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Anais Eletrônicos do 14º Seminário Nacional de História da Ciência e da Tecnologia 14º SNHCT

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Academic year: 2021

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Belo Horizonte, Campus Pampulha da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG

“Atenção boa, sentimentos bons e emoções normais”:

um olhar sobre os detentos avaliados pela Seção de Medicina e Criminologia da Penitenciária de Florianópolis (1935-1945)

Viviane Trindade Borges1

O presente trabalho é parte de uma pesquisa ainda em andamento, voltada para a história das prisões e da punição e no Brasil e sua ressonância em Santa Catarina. Nosso objetivo aqui é problematizar a avaliação expedida pela Seção de Medicina e Criminologia da Penitenciária de Florianópolis, denoninada “Exame Mental”, presente 401 dos 774 prontuários de detentos existentes entre 1935 e 1945, época em que a instituição passou por intenças transformações. Apresentaremos primeiramente as especificidades das fontes analisadas, suas possibilidades e sutilezas. Através da problematização dos vestígios da prisão desejamos desnudar a atuação do discurso científico e a maneira como este imbricava-se ao discurso jurídico, atuando em um projeto nacional que visava a regeneração dos marginalizados e sua reincersão social. Analisaremos brevemente alguns exemplos, na tentativa de mostrar de que forma tais práticas atuavam sobre os corpos dos detentos, decidindo sobre seu lugar, sua liberdade e/ou prisão.

Conforme Salles (2013, p. )

A experiência de fazer pesquisa na prisão é a mesma de percorrer dois labirintos. Primeiro, colocam-se os caminhos tortos, sinuosos, com idas e vindas, com autorizações e negações e astúcias, para que se possa entrar nas prisões. Segundo, a esses percursos confusos e sempre pontilhados de desconfiança que orienta os que governam as prisões, estão os desafios do labirinto real, dos labirintos arquitetônicos, nos quais um pesquisador em geral nunca pode mover-se sozinho, com autonomia de decisão.

Em 2012, através do Projeto de extensão Arquivos Marginais, começamos a percorrer o sinuoso percurso pelos labirintos enfrentados por aqueles que decidem fazer pesquisa na prisão. Propondo inicialmente a organização de uma exposição, passamos a trabalhar no local semanalmente. Essa experiência, unica e inusitada para um historiador, permitiu conhecer os meandros e alguns personagens da Penitenciária de Florianópolis. A criação da exposição “O tempo abre as portas a quem sabe

1 Doutora em História pela UFRGS. Professora do Departamento de História e do Programa de

Pós-graduação em História Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC) e do Mestrado Profissional em Rede, em Ensino de História.

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esperar”, envolveu dirigentes e detentos do regime semi-aberto, designados pela direção para nos apoiar em tarefas como colar banners e localizar documentos e objetos dentro do espaço prisional que pudessem fazer parte da mostra.2 A imersão nas velhas edificações permitiu localizar uma documentação inexplorada, os prontuários dos detentos, os quais estavam em condições precárias, armazenados em sacos plásticos depositados em um velho pavilhão desativado. Entre idas e vindas, negações e astúcias, como bem descreveu Salles (2013), tais documentos foram transferidos para o Instituto de Documentação e Investigação em Ciências Humanas (IDCH/UDESC), onde estão passando por um processo de salvaguarda.3

A prisão coloca o pesquisador frente a temas e a fontes ainda pouco exploradas pela historiografia. Neste sentido, a analise dos prontuários dos presos tem revelado múltiplas possibilidades de pesquisa. Composto por documentos acumulados ao longo do cumprimento da pena, este verdadeiro dossiê da vida do detento durante o período de reclusão, pode variar em sua composição. Um dos primeiros registros é uma espécie de ficha detalhada do sentenciado, preenchida assim que este ingressava no espaço prisional, formada por algumas informações básicas, tais como como: Nome dos pais, Nacionalidade, Naturalidade, Local, Idade, Data de Nascimento, Estado Civil, Profissão, e grau de instrução (“Sabe Ler e Escrever”). Outros campos procuravam definir características físicas, tais como: Cutis, Cabelos, Barba, Bigodes, Sobrancelhas, Olhos, Estatura, Corpo, bem como anotações referentes a “Marcas particulares e tatuagens”. Outros detalhes elencados eram: Instrução, Residência Declarada, nomes de Parentes, Onde tem Residido, Processos e Prisões Sofridas e Outros Antecedentes.

Cabe destacar ainda a presença da Carta Guia de execução penal, na qual constam as informações necessárias a execução da pena, como cópias de Peças do Processo original com informações sobre o crime cometido. Além de um Boletim de Objetos, uma lista que relaciona os objetos que o detento portava quando foi preso, os quais poderiam ser reaviados quando este ganhasse liberdade, as Fotografias do Prontuário (de 4 à 6 fotos de frente e de perfil) e impressões digitais.

Outros documentos encontrados podem variar conforme a situação de cada detento, como ofícios internos, boletins médicos e odontológicos, Atestado de

2 A respeito da exposição ver: Revista de História de Santa Catarina, 2012. 3 Ver BORGES, 2013.

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Belo Horizonte, Campus Pampulha da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG

Pobreza, Atestado de Bons Antecedentes, Atestado de Sanidade Mental. São recorrentes os registros institucionais sobre o comportamento do detento, salientando se o mesmo foi castigado durante o cumprimento da pena, o que significa que não cumpriu as normas da casa, e ainda se o mesmo participou de alguma das oficinas, prestando serviço durante a reclusão. Em alguns prontuários encontramos ainda fotografias, cartas, bilhetes, e outros tipos de escritas de urgência, endereçadas à família, amigos, à direção da Penitenciária, à autoridades locais, apreendidas como parte do processo por diferentes razões e ainda o referido Exame Mental.

Tais dados, aqui citamos rapidamente, serão analisados com mais vagar ao longo da presente pesquisa, permitindo traçar um perfil do detentos que cumpriam pena na Penitenciária de Florianópolis, problematizando a maneira como eram instituídos através dos diferentes discursos que tentavam normaliza-los. O processo de salvaguarda do acervo vem permitindo a construção de uma familiaridade no trato com estas fontes tão singulares, possibilitando esmiuçar de forma mais detalhada seus meandros, um processo lento e extremamente rico. Ainda somos constantemente surpreendidos pelo acervo, pelo passado e suas histórias marginais, como os casos em que objetos são encontrados anexados aos prontuários. Até o momento encontramos 3 casos em que envelopes lacrados contendo objetos faziam parte dos prontuários, ao abrir nos deparamos com objetos que os detentos tinham usado para tentarem o suicídio: cacos de vidro, pedaços de uma lâmina de metal e uma corda. Ainda havia sangue no vidro. Tais vestígios proporcionam a sensação de aproximação do real, um efeito de certeza, conforma coloca Arlette Farge (1989, p. 18), como se a prova do que foi passado estivesse diante de nossos olhos, ao alcance de nossas mãos, definitiva e pronta, como se o pesquisador, embrenhado no arquivo, pudesse tocar o real. Claro que essa sensação quase mágica se esvanece diante dos problemas colocados pela pesquisa, das preocupações ligadas a como interpretar a presenças destes objetos e seus significados, mas certamente tais achados são inesquecíveis e nada comuns para nós historiadores.

Assim, o que outrora foi preenchido e guardado apenas para cumprir exigências legais e ordinárias, desvela ao pesquisador a tessitura de um cotidiano de difícil acesso, possibilitando compreender práticas sociais pouco exploradas. Através destas fontes, centrando nosso olhar nos processos macro e micro históricos que envolvem o mundo prisional, é possivel perceber que a análise processual, que insere

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a Penitenciária de Florianópolis dentro da história carcerária no Brail, se entrelaça a uma análise dos itinerários individuais dos protagonistas desta mesma história (CERUTTI, 1998, p. 174). A proliferação de diferentes discursos se entrelaça e se choca com as práticas, mais difíceis de apreender, exigindo um estudo “empreendido no nível do detalhe”, como propos Michelle Perrot (2010, p. 179), ao analisar os excluidos da história ente os séculos XIX e início do XX. Os prontuários são fontes carregadas de vestígios que desnudam comportamentos, normas internas, relações de convívio, poder, formas de tratamento, e sobretudo o cotidiano institucional. Neles encontramos brechas, alguns instantes de vida de personagens comuns, subjetividades que estilhaçam imagem homogênea do mundo institucional, instigando um novo entendimento a respeito das instituições totais e seus habitantes.

Conforme colocado, a redução da lente proposta por este estudo volta-se para um período compreendido entre 1935 e 1945, quando a Peniteciária da Pedra Grande passou por importantes transformações. Cabe destacar que a discussão em torno da necessidade de implantação do regime penitenciário, bem como de outras instituições de controle em Santa Catarina, teve início nos anos 20, junto com a remodelagem social e urbana. A intenção era criar um espaço que se diferenciasse das cadeias públicas, superlotadas e em condições insalubres, mostrando que a prisão necessitava de novos e mais sofisticados métodos de controle e punição. Com este objetivo, a Penitenciária Pedra da Grande foi inauguranda em 21 de setembro do ano de 1930,

instituída como símbolo de modernidade no Estado (Miranda, 1998, p.35).

Contudo, a analise da documentação institucional, mostra que o discurso modernizante parecia pouco alinhado à prática, visto que a realidade dentro do espaço penal pouco se diferia do tão criticado modelo das cadeias públicas. A pesquisa nos prontuários vem mostrando quem existiam problemas na aplicação das Leis e das Penas. Como exemplo podemos citar o caso dos menores infratores4 e dos doentes mentais5, que até a década de 1940 não possuíam uma instituição específica para abriga-los e assim acabavam sendo enviados à Penitenciária, onde cumpriam seus períodos de reclusão em espaços improvisados e em muitos casos insalubres.

No que se refere aos menores, podemos observar casos em que estes

4 Ver: BIAVA, 2014. 5

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permaneciam em meio aos adultos, contrariando o Decreto n. 17.943-A de 1927, que definia que na ausência de instituição específica os menores poderiam permanecer em penitenciárias, desde que em espaço separado dos adultos. No caso dos doentes mentais, observa-se a prática de separa-los dos demais, em um espaço denominado de “Manicômio”, localizado dentro do espaço prisional, sem qualquer tipo de tratamento. Tais problemas se arrastam pelo menos até 1941, com a criação do Abrigo de Menores e do Hospital Colônia Sant’Ana, mas seguem indefinidamente, visto que os prontuários das décadas de 40 e 50 ainda mostram internos vagando entre as instituições, sem tratamento e, no caso especifico dos doentes mentais, permanecendo por longos anos na penitenciária mesmo após o cumprimento de suas sentenças. Assim, enquanto o discurso instituía a Penitenciária como um espaço moderno, que buscava a regeneração dos sujeitos, a prática desvela um cotidiano que em pouco (ou em nada) se diferia das cadeias públicas.

A Penitenciaria acabou se tornando um deposito de indesejaveis, contrariando a proposta modernizante que motivou sua criação. A necessidade de mudanças levou a uma série de reformas, enpreendidas pela direção do jurista Edelivito Campelo D’Araújo. Caponi e Rebelo (2007), ao discutir a instalação do modelo penitenciário na cidade de Florianópolis na década de 1930 analisam o período em que Araújo foi diretor destacando as reformas por ele realizadas na instituição, tanto na organização do modelo prisional, como de caráter fisíco, nas edificações. O objetivo era implementar uma administração que atendesse ao ideário positivista da República Nova, propondo uma estrutura considerada mais racional e moderna. Além disso, o novo diretor buscava realizar um estudo científico, cujo objetivo era conhecer a fundo o ‘fenômeno crime’ e as motivações dos criminosos. Araújo pertencia a Escola Clássica de Direito positivista, baseada em ciências que estavam surgindo como a criminologia e/ou a antropologia criminal. Visava cumprir a proposta nacional de busca pela cura moral do delinquente, buscando a regeneração dos criminosos através do trabalho. Para o novo diretor, não bastava saber quem havia cometido determinado crime, mas investigar as causas, as motivações dos criminosos, doenças e hábitos pregressos, analisando aspectos ligados a hereditariedade.

É na gestão de Araújo que temos a criação da Seção de Medicina e Criminologia. As avaliações e consultas, antes encaminhadas ao Hospital de Caridade

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e outras instituições da capital, passam a ser realizadas dentro da Penitenciária, visto que a instituição agora a contava com um médico contratado. É a partir desse período que podem ser encontrados dentro dos prontuários o documento intitulado “Exame Mental”, o qual sistematizava e avaliava dados referentes aos detentos que solicitavam algum tipo de alteração em suas penas, como a passagem para o regime semi-aberto e pedidos de perdão. O documento era expedido pela Seção de Medicina e Criminologia e assinado pelo medico chefe da Penitenciária. Entre 1935 e 1945, encontramos o referido documento em 405 dos 774 prontuários existentes no perído. Nele era avaliava a vida pregressa e prisional do sentenciado, com base nos registros anexados ao Prontuário e nas respostas dadas ao médico no dia da realização do exame.

O discurso científico, através dos laudos da Seção de Medicina e Criminologia, procurava definir quem era apto para retornar ao convívio social, ou seja, decidia sobre a libertade ou não dos sujeitos. A análise empreendida até o momento permitiu perceber alguns aspectos recorrentes, os quais estão sendo problematizados e que aqui traremos como exemplos, como as repetições presentes no Exame Mental de alguns sentenciados, inserindo características comuns que uniformizavam comportamentos; os casos em que a instituição se posiciona à favor do detento, corroborando através de seu saber/ poder para seu retorno ao meio social; e os pedidos negados, observando as razões apontadas para que o detento permanecesse na instituição.

O Exame Mental trazia os “Dados Biográficos” do detento, salientando casos em quem nada era considerado interessante ao caso, com uma frase padrão: “Nos seus antecedentes pessoais não revela acontecimento de importancia”, “não tem criminosos na família”. Ao tentar rastrear os antecedentes do apenado, o exame elencava as possíveis falhas heredirárias, apontando o comportamento de pais e irmãos; aspectos ligados a inteligencia, paixões, memória, linguagem, taras, sentimentos religiosos. Avaliava o caráter do sentenciado solicitante através de adjetivos como “sofrível”, “bom”, “sentimentos bons”, “sincero”, etc. Bem como a capacidade de trabalhar, avaliada de acordo com as atividades realizadas pelo detento no espaço prisional, e a capacidade seguir as normas da instituição, consideradas pontos positivos na avaliação.

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Como exemplo podemos citar o caso de M.J.. Conforme seu “Exame Mental”, o mesmo era dotado de “Atenção boa, sentimentos bons e emoções normais”, caracteristicas recorrentes no discurso científico. Assassino confesso, condenado há 12 anos de reclusão em 15 de novembro de 1940, depois de cumprir metade da pena solicita o perdão dos anos que ainda restam. Seu Exame Mental é bem detalhado, constam seus “Dados Biográficos”, evidenciando que seus pais, irmãos e “parentes colaterais (tios, primos, etc)”, “não eram criminosos” e “sabiam ler e escrever”. A respeito das “Taras”, informa que o detento não às possuía. Salienta seu “Grau de instrução comum”, ou seja, “sabia ler e escrever”, bem como sua condição da família regular. Os dados referentes aos antecedentes do sentenciado são detalhados, indo do seu nascimento à sua prisão, em uma narrativa de duas páginas, enquanto que nos demais casos, em sua maioria, podemos observar registros de apenas algumas linhas. Destaca todos os cargos e funções ocupadas pelo detento ao longo de sua vida, destacando que o mesmo é “casado religiosamente” e que adotou 4 crianças que criou como filhos. O documento finaliza com a observação encontrada na maioria dos casos analisados: “Pelas observações que procedemos do sentenciado em referencia, quanto ao seu estado mental, notamos tratar-se de um individuo de atenção e sentimentos bons, inclinações, emoções e paixões normais”.

Em outros prontuários é possivel encontrar casos em que o Exame Mental intercede pela aprovação do pedido do sentenciado, como no caso do pedido de perdão de parte da pena de M.S., preso em 1940 por “crime de natureza economica” que resultou em morte. O sentenciado foi descrito pelo Médico Chefe da Seção de Criminologia, Dr. Manoel Bastos da Silva Moreira, como “alguém cujo comportamento nunca foi passivel de critica de qualquer espécie”. O documento, longo e redigido de uma forma detalhada, também fugindo aos padrões habituais, mais sucintos em suas descrições, destacava que tratava-se de

Um individuo calmo e ordeiro, nada existindo de desfavorável em seu prontuário. Tanto na escola como na oficina desta casa foi evidenciada a preocupação de melhorar os seus conhecimentos práticos.

O examinado aqui se acha em virtude de co-participação num crime de morte. Não só pela leitura dos autos, mas também pela narrativa do crime que nos fez, percebe-se que o medo de vingança por parte dos companheiros foi a razão que determinou a presença do examinado no momento do crime. Por essa razão e em virtude de seu ótimo comportamento nessa casa, onde demonstrou possuir caráter firme achamos que nosso examinando está em condições de gozar os direitos da liberdade condicional.

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O discurso cientifico procurava enfatizar o bom comportamento do sentenciado, destacando nada existir em seu prontuário de desfavorável à seu caráter, mostrando a preocupação do mesmo em melhorar, estudando e trabalhando durante a reclusão. Tais aspectos atendem ao discurso institucional e ao projeto nacional em que este encontrava-se inserido, preocupado em regenerar e reintegrar novamente ao meio social os marginalizados, transformados em corpos doceis e produtivos. O próprio crime e suas motivações são interpretados de forma a beneficiar a avaliação do detento, o qual teria agido por medo de uma vigança dos companheiros e não por motivações agressivas ou violentas. Por fim, o medico chefe deixa claro que o sentenciado encontra-se em condições de estar novamente em sociedade, intercedendo claramente a favor do detento.

Em outras situações percebemos que a descrição dos antecedentes e personalidade considerados desfavoráveis resultavam em pedidos negados, como no caso de M.D. ex policial, que cumpria pena por agressão corporal contra um Cabo do Exército e sua esposa, em 1944. No Exame Mental o crime cometido pelo acusado é relatado em detalhes, salientando ao final que “os antecedentes e a personalidade” do sentenciado lhes eram “inteiramente desfavoráveis”. Conforme o documento: “Sua vida pregressa, seus antecedentes são péssimos, seu comportamento irregular, costumava embriagar-se, era turbulento, rixoso, violento”. Com base nessa avaliação, o subdiretor da Penitenciária destaca ainda que M.D. foi excluído da força policial por “incapacidade moral”, e conclui: “Resulta, desse modo, não existir a nosso ver, no processo do postulante, um motivo especial que justifique a concessão do beneficio que pleiteia”.

Os detentos somente teriam seus pedidos aprovados mediante o parecer da direção da Penitenciária, a qual fundamentava-se na análise do prontuário e no documento expedido pela Seção de Medicina e Criminologia. O resultado do Exame Mental certamente tinha muito peso para a construção do paracer da direção. Até o momento não localizamos nenhum caso em que pareça ter ocorrido uma divergencia nos pareceres, ou seja, a indicação apontada pelo Exame Mental acaba sempre sendo mantida no parecer da direção. O discurso científico e o jurídico aparecem aqui atuando de forma imbricada, determinando quem era apto ou não para retornar ao convívio social.

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Belo Horizonte, Campus Pampulha da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG

Procuramos aqui apresentar as especificidades das fontes analisadas e suas possibilidades para a pesquisa, apontando os caminhos de uma pesquisa ainda em construção. A problematização destas fontes desvela, entre outros aspectos, que a Penitenciaria, incerida a um projeto nacional de regeneração dos marginalizados, acabou tornando-se já nos seus primeiros anos de funcionamento, um deposito de indesejaveis, marcada por problemas na apliacção das leis e pena, dissociando discurso e prática. As transformações empreendidas entre 1935 e 1945 evidenciam um esforço em reverter este quadro, através de reformas estruturais e internas, criando espaço para a atuação do discurso científico, dentro do espaço prisional.

Referências Bibliográficas

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Referências

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