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Sumário. Tribunal da Relação de Guimarães Processo nº 880/08.1TBGMR.G1

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Tribunal da Relação de Guimarães Processo nº 880/08.1TBGMR.G1 Relator: A. COSTA FERNANDES Sessão: 09 Março 2010

Número: RG

Votação: UNANIMIDADE Meio Processual: APELAÇÃO Decisão: REVOGADA EM PARTE

ACIDENTE DE VIAÇÃO REPARAÇÃO DE VEÍCULO

Sumário

1. A presunção de culpa que onera o condutor por conta de outrem, prevista no art. 503º, 3, 1ª parte, do Cód. Civil, fica ilidida, quando se comprove que o sinistro re- sultou de manobra imprudente e ilegal do tripulante e um outro veículo interveniente no mesmo;

2. Nenhum condutor está obrigado a prever a imprudência alheia, nem a contar com a negligência ou inconsideração dos outros, se bem que a chamada «condução defensiva» aconselhe um esforço de previsão;

3. No âmbito da obrigação de indemnização por danos, a regra é a reconstitui-ção natural, constituindo a excepreconstitui-ção a indemnizareconstitui-ção pelo equivalente em dinheiro;

4. Por isso, é ao lesante que cabe demonstrar que a reconstituição «in natura» é excessivamente onerosa;

5. Para se aquilatar da excessiva onerosidade não se devem compaginar ape-nas o valor comercial do veículo sinistrado e o custo da reparação, mas sim a valia que aquele tinha no património do lesado, o montante que este teria de despender para adquirir um outro, com as mesmas características e em igual estado de conservação, e o custo reconstituição natural;

6. Nesta conformidade, o lesante, para convencer de que é de excluir, por dema- siado onerosa, a reconstituição natural, terá de alegar e provar que o lesado, com a im- portância em dinheiro que se lhe propõe pagar, pode adquirir, uma outra viatura, com as mesmas características e em idêntico estado de conservação;

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rodoviário, implica, para o seu proprietário (ou legítimo fruidor), a perda das utilidades que o mes- mo proporciona, pelo que constitui dano patrimonial merecedor de indemnização, a fi- xar, se necessário, segundo juízos de equidade;

8. Apenas quando se comprove que, no período da paralisação, o proprietário ou legítimo detentor do veículo não iria usá-lo ou ceder o seu gozo a terceiro, é que se poderá defender que não há fundamento para a indemnização.

Texto Integral

Apelação nº 880/08.1TBGMR.G1

(Proc. nº 880/08.1TBGMR – T J de Guimarães, 4º Juízo Cível) Acordam na 2ª Secção do Tribunal da Relação de Guimarães: I. Relatório:

[A], contribuinte fiscal nº ..., residente na Rua ..., Santa Maria da Feira, propôs a presente acção declarativa, com processo comum, na forma sumária, contra:

[B] – Companhia de Seguros, S. A., pessoa colectiva nº ..., com sede na Rua ..., Porto,

Peticionando a condenação da ré a pagar-lhe a quantia global de 9.518,52 €, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data da citação e até efectivo cumpri- mento.

Para tanto, alegou, em síntese, que:

- No dia 15-06-2005, deu-se um embate entre o veículo de matrícula SD-08-87, de que era proprietário, então conduzido por [C], e a viatura de matrícula 33-24-EZ, pertencente a [D], na altura con-duzida por [E];

- Esta última, saindo de um estacionamento, entrou na estrada sem respeitar o trânsito que aí circulava, atravessando o veículo que conduzia na frente da viatura SD;

- Em consequência do embate, a viatura SD sofreu danificações, cuja reparação importou em 5.232,52 €;

- Despendeu 200,00 € no transporte do veículo sinistrado para a oficina onde foi reparado;

- A viatura SD esteve imobilizada, entre 15-06-2005 e 25-09-2005, período du-rante o qual ficou privado de a utilizar na sua actividade profissional e pessoal; - A ré havia assumido, por via de contrato de seguro, a obrigação de

indemnizar terceiros de eventuais prejuízos decorrentes da circulação do veículo EZ.

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A ré contestou, impugnando, em parte, a factualidade alegada pelo autor, e sustentando, em súmula, que:

- O veículo SD era, na altura, conduzido por um terceiro, sobre ordens do autor e ao seu serviço profissional;

- O valor venal da viatura SD era, à data, de apenas 700,00 €, valendo os salvados 100,00 €, pelo que a reparação era injustificável e excessivamente onerosa.

***

Por sentença de fls. 135 a 154, a acção foi julgada parcialmente procedente, tendo a ré sido condenada a pagar ao autor o montante de 7.932,52 €,

acrescido de juros de mora, à taxa de 4% ao ano, desde a citação e até integral cumprimento.

***

A ré recorreu, pretendendo a revogação da sentença e a sua absolvição do pe-dido, ou, se assim se não entender, a redução do valor da condenação, tendo alegado e retirado as seguintes conclusões:

1ª Atentos os depoimentos das testemunhas [C] e [E], não poderiam ter sido dados como prova- dos os factos constantes dos quesitos 6º, 7º, 8º e 9º da base instrutória, antes se im-pondo que os mesmos fossem dados como não provados, ou, pelo menos, mereces- sem uma resposta restritiva;

2ª Com efeito, se o condutor do SD, como foi por ele afirmado, avistou a mano-bra do EZ, quando ainda vinha na recta em sentido ascendente, é patente que, se ti- vesse agido com perícia e atenção e circulasse a uma velocidade

adequada, teria con-seguido evitar o acidente, bastando para tal que travasse ou abrandasse, o que não fez;

3ª O condutor do SD agiu, pois, com falta de cuidado e atenção, pelo que teve também responsabilidade na ocorrência do acidente dos autos;

4ª Acresce que o referido [C] “conduzia o SD sob as ordens e ao serviço do autor, no uso profissional daquele veículo” [cfr. alínea E) dos factos assentes], pelo que sobre ele impendia a presunção de culpa nos termos do disposto no artigo 503º, nº 3, do Código Civil;

5ª O condutor do SD não provou que não houve culpa da sua parte, o que, nos termos da supracitada disposição legal, implica a não ilisão da presunção e a conse- quente responsabilização do condutor do SD pela produção do

acidente;

6ª Pela aplicação da regra do artigo 566º, nº 1, do Código Civil, deveria ter sido atribuída ao autor a quantia equivalente ao valor do veículo acrescida do valor dos salvados, isto é, a quantia de 700,00 € (600,00 € + 100,00 €);

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óbvio que o autor poderia adquirir outro com as mesmas características por esse valor (que era o seu valor de mercado), bastando para isso que o

procurasse;

8ª Ao contrário do que afirma o Mmº Juiz a quo, o que se verificaria com a aplicação da decisão recorrida seria o enriquecimento do lesado à custa do lesante;

9ª Com efeito, aquele era possuidor de um bem cujo valor de mercado era de 700,00 € e que passou a incorporar peças e mão-de-obra (isto é, o valor da reparação) no montante de 5.232,52 €;

10ª Ou seja, em virtude do acidente, o recorrido viu o valor do seu

veículo aumentar seis vezes, enriquecendo-se nessa medida à custa da recorrente, obten- do assim uma vantagem ilegítima e injustificável, pois, como se disse, poderia adquirir um veículo semelhante, no mercado, pelo seu valor à data do acidente;

11ª É manifestamente exagerada, infundada e desprovida de equidade a quantia arbitrada a título de privação do uso do veículo e "transtornos

causados pelo acidente", como se conclui do facto de o valor atribuído ser 3 vezes superior ao valor venal do veículo;

12ª A douta sentença recorrida violou as disposições dos artigos 500º, nº 1, 503º, nº 3, 505º, 562º, 563º, 566º, nº 1, e 570º, nº 2, todos do Código Civil. ***

O recorrido não contra-alegou. ***

O recurso foi admitido como apelação, com efeito devolutivo. ***

Cumpre apreciar e decidir: II. Questões a equacionar:

O âmbito dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelos recor-rentes, importando apreciar as questões que delas fluem, a não ser que outras se per- filem de conhecimento oficioso - arts. 684º, 2 e 3, 684º-A, 1 e 2, 685º-A, 1 e 2, e 660º, 2, parte final, do Código de Processo Civil. Assim, «in casu», há equacionar as seguin- tes:

- A impugnação da decisão de facto; - A culpa pela ocorrência do sinistro;

- A excessiva onerosidade da reparação do veículo; - A indemnização pela privação do uso do veículo. ***

III. Fundamentação:

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De harmonia com o disposto no art. 712º, 1, a), do Cód. Proc. Civil, a decisão do tribunal de 1ª instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pela Relação, se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do art. 685º-B, a decisão com base neles proferida.

«In casu», houve gravação dos depoimentos e ré pretende impugnar a decisão de facto.

Por seu turno, o mencionado art. 685º-B, 1, exige que o recorrente especifique:

a) Quais os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julga-dos;

b) Quais os concretos meios de probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.

Quanto à mencionada alínea a), temos que a ré entende que foi incorrecta-mente julgada a factualidade a que se reportam os quesitos 6, 7, 8 e 9 da base instru-tória.

No que respeita à alínea b), reportou-se aos depoimentos das testemunhas [C] e [E].

A ré cumpriu o disposto no mencionado art. 685º-B, 2.

No que concerne à matéria de facto, a ré pretende convencer de que o

condutor do veículo SD se apercebeu da manobra da tripulante da viatura EZ, a tempo e em condições de evitar o sinistro, se tivesse agido com perícia e atenção e circulasse a uma velocidade adequada, bastando para tal que travasse ou reduzisse a velocidade.

No quesito 6º, reportando-se ao condutor da viatura SD-08-87, perguntava-se:

Ao descrever uma curva na referida E. N. 310, deparou-se com o veículo com a matrí- cula 33-24-EZ?

No quesito 7º, perguntava-se: O qual saía de um estacionamento do seu lado

direito?

No quesito 8º, perguntava-se: E atravessou-se na sua frente?

No quesito 9º, perguntava-se: Tendo entrado na estrada em que o SD

circulava?

Os indicados quesitos foram considerados provados. A ré entende que devem ser considerados não provados.

Ouvidos os registos magnéticos atinentes aos depoimentos das testemunhas, temos que:

- A testemunha [C], condutor do veículo SD, referiu que: trabalhou por conta do autor, porquanto, a certa altura, este se associou ao seu patrão, tendo

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acabado o contrato de trabalho de relações cortadas com ele (autor); quando circulava na estrada em que ocorreu o sinistro, no sentido Serzedelo / Riba de Ave, numa «recta a subir», avistou a viatura EZ estacionada (em contra-mão) na ber- ma, do seu lado direito, no ponto em que a via descreve uma curva à esquerda; con-venceu-se de que a respectiva condutora pretendia fazer inversão do sentido de circu-lação, para passar a seguir na direcção em que ele circulava; quando se ia a cruzar com tal veículo, o mesmo atravessou-se na sua frente; admitia que pudesse circular, no máximo, a 60 km/hora; existia «toda a visibilidade» e não buzinou, nem abrandou, pois não lhe «causou preocupação» o carro na berma; embateu com a frente do SD na late- ral do EZ, na roda da frente e porta do lado do condutor; admitia que a viatura EZ se possa ter movimentado, para iniciar a manobra, antes do local do embate, mas não se preocupou, porque a mesma estava na berma;

- A testemunha [E], condutora do veículo EZ, referiu que: a viatura que tripulava se encontrava estacionada (na berma), com a frente virada para o lado de onde vinha o SD (Serzedelo); pretendia entrar na estrada e pas- sar a circular no sentido Riba de Ave / Serzedelo, tendo, para tanto, de atravessar a via; avistou os outros veículos «lá em baixo, à beira da farmácia»; embora sem grande convicção, confirmou que disse ao guarda participante que «estava a entrar na estrada, o sol deu-me, em frente, nos olhos, e eu não tive hipóteses de ver o veículo de frente, não houve maneira de me desviar»; se o veículo SD circulasse mais devagar, o respec- tivo condutor tinha tempo de parar ou passar por trás, pois os que vinham atrás dele não embateram e passaram pela retaguarda da sua viatura; o SD embateu, de frente, no EZ do lado da condutora, mais ou menos a meio;

- A testemunha [F], soldado da GNR, confir- mou que elaborou a participação de fls. 28 e 29 e referiu que: a estrada era asfaltada, sendo as hemifaixas de rodagem divididas por uma linha longitudinal contínua; não havia sinais de travagem; admite que, no local do sinistro, considerando o sentido Ser- zedelo / Riba de Ave, a via tem inclinação ascendente.

As demais testemunhas não depuseram sobre a dinâmica do sinistro. Assim, ouvidos muito atentamente os depoimentos das testemunhas e pondera- do o teor da participação de fls. 28 e 29, impõe-se concluir que a prova produzida não fornece base bastante para se alterar a decisão sobre a matéria de facto, relativamente aos pontos questionados. Aliás, é de inteira justiça que se consigne que do registo magnético ressalta que o julgamento foi conduzido com grande serenidade, tendo sido feito um esforço aturado (e muito louvável) no sentido da busca da verdade material.

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B) Factos provados:

Estão assentes os seguintes factos:

1. No dia 15 de Junho de 2005, pelas 18H45, na E.N. 310, lugar de Vila Cruz, Serzedelo, concelho de Guimarães, ocorreu um embate entre o veículo ligeiro de mercadorias da marca Ford, modelo Fiesta 1.8, com a matrícula SD-08-87, e o veículo ligeiro de passageiro da marca Opel, modelo Astra, com a

matrícula 33-24-EZ – cfr., a alínea A) dos Factos Assentes;

2. O veículo de matrícula SD-08-87 era propriedade do autor – cfr., a alínea B) dos Factos Assentes;

3. Sendo conduzido por [C] – cfr., a alínea C) dos Factos Assentes; 4. [C] é instalador de gás – cfr., a alínea D) dos Factos Assentes;

5. Conduzia o SD sob as ordens e ao serviço do autor, no uso profissional daquele veículo – cfr., a alínea E) dos Factos Assentes;

6. O veículo de matrícula 33-24-EZ era propriedade de [D] – cfr., a alínea F) dos Factos Assentes;

7. Era conduzido por [E] – cfr., a alínea G) dos Factos Assentes;

8. Por acordo titulado pela apólice nº 45/00475066/08, a ré declarou assumir a responsabilidade civil emergente da circulação do veículo de matrícula 33-24-EZ, contra o pagamento do respectivo prémio – cfr. a alínea H) dos Factos Assentes;

9. O embate deu-se numa curva, na referida E.N. – cfr. a alínea I) dos Factos Assentes;

10. No local do embate, a largura da faixa de rodagem da E.N. é de 7,30 metros – cfr. a alínea J) dos Factos Assentes;

11. Era dia – cfr. a alínea L) dos Factos Assentes;

12. O piso da E.N. 310 é em asfalto – cfr. a resposta ao quesito 1º da Base Instrutória;

13. O veículo com a matrícula SD-08-87 circulava na E. N. 310 – cfr. a resposta ao quesito 2º da Base Instrutória;

14. No sentido Serzedelo / Riba de Ave – cfr. a resposta ao quesito 3º da Base Instrutória;

15. Pela direita da sua hemifaixa de rodagem, atento o seu sentido de circulação – cfr. a resposta ao quesito 4º da Base Instrutória;

16. Ao descrever uma curva na referida E. N. 310, deparou-se com o veículo com a matrícula 33-24-EZ – cfr. a resposta ao quesito 6º da Base Instrutória; 17. O qual saía de um estacionamento do seu lado direito – cfr. a resposta ao quesito 7º da Base Instrutória;

18. E atravessou-se na sua frente – cfr. a resposta ao quesito 8º da Base Instrutória;

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quesito 9º da Base Instrutória;

20. O SD embateu com a sua frente na frente esquerda do EZ – cfr. a resposta ao quesito 10º da Base Instrutória;

21. Em consequência do embate, o veículo do autor sofreu os danos descritos nos documentos juntos a fls. 31 e 32 – cfr. a resposta ao quesito 11º da Base Instru- tória;

22. O valor da venda em mercado do veículo do autor, no momento anterior ao acidente, era de 700,00 € – cfr. a resposta ao quesito 13º da Base Instrutória; 23. E o valor dos salvados era de 100,00 € – cfr. a resposta ao quesito 26º da Base Instrutória;

24. Valor este que o autor não aceitou – cfr. a resposta ao quesito 14º da Base Instrutória;

25. O autor mandou reparar a viatura – cfr. a resposta ao quesito 15º da Base Instrutória;

26. A reparação dos danos do SD importou em 5.232,52 € – cfr. a resposta ao quesito 16º da Base Instrutória;

27. Além da reparação, o autor suportou o transporte do veículo para a oficina – cfr. a resposta ao quesito 17º da Base Instrutória;

28. Tendo gasto com o serviço de reboque 200,00 € – cfr. a resposta ao quesito 18º da Base Instrutória;

29. Desde a data do embate até 25 de Setembro de 2005, o autor esteve impe-dido de usufruir da viatura sinistrada – cfr., resposta ao quesito 19º da Base Instrutória;

30. Só em 25 de Setembro de 2005, reuniu condições económicas para

mandar proceder à reparação do seu veículo – cfr. a resposta ao quesito 20º da Base Instru- tória;

31. O autor utilizava o veículo na sua actividade pessoal – cfr. a resposta ao quesito 21º da Base Instrutória;

32. O autor necessitava do veículo para a sua actividade profissional – cfr. a alínea M) dos Factos Assentes;

33. Não dispunha de situação financeira que lhe permitisse proceder ao

aluguer de uma viatura de substituição – cfr. a resposta ao quesito 22º da Base Instrutória;

34. Optando por arrecadar o valor necessário para mandar proceder à reparação do seu automóvel – cfr. a resposta ao quesito 23º da Base Instrutória;

35. A ré não colocou nenhum veículo de substituição à disposição do autor, pese embora ter sido solicitado por este – cfr. a alínea N) dos Factos Assentes; 36. A privação do veículo causou ao autor transtorno, desgostos e ansiedade – cfr. a resposta ao quesito 24º da Base Instrutória;

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37. Até hoje, a ré não regularizou qualquer prejuízo decorrente do embate – cfr. a alínea O) dos Factos Assentes.

***

C) Enquadramento jurídico:

1) Da presunção de culpa do condutor do veículo SD:

A apelante sustenta que o condutor do veículo SD agia sob as ordens e ao ser-viço do autor, pelo que sobre ele impendia a presunção de culpa prevista no art. 503º, nº 3, do Código Civil. E que, como não provou que não teve culpa na ocorrência do sinistro, não ilidiu tal presunção, devendo ser responsabilizado em conformidade.

O mencionado art. 503º, 3, 1ª parte, estatui que: “Aquele que conduzir o

veículo por conta de outrem responde pelos danos que causar, salvo se provar que não houve culpa da sua parte”.

Quanto a essa disposição legal o Assento nº 1/83 do STJ, de 14-04-1983,

publicado no Diário da República, I Série, nº 146 (suplemento), de 28-06-1983, firmou jurisprudência no sentido de que: “A primeira parte do nº 3 do artigo

503º do Código Civil estabelece uma presunção de culpa do condutor do veículo por conta de outrem pelos danos que causar, aplicável nas relações entre ele como lesante e o titular ou titulares do direito a indemnização”.

O Prof. Antunes Varela, «in» Das Obrigações em Geral, 5ª ed., Livraria Almedina, Coimbra 1986, Vol. I., p. 620, encontra justificação para esta presunção de culpa, que inverte o ónus da prova relativamente à culpa em desfavor do condutor por conta de outrem, nos seguintes fundamentos: “Há na condução por conta de outrem um perigo sério de afrouxamento na vigilância do veículo, que a lei não pode subestimar: o dono do veículo (muitas vezes, uma empresa cuja personalidade se dilui pelos gestores) não sente as deficiências dele, porque o não conduz; o condutor nem sempre se apresta a repará-las com a diligência requerida, porque o carro não é seu, porque outros trabalham com ele e o podem fazer, porque não quer perder dias de trabalho, ou por qualquer outra de várias razões possíveis. E há um outro perigo, não menos grave, em que confluem a cada passo a actuação do comitente e a do comissário, que é o da fadiga deste (causa de inúmeros acidentes),

proveniente das horas extraordinárias de serviço: o comitente, para não admitir mais pessoal nos seus quadros; o comissário, para melhorar a sua remuneração.

Além disso, os condutores por conta de outrem são, por via de regra, condu-tores profissionais: pessoas de quem fundadamente se deve exigir (de acordo com o padrão aceite para a definição de negligência em geral) perícia especial na condução e que mais facilmente podem ilidir a presunção de culpa com que a lei os onera, quando nenhuma culpa tenha realmente havido da sua parte na

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verificação do acidente.

Por último, a presunção de culpa deliberadamente sacada sobre o condutor por conta de outrem (comissário), aliada à responsabilidade solidária que recai sobre o comitente (dono ou detentor do veículo), só pode estimular a realização do seguro da responsabilidade civil em termos que cubram todo o montante da indemnização a que possam estar sujeitos”.

Já se suscitou a constitucionalidade do aludido dispositivo, na interpretação que decorre do mencionado assento, por, alegadamente, postergar o princípio da igualdade, mas o Tribunal Constitucional considerou-a conforme à

Constituição, entendendo que não implica um tratamento arbitrário ou desrazoável – cfr., entre outros, Ac. nº 439/94, de 07-06-1994, publicado no Diário da República, II Série, nº 202, de 01-09-1994, p. 9137 e segs.

No caso dos autos, é evidente que o condutor do veículo SD conduzia por conta de outrem (a sua entidade patronal), patenteando-se uma relação de comissão.

Todavia, a indicada presunção de culpa, sendo «tantum juris», portanto ilidível perante prova em contrário (cfr. o art. 350º, 2, do código acabado de referir), conforme flui da expressão «salvo se provar que não houve culpa da sua parte». Ora, decorre da factualidade assente que o sinistro resultou da manobra imprudente e ilegal da condu- tora da viatura EZ. Com efeito, ao entrar na via, de modo inopinado, provinda da berma, postergou, como se refere na sentença recorrida, o dever geral de cuidado previsto no art. 3º, 2, do Cód. da Estrada, na redacção introduzida pelo Dec.-Lei nº 44/2005, de 23/ II, bem como as disposições dos arts. 12º, 1, e 31º, 1, a), do mesmo código. Aliás, se atentarmos no seu depoimento (acima resumido), temos de concluir que a sua conduta ainda foi bem mais temerária e grave, porquanto, saindo da berma, levou a cabo uma manobra tendente a passar a circular na meia faixa de rodagem contrária àquela junto da qual se encontrava, com

atravessamento da estrada, num troço em que as duas hemifaixas eram separadas por uma linha longitudinal contínua, cortando, inopinadamente, a linha de circulação do veículo SD, pelo que também infringiu a regra geral ínsita no art. 35º, 1, do Cód. da Estrada [que estatui que: «O condutor só pode

efectuar as manobras de ultrapassagem, mudança de direcção ou de via de trânsito, inversão do sentido de marcha e marcha atrás em local e por forma que da sua realização não resulte perigo ou embaraço para o trânsito»], tendo,

ainda, infringido o disposto no art. 45º, 1, b) e d), 2ª parte, do mesmo código, bem como desrespeitado o sinal M1 (linha contínua) previsto no art. 60º do Decreto Regulamentar nº 22-A/98, de 1/X, alterado pelo Decreto

Regulamentar nº 41/2002, de 20/VII - o qual a proibia de pisar ou transpor essa linha.

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Nesta conformidade, impõe-se concluir que o sinistro é imputável a culpa efectiva da condutora do veículo EZ, estando ilidida a presunção de culpa do condutor da viatura SD.

O facto de o condutor da viatura SD poder ter avistado o veículo EZ em movi-mento na berma do seu lado direito, quando dele se aproximava, circulando num ponto em que a estrada tem traçado rectilíneo e inclinação ascendente, não o obrigava a reduzir a velocidade, nem a tomar qualquer precaução

especial, pois não tinha que prever que a respectiva condutor iria avança para a via. É claro que, numa linha de «condução defensiva», poderia ter buzinado e até reduzido a velocidade, prevenindo a hipótese de ele vir a interpor-se no seu trajecto, mas o certo é que não estava obrigado a fazê-lo, pois podia legitimamente confiar em que tal condutora cumpriria as disposições de

direito rodoviário a que estava obrigada. Na verdade, ele não estava obrigado a prever a imprudência alheia, nem contar com a negligência ou inconside-ração dos outros – cfr., entre outros os AC. do STJ, de 05-04-1972, BMJ, nº 216, p. 76, e de 18-12-2007, Proc. 07A2732. E, a «condução defensiva», a qual passa pela previsão de infracções de outros condutores ou peões, sendo de todo aconselhável, não é obrigatória e, por vezes, até é muito mal entendida pelos condutores que seguem à retaguarda, pois estamos num tempo em que, em regra, todos têm pressa e poucos estão dispostos a ceder um pouco dos seus direitos.

Pelo que fica dito, impõe-se concluir que o sinistro radica em culpa exclusiva da condutora da viatura EZ.

***

2) A excessiva onerosidade da reparação do veículo:

Entende a ré que, suplantando o custo de reparação do veículo do autor larga-mente o valor venal do mesmo, não deveria ter sido fixada indemnização

superior a este último. Na verdade, no seu modo de ver, com esse montante ele poderia adquirir, no mercado, uma viatura usada com as características da sua.

Estatui o art. 562° do Código Civil que: “Quem estiver obrigado a reparar um

dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento a que obriga à reparação”.

Por seu turno, o art. 566º, 1, do mesmo código, prescreve que: «A

indemnização é fixada em dinheiro, sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos, ou seja excessivamente onerosa para o devedor».

Compaginando as duas indicadas disposições legais, impõe-se a conclusão de que, no âmbito da obrigação de indemnização por danos, a regra, é a

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dinheiro – cfr., neste sentido, Prof. Antunes Varela, ob. cit., Vol. I, p. 862 e 863, e o Ac. da RC, de 10-12- -1998, «in» CJ, Ano XXII, Tomo 5, p. 40 a 43.

Assim, é evidente que, em termos de ónus da prova, ao lesado cabe provar o dano que exige a reconstituição, bem como que esta é possível e qual o seu custo.

Ao lesante, caberá, se for caso disso, provar a matéria que integra a excepção, designadamente que a reconstituição «in natura» não é possível ou que se patenteia excessivamente onerosa para si.

Poder-se-á aceitar que a reconstituição é excessivamente onerosa, sempre que exista flagrante desproporção entre o seu custo e o interesse do lesado, mas tão- -só depois de uma cabal indagação deste.

Todavia, essa ponderação terá de ser feita, enfocando o interesse do lesado, porquanto as indicadas disposições visam, antes de mais, «prover à directa remoção do dano real à custa do responsável» - cfr. Prof. Antunes Varela, ob. cit. p. 862. Na ver- dade, como flui do mencionado art. 562º a indemnização destina-se a colocar o lesado na situação em que se encontraria, caso não tivesse ocorrido o evento danoso. E, por sua vez, o art. 566º, 1, ao admitir a reparação por equivalente, logo a seguir à impossi-bilidade da reconstituição

natural, prefigura a hipótese de esta não reparar integralmen- te os danos

(isto é, não satisfazer de forma cabal o interesse do lesado) e só depois é que avança com a excessiva onerosidade para o devedor.

Assim, parece evidente que, mesmo quando a reconstituição «in natura» se pa- tenteie excessivamente onerosa para o devedor, só poderá ser abandonada quando a indemnização pelo equivalente em dinheiro satisfaça plenamente o interesse do lesa- do.

Nesta conformidade, a aludida ponderação terá de ser feita entre o custo da

reconstituição natural e a valia que o bem danificado tinha no património do

lesado, a qual muitas vezes é superior ao seu valor de mercado. Com efeito, não são raras as situações em que bens com elevada valia para o lesado, por satisfazerem cabalmente as suas necessidades, quando postos no mercado têm um valor muito inferior àquele que é necessário para os substituir.

No caso dos autos, está em causa um veículo automóvel que satisfazia as ne-cessidades de transporte no âmbito da empresa do autor, apesar de no

mercado valer apenas 700,00 € (valendo o salvado 100,00 €), cuja reparação importou em 5.232,52 €.

Está assente que a ré pretendia atribuir ao autor, a título de indemnização, o in-dicado montante de 700,00 € - cfr. os nºs 22, 23 e 24 do elenco de factos provados. Ali- ás, mais rigorosamente, a ré pretendia abonar ao autor a

quantia de 600.00 €, ficando ele com o salvado – é o que resulta claramente da carta da ré fls. 33 (doc. nº 5 junto com a contestação), não primando pela

(13)

clareza a redacção do referido nº 24.

Sucede que a ré, para fazer funcionar a excepção prevista na parte final do men- cionado art. 566º, 1, não lhe bastava alegar e provar que compaginando o valor venal do veículo e o custo da reparação, havia uma flagrante

desproporção, a impor a con-clusão de que a mesma era excessivamente

onerosa. Teria de ir mais longe, alegando e provando que o lesado, com aquele montante, podia adquirir no mercado, uma outra viatura, com as mesmas características e em idêntico estado de conservação, que igualmente

satisfizesse as suas necessidades de transporte; ou seja, teria que aferir essa desproporção a partir do interesse do lesado – cfr., neste sentido, os Ac. do STJ, de 04-12-2007, Proc. 06B4219 (rel: Pires da Rosa), e de 19-03-2009, Proc. 09B0520 (rel: Custódio Montes).

Mais, em bom rigor, enquanto lesante, a ré deveria indagar da existência de um veículo com essas características e propor a sua entrega ao autor. Com efeito, como muito bem refere o Prof. Antunes Varela (ob. e loc. cit.), «se o dano (real) consistiu na destruição ou no desaparecimento de certa coisa (veículo, quadro, jóia, etc.) ou em estragos nela produzidos, há que proceder à aquisição de uma coisa da mesma natu- reza e à sua entrega ao lesado, ou ao conserto, reparação, ou substituição da coisa por conta do agente». Mas não o fez, limitando-se a comunicar-lhe que considerava que havia perda total do veículo e propondo-se pagar-lhe 600,00 €, ficando ele com o salvado.

Ora, como resulta do nº 22 a 24 do elenco de factos provados o autor não acei-tou essa proposta – e, alias, comunicou-o à ré, por carta de 2005-07-01, de que existe fotocópia a fls. 34 (doc. nº 6, junto com a petição inicial e não

impugnado).

Ainda, o valor proposto pela ré, muito provavelmente, foi apurado através de tabelas de preços (médios) de veículos usados que costumam ser publicadas em revis-tas da especialidade. Só que essas tabelas reportam os preços pagos pelos comerci- antes de viaturas usadas, mas não aqueles que eles praticam na revenda a particula- res. E, por isso mesmo, não é arriscado concluir que o autor, com o montante que lhe era proposto, jamais conseguiria adquirir um veículo semelhante ao sinistrado.

Nada mais lhe tendo a ré proposto, o autor avançou com a reparação da viatura, como era o seu direito, tendo-se dado ao cuidado de a avisar disso, conforme flui da carta de que existe fotocópia a fls. 36 (doc. nº 7, junto com a petição inicial e não im-pugnado).

Assim, sendo muito provável que fosse possível encontrar no mercado de veícu- los usados um com as características e o estado de conservação do sinistrado, o certo é que a ré nada fez no sentido de o encontrar ou de

(14)

essa possibilidade para não pagar o custo da reparação.

Nesta conformidade, não pode proceder a argumentação da ré no que

concerne à excessiva onerosidade da reparação, pois não provou essa matéria de excepção.

***

3) Da indemnização pela privação do uso do veículo:

Sustenta a ré que é manifestamente exagerada, infundada e desprovida de equi- dade a quantia arbitrada a título de privação do uso do veículo e dos “transtornos causa dos pelo acidente”, uma vez que é três vezes superior ao valor venal daquele.

O autor peticionou uma «compensação global», a título de danos patrimoniais e não patrimoniais de 40,00 €/dia, durante o período de imobilização que computou em 101 dias.

Está assente que o autor esteve privado do uso do veículo desde a data do sinistro (15-06-2005) até 25-09-2005, isto é, durante 102 ou 101 dias,

conforme se in- clua ou não o dia em que a reparação ficou concluída. Assim, a indemnização fixada (2.500,00 €) equivale a 24,50 €/dia ou 24,75 €/dia.

O autor não alegou danos patrimoniais concretos decorrentes, mas ficou prova- do que utilizava a viatura nas suas actividades profissional e pessoal – cfr. os nºs 31 e 32 do elenco de factos provados.

O que está aqui em causa é o valor de uso do veículo, o qual depende do mon-tante diário que se mostre equitativo e do tempo decorrido, nenhuma relação tendo com o valor de mercado da viatura.

É evidente que a simples privação do uso, decorrente da paralisação, implica a não fruição do veículo, o que constitui, sem mais, um dano. Na verdade, um automó- vel está, em regra e por sua natureza, destinado a proporcionar ao seu proprietário ou legítimo detentor utilidades (designadamente a

possibilidade de se deslocar para onde quiser e quando quiser) que só podem ser fruídas por via do uso. Ora, impedido este, há um prejuízo que se traduz na impossibilidade de fruir essas utilidades, situação que pode ou não implicar lucros cessantes e/ou danos emergentes com tradução monetá- ria imediata, mas que, em regra, importa a frustração do gozo. Esta, mesmo quando não conduz a qualquer dispêndio, poderá induzir a necessidade de recorrer a favores de terceiros ou a renúncia às comodidades que a viatura

proporcionava.

Assim, impõe-se concluir que a disponibilidade do veículo tem um valor em si. E, no caso dos autos, face ao que se provou, pode-se concluir que o autor precisou mes-mo de usar a viatura sinistrada, donde flui que estamos numa situação que vai muito para além do possível uso, desembocando na

(15)

Ora, salvo melhor opinião, apenas nos casos em que se comprove que, no perí-odo da paralisação, o proprietário ou legítimo detentor do veículo não iria usá-lo ou ce- der o seu gozo a terceiro é que se poderá defender que não há

fundamento para a indemnização.

E, importa vincar, que uma boa parte da jurisprudência tem vindo a entender que a privação do uso de um veículo automóvel decorrente de sinistro

rodoviário implica, para o seu proprietário (ou legítimo fruidor), a perda da utilidade que o mesmo propor- ciona, designadamente a possibilidade de o utilizar quando e como lhe aprouver, a qual tem, em si mesma, valor

pecuniário. Assim, constituindo o simples uso (ou possibili- dade de uso) uma vantagem patrimonial susceptível de avaliação pecuniária, a sua pri- vação constitui dano patrimonial merecedor de indemnização, a fixar, se necessário, segundo juízos de equidade, de harmonia com o estatuído no art. 566º, 3, do Cód. Civil - cfr., neste sentido, entre outros, os Acs. do STJ, de 05-07-2007, Proc. 07B1849; da RL, de 04-10-2007, Proc. 3077/2007-6, e de 18-09-2007, Proc. 6066/ 2007-1, este com um voto de vencido; da RC, de 20-03-2007, Proc. 226/04.8 TBFN D.C1, de 25-01-2005, Proc. 3498/04, de 26-11-2002, Recurso nº 2688/02, e de 06-06-2006, Proc. 1605/06, «in» www.dgsi.pt, à excepção deste último que se encontra publicado «in» www.trc.pt, e do penúltimo que está inserto na CJ, Ano XXVII, 2002, T. V, p. 19.

Seguindo o entendimento de que a mera privação do uso, sem qualquer reper-cussão negativa no património do lesado, ou seja, se dela não resultar um dano espe-cífico, é insusceptível de fundar a obrigação de indemnização, podem ver-se, entre outros, os Acs. do STJ, de 12-01-2006, Proc. 05B4176, e de 04-10-2007, Proc. 07B19 61, este com dois votos de vencido; da RL, de 22-06-2006, Proc. 4334/2006-6; e da RC, de 13-03-2007, Proc.

667/05.3TBGRD.C1, todos «in» www.dgsi.pt.

Como muito bem se refere no Ac. da RL, de, de 04-10-2007, Proc.

3077/2007-6, acima referido, ocorrendo um acidente de viação, causalmente imputável a terceiro, de que resultem danos no veículo sinistrado que

obriguem à sua paralisação, o sistema legal confere ao lesado o direito à

reconstituição natural que pode fazer-se através da entrega ao lesado de uma viatura de substituição, para que a utilize no período de carência, ou por via

da atribuição de uma quantia suficiente para contratar o aluguer de um veículo com características semelhantes. E, o facto de ao lesado ter sido

recusada a substituição do veículo sinistrado não pode desembocar, sem mais, na total liberação da responsável. Na verdade, nos quadros da vida moderna em que nada (ou quase nada) é gratuito, não faz sentido que as normas legais pertinentes sejam interpretadas com um sentido que conduza a que o lesado haja de suportar, mesmo que apenas em parte, os danos decorrentes da lesão.

(16)

E, sem grande esforço, é possível estribar o entendimento que se perfilha nas disposições conjugadas dos arts. 1305º, 483º, 1, 562º, 564º e 566º do Código Civil. Com efeito, se o proprietário tem o direito de usar e fruir as coisas que lhe pertencem, a privação dessa possibilidade de uso e fruição im-porta, por via de regra, um dano, quando mais não seja, traduzido na frustração das utilidades que o bem em causa pode proporcionar. Conforme se diz no Ac. do STJ, de 05-07-2007, Proc. 07B1849, já referido, citando o Prof. Gomes da Silva («in» O Dever de Prestar e o Dever de Indemnizar, Vol. I, p. 78), o dano

consiste na privação ou na deterioração de um bem, ou, ainda, na frustração de um fim; o bem só interessa, quer económica quer juridicamente pela

utilidade, isto é, pela aptidão para realizar fins humanos; e, nos casos de perda ou deterioração, o dano consiste no malogro dos fins realizáveis por meio do bem perdido ou deteriorado, ou seja, na privação da utilidade que ele

proporcionava.

Tendo o autor direito, em termos de reconstituição «in natura», a que lhe fosse entregue uma viatura de substituição, para utilizar durante o período de

paralisação do seu veículo, e sendo certo que está provado que ele o usava diariamente (não se tratava, portanto, de um uso ocasional ou eventual), o valor do dano seria igual ao custo do respectivo aluguer. Mas, como assim não sucedeu, haverá que prefigurar uma situação próxima da que ocorreria se continuasse a utilizar o seu automóvel. Ora, o valor de uso deste será, em princípio, equivalente ao aluguer de um veículo da mesma marca e modelo, deduzidos a taxa de lucro praticada pelas entidades que exercem essa actividade e as despesas operacionais por elas suportadas. De outro modo, pode- ria haver locupletamento injustificado.

No Verão de 2005, o aluguer de uma viatura da marca Ford, modelo Fiesta, custava 32,40 €/dia.

Considerando os aludidos custos operacionais e a taxa de lucro (a deduzir), entende-se, segundo juízos de equidade, fixar a indemnização em 20,00 €/dia, perfa- zendo o total de 2.020,00 €, ou seja: 101 dias x 20,00 €/dia = 2.020,00 € - no Ac. da RL, de 18-09-2007, Proc. 6066/2007-1, supra mencionado, estando em causa um longo período de paralisação (entre Janeiro de 2003 e Outubro de 2005) de um veículo da marca Ford, modelo Fiesta, considerou-se também um valor de 20,00 €/dia.

Pelo que fica dito, reduz-se, nesta parte, a indemnização parcelar, fixada na 1ª instância, ao indicado montante de 2.020,00 €.

***

IV. Decisão:

Pelo exposto, decide-se julgar a apelação parcialmente procedente, e, em con-sequência, reduzir a indemnização parcelar atinente aos danos decorrentes da

(17)

priva- ção do uso do veículo ao montante de 2.020,00 € (dois mil e vinte euros).

No demais confirma-se a sentença recorrida.

Custas pelo autor e pela ré, em ambas as instâncias, na proporção do decai-mento.

Guimarães, 2010-03-09

/António da Costa Fernandes/ /Isabel Maria Brás Fonseca/ /Maria Luísa Duarte/

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