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Profa. Dra. Vera Lúcia Santiago Araújo UECE Profa. Dra. Soraya Ferreira Alves UECE

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Academic year: 2021

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DO TEXTO PARA A TELA, DA TELA PARA A PALAVRA: UM ESTUDO SOBRE OS PROCESSOS INTERSEMIÓTICOS ENVOLVIDOS NA TRADUÇÃO DO LIVRO CAMPO

GERAL, DE GUIMARÃES ROSA, PARA O FILME MUTUM, DE SANDRA KOGUT, E A AUDIODESCRIÇÃO DO FILME PARA CEGOS.

Profa. Dra. Vera Lúcia Santiago Araújo – UECE

Profa. Dra. Soraya Ferreira Alves – UECE

0 Introdução

Este trabalho tem por objetivo relatar pesquisa desenvolvida junto ao Programa de

Pós-Graduação em Lingüística Aplicada da UECE, na área de Tradução Intersemiótica, tanto

no que diz respeito à adaptação fílmica (AF), como à audiodescrição (AD) de filmes para

cinema e TV. Faremos, mais especificamente uma análise da adaptação da novela Campo

Geral, de Guimarães Rosa (1956) para o filme Mutum (2007), da diretora Sandra Kogut.

Também discutiremos as estratégias adotadas pela equipe da UECE para audiodescrever o

filme.

Para Jakobson (1995), existem três tipos de tradução: a interlingüística ou tradução

propriamente dita (texto de partida e chegada em línguas diferentes); a intralingüística ou

reformulação (texto de partida e chegada na mesma língua); e a intersemiótica ou

transmutação (texto de partida e chegada em meios semióticos diferentes, do visual para o

verbal e vice-versa). A AF e a AD seguem percursos semióticos distintos: A AF transmuta o

texto literário em imagens, enquanto a AD transforma as imagens de um filme em palavras.

A AD pode ser definida como a técnica utilizada para tornar o teatro, o cinema e a TV acessíveis para os cegos. Trata-se de uma narração adicional que descreve a ação, a linguagem corporal, as expressões faciais, os cenários e os figurinos. A tradução é colocada entre os diálogos e não interfere nos efeitos musicais e sonoros. Seria a tradução das imagens, do enredo, do cenário e da ação (BENECKE, 2004). Originou-se nos Estados Unidos nos anos 70. Já é bastante utilizada nos Estados Unidos, Reino Unido, França, Alemanha e Japão. Em alguns desses países já existe uma regulamentação que obriga as emissoras de TV a audiodescreveram seus programas e filmes: EUA (50 horas por mês); Reino Unido (atualmente 4% da programação, em 2010, 10%). Aqui no Brasil, existe uma lei que obriga os canais de TV a fornecerem AD para seus telespectadores cegos, mas sua implantação foi adiada por determinação do Ministério das Comunicações. Por enquanto, nenhum dos meios de comunicação de nosso país permite o acesso de deficientes visuais às suas produções audiovisuais.

Reflexões sobre a AF se fazem cada vez mais necessárias a medida que cada vez mais vemos a tradução (ou adaptação) sendo usada em produções para a mídia, tanto obras literárias adaptadas para a televisão em forma de novelas e séries, como para o cinema, ou até para videogames, ou mesmo filmes sendo adaptados para videogames e vice-versa. Deve-se levar em conta que essas adaptações são feitas a partir de obras nem sempre originadas de uma mesma cultura ou época, o que traz a necessidade de se pensar, além das estratégias usadas para a adaptação de um sistema semiótico a outro, a questão da tradução de signos culturais, que precisam ser reconhecidos pelos espectadores da cultura de chegada dessa tradução, já que, como qualquer ato de interpretação, o ato tradutório está inserido no presente e, portanto, traz consigo toda a influência do momento (STAM, 2000).

A tarefa torna-se ainda mais complexa quando essa obra adaptada vai ser audiodescrita, fazendo assim o que Payá (2007) chama de caminho de volta, do filme para o roteiro. Segundo o autor, como em toda tradução, o caminho de volta mostra-se diferente da viagem de ida - do roteiro para o filme, porque serão descritas as cenas produzidas pelo diretor, ou seja, o que será traduzido em palavras será a leitura que alguém fez do livro. Como essa interpretação varia de acordo com o leitor, a

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AD seria, então, a tradução de uma tradução. É justamente esse entrelaçamento de redes intersemióticas que será discutido aqui.

1. A viagem de Ida: Livro → Roteiro → Filme

A tradução já traz inscrita, em si, a diferença de olhares, e a tradução intersemiótica, mais especificamente, aqui, a adaptação da literatura para o cinema, enfatiza essa diferença por propor estratégias de representação que são traçadas por meios semióticos diversos e que, portanto, geram processos que são fruto da articulação de diferentes interpretações. Como explica Xavier,

Livro e filme estão distanciados no tempo; escritor e cineasta não têm exatamente a mesma sensibilidade e perspectiva, sendo, portanto, de esperar, que a adaptação dialogue não só com o texto de origem, mas com seu próprio contexto, inclusive atualizando a pauta do livro.(XAVIER, 2003, p.62)

Avellar também fala sobre o diálogo literatura e cinema e as diferenças de olhares estabelecidas em ambos os processos:

Estabelecer como base deste diálogo espontâneo a fidelidade de tradução, reduzir a palavra e a imagem a diferentes modos de ilustrar algo pensado ou sentido fora delas, elimina o conflito entre estes diferentes modos de ver o mundo, conflito natural e que estimula a literatura e o cinema a criar novas formas de composição. (AVELLAR, 2007, p.13)

A esse pensamento pode-se ligar o de Stam, que se refere à hipertextualidade, ou seja, à relação de um texto (hipertexto) com um texto anterior (hipotexto) que é transformado, elaborado ou ampliado. Assim sendo, adaptações “são hipertextos derivados de hipotextos pré-existentes que foram transformados por operações de seleção, ampliação, concretização e atualização” (2000, p.66).

É nessas concepções de tradução que esta análise se baseará para observar a tradução da diretora Sandra Kogut da novela Campo Geral (1956), de Guimarães Rosa, para o filme Mutum (2007).

Campo Geral conta a história de Miguilim e sua família, que moram em um lugar distante de qualquer outro, o Mutum. É no Mutum, a partir dos olhos de Miguilim, que temos a informação do que se passa em sua família e em seu pensamento. A história é contada por um narrador em terceira pessoa, mas com o ponto de vista do protagonista. Pode-se dizer, nesse caso, que o narrador, com onisciência seletiva, não apenas observa de fora o personagem, mas incorpora à sua voz os sentimentos e pensamentos do protagonista.

É a partir do ponto-de-vista infantil de Miguilim (ele tem apenas 8 anos), que sabemos toda a sua história: que a mãe, Nhanina, tem um caso com o tio de Miguilim, Tio Terêz; que o pai, Nho Berno, é muito rude e violento, que este descobre o caso da mulher com o irmão. Sabemos que o tio tem de ir embora, mas que outro, Luisaltino, alguém que vem para ajudar Nho Berno, ocupa o lugar deste, tanto na roça como no coração da mãe.

Sentimos toda a sua tristeza e horror com a morte do irmãozinho Dito, único amigo e confidente de Miguilim. Sentimos também toda sua angústia e revolta pelo pai que parecer voltar-se contra ele, provocando algo parecido com ódio. Sentimos sua solidão, sua apatia, quando adoece seriamente e, durante sua doença, também nos é revelado que o pai havia matado Luisaltino e se suicidado logo depois, atormentado pelo desatino. Sabemos ainda que um certo doutor chega em sua casa, por acaso, e percebe que Miguilim olha com os olhos miúdos. Vemos, com Miguilim, um novo mundo se revelar quando o doutor lhe empresta os óculos. Ao reconhecer seu lugar, Miguilim parte, com o doutor, para fazer seus próprios óculos e ir à escola. Vivenciamos, enfim, sua trajetória da infância para a maturidade.

O que nos é revelado, porém, não se faz de forma clara e direta, pois é somente por meio de comentários, observações, pensamentos, falas dos outros, que o leitor obtém informações que o levam a fazer o julgamento dos fatos. É por essa percepção, que o menino constrói seu mundo, influenciado também pela impossibilidade de penetração no mundo do outro, pois quase nada lhe é revelado diretamente. Assim, até Miguilim entender o que estava acontecendo, e até revelar-se a diferença entre o modo como ele via as coisas e o que de fato se passava, tudo que temos acesso é a visão dele. E o que ele via aparece, então, embaçado pelo modo como ele sentia e pensava. Fica claro, porém, que o

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seu amor incondiconal pela mãe o faz mascarar a verdadeira razão da ira do pai. Era o comportamento da mãe que o tinha transformado em um homem rude e severo.

O filme Mutum também narra a história através do olhar e entendimento do menino, que no filme chama-se Tiago. Porém, muitas vezes as informações sobre os fatos se tornam ainda mais diluídas, pois não há a expressão do pensamento de Tiago sobre as coisas e as pessoas, mas somente os momentos e falas presenciados por ele.

Não há trilha sonora, somente os sons do ambiente como percebidos por Tiago. Esses sons são fundamentais para a caracterização de seu estado de espírito. Assim, percebe-se que a onisciência seletiva é traduzida pelo cinema através da modulação de olhares e sons na composição da cena. Segundo Branigan (1984, p. 1), é o conjunto de estratégias estilísticas (posicionamento de câmera, som, montagem, fotografia, construção de cena, etc.) que representa a subjetividade de um personagem. O que ocorre em Mutum, portanto, segundo Silva,

É uma articulação modulada de elementos da linguagem cinematográfica (particularmente, o som e os posicionamentos de câmera) que compõem um efeito específico de representação: as imagens capturadas e os ruídos do ambiente não são apenas registros realistas dos eventos narrados, mas exprimem a interioridade de Tiago. (SILVA, 2008, p. 6)

2. A viagem de volta: Livro → Filme → Roteiro audiodescrito 2.1 O making of da AD

Payá (2007) demonstra em sua análise do roteiro do filme Pulp Fiction (Quentin Tarantino, 1994) e do roteiro audiodescrito desse mesmo filme que essa “viagem intersemiótica” é diferente, porque os dois roteiros possuem objetivos distintos. Mostra exemplos de várias cenas em que essa distinção aparece, apesar de ambos os roteiros focalizarem a mesma cena. Num deles, são visualizados os rostos de dois personagens, Jules (Samuel Lee Jackson) e Vincent (John Travolta) dentro de um carro. O roteiro do filme descreve o carro (modelo Chevy Nova de cor branca e ano 1974) e sua trajetória (o carro atravessa as ruas de Los Angeles). Aqui, os personagens não são descritos, porque essa informação pode ser recuperada pelo canal visual do espectador. Já o roteiro audiodescrito dá ênfase justamente nessa informação para que o cego tenha a mesma experiência do vidente:

Dois homens, Jules, de raça negra e Vincent, branco, atravessam o subúrbio de Hollywood a bordo de um Chevrolet 74. Vincent é alto, de rosto afilado e cabelos compridos pretos que caem sobre seus ombros. Usa um brinco na orelha direita. É interpretado por John Travolta. (2007, 88-89)

Os outros exemplos apontados por Payá (2007) corroboram a afirmação de que os dois roteiros são diferentes, apesar da correlação de ambos. Com base nisso, resolvemos trabalhar no roteiro audiodescrito do filme sem relacioná-lo com o roteiro original do filme e nem com o livro de Guimarães Rosa. Portanto, nosso texto de partida é o filme e não o livro como é o caso da AF. Depois de concluída a AD, recorremos ao livro e constatamos a impossibilidade de qualquer ligação do nosso texto com o do autor mineiro. Sua linguagem singular, obtida com uma simbiose de sua voz de narrador com a dos personagens do filme não seria adequada a uma AD.

Procuramos também não preencher todos os espaços com a nossa narração, para que o espectador cego pudesse ouvir os sons do filme: os pássaros com canto angustiante, a chuva torrencial que caía, porque elas poderiam dizer muito mais dos personagens do que o nosso texto. Seguimos nesse caso a principal diretriz de uma AD, descrever somente o que pode ser recuperado pela visão, deixando as inferências para serem feitas pelo deficiente visual. Como na cena inicial do filme, quando vemos as patas de um cavalo, ao invés de dizermos que um cavalo traz os personagens de Tiago e Terêz, vamos dando essa informação lentamente, à medida que as imagens vão aparecendo:

Inserção 1: Patas do cavalo adentram a paisagem.

Inserção 2: O cavalo leva um homem, uma criança e alguns sacos dependurados. A criança vai à frente. Eles se distanciam descendo o morro.

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Inserção 3: Cachorros correm ao encontro do homem e do menino.

Podemos perceber que também não foram ditos ainda o nome dos personagens, visto que estes ainda não foram apresentados ao público.

A audiodescrição do filme seguiu 4 etapas: elaboração do script com o auxílio do software Subtitle Workshop (SW) e de um consultor cego, produção do roteiro com todas as rubricas necessárias para a gravação no estúdio, gravação em estúdio e mixagem da AD e do som original do filme. Apesar de ser um programa de legendagem o SW foi utilizado porque permite a marcação do tempo de entrada e saída da AD, a duração dessas inserções e a visualização do filme. A diferença entre a legendagem e a AD reside no fato de que a primeira ocorre simultaneamente às falas, enquanto a segunda é colocada entre elas. Com esses instrumentos o audiodescritor pode testar se sua descrição não se sobrepôs à fala. Essa é outra diretriz fundamental de uma AD, procurar evitar ao máximo a sobreposição entre a narração e os diálogos do filme. A sobreposição pode prejudicar a recepção dos deficientes visuais. Ela só deve acontecer em casos extremos: quando o que está sendo dito não é importante para o entendimento do filme ou quando a descrição é fundamental para esse entendimento. O excesso de sobreposições pode impedir que o cego assista ao filme confortavelmente. Abaixo a tela do SW:

Figura 1: Tela do Subtitle Workshop

Depois de elaborada a lista de diálogos, começamos a preparação do roteiro que contém os seguintes elementos: tempos iniciais e finais (Time code reader – TCR) onde serão inseridas as descrições, a AD, além de rubricas (a última fala antes de entrar a AD – a deixa - e as instruções para a locução ) para auxiliar a gravação da voz:

10:02:39,190 - 10:02:41,850

- Não, mas o tio me deu esse chiclete aqui.[Deixa]

Brenda pega o santinho, corre em direção à casa e depois volta.[AD]

(Sobrepor conversa dos garotos) [Instruções]

10:03:05,290 - 10:03:08,100

- Larga isso, João Vitor! [Deixa]

João pega o santinho. As crianças falam com o tio. [AD]

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10:03:11,690 - 10:03:14,690

- É mesmo? Falou qual que era ... [Deixa]

Thiago estende a mão a um homem que debulha milho. [AD] 10:03:18,330 -

10:03:23,300

- O Pai lhe abençoe. [Deixa]

Thiago corre ao encontro de uma mulher e pula em seu colo. [AD] 10:03:23,310 -

10:03:26,110

Os dois se abraçam. [AD]

(Sobrepor risos) [Instruções]

Quadro 1: Roteiro da AD de Mutum

Depois de elaborado o roteiro, fomos a um estúdio de gravação para gravar as inserções que depois foram mixadas e equalizadas pelos técnicos.

2.2 O Roteiro Audiodescrito

Como a principal meta de uma AD é traduzir aquilo que só pode ser recuperado pela visão, toda informação dependente do canal visual para ser traduzida. Então, o logo do filme, os créditos iniciais e todos os letreiros devem ser lidos:

10:00:31,150 - 10:00:38,780

Projeto apoiado com recursos da ANCINE. Prêmio Adicional de Renda 2006.

10:00:38,900 - 10:00:42,430

Produzido com apoio da Hubert Bals Fund do Festival de Filmes de Rotterdam.

10:00:42,880 - 10:00:49,230

Participação de Fonds Sud Cinema e Arte France. Ministério da Cultura e Comunicação e Assuntos Estrangeiros, França.

10:00:49,350 - 10:00:52,280

Tambellini e Gloria Filmes apresentam... 10:00:52,750 -

10:00:54,490

Co-produção Videofilmes. 10:00:55,250 -

10:00:57,050

Um filme de Sandra Kogut. 10:00:57,720 -

10:01:15,390

Cabeça de um cavalo branco, vista por alguém que está em cima dele, preenche a tela.

10:01:15,490 - 10:01:24,290

Tela escurece. Mutum.

Quadro 2: Créditos Iniciais de Mutum

Os personagens principais (Tiago, Terêz, a mãe e o pai) foram descritos à medida que foram aparecendo na tela, mas os outros foram nomeados. A diretora optou por nomear as crianças dos filmes com seus nomes na vida real (Miguilim é Tiago; Dito é Felipe) e os adultos com a denominação de Guimarães Rosa (Vó Izidra, Terêz, Luisaltino). Isso só pode ser percebido nos créditos finais do filme, visto que a diretora não colocou nos diálogos do filme. Essa é outra diretriz da AD, não fornecer informação duplicada s essa puder ser recuperada na trilha sonora (diálogos ou sons do filme). Optamos por antecipar essa informação, porque ela não adiantava nenhuma interpretação do filme, visto que a identidade dos personagens não direciona nenhum tipo de interpretação do filme.

Ballester (2007: 137) aponta estratégias para caracterizar os personagens de uma AD:

A caracterização dos personagens se centra em seus atributos físicos (idade, etnia e aspecto)e também no seu vestuário, expressões faciais e linguagem corporal. Além disso, são descritos os estados emocionais, mentais e físicos dos personagens.

A autora frisa também que essa caracterização deve ser feita ao longo do filme, já que, muitas vezes, os tempos sem fala que podem ser preenchidos com a AD são pequenos. No caso de Mutum, preferimos nos centrar na caracterização do personagem Tiago. Centramos a descrição em seus aspectos emocionais e mentais e também na descrição dos ambientes nos quais ele circula, a casa, a mata, o quintal e a frente da casa. Nossa escolha se deu não por falta de tempo, mas por causa dos

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silêncios encontrados no filme de Sandra Kogut. Decidimos respeitar esses silêncios e colocar poucas inserções para que o espectador pudesse ouvir os sons do filme. Um exemplo disso é a saída de Tio Terêz por causa da descoberta de romance com a mãe de Tiago por parte de Nho Berno. Nesse dia, caiu uma chuva torrencial precedida de um vento forte:

10:10:58,820 - 10:11:02,620

- Barulho do vento.

Paisagem. Redemoinho de vento levanta folhas. 10:11:04,070 -

10:11:07,180

Curral vazio. Céu cinzento. 10:11:10,900 -

10:11:14,440

Quarto da mãe. Porta fechada. 10:11:17,990 -

10:11:24,940

Tiago se aproxima. Abaixa-se e escuta atrás da porta. 10:13:11,660 -

10:13:20,210

Terêz caminha lentamente na chuva, puxando o cavalo branco. 10:13:23,250 -

10:13:33,720

Thiago o observa pela janela. 10:13:34,810 -

10:13:42,660

Terêz caminha em direção à estrada de saída da casa. 10:13:44,860 -

10:13:52,470

Thiago deitado na soleira da porta do quarto da mãe. 10:14:07,860 -

10:14:14,950

No chão do quarto, Thiago chora no colo da mãe. 10:14:19,380 -

10:14:24,530

Rosa coloca uma panela embaixo da goteira.

O vento foi o prenúncio da turbulência a ser enfrentada que se consuma com a partida do tio. Agora a chuva surge como uma metáfora do estado de espírito do menino.

Como falado anteriormente, o ponto de vista da narrativa literária e fílmica foi uma das questões observadas em nossa análise da adaptação e muito contribuiu para a elaboração da AD, não só na observação de que as falas não deviam se sobrepor aos sons do ambiente pois estes seriam primordiais para a construção do personagem de Tiago, como também na escolha do léxico que melhor estabelecesse o ponto de vista.

Assim, tendo por base as explicações de Silva (2008) com relação aos planos ponto de vista utilizados pela diretora para narrar utilizando do recurso da onisciência seletiva, pudemos escolher como audiodescrever as cenas que antecedem o final do filme, representadas a seguir:

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de acordo com o autor,

Nessa seqüência, temos quatro estruturas primárias de PPV: dois planos, separados por um corte, em que, no primeiro, é determinado o sujeito que olha e, no segundo, a câmera ocupa o lugar físico dessa fonte de olhar, revelando com isso o objeto de atenção. A dificuldade de enxergar de Tiago (nesse momento, suprida pelos óculos do médico que descobrira seu problema de visão) é representada por essa utilização do PPV: o narrador, nesse caso, não apenas mostrar o que Tiago vê, mas o mostra vendo. (SILVA, 2008, p.8)

Dessa forma, nosso texto foi elaborado como segue:

11:22:23,110 - 11:22:25,270

Thiago põe os óculos e sorri. 11:22:33,920 -

11:22:38,680

Vê Terêz chegando. 11:22:46,750 -

11:22:51,370

Vê Rosa próximo à cerca do curral. Ela olha em sua direção. 11:22:57,850 -

11:23:03,360

Vê Brenda, João Vitor e Vó Izidra com o papagaio na mão. 11:23:19,980 -

11:23:22,920

Vê a casa. 11:23:28,790 -

11:23:34,910

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A escolha da palavra “vê”, ao invés de “olha”, foi feita observando o ponto de vista do menino, como também pelo fato de que, naquele momento, com os óculos do médico, ele realmente estava “vendo”, já que sua miopia, anteriormente, o impossibilitava.

Considerações Finais

A curta reflexão realizada nesse trabalho acerca dos caminhos percorridos por dois tipos de tradução intersemiótica, a AD e a AF, levamos a constatar que, apesar de esses caminhos serem correlatos, eles têm objetivos e funções diferentes. A principal diferença reside no texto de partida de cada um deles, já que enquanto na AF foi o livro de Guimarães Rosa, o texto fonte, na AD, foi o filme de Sandra Kogut.

Esse trabalho faz parte de uma pesquisa iniciada em 2008 na UECE em parceria com a UFMG que visa encontrar um modelo de audiodescrição que atenda às necessidade os deficientes visuais brasileiros. Esse modelo terá como base as pesquisas realizadas dentro da área dos Estudos de Tradução e da multimodalidade. Esse modelo será testado com cegos dos estados da Bahia, do Ceará e Minas Gerais. Nossa meta é promover a acessibilidade audiovisual e contribuir para a implantação da AD no Brasil, formando pesquisadores e profissionais da área.

Referências

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BRANIGAN, Edward. Point of view in the cinema: A Theory of Narration and Subjectivity

in Classical Film. New York: Mouton Publishers, 1984.

BALLESTER, A. Directores em la sombra: personajes y su caracterización em El guión audiodescrito de Todo sobre mi madre (1999). In HURTADO, C.J. Traducción y acessibilidad. Subtitulación para sordos y audiodescripción para ciegos: nuevas modalidades de traducción audiovisual. Frankfurt:Peter Lang, 133 -151).

BENECKE, B. Audio-description. In: Gambier, Y. (ed.) Meta. Volume 49, no. 1, abril de 2004, 78-80.

JAKOBSON, R. Aspectos lingüísticos da tradução. Trad. Izidoro Blikstein. In: JAKOBSON, R.

Lingüística e Comunicação. São Paulo: Cultrix, 1995, p.63-86.

PEREZ PAYÁ, M. La audescripción: traduciendo El lenguaje de lãs cámaras. In HURTADO, C.J.

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ROSA, J.G. Campo Geral. In Manuelzão e Miguilin. Rio de Janeiro: Rocco, 2001.

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Congresso Internacional da Associação Brasileira de Literatura Comparada, 2008: São Paulo/SP – Tessituras, Interações Comvergências. Nitrini, Sandra et al. São Paulo: ABRALIC, 2008. e-book. STAM, R Beyond Fidelity. In NAREMORE, J. Film Adaptation. Londres: The Athlone Press, 2000.

XAVIER, I.

Do texto ao filme: a trama, a cena e a construção do olhar no cinema. In

PELLEGRINI, T. (et ali) Literatura, cinema, televisão. SP: Senac / Itaú Cultural, 2003.

Referências

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