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Caminho (m)eu: experiência re-partida My path: shared experience

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Academic year: 2021

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Caminho (m)eu: experiência re-partida

My path: shared experience

Luciana Paludo1 UFRGS

Resumo

No segundo ano de pesquisa de minha tese de doutoramento, alguns exercícios em torno do meu objeto foram feitos. De início veio a necessidade de distinguir dança e coreografia, para, a partir disso, olhar para a minha “ação de re-partir a experiência”. Posso chamar essa ação, simplesmente, de ensinar, mas, um fator tem se pronunciado como determinante neste processo: o quanto minha prática artística dá subsídios para eu dar minhas aulas de dança, sejam elas com o foco nas técnicas corporais, na composição coreográfica ou na improvisação. Este artigo se propõe a realizar uma síntese desta propriedade de re-partir, fator que permeará a escrita de minha tese, cujo objeto central visa problematizar e compreender o processo de composição coreográfica como parte primordial na construção de um corpo para a dança (no que se refere ao indivíduo); e como fator de aprender a lidar com as diferenças (no trabalho em grupo).

Palavras-chave: Dança, Composição Coreográfica, Corpo, Heterogeneidade, Formar.

Abstract

In the second year of research of my doctorate thesis, some exercises around my object were made. At first arose the need to distinguish between dance and choreography, so that, starting from there, I could look at my "action of re-sharing the experience”. I can call this action simply of “teaching”, but one factor has been pronouncing itself as a determinant in this process: how much my art practice gives me subsidies for me to give my dance classes, be them with a focus on body techniques, choreography or improvisation. This article aims to achieve a synthesis of this re-sharing property, a factor which will permeate the writing of my thesis, whose main objective is to discuss and understand the process of choreographic composition as a key part in the building of a body to the dance (with regard to the individual); and as a factor in learning to deal with the differences (in the group work).

Keywords: Dance, Choreography Composition, Body, Heterogeneity, Form.

1

Artista da dança, Bacharel e Licenciada em Dança (PUC-PR/Fundação Teatro Guaíra); Especialista em Linguagem e Comunicação (UNICRUZ); Mestre em Artes Visuais (UFRGS); Doutoranda em Educação (UFRGS); professora da Licenciatura em Dança (UFRGS).

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Dança: demandas geradas pela heterogeneidade

Esta pesquisa está sendo desenvolvida no Programa de Pós Graduação em Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, na linha de pesquisa Educação: Arte

Linguagem Tecnologia área temática Estudos Teatrais e Educação; orientada pelo professor

Gilberto Icle. Desde que entrei no Doutorado em Educação e encontrei abertura para pesquisar a respeito da composição coreográfica e da formação em dança, venho problematizando meus trabalhos como professora de dança. As minhas dúvidas de sala de aula direcionam esta pesquisa; talvez algumas questões particulares enquanto artista não tenham tanta importância aqui. Elas ganham dimensão no momento em que estão me proporcionando suporte para elaborar procedimentos e problematizar algumas dúvidas de meus alunos. Mais do que responder, problematizar. A resposta a uma pergunta, muitas vezes é outra pergunta, ou uma sugestão.

A grande virada nos meus procedimentos de ensino foi gerada por uma demanda específica: quando iniciei a docência na Licenciatura em Dança da ULBRA, onde havia uma mostra chamada Cri-Ação, ao término do semestre, que era parte do processo de avaliação das disciplinas. Por essa experiência incorporei processos de criação e improvisação nos meus procedimentos de ensino. Percebi que é justamente nesse quesito que os participantes do processo logram uma maior autonomia, seja na construção de um corpo para a dança (no que se refere ao indivíduo), seja em como aprender a lidar com as diferenças (no trabalho em grupo). Estamos a construir situações. Assim, é possível discutir e vivenciar propriedades inerentes à dança, tais como a preparação corporal, a repetição, maneiras de formar corpo e coreografia; relações que a coreografia pode estabelecer etc. Hoje trabalho na Licenciatura em Dança da UFRGS; mesmo sem ter uma mostra que seja parte do processo de avaliação dos alunos, alguns procedimentos de criação permeiam as aulas. Não cabe aqui listá-los, e sim, buscar compreender como isso pode ser pensado na arte da dança e nas maneiras de ensinar/problematizar a dança.

O fato é que a arte não é somente executar, produzir, realizar, e o simples “fazer” não basta para definir sua essência. A arte é também invenção. Ela não é execução de qualquer coisa já ideada, realização de um projeto, produção segundo regras dadas ou predispostas. Ela é um tal fazer que, enquanto faz, inventa o por fazer e o modo de fazer (Pareyson, 2001: 25-26).

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A citação de Pareyson vem ao texto como introdução a um pensamento, no que diz respeito ao formar em arte. Especificamente, o formar em dança. Podemos, em analogia ao autor, pensar que o simples executar movimentos, o fazer diário, a produção de novas movimentações e a realização de sequências não seria o bastante para se ter uma dança ou uma coreografia. O ensino de dança ou um processo coreográfico também não se sustenta apenas na execução de movimentos e realização de sequências; há sempre a necessidade de refletir sobre o que se está fazendo, de que maneira se está fazendo e o que isso implica no contexto em que se está inserido.

O que torna o movimento um movimento de dança? O que é necessário para que uma dança aconteça? Uma dança, para que aconteça, carece de corpos sensíveis e predispostos a dançá-la? Num processo de ensino, lançam-se as perguntas como provocação e diretriz. Meus procedimentos de ensino tem sido o objeto de minha pesquisa no doutorado em Educação. O viés metodológico da composição de minha tese poderá ser contíguo à formação de uma coreografia?

Para tentar responder a última questão, observo procedimentos recorrentes, em minhas pesquisas e trabalhos de arte; penso que seja importante dar margem para a dúvida, para o inusitado e para o acaso. Mas, há um rigor necessário, um “ponto de corte”, um exercício de eleger coisas imprescindíveis e de abandonar excessos, próprio de todos os trabalhos em que realizamos coletas de dados e arranjos dos elementos; sejam esses dados movimentos ou palavras – ou, ainda, movimentos de outras pessoas, com as quais estamos em situação de mediar conhecimentos. Zamboni (2001:10), em A pesquisa em Arte: um paralelo entre arte e

ciência, ensina:

Pesquisa é premeditação e essa, por sua vez, é racional. Entendo também que uma das características fundamentais da pesquisa é o grau de consciência e do pleno domínio intelectual do autor sobre o objeto de estudo e do processo de trabalho, mas, com isso não pretendo negar a existência da força intuitiva e sensível contida em qualquer processo de trabalho, seja em arte, seja em ciência.

Tratemos da arte da Dança. Pensemos que dançar seria atender a uma demanda, um desejo de formar algo a partir do processo de realizar movimentos. Nesse sentido, as maneiras de se fazer isso se reinventam, mesmo diante de movimentos conhecidos e estabelecidos num

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determinado repertório de dança. Regras se engendram na formação de uma nova coreografia e, até mesmo, na remontagem de uma coreografia.

Na história da arte, cada gênero possui uma lógica interna de normas estabelecidas e transgredidas no decorrer de seu desenvolvimento - observado na história da parcela de mundo a que diz respeito. A dança ocidental na contemporaneidade, numa lógica ancorada na história euro-americana, foca a sua norma não apenas na repetição de movimentos e sim, na investigação de modos de realizar determinados movimentos e procedimentos. Mas, questiona-se, em que medida pode-se afirmar que esta é uma característica da dança na contemporaneidade?

Pareyson (2001: 26) dirá nas suas concepções sobre arte como formatividade que “Encontra-se a regra operando [...]”. Talvez, num esforço de estabelecer relações com esse pensamento, caberia dizer que cada gesto e movimento em dança, seja ele apreendido a partir do movimento de outra pessoa, seja ele criado e executado pelo próprio intérprete, quer se constituir como um processo de (re)criação e apreensão, de modo que surja e se atualize naquele corpo com propriedade. Isso redimensiona um hábito na dança; de produzir danças; articular produções. O processo de criação se alarga; cada movimento abre um horizonte e condições de possibilidades para lançar novas sugestões e metodologias para formar. Talvez o que se anuncie como tendência na contemporaneidade seja justamente reconhecer que as regras não são fixas; que elas ocorrem por uma urgência. Uma demanda formativa. Em sala de aula, os ensinamentos de Klauss Vianna têm sido oportunos; cito um trecho recorrente nas falas dos alunos:

À medida que trabalhamos, é preciso buscar a origem, a essência, a história dos gestos – fugindo da repetição mecânica de formas vazias e pré-fabricadas. Só assim o trabalho resultará em uma criação original, em uma técnica que é meio e não fim, pois a técnica só tem utilidade quando se transforma em uma segunda natureza do artista (VIANNA, 2005: 73).

Sobre a questão de uma segunda natureza, Gilbero Icle, em seus estudos de estados de representação cênica, supõe a formulação de dois planos

[...] o primeiro, definido como cotidiano, caracterizado pela construção do sujeito em relação à interação com o meio (físico, emocional, social, etc.), em que articula uma primeira natureza humana, formas de pensar e agir que partem do princípio da sobrevivência da espécie, o menor esforço para o maior resultado; o segundo também se constrói na interação com esse meio, contudo,

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define-se como um comportamento extracotidiano, articulado e edificado por uma “segunda natureza” de comportamento, no qual leis fictícias agem segundo o princípio do maior esforço para o menor resultado. (ICLE, 2006: XXIII)

O termo segunda natureza, explica Icle, é usado principalmente por Eugenio Barba; na prática cotidiana de determinados elementos poderá se encontrar uma medida de naturalidade, fazendo parecer que algo de extrema dificuldade se constitua como natural e orgânico. Lembrando, sempre que o natural é algo naturalizado por nós; o natural, em termos de movimento em dança, é quase sempre construído. É importante salientar a importância do fazer e do repetir, mas, de uma maneira sensível e atenta. Os procedimentos que têm dado suporte para a observação dessas questões nesta pesquisa estão sendo realizados nas aulas de composição coreográfica, improvisação e técnicas de dança, nas licenciaturas em dança onde trabalhei e trabalho. Tais circunstâncias têm propiciado tempo e lugar de reunir pessoas predispostas a dançar, compor suas coreografias e problematizar questões que envolvam esses aspectos. Essas pessoas fazem aula comigo; chamo-as de aluno-intérprete-criador.

Nessas situações de ensino, uma característica é a heterogeneidade dos corpos, no que diz respeito a técnicas e concepções de dança e de corpo. No início da pesquisa, chamava essa característica de “corpos diferentes”. Então, comecei a buscar conceitos de diferença. Aos poucos, percebi que podia tratar dessa diferença pelo viés da heterogeneidade. Em estudo já publicado, a respeito de minha tese, na ABRACE de 2010, problematizei o seguinte pensamento:

[...] ao me referir a corpos diferentes, estaria, subliminarmente, a dizer “diferentes dos meus entendimentos de corpos aptos a dançar”? Estaria a disfarçar um comportamento, ou, num empenho desenfreado para fazer acontecer a dança a qualquer custo, em qualquer corpo, qualquer meio, qualquer lugar? De uma forma muito simples, posso pensar que o meu desejo de formar algo em arte, especificamente na dança, fez com que eu trabalhasse para engendrar metodologias que aproximassem as possibilidades dos corpos “diferentes” – a ponto de que isso virasse o motivo condutor e inspirador da configuração estética (PALUDO, 2010).

Nesse ínterim, pude detectar que o fio condutor de meus procedimentos, além de todo o trabalho pedagógico construído em uma licenciatura em Dança e em práticas de ensino que já somam vinte e um anos, estava ancorado na minha experiência como artista. Em diversas situações tenho lidado com o “estranho” dentro de minhas produções no campo da arte. Em

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um de meus trabalhos, “Os humores do poeta”, acolho, em cada apresentação, um ou dois artistas convidados. Eles recebem tarefas específicas, criam a partir de um roteiro coreográfico estruturado e de uma trajetória determinada. Há momentos específicos para as intervenções; o que, muitas vezes, não se concretizam como “deveria” – e é justamente essa propriedade que me interessa: o jogo, o inusitado; o que aquele ser estrangeiro ao trabalho, diferente de meu corpo, traz, re-significa, bagunça, re-forma uma estrutura coreográfica que, ao cabo, chamo de semi-estruturada.

A relação que estabeleço entre o meu exercício artístico e as minhas práticas docentes é contemplada na palavra acolher - o que chamo neste artigo de experiência re-partida. Acolher o outro, em suas “diferenças”, o que posso compreender como idiossincrasia ou, ainda, peculiaridade. Nas situações contemporâneas de ensino da dança, acolher corpos com diferentes históricos de formação técnica de dança é um desafio cada vez mais presente, especialmente no que diz respeito aos acadêmicos dos Cursos de Licenciatura em Dança e às escolas de formação livre. A partir do momento em que se acolhem as diferenças, empenha-se no engendrar de novas estratégias que dêem conta de proporcionar uma vivência harmônica entre todos os integrantes do grupo, onde todos possam usufruir das experiências práticas e teóricas e, acima de tudo, que ao final de um processo de pesquisa e estudo, cada um tenha o seu repertório de apreensões organizado. Para quem ensina, um estado de atenção constante e empenho serão necessários.

Cada corpo é um universo específico [...] não existem fórmulas nem métodos corretos para todos os corpos. O conhecimento de anatomia, o estado de atenção e uma eterna observação constituem posturas e atitudes fundamentais para um bom começo (LOBO e NAVAS, 2007: 81)

Como professora de dança, penso que devo estar ciente de que cada corpo comporta um ritmo e um padrão preponderante de movimento; uma história, um modo de ser. Quando se fala em ritmo de um corpo, compreendem-se fatores como a velocidade de seus movimentos e os impulsos que o levam de uma direção a outra, em sua realização de movimentos no espaço e no tempo. O padrão de movimento seria um fator mais amplo, onde atuaria o ritmo; o peso real desse corpo; o uso do peso do corpo; os intervalos de tempo entre um elemento e outro, numa frase de movimento; e o espaço utilizado para a realização de ações e movimentos. Então, será preciso partir das peculiaridades, de modo que se possa chegar a um entendimento coletivo, de corpo cooperativo.

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Penso que esta Pesquisa esteja contribuindo de uma forma muito específica, ao estar gerando situações de estudo do movimento a partir dessas problematizações. Em 2010, na Licenciatura em Dança da ULBRA, onde lecionava e no momento atual dessa pesquisa, em 2011, na Licenciatura em Dança da UFRGS, onde trabalho agora. Nesses dois ambientes, especificamente, senti que foi e está sendo possível disponibilizar aos alunos espaços para a construção de conhecimento e autonomia; percebo que minha experiência como artista colabora nesse processo - também se modifica.

Pedro Demo explica que a aprendizagem precisa desenvolver habilidades de dentro para fora, tais como a pesquisa, “[...] onde não se busca, necessariamente, o pesquisador profissional, mas o profissional pesquisador, que sabe reconstruir conhecimento com autonomia, na condição de sujeito autopoiético [...]”. (DEMO, 2004: 32). Assim, na especificidade da dança, instrumentalizar o aluno com um repertório de atenção e conhecimento de sua movimentação será imprescindível para que ele possa, minimamente, iniciar uma pesquisa em movimento e venha realizar sua dança e suas composições. Ainda nos ensinamentos de Pedro Demo, a respeito de desenvolver habilidades de dentro para fora, vejamos a respeito da elaboração própria, a qual seria a propriedade de que

[...] uma ideia de fora pode tornar-se ideia própria, como é o caso dos alimentos que, digeridos, transforma-se em energia própria; assim como nosso corpo age de dentro para fora (cresce, desenvolve-se, amadurece e também perece através de dinâmica própria complexa não linear), nossa mente procede de maneira reconstrutiva, criativa, emergente [...] (DEMO, 2004: 33)

Assim, é possível exercitar a argumentação, a habilidade de questionar, mas, principalmente de se autoquestionar, observando potencialidades e limites do conhecimento em questão. Poderemos pensar na construção de um espírito crítico e criativo, no sentido de que cada aluno-intérprete-criador seja, também, construtor de sua técnica, sua poética e capaz, assim, de formar, atuar e produzir conhecimento na dança.

Reflito muito em como deve ser a minha atitude enquanto artista-docente. Orientar com exemplos práticos de vivências tidas é um caminho. Mas, a medida de “não sufocar” deve estar operando, sempre. Creio que a orientação do professor, e seu constante envolvimento com o objeto de pesquisa, da maneira mais abrangente que isso se possa proceder, irá facilitar a ação de transformação - o que se quer a cada pesquisa, seja no espaço acadêmico, seja fora do espaço acadêmico. “Orientar é motivar, solicitar, convidar, empurrar,

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mas, não decidir [...]”. (DEMO, 2004: 35). Nesse sentido, a metodologia que me guia nos procedimentos práticos desta Pesquisa tem como estratégia primeira gerar um envolvimento dos participantes do grupo com pressupostos de preparação e percepção corporal; textos que problematizem questões contemporâneas de arte; debates a respeito de momentos de ruptura; conceitos de transgressão e norma etc.

É essencial a familiaridade com o mover e um certo domínio corpóreo; da mesma maneira, é interessante que se esteja familiarizado com questões e comportamentos relativos à arte na contemporaneidade. Sempre que possível, articulando o pensamento com movimentos históricos anteriores. Uso a palavra mobilidades, para descrever uma propriedade não só do corpo – mas, também do corpo! O ser-corpo móvel, como uma qualidade do espírito que extravasa na matéria. Nesse sentido, o meu intuito enquanto professor e artista de dança, dentro e fora do espaço acadêmico, têm sido compartilhar metodologias. Observo o quanto que essas trocas redimensionam minha postura enquanto artista e minhas questões no trânsito do campo da arte. Minhas dúvidas em relação à dança e seus trâmites vêm sendo atentamente vividas-estudadas, ao longo desses anos de dedicação para a Dança (entrei no Bacharelado/ Licenciatura em Dança em 1987, desde então, a vivência-estudo nunca abandonou, de forma móbil, o meu existir). Nesse caminho (m)eu, vejo que a experiência pode ser re-partida. E isso é uma via de mão dupla. Colocar essas ideias em palavras é um exercício que me apraz, uma vez que vejo as palavras como extensão do pensamento e de uma forma de viver. José Gil auxilia o pensamento:

A escrita abre a ameaça de uma distância: é signo de um signo, a palavra. (...) A palavra enche-se das forças do corpo (do fígado, das entranhas, do estômago) e das forças da coisa nomeada (GIL, 1997: 117-118).

Então, no sentido da experiência vivida na dança, a palavra – dita ou escrita - não estará esvaziada; a palavra corporifica e dança. Vem para atuar junto ao Ser, de maneira complementar, num trânsito entre espaço interno do pensamento e espaço externo do objeto, no pleno exercício desta ação, como um modo existencial, na realidade circundante.

Estaria eu, como pesquisador-professor-artista a facilitar um despertar nos outros, os quais estão sendo envolvidos nesta Pesquisa? Será possível transmitir esta fascinação pelos atos de dançar, ler, escrever e viver a dança? Creio que há possibilidades, a partir de exercícios que propiciem um despertar de várias sensibilidades. A cada dia, trabalhar para

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lapidar qualidades específicas de movimento, engendrando a transformação desse movimento em dança e, por fim, da organização intencional desses movimentos numa estrutura coreográfica – sem nunca deixar de dar atenção às demandas dos contextos que nos cercam. Gosto do livro Variações sobre o corpo, do Michel Serres. Trago, a seguir, uma citação que me faz ver um corpo a dançar...

Nosso corpo não cessa de assumir milhares de formas imprevisíveis: ele se transforma. Longe da estabilidade, ele se move; longe do movimento isolado, ele muda (...). Não se desloca apenas sobre o trajeto daqui para acolá, mas forma-se, deforma-se, transforma-se, estende-se, alonga-se, figura-se, desfigura-se transfigura-se (...) (SERRES, 2004: 138).

A arte, após o impulso inicial de um Ser predisposto a formar, acolhe e forma a técnica, ou seja, procedimentos operacionais que tornam possíveis a materialidade da ideia e a intencionalidade. Mikel Dufrenne nos ensina a respeito de intencionalidade:

A intencionalidade significa, no fundo, a intenção do Ser que se revela – a qual não é outra coisa que sua revelação – e suscita o sujeito e o objeto para se revelar. O objeto e o sujeito, que só existem na mediação que os une, são, destarte, as condições de um advento de um sentido, os instrumentos de um Logos (DUFRENNE, 2002: 79).

Para finalizar esta reflexão, ressalto que todas as ações que vêm sendo desenvolvidas, desde o início desta Pesquisa - das leituras e ensaios; dos exercícios escritos e publicação; do envolvimento com meus alunos no processo vivo do ensino da dança -, são procedimentos que estão redimensionando entendimentos de Dança, de corpo e de formação. Isso não significa que esses entendimentos se cristalizem. A cada etapa, cada leitura e cada nova formação de pessoas e configurações estéticas, são passíveis de serem reestruturados. Embora certos procedimentos possam se manter de início, as consequências geradas por eles são inusitadas, uma vez que as regras se formam ali, pela demanda de cada tarefa, de cada corpo e circunstância.

Afinal, é no momento de realizar a pesquisa que a metodologia se torna algo vivo e móbil; assim como as questões. Nas demandas do fazer surgem novas expectativas, questionamentos, tensões, relaxamentos, saltos, rolamentos, enfim, tudo que possa ser agregado numa coreografia ou numa dança... Acredito que as várias manifestações de um ser

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possam ser materializadas de maneiras similares ou contíguas; nesse sentido, a escrita se propõe a trabalhar na mesma lógica de composição coreográfica, ou seja, acolhendo o inusitado, o que se forma, diferente do que possa ter sido pensado inicialmente, talvez; e tendo o que chamam de acaso como um estado de percepção e atenção ao que o espaço-tempo circundante se nos apresenta, a todo o instante.

Bibliografia

DEMO, P. 2004. Universidade, Aprendizagem e Avaliação – Horizontes Reconstrutivos. Porto Alegre, Mediação.

DUFRENNE, M. 2002. Estética e Filosofia. São Paulo, Perspectiva. 3. ed. 2. reimpressão. GIL, J. 1997. Metamorfoses do corpo. Lisboa, Relógio D’Água.

ICLE, G. 2006 O ator como xamã. São Paulo, Perspectiva.

LOBO, L. e NAVAS, C. 2007. Teatro do Movimento – um método para o intérprete criador. Brasília, LGE Editora, 2003. 2. ed.

PALUDO, L. (2010 ). Para transmitir ao outro a experiência de dançar e organizar a dança

em coreografia. http://portalabrace.org/vicongresso/pesquisadanca/Luciana%20Paludo.pdf

Acesso em 18 de maio de 2011.

PAREYSON, L. 2001. Os problemas da estética. São Paulo, Martins Fontes. 3. ed. SERRES, M. 2004. Variações sobre o corpo. Rio de Janeiro, Bertrand do Brasil. VIANNA, K. 2005. A Dança. São Paulo, Summus.

ZAMBONI, S. 2001. A pesquisa em Arte: um paralelo entre arte e ciência. Campinas, SO, Autores Associados. 2. ed.

Referências que permeiam maneiras de proceder e de pensar

BERGSON, H. 1999. Matéria e memória: ensaio da relação do corpo com o espírito. São Paulo, Martins Fontes. 2. ed.

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BOURDIEU, P. 2007. A economia das trocas simbólicas. São Paulo, Perspectiva. 6. ed. 1. reimpressão.

FOUCAULT, M. 2010. A arqueologia do saber. Rio de Janeiro, Forense Universitária. MERLEAU-PONTY, M. 1999. Fenomenologia da percepção. São Paulo, Martins Fontes.

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