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O ESTUDO DO BILINGUISMO E DA DIGLOSSIA PARA UMA PERSPECTIVA LINGUÍSTICA EDUCATIVA

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Academic year: 2021

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O ESTUDO DO BILINGUISMO E DA DIGLOSSIA PARA UMA

PERSPECTIVA LINGUÍSTICA EDUCATIVA

Franciele Maria Martiny (UNIOESTE) franmartiny@hotmail.com1 Camila Menoncin (UNIOESTE)

kami-menoncin@hotmail.com2

RESUMO: O objetivo deste artigo é mostrar um ponto de vista pluricultural em que os conceitos em

torno da diglossia (sob o enfoque do bidialetalismo) e do bilinguismo (sob a abordagem plurilíngue) sejam tomados como complexos fenômenos linguísticos que abrangem relações sociais e culturais mais amplas. A referida temática poucas vezes é abordada em sala de aula, mesmo em nível superior. Por isso, defende-se a necessidade de rever e refletir sobre ambos os conceitos e com eles trabalhar para que possa haver uma linguística educativa plurilíngue no contexto escolar. Até porque, um dos problemas observados é em torno das línguas de imigrantes que ainda são ensinadas nas comunidades, tanto ideológica como metodologicamente, como línguas estrangeiras, sem respeitar e tratar os dados sócio-históricos referentes à origem étnica e à hibridização interna dos dialetos com a língua institucionalizada. Situação devida, em grande parte, às políticas linguísticas repressivas e homogeneizadoras ao longo da história linguística do Brasil. A fim de refletir sobre esse cenário, primeiramente, neste estudo, será feito um levantamento bibliográfico acerca dos conceitos de bilinguismo e diglossia, para após, mencionar os contextos linguísticos e sociocultuais de regiões de imigração, propondo, na sequência, dentro da sociolinguística, uma linguística educativa bilíngue que possa contribuir para que, realmente, os direitos linguísticos destes grupos minoritários sejam respeitados.

PALAVRAS-CHAVE: Bilinguismo, diglossia, pluriculturalismo, ensino.

ABSTRACT: The purpose of this paper is to show a pluricultural point of view in what the concepts

around diglossie (on the focus of bidialetalism) and bilingualism (on a plurilingual approach) are seen as complex linguistic phenomenons that engage wider social and cultural relationships. The referred thematic is broached few times in the classroom, even in graduation level. Because of it, it is defended the necessity of reviewing and reflecting about both concepts and work with them to make an educative plurilingual linguistic in the school context. Even why, one of the problems observed is about the immigrants languages that are still taught on the communities, as ideologically as methodologically, like

foreign languages, without respecting and treating sociohistorial data witch refer to the ethnic origin and

the inner hybridization of the dialects with the institutionalized language. Situation under, in great part, the reprehensive and homogenizer linguistic politics through the Brazilian linguistic history. To reflect about this scenery, first, in this research, it is going to be made a bibliographic survey about the concepts of bilingualism and diglossie to, after that, mention the linguistic and sociocultural contexts from immigration regions, proposing, on the sequence, inside the sociolinguistic, a bilingual educative linguistic which can contribute to, actually, the linguistic rights of these minority groups be respected.

1 Aluna do Doutorado do Curso de Pós-Graduação Stricto Sensu em Letras – nível de Mestrado e

Doutorado, da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste), bolsista da CAPES. Orientada pela Profa. Dra. Clarice Nadir von Borstel.

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Aluna do Mestrado do Curso de Pós-Graduação Stricto Sensu em Letras – nível de Mestrado e Doutorado, da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste). Orientada pela Profa. Dra. Clarice

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KEYWORDS: Bilingualism, Diglossie, Pluriculturalism, Teaching.

INTRODUÇÃO

Os estudos em torno da língua/linguagem estão - e sempre estiveram - relacionados a concepções teóricas que refletem a forma de pensar de uma determinada sociedade ou grupo, ao longo do percurso da história da pesquisa científica. Nesse sentido, é necessário mencionar os vários conceitos que são teorizados, reformulados e reconstruídos devido à própria dinâmica e natureza da pesquisa. Até porque, dentro do meio científico, não é mais possível afirmar que um estudo está concluído, fechado e solucionado. Acredita-se, portanto, que sempre há e haverá novas maneiras de se analisar cientificamente um fenômeno e propor novos olhares e posicionamentos.

Nos estudos linguísticos a situação não é diferente. Do estudo imanente, proposto primeiramente por Saussure, ao estudo discursivo e a diversidade linguística, mostrado sob uma abordagem sociolinguística, são várias as teorias que envolvem as pesquisas em torno da língua/linguagem e sua relação com aspectos extralinguísticos que foram desconsiderados, em muitos momentos, como aconteceu na abordagem dada por certos grupos intelectuais e gramáticos que caracterizam as variações linguísticas como não favoráveis ao ensino.

Desta forma, as línguas de imigrantes ainda são ensinadas, nas comunidades, tanto ideológica como metodologicamente como línguas estrangeiras, sem respeitar e tratar dos dados sócio-históricos, da origem étnicas e da hibridização interna dos dialetos com a língua institucionalizada, esses aspectos se evidenciaram quando os imigrantes vieram para o Brasil, formando pequenos grupos de origem étnicas de várias regiões dos países de origem, mesclando fatores linguísticos (dialetais) e sociocultuais (hábitos, costumes, vestimentas, alimentação e religião).

Portanto, neste estudo, quer-se mostrar um ponto de vista pluricultural em que os conceitos trabalhados em torno da diglossia (sob o enfoque do bidialetalismo) e do bilinguismo (sob a abordagem plurilíngue) sejam tomados como complexos fenômenos linguísticos que abrangem relações sociais e culturais mais amplas. A temática aparece

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timidamente em estudos acadêmicos e, raras vezes, é abordada em sala de aula, mesmo em nível superior. Por isso, a necessidade de rever e refletir sobre ambos os conceitos e com eles trabalhar no processo de uma linguística educativa plurilíngue no contexto escolar.

O mito do monolinguismo e as políticas linguísticas

Embora tenha havido ações coercitivas, ao longo da história linguística do país, por parte do Estado Português e, na sequência, pelo Estado Brasileiro, para a proibição das línguas autóctones e alóctones, o Brasil ainda se destaca como um país multilíngue e pluricultural.

Sabe-se que a maior parte da história linguística do país foi marcada pelas ações coibitivas que negligenciaram o multilinguismo brasileiro em busca de um país monolíngue (BORTONI-RICARDO, 2004).

Destarte, Maher (2006) mostra que o mito do monolinguismo, historicamente, consolida-se a partir da Revolução Francesa, quando aparece o conceito de Estado-Nação. Nesse período, portanto,

[...] o lema seguido foi “unidade é igual a uniformidade”. Para se ter um Estado, uma unidade política, seria preciso garantir uniformidade linguística e cultural no interior de seu território. E, assim, a aversão à diversidade linguística vai se consolidando na história. Firma-se, pouco a pouco, a noção de que o plurilinguismo seria algo nefasto, ruim, uma condição a ser combatida: o projeto de modernidade insiste na necessidade de tornar o Estado homogêneo – uma língua, uma cultura, uma religião – para garantir a continuidade da ideia de nação constituída (MAHER, 2006, p. 31).

A partir disso, constroem-se alguns dos mitos que ancoram a ideologia do monolinguismo e do monoculturalismo tidos, dessa forma, como expressões de uma civilização progredida, sendo requisitos indispensáveis para a construção dos Estados Nacionais (HAMEL, 1995). Ao mesmo tempo, propiciam políticas que buscam sustentar esse cenário.

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Constatam-se os, portanto, os efeitos que as políticas linguísticas coercitivas e excludentes tiveram em várias nações, evidenciando os interesses políticos, econômicos, ideológicos e sociais contidos nelas, proporcionando a desigualdade linguística e sociocultural.

Mesmo assim, o Brasil, atualmente, como os demais países do mundo, é considerado plurilíngue. Estima-se que exista no país em torno de 170 línguas indígenas, além de cerca de outras 30 comunidades de imigrantes (alemãs, italianas, polonesas, japonesas, ucranianas, árabes, chinesas, entre outras). Além disso, há a língua brasileira de sinais, LIBRAS, utilizada por toda a comunidade surda do país e também por ouvintes que convivem e comunicam-se com surdos.

No entanto, apenas em 1988 a Constituição Brasileira reconheceu o Brasil como plurilíngue, ainda faltando políticas linguísticas de reconhecimento e de resgate/preservação para que muitas línguas não desapareçam como aconteceu com a maior parte das línguas indígenas no país.

Nesse sentido, Oliveira (2003), Savedra (2003), entre outros estudiosos desta área, mencionam a necessidade da definição de uma política linguística brasileira que abranja as situações de bilinguismo decorrentes de movimentos migratórios, bem como de situações de fronteira.

Sobre o que prevê a Constituição em torno da situação do bilinguismo e das políticas linguísticas, Savedra cita que:

a) a Constuição atual em seus artigos 215 e 216 admite que o Brasil é um país pluricultural e multilíngüe; b) no Brasil coexiste um grande número de línguas de imigrantes; c) para integração cultural e lingüística das comunidades de imigrantes no território nacional pouco foi feito e ainda persiste o desprezo por minorias lingüísticas, revelando a discriminação legal para as comunidades de língua materna não portuguesa; d) a pluralidade lingüística no Brasil delineia situações diversas de bilingüismo e multilingüismo e somente a educação indígena está contemplada com propostas curriculares de educação bilíngüe na Lei de Diretrizes e Bases (LDB) de 1996 (SAVEDRA, 2003, p. 40).

Todavia, faltam às línguas de imigração voz e visibilidade para serem incluídas nos diálogos sobre o ensino de línguas, ampliando a discussão em torno dos conceitos

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de bilinguismo, diglossia e os fenômenos de alternância de código face às diferenças encontradas ao longo da convivência do português com as línguas minoritárias.

Cavalcanti (1999) defende a inconformidade da política linguística brasileira pela falta de observação da realidade plurilíngue e multicultural do país.

Para a autora,

Isso talvez aconteça, porque, em primeiro lugar, existe um mito de monolingüismo no país (Bortoni, 1984, Cavalcanti, 1996, Bagno, 1999). Esse mito é eficaz para apagar as minorias, isto é, as nações indígenas, as comunidades imigrantes e, por extensão, as maiorias tratadas como minorias, ou seja, as comunidades falantes de variedades desprestigiadas do português. Em segundo lugar, uma das razões para essa estranheza pode ser decorrente de o bilingüismo estar estereotipicamente relacionado às línguas de prestígio no que se convencionou denominar bilingüismo de elite. Em terceiro lugar, esses contextos bilíngües de minorias são (tornados) invisíveis (CAVALCANTI, 1999, p. 387).

Nesse sentido, há muito ainda a ser estudado e evidenciado em torno das questões linguísticas que envolvem situações de conflitos e ideológicas que extrapolam o sistema interna da língua.

Do falante ideal ao falante real: questões em torno do bilinguismo

Como já mencionado, praticamente em todos os países coexistiram - e coexistem - várias línguas. Situação mencionada por Calvet, quando o autor trata que

Há na superfície do globo entre 4.000 e 5.000 línguas diferentes e cerca de 150 países. Um cálculo simples nos mostra que haveria teoricamente cerca de 30 línguas por país. Como a realidade não é sistemática a esse ponto (alguns países têm menos línguas, outros, muitas mais), torna-se evidente que o mundo é plurilíngue em cada um de seus pontos e que as comunidades linguísticas se costeiam, se superpõem continuamente (CALVET, 2002, p. 35).

Dessa forma, ao longo do tempo e da história das línguas, pode-se notar que os falantes tiveram contatos com as mais diversificadas realidades linguísticas.

Porém, foi apenas a partir do século XX que o conceito de bilinguismo se tornou cada vez mais amplo e complexo, não havendo até a atualidade uma concordância entre

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os pesquisadores sobre o que é ser um sujeito bilíngue, pois há várias acepções em torno dessa conceituação, em diferentes campos investigatórios do saber, como, por exemplo, na área da psicolinguística, da sociologia, da sociolinguística e da própria linguística.

De maneira geral, por muito tempo perdurou a ideia de que ser bilíngue era a pessoa capaz de falar duas línguas simultaneamente, ou seja, alguém que dominasse totalmente dois sistemas linguísticos diferentes.

Bloomfield (1933 apud HEYE, 2006) foi um dos pioneiros ao conceituar o bilinguismo, afirmando que para ser bilíngue é preciso falar “perfeitamente” duas línguas, como um nativo em ambos os códigos linguísticos. Porém, conforme essa concepção, grande parte dos bilíngues seria excluída devido à necessidade do falante de ter que dominar todos os aspectos das línguas faladas, o que geralmente não acontece.

Sob semelhante viés, Halliday (apud MAHER, 2007) considera que o sujeito bilíngue é aquele que sabe utilizar todos os domínios nas duas línguas e, acrescenta, ainda, que não pode haver a interferência de uma língua na outra. Também uma visão restrita do conceito de bilinguismo que percebe o falante como idealizado, como se fosse possível exibir comportamentos idênticos em duas línguas e sem nenhuma interferência.

Outra visão pouco abrangente do conceito se tem em Malmberg (1977 apud VON BORSTEL, 2001). Para o referido autor, é preciso haver uma completa habilidade funcional do bilíngue que seria

[...] um indivíduo que, além de sua língua materna adquiriu desde a infância, ou desde muito cedo, uma segunda língua por meios naturais (em princípio não através de instrução formal), de modo que se tornou um membro totalmente competente da outra comunidade lingüística dentro da esfera do grupo ocupacional ou social ao qual ele pertence (MALMBERG, 1977, apud VON BORSTEL, 2001, p. 12).

Por outro lado, há uma definição menos rigorosa em Weinreich (1953), um sociolinguista dedicado à pesquisa em situação de línguas em contato e mudança linguística. Sua conceituação rompe com a definição mais clássica e rigorosa de Bloomfield (1933), entre outros autores, com relação ao bilinguismo. Para Weinreich (1953), o bilinguismo seria a prática de empregar duas línguas alternadamente.

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Mackey (1968) alarga a concepção ao considerar o “bilingüismo como uma característica individual que pode ocorrer em graus variáveis, desde uma competência mínima até um domínio completo de mais de uma língua”.

Portanto, a partir dessas diferentes concepções, passa-se a não mais considerar o bilinguismo como uma capacidade idealizada do falante, em busca da homogeneidade linguística e de um sujeito bilíngue ideal, o qual seria capaz de falar duas ou mais línguas como um falante nativo.

Em trabalhos mais recentes sobre contato linguístico, têm-se discutido mais profundamente os conflitos lingüísticos, os conceitos de bilinguismo e de diglossia, como fenômenos não somente linguísticos, mas também socioculturais, principalmente com relação ao português brasileiro em contato com as línguas minoritárias, ou seja, as línguas que não possuem prestígio social.

A partir desses estudos, constata-se uma nova concepção de bilinguismo mais centrada na possibilidade de gradação entre o uso de duas línguas, operando, assim, em algum nível nas duas línguas e com possíveis transferências linguísticas fonológicas, morfossintáticas e semânticas de uma na outra.

Portanto, a condição de bilíngue passa a ser vista como dinâmica, pois parte-se do princípio de que o falante bilíngue é aquele que pode produzir enunciados orais ou escritos em mais de uma língua, a depender de sua necessidade de competência linguística comunicativa. “A condição bilíngue se modifica na trajetória da via dos indivíduos e assume diferentes contornos (estágios) em relação ao domínio e à variação de uso de ambas as línguas” (HEYE, 2006, p. 393).

Maher (2007), ao mencionar as questões relacionadas aos falantes de línguas minoritárias, cita a relação desigual de forças de poder entre aquelas e as línguas de prestígio. Essa situação, conforme a autora pode ser evidenciada quando se considera a forma como o conceito de bilinguismo é tido tanto no contexto escolar quanto fora dele.

Portanto, o bilinguismo deve ser visto a partir de um fenômeno multidimensional, uma capacidade humana muito comum e que se refere à capacidade de fazer uso de mais de uma língua (MAHER, 2007).

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Em consonância às colocações de Maher (2007) e Heye (2006), é possível mencionar que a conceituação de bilinguismo deve considerar a situação linguística do bilíngue, além do ambiente e das condições em que o bilinguismo é desenvolvido. Ou seja, devem-se situar vários elementos que estão diretamente relacionados ao contexto sociocultural do falante.

A coexistência de duas línguas em diferentes espaços sociais deve ser analisada segundo a condição particular dos indivíduos que se tornam bilíngues. Essa condição é caracterizada pelo contexto e pela idade de aquisição, pela variação de uso das línguas (função tópica) e ainda pela manutenção ou pelo abandono de uma ou de outra língua em decorrência de fatores sociais e comportamentais (HEYE, 2006, p. 393).

Destarte, como afirma Maher (2007), o bilíngue ajusta sua fala

[...] a depender do tópico, da modalidade, do gênero discursivo em questão, a depender das necessidades impostas por sua história pessoal e pelas exigências de sua comunidade de fala, ele é capaz de se desempenhar melhor em uma língua do que em outra – e até mesmo em se desempenhar em apenas uma delas em certas práticas comunicativas (2007, p. 73).

Por essa visão, é possível perceber que o bilinguismo vem sendo visto, cada vez de uma maneira próxima das situações reais de fala, da competência linguística comunicativa e da interação entre os falantes em um dado contexto sociocultural.

Levando em consideração o contexto brasileiro, essas novas reflexões acerca dessa discussão auxiliam nos estudos em torno do bilinguismo de descendentes de imigrantes; de falantes das línguas indígenas, de fronteiras que foram sendo oprimidas ao longo dos anos; de surdos, entre outros.

A tensão entre as línguas: discussão sobre a diglossia

Pensando na situação de contato linguístico, outro conceito que surge nas discussões é o de diglossia. De uma maneira bastante ampla, é possível dizer que esta se diferencia do bilinguismo em virtude de uma questão central apontada por Hamel e

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Sierra (1983). O bilinguismo visto em uma perspectiva individual e a diglossia em uma perspectiva social.

Para Fishman (1976 apud HAMEL; SIERRA, 1983), a relação entre o bilinguismo e a diglossia pode gerar quatro situações básicas: diglossia e bilinguismo; bilinguismo sem diglossia; diglossia sem bilinguismo e sem diglossia e sem bilinguismo.

Para exemplificar comunidades de fala onde há a presença tanto da diglossia quanto do bilinguismo, Fishman (1976 apud HAMEL; SIERRA, 1983) cita países como a Suíça e o Paraguai, pois todos os falantes são bilíngues ou bidialetais e existe uma distribuição funcional diglóssica.

Como uma possível situação de bilinguismo sem diglossia pode-se citar o caso de pessoas que migram para outros países para trabalhar ou estudar, como brasileiros que vão para a Europa e mexicanos que vão para os Estados Unidos da América.

O exemplo da aristocracia russa, anterior à primeira guerra mundial, é usado por Fishman (1976 apud HAMEL; SIERRA, 1983) para demonstrar situações de diglossia sem bilinguismo, pois, entre si falava-se Francês e, entre o povo, falava-se somente em russo.

Para retratar uma comunidade de fala sem diglossia e sem bilinguismo, Fishman (1967 apud HAMEL; SIERRA, 1983) cita certas bandas e grupos de cerimônias religiosas restritas.

Para Hamel e Sierra (1983), a definição de diglossia de Ferguson (1967), de falante diglóssico - como falante de duas variantes estáveis da língua – e o modelo de Fishman – sobre o bilinguismo e a diglossia - camuflam, muitas vezes, o conflito social subjacente à distribuição funcional das línguas, o que pode colocar em dúvida a suposta relação estável de diglossia.

Portanto, em virtude do caráter social, histórico, cultural e ideológico que é inerente à língua, dificilmente é possível acreditar que diferentes línguas faladas em uma mesma comunidade de fala estejam sempre estáveis uma em relação à outra.

Há questões relacionadas de poder que sempre propiciarão maior status de uma língua em detrimento da outra, além da necessidade de afirmar a identidade de

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determinado grupo social que muito provavelmente irá utilizar-se da língua para efetivar essa afirmação.

Heye (2006) também menciona o conceito de diglossia, proposto, primeiramente, por Ferguson (1974) que se referia ao uso de duas variedades linguísticas distantes de uma mesma língua. Foi ele quem introduziu esse vocábulo (com base no termo francês diglossie) para designar certa situação linguística, em que “duas variantes de uma língua coexistem numa mesma comunidade, cada uma desempenhando um papel definido” (FERGUSON, 1974, p. 99).

A partir da análise da situação linguística de quatro comunidades (Suíça, Haiti, Grécia e países árabes) e suas respectivas línguas, Ferguson (1959) distinguiu duas variantes da mesma língua: «high variety» = variante alta e «low variety» = variante baixa, sendo que as duas variedades fariam parte do mesmo diassistema.

Define o autor que,

Diglossia é uma situação lingüística relativamente estável na qual, além da ou das variedades adquiridas em primeiro lugar (variedades que podem conter um padrão ou vários padrões regionais), se encontra também uma variedade sobreposta, muito divergente e altamente codificada, por vezes mais complexa ao nível gramatical, e que é a base de uma vasta literatura escrita e prestigiada. Esta variedade é geralmente adquirida por meio do sistema educativo e utilizada a maior parte das vezes na escrita ou nas situações formais do discurso. Não é, no entanto, utilizada por nenhum grupo da comunidade na conversação corrente (FERGUSON, 1974, p. 102).

Por essa definição, poderia ser citado o alemão padrão, o Hochdeutsch, como a variedade “alta” e o alemão suíço, Schwyzerdütsch, como a variedade de uso, pois as duas variedades fazem parte do mesmo diassistema: a língua alemã, na Suíça. Dessa forma, “A variedade ‘baixa’ é caracterizada pela aquisição natural do ambiente familiar, seu uso é informal e, predominantemente, oral. A variedade ‘alta’ se caracteriza pela aprendizagem formal, seu uso formal e literário” (HEYE, 2006, p. 395).

Embora Ferguson tenha sido fundamental para as bases teóricas dos estudos da diglossia, há demasiada abstração nessa teoria, além disso, a análise de uma LE não pode ser tão exata como a de um nativo.

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Para Heye, “a diglossia de Ferguson tem sido muito discutida, primeiro em relação ao nível de generalidade do termo, e segundo em termos da área coberta no contínuo entre variação estilística e bi-/ multilinguismo” (2006, p. 71).

Ainda, de acordo com o autor o conceito fica restrito ao fenômeno monolíngue que deveria ser um contínuo entre a variação estilística e o contraste entre as línguas.

Por meio dos estudos de línguas em contato, a partir da década de sessenta, autores como Fishman (1974) fizeram uma ampliação desse conceito de diglossia que não mais se restringiu a um único sistema, mas incluiu outras línguas, existindo, portanto, uma diferenciação no uso de duas formas linguísticas.

A contribuição do referido autor foi a distinção entre diglossia interna (quando duas variedades pertencem ao mesmo diassistema) e diglossia externa (quando as variedades pertencem a línguas distintas).

O exemplo citado por Heye (2006) é quando as línguas minoritárias tinham prestígio nas comunidades durante a colonização. A língua alemã, por exemplo, em áreas de colonização, era falada formalmente e informalmente, obtendo uma situação de diglossia interna. A partir do momento em que o alemão padrão não foi mais ensinado nas escolas de imigração, nas comunidades, o português se tornou língua de prestígio e houve o abandono dos dialetos, havendo a diglossia externa.

Para Fishman (1967 apud HEYE, 2006), a diglossia é uma organização linguística no nível social (diglossia societal). Ou ainda “a diglossia, agora, deveria ser equacionada com a totalidade do contínuo entre a variação estilística e o multilinguismo, mas com uma ressalva: as distinções linguísticas, sejam elas sutis ou em grande escala, devem ser diferenciadas funcionalmente” (HEYE, 2006, p. 72).

O modelo defendido por Fishman (1974) fica restrito aos critérios da homogeneidade e harmonia das línguas, sem conflitos sociais, desconsiderando a funcionalidade da língua e os sujeitos como produtores sociais.

Sobre esse contexto, Fritzen cita que

Reconhecer, entretanto, a coexistência de diferentes línguas em um mesmo contexto, não significa esperar que as línguas se encontrem, de forma harmoniosa, separadas e fechadas em seus domínios de uso, como prevê o

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estendido por Fishman (1971). Estudiosos do que se tem chamado de Sociolingüística da Periferia – grupo de pesquisadores que, no início dos anos 1970, estudaram as variedades do catalão e do occitano faladas na Espanha e na França, conforme Martin-Jones (s/d) – já questionaram a relativa estabilidade da variedade alta e da baixa que a noção de diglossia implica (FRITZEN, 2009, p. 46).

Portanto, questiona-se o conceito polarizado de diglossia que não prevê os movimentos, as tensões e os deslocamentos inerentes à própria dinâmica das línguas em uso pelos seus falantes. “Sustento a relação assimétrica, não-estável, de conflito, entre a língua dominante e as dominadas, entre a variedade de prestígio eleita como o português padrão ou o alemão padrão e as demais línguas minoritárias existentes no Brasil” (FRITZEN, 2008, p. 33).

Hamel (1989), de semelhante maneira, defende uma concepção de diglossia mais amplificada, como parte integrante de conflitos interculturais, de relações sociolinguísticas assimétricas e de práticas discursivas dominantes e dominadas, sendo que a língua intervém em todos os aspectos sociais e culturais da comunidade.

Hamel e Sierra (1983) destacam que as pesquisas sobre a diglossia, a partir da década de 1970, se proliferaram. Com três grupos de investigadores: catalãos, caribenses e ocitanos, houve o estudo das incoerências e falácias dos conceitos generalizados dos conceitos de diglossia e bilinguismo. “Vemos que el discurso sobre la diglosia se dependiza y desarolla su propia dinâmica, según el interdiscurso académico

y político en el que se encuentra (HAMEL; SIERRA, 1983, p. 100)3.

Portanto, ao considerar um fenômeno linguístico como a diglossia, o pesquisador pode acabar vendo seu objeto de estudo, às vezes até sem perceber, de uma maneira um tanto preconceituosa. Como seria possível designar um falar como língua ou como dialeto?

Quando se pensa em diglossia, há a visão de que uma língua é superior e as outras são subordinadas a esta. Mas o que uma teria de melhor ou pior do que a outra?

Se um falante bilíngue é aquele que tem habilidades em duas línguas, haveria falantes apenas bilíngues? Estudos da atualidade já têm manifestado conceitos como o

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“Vemos que o discurso sobre a diglossia depende e se desenvolve em sua própria dinâmica, segundo o interdiscurso acadêmico e político em que se encontra” (HAMEL; SIERRA, 1983, p. 100, tradução nossa).

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de multilinguismo e plurilinguismo. Para exemplificar, um mesmo falante pode utilizar língua(s) portuguesa(s) e língua(s) inglesa(s), entre outras situações.

Situações de bilinguismo e de diglossia em duas comunidades do Oeste do Paraná

Conforme apontam os estudos de Cavalcanti

No Brasil, não se pode ignorar os contextos bilíngues de minorias, uma vez que no mapa do país pode-se localizar em uma pincelada não exaustiva: i. comunidades indígenas em quase todo o território, principalmente, na região norte e centro-oeste; ii. comunidades imigrantes (alemãs, italianas, japonesas, polonesas, ucranianas, etc.) na região Sudeste e Sul, que mantém ou não sua língua de origem; iii. comunidades de brasileiros descendentes de imigrantes e de brasileiros não-descendentes de imigrantes em regiões de fronteira, em sua grande maioria, com países hispano-falantes. Além dessa classificação geográfica, quando se focalizam os contextos bilíngues não se pode esquecer das comunidades de surdos que, geralmente, são criadas em escolas/instituições e que estão espalhadas pelo país (CAVALCANTI, 1999, p. 388).

Também esses contextos podem ser considerados bidialetais, uma vez que coocorrem variedades consideradas, em certos lugares, como de menor prestígio social do português, ou de alguma outra língua, com a variedade padrão da língua.

Situação que acontece no município de Marechal Cândido Rondon, localizado no Oeste do Paraná, onde a maior parte da população é descendente de imigrantes alemães e, portanto, bilíngue em vários contextos, principalmente as pessoas da faixa etária de 45 a 85 anos na interação comunicativa em contexto familiar, vizinhos ou em grupos mais próximos de suas relações sociais.

Cabe ressaltar que o crescimento do fluxo imigratório ocorreu na segunda metade do século XIX com a participação de várias etnias/nacionalidades, destacando-se portuguedestacando-ses, italianos, espanhóis e alemães.

No caso dos alemães vários se tornaram proprietários de terras, com a tendência para a formação de colônias (pequenas áreas de terras) mais ou menos homogêneas. Tais deslocamentos ganharam mais intensidade e abrangência a partir da segunda década do século XX, chegando ao Oeste catarinense e ao Sudoeste e Oeste

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Von Borstel (1992), ao realizar a observação participante em diversas lojas comerciais, cultos ou missas das comunidades religiosas, emissoras de rádio e escolas, do município rondonense, menciona que, muitas vezes

[...] ouve-se a língua alemã em interações comunicativas. Em sua maioria, as pessoas que falam o alemão nesses lugares, têm mais de 40 anos e são moradoras da área urbana, agricultores que vêm da área rural e moradores dos distritos que vêm para fazer compras. Mas, também há clientes jovens que vêm do interior do município e falam o alemão, mas com empréstimos do português, usando muito a alternância de código (VON BORSTEL, 1992, p. 53).

Targanski (2007) é um dos estudiosos que enfatizam a forte presença de descendentes alemães no município e a dificuldade de aceitação de outros povos na localidade, sendo que cada vez mais os grupos homogêneos se estabeleciam, amparados pela empresa responsável pela colonização, que criava empecilhos para intimidar a migração de outros que não fossem descendentes europeus.

Situação que é confirmada quando Saatkamp (1984) cita em seus estudos que em 1956, a população rondonense era constituída por 95% de famílias descendentes de alemães, enquanto os 5% restantes pertenciam a famílias italianas ou luso-brasileiras. Até vinte anos atrás, em 1990, a situação permaneceu quase igual, totalizando 85% de descendentes alemães no município, de acordo com a pesquisa desenvolvida por von Borstel (1992).

No entanto, a língua e a cultura desse grupo apresentam uma forte hibridização com a língua e a cultura nacional, o que denota a variação das línguas, por meio da criação de palavras com base na própria língua brasileira, ou de palavras adotadas da língua de origem étnica cultural.

Von Borstel (1992, 1999, 2011) menciona em suas pesquisas o fenômeno linguístico do code-switching no uso do português e do alemão, formando o "Brasildeutsch" - uma variedade supraregional da língua composta por enunciados da língua padrão, das variáveis dialetais regionais do falar alemão e do português.

No entanto, muitos moradores da localidade julgam não saber falar alemão, ou não se consideram bilíngues, porque falam um dialeto que é desprestigiado por parte da

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própria comunidade ou por visitantes, chamado de Hunsrückisch, o qual aprenderam no convívio familiar, fazendo também a alternância linguística entre português e alemão na conversação. Então, muitos falantes acreditam que não falam o alemão da Alemanha e, portanto, não é a língua alemã.

Fritzen (2008) mostra semelhante contexto em seu estudo, uma vez que os relatos citados pela autora (a diretora da escola rural que tem receio de deixar escapar traços linguísticos do alemão na sua fala e a professora universitária que se sente insegura para falar sua língua materna), evidencia citando que

[...] como as representações sobre os descendentes de alemães e sua língua, construídas nos discursos hegemônicos, têm afetado os teuto-brasileiros e provocado a “baixa auto-estima linguística” dos falantes de alemão da região. Eles acabam por assimilar o discurso do preconceito lingüístico preconizado pela representações de língua do grupo majoritário (Grosjean, 1982) ao adotarem atitudes negativas com relação à língua do seu grupo, ao reproduzirem estereótipos, ao verem-se como falantes que corrompem o alemão (“wir sind Deutschverderber” – nós corrompemos o alemão), a ponto de terem de se desculpar pela língua que falam, como fez o vendedor de peixe que semanalmente vem a minha casa: “A senhora desculpa esse nosso alemão caipira” (FRITZEN, 2008, p. 348).

Além disso, o bilinguismo na fase infantil, no município de Blumenau, SC, muitas vezes foi “evitado” de certo modo quando essas crianças que falavam alemão em casa começaram a frequentar a escola, sofrendo preconceito linguístico e cultural, devido ao sotaque germânico que era considerado “ um sotaque colono” pelos demais.

No contexto do Oeste do Paraná, além de cidades gaúchas, a proibição do falar alemão nas escolas devia-se à crença de que as crianças somente aprenderiam o português quando deixassem de falar a língua étnica - atitude que ainda pode ser notada no discurso e em diversas práticas didático-pedagógicas em escolas dessas comunidades (SCHNEIDER, 2007).

Portanto, muitos pais decidiram não transmitir mais a língua alemã aos seus filhos devido a esse contexto diglóssico, de conflito entre as línguas e as variedades linguísticas.

Essa situação dos “deslocados” se torna ainda mais grave e complexa quando constatamos que os grupos descendentes de imigrantes sofrem duplo

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mais alemão”, e precisam se desculpar por isso; quando falam português, as marcas do alemão denunciam sua origem social e étnica: “são colonos alemães” (FRITZEN, 2008, p. 349).

Ainda, falando-se de bilinguismo no processo escolar, é comum encontrar depoimentos fazendo referência ao fato de que a possível aprendizagem da segunda língua, durante a infância, pode aumentar a dificuldade de comunicação, provocando confusão mental na criança devido à possível sobrecarga cognitiva. No entanto, pesquisas como as de Grosjean (1982) e Romaine (1995) mostram que as referidas desvantagens não correspondem à realidade.

Os autores supracitados mencionam, entre outras vantagens associadas ao bilinguismo, mais clareza comunicativa pela maior riqueza lexical; aumento da capacidade de aprendizagem de mais línguas; prontidão mental e maior predisposição ao pensamento abstrato, bem como consciência da relatividade dos fatos e aumento do pensamento criativo.

Para Fritzen, a constatação dos conflitos linguísticos em contextos de imigração

[...] permite pensar o papel que a escola teria em contemplar, sem preconceitos, a complexidade das práticas discursivas dos membros do grupo e da sociedade majoritária, atravessadas por conflitos lingüísticos e identitários, a fim de que os alunos e os teuto-brasileiros de forma geral pudessem experimentar com mais freqüência e de forma segura a sensação de saber e poder se expressar em mais de uma língua, em se reconhecerem bilíngües pelo conhecimento e uso também da língua de herança. A presença incontestável da língua de herança no grupo e o bilingüismo das crianças deveriam garantir o direito dos alunos ao biletramento (Hornberger, 2003) – alemão/português – via escolarização. [...] Seria necessário de fato repensar o status das línguas na escola e as políticas lingüísticas para essas comunidades de imigração (FRITZEN, 2008, p. 352).

O que não acontece, atualmente, em Marechal Cândido Rondon, Paraná, onde não há o ensino da língua de imigração nas escolas, como parte do currículo, apenas com o CELEM (Centro de Línguas Estrangeiras Modernas), em contra turno escolar, sistema existente em um único colégio. Além disso, a procura da comunidade é muito pequena pelo curso, o que mostra que a referida política linguística não tem surtido efeitos positivos.

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Desta forma, a língua de herança está se perdendo no município, sendo cada vez menos falada e ouvida. Muitos descendentes consideram este cenário uma perda linguística e cultural imensurável, no entanto, quase nada tem sido feito pela comunidade ou pelo poder público municipal para que a língua seja valorizada e/ou revitalizada.

De semelhante maneira, o município de Medianeira, Paraná, foi povoado, em sua grande maioria, por migrantes vindos do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina, descendentes de imigrantes alemães e italianos. A colonização do núcleo que fundou o atual município foi feita pela empresa Industrial Agrícola Bento Gonçalves. O incentivo para a migração gaúcha e catarinense foi feita por intermédio da propaganda paulista "Marcha para o Oeste", que se propagou.

Em um primeiro momento, Medianeira foi distrito do território municipal de Foz de Iguaçu e, na sequência, pela Lei Estadual nº 4245, de 1960, foi transformado em município.

Colognese (2004) menciona que 54,5% dos imigrantes que se estabeleceram na região Oeste do Paraná eram italianos, os quais contribuíram para a formação de comunidades italianas nas cidades de Matelândia, São Miguel, Céu Azul, Medianeira, Palotina, Cascavel, entre outros. Os mesmos, a exemplo do que aconteceu com os alemães, tiveram que se adaptar à nova realidade, mas tentaram perpetuar sua religião, cultura e língua.

Contudo, Colognese (2004) atenta para o fato de que a saída das terras de origem não foi, geralmente, um ato espontâneo, mas o resultado das condições de miséria, que parte da população italiana passava naquele período, principalmente os camponeses do norte do país.

[...] no período em que se desenvolveu a maioria da imigração italiana para o Brasil, principalmente até as décadas de 1920 e 1930, na maior parte das regiões oeste e sudoeste dos estados de Santa Catarina e Paraná, permaneceram imensas áreas de densas florestas. Foi com as altas taxas de natalidade e com a exaustão dos solos nas antigas colônias, que as famílias de imigrantes italianos de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul passaram a se engajar em novos projetos de colonização, projetando-se especialmente para as regiões oeste e sudoeste de Santa Catarina e do Paraná, e posteriormente, inclusive para outras regiões do país (COLOGNESE, 2004, p. 25-26).

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Em Medianeira, portanto, grande parte da população do município é descendente de imigrantes italianos e alemães, mas nenhuma dessas línguas é ensinada nas escolas municipais, estaduais ou particulares, nem mesmo no sistema do CELEM, o que contribui para o contínuo desaparecimento das mesmas que não são prestigiadas pela maioria da população, que também fala diversos dialetos.

Para enriquecer os conhecimentos desses descendentes de imigração seria interessante que estes fossem letrados não apenas na língua portuguesa, mas também na língua de imigrantes que conhecem através do contexto familiar, restringindo este falar apenas entre os membros da própria família, geralmente. Destarte, não há a valorização dos sujeitos bilíngues que tendem a perderem suas línguas de herança, uma vez que não há políticas linguísticas e educacionais adequadas que promovam o bilinguismo local. Até porque a maioria dos falantes bilíngues, a exemplo de Marechal Cândido Rondon, pertencem à terceira idade e não foram repassadas as línguas de imigração aos mais jovens.

Nesta localidade, fazem parte da grade curricular, além da língua portuguesa, somente a língua inglesa e a língua espanhola, assim como a maior parte do Paraná.

Sabe-se que, de maneira geral, o inglês é uma língua de prestígio na sociedade brasileira e usada constantemente para nominar na mídia impressa e em programas televisivos e estabelecimentos comerciais, principalmente aqueles que estão relacionados à informática, telefonia ou novas tecnologias. De acordo com a pesquisa que está sendo desenvolvida por Camila Menoncin, em 2013, no setor de exportação, há uma empresa em Medianeira, onde os funcionários são bilíngues (português/inglês), utilizam a competência linguística comunicativa, em contextos de comunicação verbal (oral e escrita) – o inglês como língua franca em transações comerciais com alemães, árabes, entre outros. Estes usuários bilíngues são bastante prestigiados pela comunidade e pelo comércio local, o inglês é aprendido por meio de Cursos de Idiomas.

Já a língua alemã, conforme menciona Maristela Fritzen (2008), sempre foi considerada minoritária/minorizada no Brasil, embora em regiões do Sul do país, em alguns municípios, ela era/é falada pela maioria da população. Portanto, uma língua é considerada minoritária não pelo número de seus falantes, mas devido ao seu prestígio

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social. Assim, “para a sociedade majoritária, quem, pois, fala alemão é visto como

colono, ou seja, tem pouca instrução e fala um dialeto, isto é, uma língua considerada

inferior” (FRITZEN, 2008, p. 144, grifos da autora). Também a língua italiana é considerada de minorias e muitos estudos mostram a falta de perpetuação da mesma, em comunidades de imigrantes, o que pode denotar o preconceito linguístico e uma visão distorcida sobre os falantes bilíngues.

Prática de ensino sobre o bilinguismo e a diglossia no contexto escolar

A partir das discussões arroladas pode se indagar de que maneira estudos da sociolinguística e da linguística educativa bilíngue podem contribuir para que realmente os direitos linguísticos destes grupos minoritários sejam respeitados, para que haja uma implementação e um planejamento linguístico efetivo no contexto escolar, abordando os vários cenários plurilíngues no país para poder discutir como se dão os vários nuances do bilinguismo e da diglossia em comunidades de imigrantes, de fronteiras e de indígenas sobre o uso de contato linguístico, nessas comunidades de fala.

Acredita-se que com estudos da sociolinguística interacional, dos estudos sobre diglossia/bilinguismo e da etnografia da comunicação podem-se descrever com detalhes os processos linguísticos, socioculturais em torno das línguas, quando estão em jogo os direitos linguísticos de grupos minoritários na interação comunicativa de contato entre as línguas.

Possibilitando identificar estes mecanismos concretos de interação verbal e de uso das línguas em condições de dominação das forças ideológicas, como são exercidos ou violados os direitos linguísticos das crianças no processo inicial de alfabetização e letramento, quando levam para o contexto escolar a sua língua ou variável linguística estigmatizada pela sociedade. Isso somente é possível quando a sociedade como um todo valoriza grupos minoritários, respeitando e trabalhando no processo de ensino-aprendizagem as línguas em contato, suas variáveis dialetais e culturais.

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Considerações finais

Como a diversidade nas línguas é um fenômeno sempre presente tanto no contexto brasileiro como no exterior, discussões acerca dos conceitos que norteiam as pesquisas linguísticas e o trabalho na sala de aula devem sempre ser realizadas com o intuito de entender e abarcar melhor as questões linguísticas que vão surgindo na medida em que o mundo vai mudando.

Por meio dos estudos realizados neste estudo, com relação às conceituações de bilinguismo e de diglossia sob a abordagem de estudos sociolinguísticos, houve a possibilidade de perceber que os autores estão cada vez mais preocupados em também colocar em evidência aqueles falantes que não são falantes de línguas de prestígio, desconstruindo visões que acabavam por excluir certos falantes que nada tinham de inferior em relação a outros.

Enfim, os conceitos e as visões que são tomadas como ponto de partida para qualquer pesquisador, nunca devem ser vistos por estes como os únicos, os melhores ou os últimos. É por vezes necessário refletir mais sobre os mesmos, relacionando-os com a realidade social e cultural da comunidade e dos sujeitos pesquisados.

Na análise dos dois contextos mencionados, percebeu-se que não há respaldo nas escolas para que contextos de bilinguismo e de diglossia que envolvem línguas minoritárias sejam trabalhados, para que sejam evitados preconceitos linguísticos e os mitos em torno destas línguas, bem como sua manutenção e valorização.

Constata-se, portanto, que as línguas de imigrantes vêm desaparecendo cada vez mais de geração em geração sem que os falantes mais jovens tenham noção da riqueza linguística e cultural que estão perdendo.

Defende-se que são necessárias políticas que tenham como objetivo dar maior visibilidade a essas línguas passando ao letramento das crianças tanto na língua portuguesa quanto na língua de herança que aprendem em casa ao invés de utilizar a língua portuguesa em detrimento das demais.

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Recebido Para Publicação em 30 de setembro de 2013. Aprovado Para Publicação em 23 de novembro de 2013.

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