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Sumário. Tribunal da Relação de Évora Processo nº 322/17.1T9PTG.E1. Relator: SÉRGIO CORVACHO Sessão: 24 Novembro 2020 Votação: UNANIMIDADE

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Tribunal da Relação de Évora Processo nº 322/17.1T9PTG.E1 Relator: SÉRGIO CORVACHO Sessão: 24 Novembro 2020 Votação: UNANIMIDADE

ACÓRDÃOS DE FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA RAI

ART.358º DO CPP CONCORRÊNCIA DESLEAL

ABUSO DE CONFIANÇA INFIDELIDADE

Sumário

Ao contrário do antigo instituto dos Assentos, que se caracterizava pela sua obrigatoriedade para a generalidade dos Tribunais e cuja compatibilidade com o postulado constitucional da vinculação exclusiva destes à lei era, por isso, problemática, os actuais Acórdãos de fixação de jurisprudência revestem uma força vinculativa tendencial, ou seja, os Tribunais podem divergir da

orientação neles consagrada, mas, fazendo-o, ficam sujeitos a um especial dever de justificar a divergência.

Neste contexto, somos de entender que, sob pena de se esvaziar de conteúdo útil o propósito unificador da instituição dos Acórdãos a que nos vimos

referindo, os Tribunais só devem afastar-se da doutrina acolhida por essas decisões perante razões ponderosas, como seja, por exemplo, a convicção de que orientação jurisprudencial preferida pelo STJ é manifestamente

incompatível com algum princípio jurídico basilar, geralmente aceite, ou violadora de normas constitucionais expressas.

Da conjugação da jurisprudência firmada por cada um dos Acórdãos do STJ nº 7/2005 e nº 1/2015 resulta que os requisitos mínimos de admissibilidade de um RAI apresentado por assistente têm de incluir impreterivelmente, ao nível da matéria de facto, os factos integradores de todos os elementos

constitutivos, objectivos e subjectivos, do tipo de crime ou dos tipos de crime, pelos quais o requerente entenda que o arguido deve ser pronunciado.

De acordo com o decidido no segundo dos identificados Arestos, a falta de alegação dos factos integradores da tipicidade objectiva ou subjectiva do

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art. 358º do CPP, pois tal equivaleria a transformar uma conduta não punível numa conduta punível, o que, segundo foi então ajuizado pelo nosso Mais Alto Tribunal, não é compatível com o princípio da estrutura acusatória do

processo penal, que tem assento constitucional (art. 32º nº 5 da CRP).

Como pode verificar-se, tanto na versão do CPI vigente ao tempo dos factos, 2016, como na actualmente em vigor, a concorrência desleal não é prevista e punida como infracção criminal, mas sim sancionada como ilícito contra-ordenacional.

Uma base de dados informática, entendida apenas como acervo de informação e não se confundido com as máquinas em que possa estar gravado, não é objecto típico idóneo de crimes contra a propriedade, como o furto e o abuso de confiança, por não preencher o conceito de «coisa» para efeitos jurídico-criminais, faltando-lhe a característica essencial da «corporeidade».

Estando em causa a lesão do património de uma sociedade comercial, o crime de infidelidade só pode ser cometido, se bem compreendemos, por quem for titular dos órgãos de administração ou fiscalização do ente societário ou pela pessoa a quem algum dos titulares tenha transmitido os seus poderes, através de acto jurídico formal idóneo para o efeito (por exemplo, uma procuração).

Texto Integral

ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA

I. Relatório

No inquérito nº 322/17.1T9PTG, que correu termos no MP junto da Comarca de Portalegre, pelo MP foi proferido despacho final, determinando o respectivo arquivamento, nos termos do art. 277º nº 1 do CPP, em relação à totalidade da queixa apresentada por «D…» contra L…, A…, A…, J…, H…e «T…».

Inconformada, «D…», constituída assistente nos autos, requereu a abertura de instrução, com a finalidade de que fossem pronunciados os arguidos pelos crimes de abuso de confiança p. p. pelo art. 205º nº 1 do CP, de infidelidade p. e p. pelo art. 224º nº 1 do CP e de concorrência desleal p. e p. pelo art. 317º do Código da Propriedade Industrial (CPI).

Para o efeito da apreciação do pedido de abertura de instrução, foram os autos distribuídos ao Juízo Local Criminal de Elvas do Tribunal Judicial da Comarca de Portalegre, tendo a Exª Juiz deste Juízo proferido, em 22/11/2018, um despacho com o seguinte teor:

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«Concordando com a promoção de fls. 192, anote em local visível e destacado da capa dos autos a data apontada para a prescrição do procedimento criminal e insira o correspondente alarme no Citius.

*

A assistente D…, veio requerer, a fls. 210 e ss., a abertura de instrução. Nos termos do n.º 1 do artigo 286.º do Código de Processo Penal, a instrução tem como finalidade a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito, em ordem a submeter ou não a causa a julgamento. Se o juiz de instrução decidir que a causa deve ser submetida a julgamento, aceitando as razões apresentadas pelo assistente, isso significa que recebe a acusação implícita no requerimento para abertura da instrução, pronunciando o arguido em conformidade com ela.

Assim, o requerimento apresentado pelo assistente para abertura de instrução há-de conter, substancialmente, uma verdadeira acusação, como resulta desde logo do n.º 2 do artigo 287.º do Código de Processo Penal, que remete para as alíneas b) e c) do n.º3 do artigo 283.º do mesmo diploma legal.

Nos termos das alíneas b) e c) do n.º 3 do artigo 283.º do Código de Processo Penal a acusação contém, sob pena de nulidade, a narração, ainda que

sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada e ainda a indicação das disposições legais aplicáveis. Como comenta Maia Gonçalves, o requerimento do assistente para abertura da instrução “deverá, a par dos requisitos do n.º 1, revestir os de uma

acusação, que serão necessários para possibilitar a realização da instrução, particularmente no tocante ao funcionamento do princípio do contraditório, e a elaboração da decisão instrutória” - in "Código de Processo Penal Anotado", 1999, 11ª Edição, pág. 552.

Neste sentido o Acórdão da Relação de Coimbra de 24 de Novembro de 1993, in CJ, T. IV, 61, ou seja, se no “requerimento de abertura de instrução em causa não se faz qualquer enumeração dos factos concretos que se pretende estarem indiciados nos autos, não se faz uma descrição da conduta do arguido.

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Não compete ao Juiz de instrução perscrutar os autos para fazer a

enumeração e descrição dos factos que se poderão indiciar como cometidos pelo arguido, pois, se assim fosse, estar-se-ia a transferir para o Juiz o

exercício da ação penal, com violação dos princípios constitucionais e legais vigentes”.

O requerimento para abertura de instrução deverá conter as razões de facto e de direito da discordância relativamente à não acusação. Deverá, igualmente, conter factos que constituem uma verdadeira acusação. Isto é um pressuposto da instrução, uma vez que, desta forma se fixam os poderes de cognição do juiz. Sem tais elementos não poderá o juiz abrir tal fase processual.

Apreciemos, pois, o requerimento de abertura de instrução apresentado pela assistente.

O requerimento de abertura de instrução em causa contém os motivos de discordância do despacho de arquivamento, mas a assistente não elaborou uma verdadeira acusação, como o exigem os normativos legais supra

referidos.

A assistente, depois de tecer as considerações quanto à discordância do despacho de arquivamento, devia elaborar a acusação relativamente à qual pretende ver os arguidos pronunciados.

Não se percebe quais os factos que imputa concretamente a cada um dos arguidos, que permita subsumi-los nos três tipos de ilícitos criminais que lhes imputa, a cada um dos arguidos ou a algum e a qual dos arguidos em concreto (?), sendo certo que refere: “os arguidos cometeram indubitavelmente os crimes de abuso de confiança, infidelidade e concorrência desleal, previstos e punidos pelos artigos 205.º, n.º 1, 224.º, n.º 1 e 317.º do Código Penal,

respetivamente”(fls.212/verso).

Cada um dos tipos legais mencionados exige, para ocorrer uma possível futura condenação dos arguidos, a indicação e enumeração dos factos que permita constatar, verificarem-se os pressupostos dos elementos dos tipos objetivos e subjetivos de cada um dos ilícitos invocados, e neste ponto, o requerimento da assistente peca por omissão, não explanado factos atribuídos à conduta dos arguidos, que efetivamente se enquadrem nos referidos pressupostos de cada um dos ilícitos criminais a que faz menção.

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A essa conclusão se chegou no despacho de arquivamento do Ministério Público, o qual não nos merecer censura porquanto se mostra devidamente esclarecedor e com fundamentação subjacente.

Assim, a conclusão a que se chega é que a assistente não expõe de modo preciso os factos praticados pelos arguidos que se subsumam nos crimes que lhes imputa. O que a assistente refere quanto à matéria factual fá-lo por uma forma vaga e que não se enquadra em nenhum dos referidos ilícitos criminais, como também resulta explicitado no despacho de arquivamento.

Veja-se o entendimento proferido no acórdão do Tribunal da Relação de Évora, datado de 13.07.2017, no âmbito do processo n.º 203/14.0T9ENT.E1, acessível em www.dgsi.pt, sobre esta questão, com o qual se concorda em absoluto (com sublinhado nosso): «I – O requerimento de abertura da instrução apresentado pelo assistente tem de conter, designadamente e sob pena de nulidade: (i) a narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada; (ii) a indicação das disposições legais aplicáveis.

II – Deve ser rejeitado, por inadmissibilidade legal, nos termos prevenidos no artigo 287.º n.º 3, do CPP, o requerimento do assistente para abertura da instrução que deixe de arrolar a totalidade dos factos consubstanciadores do crime pelo qual pretende ver o arguido pronunciado, sob pena de, em infração regras de economia e utilidade processuais, se fazer iniciar uma instrução que, à partida, inarredavelmente, só se pode ter por inconsequente.» Não cabe ao Tribunal escolher os factos que deveriam fazer parte dessa acusação.

Conforme resulta do artigo 283.º, n.º 3, al. b), do CPP, na formulação da "acusação" não há lugar à existência de "factos implícitos", mas apenas à "narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena...". E percebe-se porquê, se tivermos bem presente que é pela acusação que se define e fixa o objeto do processo - o objeto do

julgamento - e, portanto, passível de condenação é tão só o acusado e relativamente aos factos constantes da acusação".

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Como refere José Souto de Moura, "se o assistente requerer instrução sem a mínima delimitação do campo factual sobre que há-de versar, a instrução será a todos os títulos inexequível. O juiz ficará sem saber que factos é que o

assistente gostaria de ver provados(...). Aliás, um requerimento de instrução sem factos, subsequente a um despacho de arquivamento, libertaria o juiz de instrução de qualquer vinculação temática. Teríamos um processo já na fase de instrução sem qualquer delimitação do seu objecto" - in "Inquérito e Instrução" (cfr. "Jornadas de Direito Processual Penal", pág. 120).

A falta de descrição de factos e normas legais no requerimento de abertura de instrução do assistente constitui ao mesmo tempo a nulidade prevista no

artigo 283.º, n.º 3, alíneas b) e c), dada a remissão do artigo 287.º, n.º 2, e, em conformidade com o n.º 3 deste último preceito, causa de rejeição desse

requerimento.

De referir o Acórdão da Relação do Porto de 23 de Maio de 2001, in CJ, III, 238, que esclareceu que: “o requerimento de abertura de instrução

apresentado pelo assistente quando o MP.º arquiva o inquérito fixa o objecto do processo, traçando os limites dentro dos quais se há-de desenvolver a actividade investigatória e cognitória do juiz de instrução”.

Segundo o Ac. da RP de 21.11.2001, in CJ, V, 2001, há fundamento para

rejeitar o requerimento de abertura de instrução apresentado pelo assistente, se tal requerimento, não descreve os factos, nem indicar as disposições legais incriminadoras por forma a cada arguido poder saber concretamente o que lhe é imputado. Num tal caso, existe falta de acusação, e não apenas acusação deficiente, o que torna a instrução legalmente inadmissível.

*

Assim sendo, o requerimento apresentado pelo assistente enferma da

nulidade, prevista no artigo 283.º, n.º 3, para que remete o artigo 287.º, n.º 2, ambos do Código de Processo Penal (só é legalmente admissível a instrução mediante a apresentação de requerimento que obedeça aos requisitos

previstos no n.º 2 do artigo 287.º do Código de Processo Penal), devendo por isso ser rejeitado.

*

Nestes termos, decide-se rejeitar o presente requerimento de abertura de instrução por inadmissibilidade legal da instrução.

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Notifique. *

Custas pela assistente, com taxa de justiça reduzida ao mínimo».

Inconformada com o despacho proferido, a assistente «…» interpôs dele recurso, devidamente motivado, formulando as seguintes conclusões: A - A participante respeitosamente recorre do douto despacho com Ref. 29009030, por do mesmo não se poder conformar.

B – Na decisão em crise, ora respeitosamente colocada em crise, o Tribunal a quo conclui que “...O requerimento apresentado pelo assistente enferma da nulidade, prevista no art. 283º, n.º 3, para que remete o artigo 287.º, n.º 2, ambos do Código de Processo Penal (só é legalmente admissível a instrução mediante a apresentação de requerimento que obedeça aos requisitos do n.º 2 do artigo 287.º do Código de Processo Penal), devendo por isso ser rejeitado.” C - Parece-nos líquido que deverá, com certeza, tratar-se de um inadvertido lapso do Tribunal de Instrução Criminal, pois a assistente efectivamente indicou, não apenas os concretos e exactos factos, como também os seus autores, e ainda, todos os elementos que preenchem o tipo legal de crime. D - Por outra banda, resulta claro, do requerimento de abertura de instrução apresentado, que o mesmo cumpre os requisitos do art. 287.º, n.º 2 do CPP, mormente as razões de facto e de discordância relativamente à não acusação, bem como a indicação dos actos de instrução que a assistente pretende que o juiz leve a cabo e, ainda, novas testemunhas.

E - O requerimento de abertura de instrução apresentado pela assistente respeita fielmente o art. 287.º, n.º 2 do CPP, pelo que nunca poderia ter sido rejeitado, uma vez que o n.º 3 do mesmo artigo estipula expressamente que o requerimento para abertura de instrução “só pode ser rejeitado por

extemporâneo, por incompetência do juiz ou por inadmissibilidade legal da instrução”.

F - Não estando, no caso concreto, verificada nenhuma dessas situações, o Tribunal a quo andou mal quando rejeitou o requerimento da Assistente, pelo que a abertura de instrução requerida terá, forçosamente, que ser admitida nos termos do art. 287.º, n.º 2 e 3 a contrario do CPP.

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NESTES TERMOS E MELHORES DE DIREITO, que V. Exa. doutamente suprirá, deverá o presente recurso proceder - por provado, sendo admitido o requerimento de abertura de instrução apresentado pela Assistente, como mui respeitosamente se requer, para e com os necessários e advindos efeitos

legais.

O recurso interposto foi admitido com subida imediata, nos próprios autos e efeito devolutivo.

O MP respondeu à motivação do recorrente, formulando, por sua vez, as seguintes conclusões:

1- O Ministério Público em virtude de não ter conseguido carrear para o processo prova bastante que permita imputar aos arguidos a prática de um crime de abuso de confiança, infidelidade e concorrência desleal.

2- Por discordar desta decisão, a Assistente requereu a abertura de instrução, no qual cingiu-se a divergir das conclusões do Ministério Público da prova carreada para o processo e vertidas no despacho de arquivamento pugnando que a Mmª JIC as valorasse segundo as suas conclusões e requereu, ainda, a realização da inquirição de novas testemunhas e re-inquirição de testemunhas. 3- Face a isto, a Mmª Juiza de Instrução rejeitou tal requerimento por

entender que o mesmo não continha a narração ainda que sintética e objectiva dos factos que fundamentam a aplicação aos arguidos de uma pena ou medida de segurança.

4- Considerou ainda que face à omissão de tais factos, não há lugar a convite ao aperfeiçoamento, sob pena do Tribunal imiscuir-se na investigação

criminal, tornando, deste modo, a fase de instrução em predominantemente inquisitória.

5- Inconformado com esta decisão a Assistente recorreu e, para tanto, alegou em síntese que, o que o requerimento de abertura de instrução descreve os crimes praticados.

6- Ora, não acolhemos tal posição pois em caso de requerimento de abertura de instrução, apresentado pela assistente, o mesmo deve narrar, ainda, que sinteticamente as razões de facto e de direito que sustentam a discordância com o despacho de arquivamento proferido pelo Ministério Público.

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7- Em caso de abstenção de acusação por parte do Ministério Público, o requerimento de abertura de instrução deve conter a delimitação do campo factual, sob pena do Mmº Juiz não conseguir fixar os factos objecto do

processo.

8- Porém, o requerimento de abertura de instrução, apresentado pela ora Assistente, não narra factos concretos e objectivos nem tampouco descreve a participação individualizada de cada arguido, fazendo apenas uma imputação genérica a todos eles.

9- Ora, constitui caso de inadmissibilidade legal o requerimento da assistente que não contém a narração dos factos.

10- Perante esta omissão que não subjaz qualquer facto, não há lugar ao convite ao aperfeiçoamento, jurisprudência fixada pelo STJ 7/2005, de 4 de Novembro.

11- Aliás, mesmo que a instrução fosse legalmente possível, faltava-lhe, no entanto, o objecto processual, razão pela qual este requerimento de abertura de instrução deveria sempre ser liminarmente rejeitado.

12- Pelo exposto, o despacho recorrido deverá ser mantido e o recurso interposto julgado totalmente improcedente.

Assim decidindo, farão V. Exªs a costumada Justiça!

As arguidas L…, A…, A… e H… responderam igualmente à motivação do recurso, formulando as seguintes conclusões:

A) O requerimento para abertura de instrução formulado pela Assistente assume a natureza de uma acusação, que fixa o objecto da instrução. B) Nos presentes autos, o requerimento apresentado pela ora Recorrente, contém unicamente os motivos da discordância do despacho de arquivamento, mas a assistente não elaborou uma verdadeira acusação, como o exigem os arts. 287.º, n.º 2 e 283.º, n.º3, als. b) e c) do CPP.

C) Na verdade, a Recorrente limitou-se a mencionar, de forma vaga, alguns factos que constavam desde logo na queixa apresentada nos autos, não se compreendendo quais os factos que concretamente são imputados a cada uma das arguidas, que possam levar a subsumir a sua conduta, no preenchimento dos elementos objectivos e subjectivos dos crimes que se invoca terem pelas mesmas sido praticados.

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D) Perante esta narração totalmente insuficiente e até mesmo inexistente, não restará outra solução ao Juiz que não, rejeitar por inadmissibilidade legal, nos termos previstos no art. 287.º, n.º 3, tal requerimento de abertura de

instrução, sob pena de, se fazer iniciar uma instrução que à partida,

inarredavelmente, só se pode ter por inconsequente (neste mesmo sentido o douto Acórdão desse Venerando Tribunal da Relação de Évora, de 13/07/2017, proc n.º 203/14.0T9ENT.E1 – também citado no douto despacho recorrido). E) Assim, bem andou o douto despacho ora recorrido, ao decidir pela rejeição do presente requerimento de abertura de instrução por inadmissilidade legal da instrução, devendo assim, ser julgado totalmente improcedente o Recurso ora apresentado, mantendo-se o despacho ora recorrido.

A Digna Procuradora-Geral Adjunta em funções junto desta Relação emitiu parecer sobre o mérito do recurso, no sentido da sua improcedência. O parecer emitido foi notificado aos sujeitos processuais, a fim de se pronunciarem, tendo as arguidas respondido em sentido concordante. Foram colhidos os vistos legais e procedeu-se à conferência.

II. Fundamentação

Nos recursos penais, o «thema decidendum» é delimitado pelas conclusões formuladas pela recorrente, as quais deixámos enunciadas supra.

A sindicância da decisão recorrida, que transparece das conclusões da

recorrente, centra-se na reversão do indeferimento do requerimento sobre que recaiu o despacho impugnado, por entender não se encontrar verificada, ao arrepio do entendimento da Exª Juiz «a quo», qualquer hipótese de

inadmissibilidade legal da instrução.

Sobre os pressupostos de admissibilidade do pedido de abertura da instrução dispõem os nºs 2 e 3 do art. 287º do CPP:

2 – O requerimento não está sujeito a formalidades especiais, mas deve conter, em súmula, as razões de facto e de direito de discordância relativamente à acusação ou não acusação, bem como, sempre que disso for caso, a indicação dos actos de instrução que o requerente pretende que o juiz leve a cabo, dos meios de prova que não tenham sido considerados no inquérito e dos factos que, através de uns e de outros, se espera provar, sendo ainda aplicável ao

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requerimento do assistente o disposto nas alíneas b) e c) do nº 3 do artigo 283º. Não podem ser indicadas mais de 20 testemunhas.

3 - O requerimento só pode se rejeitado por extemporâneo, por incompetência do juiz ou por inadmissibilidade legal da instrução.

O nº 3 art. 283º do CPP estabelece os requisitos formais da acusação, sendo as respectivas als. b) e c) do seguinte teor:

b) A narração, ainda que sucinta, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada;

c) A indicação das disposições legais aplicáveis.

O indeferimento do requerimento de abertura de instrução (RAI) da assistente baseou-se na inadmissibilidade legal da pretensão formulada, decorrente do não preenchimento pela referida peça processual dos requisitos exigidos pelas alíneas b) e c) do nº 3 do art. 283º do CPP, em particular, não se perceber quais os factos que imputa concretamente cada um dos arguidos, que permita subsumi-los em cada um dos tipos de ilícito criminal, que lhes imputa (abuso de confiança. infidelidade, concorrência desleal), a cada um dos arguidos ou a algum e qual deles em concreto.

É hoje pacificamente aceite que o RAI, quando formulado pelo assistente, deve assumir o papel funcional de uma acusação, mais precisamente, aquela

acusação que, no entender do requerente, o MP deveria ter deduzido e não deduziu

Nesta ordem de ideias, o RAI do assistente terá de conter, ao nível da descrição dos factos, pelo menos aqueles que integram os elementos constitutivos objectivo e subjectivo dos tipos de crime (no caso, abuso de

confiança, infidelidade e concorrência desleal), pelo qual o assistente pretende que o arguido seja pronunciado, sendo certo que, de acordo com a

jurisprudência fixada pelo Acórdão nº 7/2005 do Supremo Tribunal de Justiça (DR, I-A, nº 212, 4/11/05), não há lugar ao convite aos assistentes para

aperfeiçoar tal peça processual, quando esta for omissa sobre a descrição desses factos.

O identificado Acórdão nº 7/2005 do Supremo Tribunal de Justiça veio firmar a seguinte jurisprudência:

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Não há lugar a convite ao assistente para aperfeiçoar o requerimento de

abertura de instrução, apresentado nos termos do artigo 287º, nº 2, do Código de Processo Penal, quando for omisso relativamente à narração sintética dos factos que fundamentam a aplicação de uma pena ao arguido.

Com eventual interesse para a decisão a proferir, importa ter presente o Acórdão nº 1/2015 do Supremo Tribunal de Justiça, proferido em 20/11/14 e publicado em DR, I série, de 27/1/15, o qual uniformizou jurisprudência nos seguintes termos:

A falta de descrição, na acusação, dos elementos subjectivos do crime, nomeadamente dos que se traduzem no conhecimento, representação ou previsão de todas as circunstâncias da factualidade típica, na livre

determinação do agente e na vontade de praticar o facto com o sentido do correspondente desvalor, não pode ser integrada, em julgamento, por recurso ao mecanismo previsto no art. 358.º do CPP.

Acerca da eficácia dos Acórdãos do Pleno das Secções Criminais do STJ, proferidos no âmbito de recursos para fixação de jurisprudência, fora dos processos em que tem lugar a respectiva prolação, dispõe o nº 3 do art. 445º do CPP:

A decisão que resolver o conflito não constitui jurisprudência obrigatória para os tribunais judiciais, mas estes devem fundamentar as divergências relativas à jurisprudência fixada.

O regime contido na disposição legal agora transcrita procura estabelecer um ponto de equilíbrio entre a desejável uniformidade, segurança e

previsibilidade do direito e o princípio da independência dos Tribunais e da sua vinculação exclusiva à lei, estatuído pelo art. 203º da CRP.

Ao contrário do antigo instituto dos Assentos, que se caracterizava pela sua obrigatoriedade para a generalidade dos Tribunais e cuja compatibilidade com o postulado constitucional da vinculação exclusiva destes à lei era, por isso, problemática, os actuais Acórdãos de fixação de jurisprudência revestem uma força vinculativa tendencial, ou seja, os Tribunais podem divergir da

orientação neles consagrada, mas, fazendo-o, ficam sujeitos a um especial dever de justificar a divergência.

Neste contexto, somos de entender que, sob pena de se esvaziar de conteúdo útil o propósito unificador da instituição dos Acórdãos a que nos vimos

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decisões perante razões ponderosas, como seja, por exemplo, a convicção de que orientação jurisprudencial preferida pelo STJ é manifestamente

incompatível com algum princípio jurídico basilar, geralmente aceite, ou violadora de normas constitucionais expressas.

Temos entendido que não se vislumbra, relativamente ao Acórdão do STJ nº 7/2005, a verificação de qualquer razão ponderosa comparável às hipóteses evocadas, pelo que temos dirimido as questões que nos tem competido apreciar, com observância da doutrina consagrada nesse aresto, quando se mostre relevante para o efeito, como sucede no caso em apreço.

Idêntico juízo vimos formulando acerca da jurisprudência firmada pelo Acórdão do STJ nº 1/2015, que temos considerado extensiva aos RAI

apresentados por assistentes, conforme decidido, por exemplo, no Acórdão da Relação de Évora de 17/3/2015, proferido no processo nº 1161/12.1GBLLE.E1 e subscrito por este Colectivo de Juízes (disponível em www.dgsi.pt).

No recurso em apreço, a assistente não questiona a aplicabilidade ao seu RAI dos requisitos do libelo acusatório exigidos pelas als. b) e c) do nº 3 do art. 283º do CPP, mas antes sustenta que o conteúdo da mesma peça processual se ajusta a tais exigências.

Da conjugação da jurisprudência firmada por cada um dos Acórdãos do STJ nº 7/2005 e nº 1/2015 resulta que os requisitos mínimos de admissibilidade de um RAI apresentado por assistente têm de incluir impreterivelmente, ao nível da matéria de facto, os factos integradores de todos os elementos

constitutivos, objectivos e subjectivos, do tipo de crime ou dos tipos de crime, pelos quais o requerente entenda que o arguido deve ser pronunciado.

De acordo com o decidido no segundo dos identificados Arestos, a falta de alegação dos factos integradores da tipicidade objectiva ou subjectiva do

crime ou crimes imputados não é suprível por via do procedimento previsto no art. 358º do CPP, pois tal equivaleria a transformar uma conduta não punível numa conduta punível, o que, segundo foi então ajuizado pelo nosso Mais Alto Tribunal, não é compatível com o princípio da estrutura acusatória do

processo penal, que tem assento constitucional (art. 32º nº 5 da CRP).

Diferentemente, o formalismo do art. 358º do CPP já não seria de rejeitar, caso tivesse por objecto factos relevantes para configuração da responsabilidade criminal do arguido, mas não para o preenchimento da tipicidade do crime acusado, como sejam as circunstâncias de modo, tempo e lugar ou o concreto

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grau de participação do arguido, a menos que tenha por efeito a agravação qualificativa do crime.

O RAI apresentado pela assistente, sobre o qual o despacho recorrido recaiu, é do seguinte teor, excluindo a parte introdutória e o segmento final com a

indicação de meios de prova: «I. Dos Factos

3.ºo - A Assistente é uma sociedade por quotas, que tem como objecto social a prestação de serviços de contabilidade e gestão de empresas.

4.° - As Arguidas L…, A… e A… foram funcionárias da Assistente, mediante contratos de trabalho celebrado por forma verbal e por tempo indeterminado. 5.° - A Arguida L… trabalhou na referida empresa, entre 01/07/2001 e

31/05/2016, a Arguida A…, entre 01/01/1988 e 31/05/2016, e a participada A…, entre 01/11/1992 e 31/05/2016.

6.º - A 31 de Março de 2016, as trabalhadoras denunciaram unilateralmente e por iniciativa própria esses contratos com efeitos a partir do dia 31 de Maio de 2016.

7.° - Sabe-se, neste momento, que a Arguida A… prestou um trabalho

negligente na prestação de serviços que originaram custas para a A., só agora averiguadas e cobradas, nos valores de 125,00€ (cento e vinte e cinco euros), de 37,50€ (trinta e sete euros e cinquenta cêntimos) e de 475,00€

(quatrocentos e setenta e cinco euros). Ainda,

8.° - Através do participado J…, o qual era parceiro do programa de

contabilidade P…e tinha acesso a todos os clientes da participante e através de uma irmã da trabalhadora H…, que serviram de "testas de ferro", os Arguidos abriram uma empresa concorrente de prestação de serviços de contabilidade e gestão de empresas – T…- para onde desviaram mais de 75% dos clientes da Assistente.

9.º - E assim sendo, a Assistente entende que os Arguidos praticaram

concorrência desleal por tratarem com deslealdade a sua entidade patronal, nomeadamente iniciando negócio por conta própria em concorrência com ela, aproveitando-se para o efeito das informações referentes à sua organização,

(15)

métodos de produção e do contacto directo com os clientes da sua entidade patronal, assim como, abuso de confiança e infidelidade.

10.º - Assim como, apropriação indevida da sua base de dados, ou seja, nos mês dos clientes, moradas, telefones, emails, domicílios fiscais et eetera que confiou ao Programa P… e que o Arguido J… apenas tinha acesso, por via das suas funções, como parceiro da P….

Por outra banda;

11º - Os arguidos, por outro lado, apropriaram-se de forma indevida da

própria clientela, sendo que a clientela faz parte do estabelecimento comercial (ou de prestação de serviços) da participante.

11º Deste plano criminoso previamente urdido entre todos os participados -a p-articip-ante -apen-as neste momento, em Fevereiro de 2017, teve

conhecimento.

12.º - A Assistente teve conhecimento, através do contacto com a Sr.ª D…S…, sua cliente, de que a Arguida L… e a Arguida A… estiveram reunidas com esta e com o sócio gerente da sua nova empresa, numa tentativa de a aliciar com uma avença mais baixa, a deixarem os serviços da "D…" e a continuarem com elas, mas numa outra empresa que as mesmas iriam constituir a partir do dia 1 de Junho de 2016.

13.º - Nessa reunião ficou estabelecido que o mencionado cliente iria então deixar os serviços da D… e iria mudar para a empresa que os Arguidos iriam constituir.

14.º - Sabe-se ainda, que os clientes que as ex-funcionárias não conseguiam aliciar a abandonar os serviços da D…, manifestaram para com estes uma grande falta de profissionalismo.

15.º - Nomeadamente, em Maio de 2016, à data da entrega da Declaração de IRS de um cliente de nome L…, entregue pelas Arguidas, este tinha um

imposto a pagar de cerca de 7.000,00€ (sete mil euros), quando na realidade depois de corrigida pela Assistente o imposto não chegou aos 3.000,00€ (três mil euros).

16.º - Mais se sabe que o cliente Sr. J…, que tinha admitido um empregado em condição de se poder candidatar aos incentivos do IEFP tinha colocado à responsabilidade da Arguida A…, na qualidade de funcionária da "D…", o processo para a Segurança Social no qual pretendia a isenção das

(16)

contribuições pela entidade empregadora, o qual não foi efectuado, tendo o cliente de pagar as contribuições dos meses todos para trás, quando podia estar isento.

17.º - A Arguida tinha um volume de facturação mensal que rondava os 11.000,00€ (onze mil euros) sem IVA, e agora, após a saída das referidas funcionárias acima descritas, o valor ronda os 2.587,00€ (dois mil quinhentos e oitenta e sete euros) mensais, tendo, desta forma um prejuízo de cerca de 8.413,00€ (oito mil quatrocentos e treze euros)

18.º - Mais tarde, veio a Assistente a saber que a denominação T…, diz respeito às três ex-funcionárias da Assistente, que são Arguidas no presente inquérito, e não aos sócios que são apenas dois.

19.º - Mais descobriu a Assistente, que a sócia-gerente da T… é irmã da Arguida A…, que tinha sido colaboradora da Assistente desde a sua constituição em 1988.

20.º - Assim, considera-se que o comportamento dos Arguidos é eticamente, moralmente e criminalmente muito reprovável, na medida em que violam normas de lealdade, fidelidade, abuso de confiança, honestidade, prejudicando a Assistente _ como efectivamente prejudicaram - e retirando um benefício ilegítimo - como efectivamente retiraram.

Por outro lado;

21º - As Arguidas fizeram-se confundir numa realidade criada de que a

Assistente deixaria de existir e materialmente seria a actividade levada a cabo pela T….

22.º - Os Arguidos agiram de forma livre, voluntaria, deliberada e consciente. 23.º - Os Arguidos bem sabiam que as suas condutas eram previstas e puníveis por Lei, bem sabendo que eram criminalmente censuráveis, não se coibindo de adoptar, como dolo, a prática de tais actos, causando como querendo os

advindos (irreversíveis) danos e obtendo como querendo, o benefício ilegítimo e ilegal.

Assim,

24.º - E no despretensioso entendimento da Assistente, os Arguidos

(17)

concorrência desleal, previstos e puníveis pelos artigos 205º, nº 1, 224º, nº 1 e 317º do Código Penal, respectivamente.

II. Do Direito

25.º - Nos termos do art. 283.º do CPP, terminado o inquérito, o Ministério Público acusa quando houverem sido recolhidos indícios suficientes de se ter verificado o crime e de quem foi o seu agente, considerando-se suficientes os indícios sempre que deles resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada uma pena ou uma medida de segurança.

Ora,

26.º - Ao longo do presente inquérito, foram realizadas várias diligências de investigação, nomeadamente a inquirição de várias testemunhas, para além da Assistente e dos Arguidos.

27.º - Inquirida M…, que havia sido gerente da Assistente durante 28 anos, por esta foi dito que a filha lhe sucedeu na gerência da empresa, tendo-lhe sido, entretanto, diagnosticada uma doença do foro oncológico, o que levou a que se afastasse das suas funções, delegando-as à arguida L… e demais funcionárias da empresa.

28.º - Pela testemunha M… foi, ainda, dito que as arguidas ter-se-ão aproveitado do estado de fragilidade da sua filha para planearem a

constituição de uma nova empresa, e o desvio da clientela da Assistente, o que efectivamente lograram, ao desviar cerca de 85% da carteira de clientes da Assistente.

29.º - Este depoimento foi corroborado pelos depoimentos das testemunhas C… e J….

Pelo que,

30.º - Não podem restar dúvidas que os Arguidos, aproveitando-se da

fragilidade e consequente ausência da gerente da Assistente, elaboraram um plano para se apoderarem da base de dados desta, planeando constituir uma nova sociedade e desviar para lá toda a carteira de clientes da Assistente, deixando-a numa situação insustentável e precária.

31.º - As Arguidas L…, A… e A…, trabalhadoras de longa data da Assistente, eram consideradas como verdadeiros pilares da empresa, nunca imaginando a Assistente que seriam capazes de tais actos.

(18)

II.1) Do crime de abuso de confiança Doutamente,

32° - "No tipo legal do crime de abuso de confiança previsto no art. 205º, nº 1, do Código Penal, a coisa móvel não é subtraída a outrem pelo agente do crime, como sucede no crime de furto. Ela já está em seu poder, mas por título não translativo de propriedade, dando-lhe, porém, o agente do crime um destino diferente daquele para que foi confiada. ", Cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 29/01/2014.

Ora,

33.º - Veio o Digníssimo Ministério Público, no seu despacho de arquivamento, e com curtas palavras, dizer meramente que " ... salvo o devido respeito,

temos que no caso concreto não houve qualquer apropriação de coisa móvel ou animal, houve sim angariação de clientela, o que não cabe no âmbito da norma em apreço".

34.º - Salvo o devido respeito - que é muito - não podemos concordar com esta posição.

35.° - A noção de coisa móvel deve recolher-se no domínio da realidade material e jurídica, nos melhores termos do art. 205.° do CC, que nos diz, no seu n.º 1, que "são móveis todas as coisas não compreendidas no artigo anterior", sendo certo que o artigo anterior elenca as coisas imóveis. Assim,

36.º - Não compreende a assistente como é que o Digníssimo Ministério Público, somente numa frase, afirma que não estamos perante uma

apropriação de coisa móvel, quando nos parece que tal afirmação não está, de todo, correcta, pelo que sempre carecia de fundamentação adequada.

37.º - Não basta dizer que não é, é preciso justificar o porquê.

38.º - Entendemos, salvo o devido respeito, que uma base de dados pode efectivamente ser tratada como uma verdadeira coisa móvel, passível de ser apropriada, como efectivamente foi.

(19)

39.º - Uma base de dados é uma ferramenta de recolha e organização de

informações, que armazena informações sobre pessoas, produtos, encomendas ou qualquer outro assunto.

Assim,

40.º - Uma base de dados informatizada é um verdadeiro contentor de objectos, pelo que é passível de apropriação.

41º - No caso concreto, os Arguidos aproveitaram-se do momento de debilidade e ausência da gerência para se apropriar da sua base de dados ilegitimamente, uma vez que de outra forma nunca poderiam ter desviado cerca de 85% da clientela da Assistente.

Por outra banda,

42.º - Os Arguidos apropriaram-se de forma ilegítima da própria clientela, a qual compõe o estabelecimento comercial.

43.º - Os Arguidos agiram deliberada, livre e conscientemente, na concretização de um plano previamente delineado, com o propósito conseguido de se apropriar da base de dados da Assistente e,

consequentemente, desviar a sua clientela, nos termos supra descritos. 44.° - Os Arguidos bem sabiam que a sua conduta era ilícita, proibida e punível por lei.

45.º - Dado supra exposto, somos a concluir que o episódio aqui relatado é perfeitamente susceptível de integrar, e efectivamente integra, a previsão do crime de abuso de confiança, previsto e punível pelo art. 205.°, n.º 1 do CP. II.2) Do crime de infidelidade

46° - Estipula o art. 224.°, n.º 1 do CP que, comete um crime de infidelidade "quem, tendo-lhe sido confiado, por lei, ou por acto jurídico, o encargo de dispor de interesses patrimoniais alheios ou de os administrar ou fiscalizar, causar a esses interesses intencionalmente e com grave violação dos deveres que lhe incumbem, prejuízo patrimonial importante ... ".

Por seu turno,

47° - Estabelece o art. 128.°, n.º 1 f) do Código do Trabalho, sob a epígrafe "deveres do trabalhador' que, o trabalhador deve "guardar lealdade ao

(20)

empregador, nomeadamente não negociando por conta própria ou alheia em concorrência com ele, nem divulgando informações referentes à sua

organização. métodos de produção ou negócios". Ora,

48° - Parece-nos claro que as Arguidas L…, A… e A…, violaram gravemente os seus contratos de trabalho, uma vez que foram desleais para com a Assistente, negociaram em nome da nova empresa que viriam a constituir com os clientes da Assistente e divulgaram com terceiros as bases de dados, os negócios e os métodos da Assistente.

49.º - Acresce que, tudo isto, foi praticado num momento em que a gerente da empresa se encontrava ausente da mesma, por motivos de doença, o que fez com que as referidas arguidas assumissem as funções típicas da gerência durante esse período.

50.º - As referidas Arguidas, durante esse período temporal, geriram a Assistente e administraram a empresa como se se tratassem de verdadeiras gerentes, uma vez que a verdadeira gerente lhes havia delegado essas tarefas. Assim,

51.º - Resulta claro que as Arguidas L…, A… e A… cometeram um crime de infidelidade quando, tendo assumido os poderes da gerência, se apoderaram da base de dados da Assistente, contactaram com os clientes desta em nome próprio e planearam a sua saída da empresa, o que veio a acontecer, tendo as Arguidas causado um enorme prejuízo económico à Assistente quando

lograram desviar cerca de 85% da clientela desta, violando gravemente os deveres que lhe incumbiam enquanto trabalhadoras desta.

Assim,

52.º - As Arguidas agiram deliberada, livre e conscientemente, na concretização de um plano previamente delineado, com o propósito conseguido de, intencionalmente e com grave violação dos seus deveres,

causarem grave prejuízo patrimonial à Assistente nos termos supra descritos. 53.º - As Arguidas bem sabiam que a sua conduta era ilícita

54.º - Dado supra exposto, somos a concluir que o episódio aqui relatado é perfeitamente susceptível de integrar, e efectivamente integra, a previsão do crime de infidelidade, previsto e punível pelo art. 224, n.º 1 do CP.

(21)

II.3) Do crime de concorrência desleal

55.º - Diz-nos o art. 317.º, n.º 1 do Código da Propriedade Industrial que "constitui concorrência desleal todo o acto de concorrência contrário às normas e usos honestos de qualquer ramo de actividade económica, nomeadamente:

a) Os actos suscetíveis de criar confusão com a empresa, o estabelecimento, os produtos ou os serviços dos concorrentes

b) As falsas afirmações feitas no exercício de uma actividade económica com o fim de desacreditar os concorrentes;

c) As invocações ou referências não autorizadas feitas com o fim de beneficiar do crédito ou da reputação de um nome, estabelecimento ou marca alheios; d) As falsas indicações de crédito ou reputação próprios, respeitantes ao capital ou situação financeira da empresa ou estabelecimento, à natureza ou âmbito das suas actividades e negócios e à qualidade ou quantidade da clientela;

e) As falsas descrições ou indicações sobre a natureza, qualidade ou utilidade dos produtos ou serviços, bem como as falsas indicações de proveniência, de localidade, região ou território, de fábrica, oficina, propriedade ou

estabelecimento, seja qual for o modo adoptado;

f) A supressão, ocultação ou alteração, por parte do vendedor ou de qualquer intermediário, da denominação de origem ou indicação geográfica dos

produtos ou da marca registada do produtor ou fabricante em produtos destinados à venda e que não tenham sofrido modificação no seu

acondicionamento.". Ora,

56.º - No caso em apreço, veio o Digníssimo Ministério Público, uma vez mais poupando-se nas palavras, dizer somente que "não houve situação de confusão de empresa, o que ocorreu é que alguns funcionários ter-se-ão desvinculado da sociedade D… e integrado a nossa sociedade, não foram efectuadas falsas afirmações com o intuito de desacreditar a sociedade, não foram efectuadas falsas descrições quanto aos serviços prestados, situação financeira, nem ocorreu qualquer supressão, ocultação ou alteração dos elementos chave dos serviços prestados".

(22)

57.º - Em momento algum justifica o porquê de ter chegado a essas

conclusões, principalmente de que em momento algum houve confusão de empresas, e de que não foram efectuadas falsas afirmações com o intuído de desacreditar a Assistente.

58.º - Mesmo que tais temas até possam ter sido abordados nas inquirições, do despacho de arquivamento, nada se diz quanto aos depoimentos das

testemunhas e dos Arguidos quanto a esta questão em particular.

59.º - O que nos leva a questionar, como foram retiradas estas conclusões? Com base em que depoimentos? Em que prova documental?

60.º - À primeira vista não nos parece descabido, muito pelo contrário, que três funcionárias de uma empresa, ao abordar os clientes desta sobre os mesmos produtos, possam causar confusão entre as empresas.

Doutamente,

61.0 - "O crime de concorrência desleal é um crime de perigo abstracto, já que para a sua consumação se basta com o risco de lesão do bem jurídico. (...) No caso de concorrência desleal. esta verifica-se enquanto existir o acto

susceptível de criar confusão. ". Cfr. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 08/03/2000.

62.º - Em suma, para que haja concorrência desleal a letra da lei diz-nos que bastam que tenham sido praticados "actos susceptíveis de criar confusão". 63.º - Em momento algum se refere na letra da lei que essa confusão tenha que ser efectiva, bastando, isso sim, que os actos praticados sejam

susceptíveis de tal.

64.º - O que, em boa verdade, nos parece óbvio, quando três funcionárias abordam clientes da Assistente, da qual sempre deram a cara, sobre os mesmos produtos.

65.º - O mesmo se tem que dizer relativamente às falsas afirmações que eventualmente tenham sido proferidas pelas Arguidas com o fim de desacreditar a Assistente.

66.º - Como é que conseguiram desviar 85% da carteira de clientes da Assistente? Meramente com avenças mais baixas?

(23)

67.º - Não terão recorrido a falsas declarações com o fim específico de desviar a clientela desacreditando a Assistente? Como é que justificaram a saída

simultânea da empresa aos clientes? Não poderá ter sido a dizer coisas boas. 68.º - Como é que o Digníssimo Ministério Público pode responder a esta questão dizendo, única e exclusivamente, que "não foram efectuadas falsas afirmações com o intuito de desacreditar a sociedade"?

69.º - O que é que levou a esta conclusão? Qual é o fundamento?

70.º - Uma vez mais, tal não pode ser deduzido pelo pouco que se sabe dos depoimentos, uma vez que tal não resulta do despacho de arquivamento. Por outro lado,

71.º - As Arguidas criaram uma confusão, no sentido de passarem a

informação falsa aos clientes de que a Assistente deixaria de prestar serviços e que substancialmente ou materialmente o serviço passaria prestado pela T….

72.º - As Arguidas bem sabiam que a sua conduta era ilícita, proibida e punível por lei.

Assim,

73.º - Estamos efectivamente perante um crime de concorrência desleal, consumado com o risco de lesão do bem jurídico, devido ao facto de os actos levados a cabo pelas Arguidas ser susceptível de criar confusão entre as empresas, nos termos do art. 317.°, n.º 1 a) e b) do Código da Propriedade Industrial.

NESTES TERMOS E MELHORES DIREITO, que V. Excelência mui doutamente suprirá, requer-se mui respeitosamente a ABERTURA DE INSTRUCÃO, sendo realizadas todas as diligências probatórias requeridas e tidas por

convenientes, e sendo, a final, os Arguidos pronunciados pelos crimes de

abuso de confiança, previsto e punível pelo art. 205.°, n.º 1 do CP, infidelidade, previsto e punível pelo arf. 224.°, n.º 1 do CP e concorrência desleal, previsto e punível pelo art. 317.° do Código da Propriedade Industrial, para e com os necessários e advindos efeitos legais, seguindo os presentes autos ulteriores termos até final».

O crime de abuso de confiança simples, na modalidade cujo preenchimento a assistente imputa ao arguido, é tipificado pelo nº 1 do art. 205º do CP:

(24)

Quem ilegitimamente se apropriar de coisa móvel ou animal que lhe tenha sido entregue por título não translativo da propriedade é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.

Por seu turno, o tipo criminal da infidelidade é definido pelo nº 1 do art. 224º do CP:

Quem, tendo-lhe sido confiado, por lei ou por acto jurídico, o encargo de dispor de interesses patrimoniais alheios ou de os administrar ou fiscalizar, causar a esses interesses, intencionalmente e com grave violação dos deveres que lhe incumbem, prejuízo patrimonial importante é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa.

Se bem se compreende, as condutas imputadas pela assistente ocorreram durante o ano de 2016.

Nessa altura, vigorava a versão do CPI aprovada pelo DL nº 36/2003 de 5/3 e sucessivamente alterada até à Lei nº 46/2011 de 24/6, na qual o conceito de concorrência desleal era tratado pelo art. 317º:

1 - Constitui concorrência desleal todo o acto de concorrência contrário às normas e usos honestos de qualquer ramo de actividade económica,

nomeadamente:

a) Os actos susceptíveis de criar confusão com a empresa, o estabelecimento, os produtos ou os serviços dos concorrentes, qualquer que seja o meio

empregue;

b) As falsas afirmações feitas no exercício de uma actividade económica, com o fim de desacreditar os concorrentes;

c) As invocações ou referências não autorizadas feitas com o fim de beneficiar do crédito ou da reputação de um nome, estabelecimento ou marca alheios; d) As falsas indicações de crédito ou reputação próprios, respeitantes ao capital ou situação financeira da empresa ou estabelecimento, à natureza ou âmbito das suas actividades e negócios e à qualidade ou quantidade da clientela;

e) As falsas descrições ou indicações sobre a natureza, qualidade ou utilidade dos produtos ou serviços, bem como as falsas indicações de proveniência, de localidade, região ou território, de fábrica, oficina, propriedade ou

(25)

f) A supressão, ocultação ou alteração, por parte do vendedor ou de qualquer intermediário, da denominação de origem ou indicação geográfica dos

produtos ou da marca registada do produtor ou fabricante em produtos destinados à venda e que não tenham sofrido modificação no seu

acondicionamento. 2 – (…)

Na versão a que nos vimos referindo, o art. 331º do CPI dispunha:

É punido com coima de € 3.000 a € 30.000, caso se trate de pessoa colectiva, e de € 750 a € 7.500, caso se trate de pessoa singular, quem praticar qualquer dos actos de concorrência desleal definidos nos artigos 317.º e 318.º.

Actualmente, encontra-se em vigor o novo CPI, aprovado pelo DL nº 110/2018 de 10/12, em que o conceito de concorrência desleal é estabelecido pelo nº 1 do art. 311º em termos bastante semelhantes aos da lei anterior.

Por sua vez, art. 330º do novo diploma legal estatui:

É punido com coima de € 5.000 a € 100.000, caso se trate de pessoa coletiva, e de € 1.000 a € 30.000, caso se trate de pessoa singular, quem praticar qualquer dos atos de concorrência desleal definidos no artigo 311.º.

Como pode verificar-se, tanto na versão do CPI vigente ao tempo dos factos, como na actualmente em vigor, a concorrência desleal não é prevista e punida como infracção criminal, mas sim sancionada como ilícito contra-ordenacional. Na sua vertente subjectiva, os crimes tipificados pelas normas transcritas do CP são puníveis a título de dolo, estando as diferentes modalidades deste previstas no art. 14º do CP:

1 - Age com dolo quem, representando um facto que preenche um tipo de crime, actuar com intenção de o realizar.

2 - Age ainda com dolo quem representar a realização de um facto que preenche um tipo de crime como consequência necessária da sua conduta. 3 - Quando a realização de um facto que preenche um tipo de crime for representada como consequência possível da conduta, há dolo se o agente actuar conformando-se com aquela realização.

(26)

O RAI, sobre o qual recaiu o despacho recorrido, comporta uma parte

encabeçada pela epígrafe «Dos Factos», que se estende do artigo 3º ao 24º da peça processual e conclui com uma qualificação jurídica, concretamente, os crimes pelos quais a requerente pretende que os arguidos sejam sujeitos a julgamento, com indicação das disposições legais que os prevêem e punem. Inequivocamente, foi propósito da assistente que esse segmento do RAI desempenhasse o papel funcional duma acusação, pelo que não poderão ser tidas em conta outras eventuais alegações, que constem de outros trechos da peça processual, mesmo que relevantes.

Na tese de assistente, os arguidos terão incorrido na prática do crime de abuso de confiança ao apoderarem-se indevidamente da sua base de dados, entendendo-se como tal os nomes, moradas, telefones, emails, domicílios fiscais e outras informações dos clientes da empresa.

Desde já, importa assinalar que uma base de dados informática, entendida apenas como acervo de informação e não se confundido com as máquinas em que possa estar gravado, não é objecto típico idóneo de crimes contra a

propriedade, como o furto e o abuso de confiança, por não preencher o conceito de «coisa» para efeitos jurídico-criminais, faltando-lhe a

característica essencial da «corporeidade».

A tal respeito, expende José Faria Costa («Comentário Conimbricense do Código Penal. Parte Especial», Tomo II, Coimbra 1999, pág. 40):

«Por outro lado, não se deve considerar coisa qualquer tipo de informação, mesmo que se apresente de forma autónoma, organizada, apta à satisfação de necessidades e com claro valor económico. Na verdade, como se sabe desde Wiener, informação é uma categoria epistemológica que se diferencia, quer da matéria, quer da energia. Por isso, neste contexto e para aquilo que nos

preocupa, quando de informação se fala está a pensar-se exclusivamente, na informação contida no chamado “software” computacional. Ora, precisamente nesse sentido, o software não deve ser valorado como coisa (TRÖNDLE /

FISCHER, cit. § 242 2). Assim, se A, com a intenção de se apropriar de informação que B tem em uma disquete, copia toda aquela informação, apoderando-se, desse jeito dela, não está a cometer um crime de furto. Poderá, isso sim, estar a praticar uma infracção – eventualmente acesso ilegítimo, art. 7º - prevista na Lei da Criminalidade Informática (L 109/91, de 17 de Agosto)» - negritos e itálicos do original.

(27)

Na actualidade, a criminalidade informática é tratada na Lei nº 109/2009 de 15/9, cujo art. 6º prevê o crime de acesso ilegítimo, nos seguintes termos: 1 - Quem, sem permissão legal ou sem para tanto estar autorizado pelo proprietário, por outro titular do direito do sistema ou de parte dele, de

qualquer modo aceder a um sistema informático, é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias.

2 - Na mesma pena incorre quem ilegitimamente produzir, vender, distribuir ou por qualquer outra forma disseminar ou introduzir num ou mais sistemas informáticos dispositivos, programas, um conjunto executável de instruções, um código ou outros dados informáticos destinados a produzir as acções não autorizadas descritas no número anterior.

(…)

Os crimes tipificados na Lei nº 109/2009 de 15/9 têm como bem jurídico protegido a integridade do sistema informático e o de acesso ilegítimo só é punível a título de dolo.

Assim, para a desempenhar devidamente a função processual de uma acusação, o RAI teria tido que conter a descrição dos factos subjectivos integradores do dolo do agente do crime de acesso legítimo, o que, naturalmente, não sucede, pois não foi elaborado na perspectiva dessa qualificação jurídica.

Quanto ao crime de infidelidade, tipificado pelo nº 1 do art. 224º do CP, importa ter presente aquilo que sobre ele refere Amério Taipa de Carvalho («Comentário Conimbricense do Código Penal. Parte Especial», Tomo II, Coimbra 1999, págs. 364 e 365):

«§ 6 Agente do crime de infidelidade só pode ser aquela pessoa à qual foi concedida que autorização ou imposto o dever de administrar interesses patrimoniais alheios. A infidelidade é, portanto, um crime específico próprio (assim e pela mesma razão, p. ex., LIEBSCHER, WK § 153 6; HÜBNER, LK § 266 105). Na secção dedicada à comparticipação (VII 2), veremos que é dos crimes em que deve ser negada a comunicabilidade da qualidade ou relação especial fundamentadora da ilicitude penal, uma vez que tal

incomunicabilidade corresponde ao sentido rigorosamente restritivo do art. 224º (cf. supra § 4), devendo, assim, aplicar-se a ressalva prevista na segunda parte do art. 28º-1.

(28)

§ 6 As fontes ou fundamentos do encargo (dever, função) de administrar os bens patrimoniais alheios têm de ser formalmente jurídicas: lei ou acto jurídico» - negritos e itálicos do original.

De acordo com factualidade alegada no RAI, as arguidas L…., A… e A… foram, até 31/5/2016, trabalhadoras subordinadas da assistente e os arguidos J… e H… não apresentam qualquer vínculo jurídico a esta.

Estando em causa a lesão do património de uma sociedade comercial, o crime de infidelidade só pode ser cometido, se bem compreendemos, por quem for titular dos órgãos de administração ou fiscalização do ente societário ou pela pessoa a quem algum dos titulares tenha transmitido os seus poderes, através de acto jurídico formal idóneo para o efeito (por exemplo, uma procuração). Nesse sentido, o crime em causa não pode ser cometido pelo mero gestor ou representante de facto e muito menos por trabalhadores.

Consequentemente, o RAI não contém a alegação do facto integrador do

elemento típico do crime de infidelidade, consistente na qualidade jurídica que constitua o agente no dever de administrar ou fiscalizar os bens patrimoniais da ofendida.

Nesta conformidade, os factos alegados na mesma peça processual não são aptos servir de base ao julgamento dos arguidos pelos crimes de abuso de confiança p. e p pelo art. 205º do CP e de infidelidade p. p. pelo art. 224º nº 1 do CP.

Quanto à eventual contra-ordenação de concorrência desleal, a mesma poderia ter sido objecto de cognição no presente processo, caso houvesse fundamentos para o prosseguimento da tramitação deste, para julgamento de infracções de natureza criminal, mas acabámos de verificar que não é esse o caso.

Assim, terá o recurso de fracassar, mantendo-se a decisão recorrida. III. Decisão

Pelo exposto, acordam os Juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em negar provimento ao recurso e manter o despacho recorrido.

Custas pelo recorrente, fixando-se em 3 UC a taxa de justiça. Notifique.

(29)

Évora 24/12/20 (processado e revisto pelo relator) (Sérgio Bruno Povoas Corvacho)

(João Manuel Monteiro Amaro) .

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