. Surge assim o Sujeito da Fala, Sujeito que consegue realizar a conexão entre a representação e o significante. Além disso, “esse momento, que é também o momento da integração subjetiva da representação, é dificilmente concebível sem o significante, nem em outro lugar que não em um sujeito, no único sentido que damos a esse termo, de um sujeito que fala” (Id.ibid.; 111).

Em Análise com crianças o que importa é o brincar e não o brinquedo, visto que o brincar é configura-se como uma atividade que impulsiona a criança ao outro, incita a criança a saber

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qualquer coisa sobre o Outro. Ainda é capaz de reafirmar o que ele imagina do Outro. A razão do brincar é uma conclusão ou mais exatamente, a busca de uma conclusão.

A supervisão, a seu tempo, possibilita compreender, que a criança se interroga. Interroga sobre o seu desejo, o lugar que ela ocupa no drama familiar e apresenta, ela mesma, uma demanda de cura dirigida a um Analista. Além disso, o seu sintoma também é transformado em enigma, em uma questão que o Sujeito se vê instigado a decifrá-la. Neste processo todo, a criança nos diz; cabe ao Psicanalista escuta-la. Escuta-la, entretanto “sem nos agarrar a um saber que poderia vir dar num fechamento, que feche; cabe a nós tornarmos disponíveis (...) e não ser mais que uma voz que deixa lugar à criança como analisante pleno” (Lefort; 1986:s.p.).

Constituindo-se como um dos eixos da tríade de formação do Psicanalista proposta por Lacan, juntamente com a análise pessoal e o cartel, a supervisão torna-se assim um ponto arriscado de estabelecimento da figura do supervisor. Diferentemente do professor, em Psicanálise o supervisor é um analista em posição de escuta de outro analista, procedendo a uma certa suspensão, ainda que temporária, de seus conhecimentos, entregando-se a uma atividade associativa e elaborativa em referente àquilo que está sendo dito. Nesta escuta, como numa sessão de análise, a escuta flutuante é fundamental como ponto de ancoragem para as ponderações da condução da análise por parte do outro analista.

Um desejo que se faz presente ou da sessão analítica como um encontro

Direcionamento da clínica. É tal fato que, em um certo sentido, a supervisão se propõe. Na prática com crianças, a presença dos pais enquanto informantes de um uma certa condição da criança, função esta desempenhada nas entrevistas preliminares. Tais entrevistas visam verificar a função sintomal, ou seja, que o sintoma, o mal-estar trazido pelo sujeito transforme-se em questão para o sujeito, como um enigma que ele busca responder. No mesmo viés, a função diagnóstica em psicanálise ocorre nas entrevistas preliminares, no intuito de se verificar em que estrutura se situa o sujeito, servindo como um indicador na direção do tratamento. Finalmente, a função transferencial como fator fundamental para o início de uma análise, condição de verdadeiro amor que o analisante se coloca diante do Analista.

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A sessão analítica só se estabelece como um encontro. O encontro da transferência com o Suposto Saber do Analista. Sendo assim, na psicanálise, com adultos ou crianças, o que está em jogo não é um conjunto de técnicas aprendidas. Mais do que técnica e procedimento, o que está em questão é a dimensão ética, que subordina os recursos técnicos: “Uma ética do desejo que se põe em jogo desde o lado do analista. Isso que chamou desejo do analista e que, como tal, se manifesta na interpretação que, como não é uma tradução, não se refere ao significado, senão ao significante, que dito pelo analista, terá que ser interpretado pelo analisante” (Casté; 2000, 30).

Sendo assim, a sessão analítica constitui-se como um encontro pela presença do desejo: da analisante e do analista. Desejos que se encontram. Do analisante é de transformar o gozo do sintoma em um enigma que o coloque a trabalho. Do analista, em barrar a estrutura de gozo na qual o sujeito se insere, uma vez que “o Desejo do Analista funciona cada vez ‘contrariamente ao gozo do sujeito que tenta encarnar a função analista’” (Cavallero; 2000: 70).

A ética da psicanálise é a ética do desejo. É a ética que toca o real do sujeito. Na criança, o real pode aparecer de diversas formas e, no caso citado, aparece como um sustentáculo do sintoma familiar, colocando-se assim como um lugar de finalização do sintoma do par parental. O tratamento possível de ser feito é o de sempre: a cura pela palavra, pois só a linguagem é capaz de curar aquilo que ela mesma causou.

Tempo de concluir

Aplicar a psicanálise ao tratamento de crianças parece, à primeira vista, como uma impossibilidade. A supervisão e a prática clínica vão dizer que não. De forma algum, a psicanálise pura, aquela que é uma sistematização, não contradiz a aplicada. A psicanálise pura é uma espécie de formulação teórica, uma escrita em termos lógicos, “é uma experiência regulamentada, da qual se pode dar conta a partir do fantasma, tal como se apresenta quando o sujeito esbarra nele, depois o atravessa e finalmente dele se desprende” (Aflafo, 2000;127). Aplicar a psicanálise à criança é considerar que a criança é um sujeito, produzido no emaranhado do desejo inconsciente.

Articular psicanálise pura, aplicada, clínica da criança e supervisão constitui-se como uma tarefa árdua e proveitosa, pelos efeitos que tal articulação produz na criança, enquanto

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analistante, e no analista, enquanto aquele que se oferece, de corpo e ouvido à angústia da criança. Trata-se de uma arte, a arte do impossível, que juntamente com educar e governar configura-se como o impossível proposto por Freud. Impossível, mas não praticável e sem efeitos.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

FERREIRA, Tânia. A escrita da clínica: psicanálise com crianças. Belo Horizonte: Autêntica, 2000.

AFLAFO, Agnès. A escola de Lacan. In: GIROUD, Françoise. Lacan, você conhece? São Paulo: . Cultura Editores Associados, 2000. pp. 123- 29.

KRISTEVA, J. História da linguagem. Lisboa: edições 70, s.d. LACAN, J. Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998.

LEFORT, Rosine, LEFORT, Robert. A criança: um analisando por inteiro. , In:L’ane, n 16.

VIDAL, Maria Cristina. Questões sobre o brincar. In: Letra Freudiana, ano X, n 9, s.d. FREUD, S. Além do princípio do prazer.Pequena coleção das obras completas de Freud. v. XIX. Rio de Janeiro: Imago, 1975.

SAFOUAN, Moustapha. O fracasso do princípio do prazer. Campinas: Papirus, 1988.

FREDA, Hugo. Algumas considerações sobre o “brincar das crianças” na cura analítica. In: CIRANDAS. (Mimeo.).

LEFORT, Rosine. O Outro para a criança na cura psicanalítica. In: Analytica. V. 38, 19.8.86., s.l. s.p. (mimeo).

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