PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO ACÓRDÃO/DECISÃO MONOCRATICA
ACÓRDÃO | | | | | | | | | | | Í | | | T
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B N°Vistos, relatados e discutidos estes autos de
APELAÇÃO CÍVEL COM REVISÃO n° 749.830-5/8-00, da Comarca de
SÃO PAULO-FAZ PUBLICA, em que são apelantes JORGE PEREIRA
TELLES E OUTROS sendo apelada FAZENDA DO ESTADO DE SÃO PAULO:
ACORDAM, em Segunda Câmara de Direito Público do
Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, proferir a
seguinte decisão: "DERAM PROVIMENTO AO RECURSO, V.U.", de
conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos
Desembargadores VERA ANGRISANI (Presidente), CHRISTINE
SANTINI.
São Paulo, 27 de maio de 2008.
LINEU PEINADO
Relator
A p e l a n t e A p e l a d o
Comarca
V o t o n° 1 2 . 8 9 0
JORGE PEREIRA TELLES E OUTROS FAZENDA DO ESTADO DE SÃO PAULO SÃO PAULO
R e c u r s o n ° 7 4 9 . 8 3 0 . 5 / 8 - 0 0
Conversão URV em Real - Lei 8880/94 - Competência legislativa da União - Aplicação compulsória a Estados e Municípios, inclusive aos vencimentos dos respectivos servidores, que impede a incidência de diferente legislação local a respeito. Recurso provido.
Trata-se de recurso de apelação interposto
nos autos da ação que visava ao pagamento de diferenças
de vencimentos de servidor público municipal, em face
da conversão de moeda, nos termos da Lei 8.880/94, que
foi julgada improcedente pela R. Sentença de fls.
Sustentam os apelantes, em resumo, que a
Lei n° 8.880/94 tem plena e total aplicabilidade no
âmbito Estadual de São Paulo. Afirmam que referida lei
não trará reajuste salarial algum, apenas evitará perda
salarial decorrente de uma conversão equivocadamente
formulada. Aduzem violação aos princípios da
irredutibilidade de vencimentos, da hierarquia e da
legalidade.
O recurso recebeu resposta.
É o breve relatório, adotado no mais o da
R. Sentença de fIs.
Ressalvada a posição pessoal deste Relator,
a questão se encontra solvida pela posição adotada por
esta Turma Julgadora, conforme se vê do julgamento d
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Apelação Civel n° 313.586-5/9-00, da Comarca de Santos,
em que foi Relatora a Eminente Desembargadora VERA
ANGRISANI, de onde se extrai a seguinte ementa:
"SERVIDOR PÚBLICO MUNICIPAL. Diferenças de vencimentos em face da conversão da moeda nos termos da Lei 8.880/94. Competência legislativa privativa da União: critérios de conversão em URV dos valores fixados em Cruzeiro Real: aplicação compulsória a Estados e Municípios, inclusive aos vencimentos dos respectivos servidores, que impede a incidência de diferente legislação local a respeito. Prescrição que incide apenas sobre direito de ação relativo às prestações não reclamadas no qüinqüênio que antecedeu a propositura da ação, não sendo o caso de falar-se, pois, em prescrição do fundo de direito, e sim de obrigação continuada. Súmulas 85 do STJ e 443 do STF. Recurso provido".
E do c o r p o do v o t o s e c o l h e :
"O art. 22 da Lei n.° 8.880/94 determina que "os valores das tabelas de vencimentos, soldos e salários e das tabelas de funções de confiança e gratificadas dos servidores públicos civis e militares, são convertidos em URV em 1o de março de 1994, considerando o que
determinam os arts. 37, XII, e 39, §1°, da Constituição". Tal dispositivo refere-se aos servidores públicos de um modo geral, não restringindo sua aplicação aos federais.
O art. 39, § 1o da Constituição Federal, apesar de conferir
aos Estados e Municípios competência para a definição dos seus respectivos quadros administrativos e fixação dos vencimentos dos seus servidores, não autoriza o descumprimento de lei geral de ordem pública que estabeleça as regras para a mudança do padrão monetário. Aliás, nos termos do art. 22, inciso VI, da Constituição Federal, compete privativamente à União legislar sobre o sistema monetário. Sendo assim, as Leis Federais n.°s 8.880/94 e 9.069/95 devem ser observadas porjodos
os entes federados.
Com efeito, o Congresso Nacional, com sanção do Presidente da República, dispõe dos poderes para legislar sobre matéria monetária (Art. 48, XIII, CF) e as normas nesse terreno seriam "de ordem pública", ou, como estabeleceu o Ministro Moreira Alves, relatando o RE no. 114.982/RS: "as normas que alteram padrão monetário e estabelecem os critérios para conversão dos valores em face dessa alteração se aplicam de imediato, alcançando os contratos em curso de execução, uma vez que elas tratam de regime legal de moeda, não se lhes aplicando, por incabíveis, as limitações do direito adquirido e do ato jurídico perfeito".
É que numa reforma monetária, não parece haver objeções, no plano da disciplina monetária, a que se modifiquem as cláusulas de correção, podendo, outrossim, haver objeções, no plano da disciplina das obrigações, caso os novos dispositivos provoquem desequilíbrio nas obrigações. Quanto a este último, todavia, os economistas do denominado Plano Real detinham as "tecnologias" necessárias para assegurar o que chamavam de "neutralidade distributiva". Era fácil argumentar que se toda a indexação fosse feita com respeito à mesma unidade de conta, ou seja, se todas as obrigações pecuniárias fossem referenciadas a uma mesma unidade de conta, esta sujeita à correção monetária, a transição para um novo padrão monetário seria uma mera mudança de denominação sem qualquer implicação distributiva, ou, no dizer dos juristas, sobre o equilíbrio das obrigações. Assim sendo, a reconstrução da moeda teria de se iniciar pela redefinição da indexação em termos de uma única unidade de conta - a URV - e que, além disso, essa unidade fosse o embrião da nova moeda, o Real.
Exatamente dessa forma foram lançadas as bases do Real. A Medida Provisória 434, de 27.02.1994, convertida na Lei n.° 8.880/94, criou a Unidade Real da Valor - URV - "dotada de curso legal para servir exclusivamente como padrão de valor monetário" (Art. 1o, caput), sendo a
URV parte integrante do Sistema Monetário Nacional (Art, 1V € M ^ f
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portanto, uma "moeda de conta" que teria poder liberatório, ou seja, teria o atributo de servir como meio de pagamento, apenas depois de emitida, quando passaria a chamar-se Real (Art. 2o). A Exposição de Motivos da MP
434 disse que "o tratamento seqüencial e, portanto, gradual da reforma monetária é uma inovação face à experiência passada cuja razão de ser reside em peculiaridades históricas e institucionais do momento econômico brasileiro", acrescentando que "o sequenciamento proposto para a reforma monetária usa a própria lógica que presidiu à progressiva deterioração do cruzeiro real".
Daí não se poder falar que a matéria inserida nas Leis Federais n.°s 8.880/94 e 9.069/95, não atingiram os funcionários públicos municipais, porque não disciplinaram matéria de competência exclusiva do Município e, conseqüentemente, não ofenderam o princípio federativo e a autonomia de seus entes tratada nos artigos 1o, 18, 25 e 29 da Constituição
Federal.
Aliás, esse o entendimento do Colendo Pretório Excelso: "EMENTA: Direito Monetário: competência legislativa privativa da União: critérios de conversão em URV dos valores fixados em Cruzeiro Real: aplicação compulsória a Estados e Municípios, inclusive aos vencimentos dos respectivos servidores, que impede a incidência de diferente legislação local a respeito. 1. Em todas as Federações, o estabelecimento do sistema monetário foi sempre típica e exclusiva função legislativa do ordenamento central; e estabelecer o sistema monetário - escusado o óbvio - consiste primacialmente na criação e eventual alteração do padrão monetário. 2. A alteração do padrão monetário envolve necessariamente a fixação do critério de conversão para a moeda nova do valor das obrigações legais ou negociais orçadas na moeda velha; insere-se, pois, esse critério de conversão no âmbito material da regulação do "sistema monetário", ou do Direito Monetário, o qual, de competência legislativa privativa da União (CF, art. 22, VI), se subtrai do âmbito da autonomia dos EstaHosè
Municípios. 3. A regra que confia privativamente à União legislar sobre "sistema monetário" (art. 22, VI) é norma especial e subtrai, portanto, o Direito Monetário, para esse efeito, da esfera material do Direito Econômico, que o art. 24, I, da Constituição da República inclui no campo da competência legislativa concorrente da União, do Estados e do Distrito Federal. 4. Dado o papel reservado à URV na transição entre dois padrões monetários, o Cruzeiro Real e o Real (L. 8880/94), os critérios legais para a conversão dos valores expressos em cruzeiros reais para a URV constituiu uma fase intermediária de convivência com a moeda antiga na implantação do novo sistema monetário. 5. Compreendem-se, portanto, ditos critérios da conversão em URV no âmbito material de regulação do sistema monetário, objeto de competência legislativa privativa da União. 6. A conversão em URV dos valores fixados para a remuneração dos servidores públicos locais - segundo a lei federal institutiva do novo sistema monetário -, não representou aumento de vencimentos, não sendo oponíveis, portanto, à sua observância compulsória por Estados e Municípios, as regras dos arts. 167 e 169 da Constituição da República. 7. Correta a decisão do Tribunal local que, em conseqüência, deu aplicação aos critérios da conversão de vencimentos e proventos em URV, ditados por lei federal (L. 8880/94, art. 22) e afastou a incidência da lei estadual que os contrariou ( L est. 6612/94-RN): RE não conhecido."(RE 291188/RN, 1a Turma,
Rei. Min. Sepúlveda Pertence, j . 08/10/2002, DJU 14/11/2002, p. 33, Ement. Vol. 2091-05, p. 1019.)
Por outro lado, tendo a apelada efetuado a conversão em URV apenas em 31 de março de 1994, quando deveria tê-lo feito em 1o de março de 1994, reduziu o poder aquisitivo dos vencimentos
dos apelantes em mais de 40%, causando-lhes considerável prejuízo, conforme demonstrado na inicial. A referida não conversão na época apropriada reflete-se até hoje no valor dos vencimentos dos autores.
Portanto, a prescrição incide apenas spjire
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direito de ação relativo às prestações não reclamadas no qüinqüênio que antecedeu a propositura da ação, não sendo o caso de falar-se, pois, em prescrição do fundo de direito, e sim de obrigação continuada. A decisão proferida pela Primeira Câmara Civil do Egrégio Tribunal de Justiça é bem elucidativa a esse respeito:
"Nesse sentido a predominante orientação jurisprudencial, inclusive da Suprema Corte, deixando assente que a prescrição atinge o fundo de direito quando o ato atacado é a própria lei que teria retirado o benefício pleiteado, ou quando se verifique expressa negação do benefício pelo ente público. Diversamente, quando o direito decorrente de uma lei não seja implícita ou explicitamente negado pela Administração, somente prescrevem as parcelas anteriores a cinco anos ("RTJ", vols. 83/293, 83/877, 84/851, 94/153, 112/126, 100/1276, 114/266, 113/778, 112/391 e 111/330)". (LEX 130/233).
No caso em tela, por tratar-se de obrigação de trato sucessivo e continuado, é o caso de aplicação do entendimento previsto na Súmula 85 do E. Supremo Tribunal de Justiça:
"Nas relações jurídicas de trato sucessivo em que a Fazenda Pública figure como devedora, quando não tiver sido negado o próprio direito reclamado, a prescrição apenas atinge as prestações vencidas antes do quinquêncio anterior à propositura da ação"
Pode-se, ademais, ser citada a Súmula 443, do E. Supremo Tribunal Federal:
"A prescrição das prestações anteriores ao período previsto em lei não ocorre, quando não tiver sido negado, antes daquele prazo, o próprio direito reclamado, ou a sua situação jurídica de que ele resulta"
Portanto, deve ser reformada a sentença de primeiro grau que julgou improcedente o pedido inicial, devendo-se fixar os proventos dos autores em URV a partir de 1o de março de 1994,
se a correta conversão para o real, devendo ainda a apelada pagar-lhes as diferenças verificadas acrescidas de correção monetária devidas desde a data da proposítura da presente ação, bem como juros moratórios de 6% ao ano devidos desde a data da citação, observada a prescrição qüinqüenal, condenada a Municipalidade ao pagamento de honorários advocaticios ora fixados conforme o art. 20, §4°, do CPC, em R$ 500,00.
Isto posto, pelo meu voto, dá-se provimento ao recurso".