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Questões Cruciais do Novo Testamento - Craig Blomberg

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Academic year: 2021

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C

r a ig

L. B

l o m b e r g

Q

u e st õ e s

c r u c ia is

“Corno sempre, Craig Blomberg é lúcido, sensível e interessante. A organização e o estilo do livro são ilusoriamente simples. A té mesmo o leitor cristão experiente se beneficiará da mestria de Blomberg nesse material tão bem resumido e avaliado aqui. Blomberg oferece detalhes suficientes para nos manter interessados na intricada evidência, mas não tanto a ponto de nos sentirmos submersos em minúcias. Este livro poderia ser colocado com segurança nas mãos de amigos que, em geral, são bons leitores, mas biblicamente analfabetos, pois a combinação que Blomberg fa z de avaliação histórica racional, teologia refletida e princípios elementares de interpretação abre muitas portas. Espero que este livro encontre muitos leitores diversos e tenha vida longa. ” — D. A. Carson, Trinity Evangelical Divinity School “Alguns estudiosos do Novo Testamento especializaram-

se em minúcias e ficam distantes das grandes questões históricas e literárias, mas Blomberg não ê um deles.

DO

Novo T

ESTAMENTO

Blomberg trata das grandes questões da fidedignidade Em Questões Cruciais do Novo Testamento, histórica do Novo Testamento, similaridades e diferenças entre os ensinamentos de Jesus e Paulo, e várias questões de crítica literária com vigor, força e vitalidade. Seu estudo é marcado por erudição cuidadosa, bem documentada e boa argumentação. Este livro é um excelente ponto de partida para aqueles que desejam discutir o Novo Testamento com um a audiência pós-moderna cética. ” — Ben Witherington III, Asbury Theological Seminary

“Craig Blomberg é um erudito ideal para introduzir as três questões cruciais tratadas neste livro. Ele se destacou antes em importantes tratamentos desses assuntos, e aqui fornece um a introdução excelente e de leitura agradável que beneficiará leitores básicos e avançados.

Esse tratamento reflete um pensamento excepcionalmente claro e original, bem como total fam iliaridade com a discussão erudita mais ampla. ” — Craig Keener, Eastern University

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Título do original em inglês: M aking Sense o f the New Testament

Published by Baker Book House Company, RUA Primeira edição em inglês: 2004

Tradução: Degmar Ribas

Preparação dos originais: Elaine Arsenio Revisão: Verônica Araujo

Capa: Flamir Ambrosio

Adaptação de projeto gráfico e editoração: Oséas R Maciel C D D : 2 2 5-Novo Testamento

ISB N : 9 78-85-263-1017-9

As citações bíblicas foram extraídas da versão Almeida Revista e Corrigida, edição de 1995, da Sociedade Bíblica do Brasil, salvo indicação em contrário.

Para maiores informações sobre livros, revistas, periódicos e os últimos lançamentos da CPAD, visite nosso site: http://www.cpad.com.br

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2 0 0 0 1 -9 7 0 , Rio de Janeiro, R J, Brasil 2 a Impressão: 2010

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A George Kalemkarian

Com uma profunda gratidão por uma amizade que já ultrapassou três décadas

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M uitas pessoas são merecedoras dos meus agradecimentos, por pos­ sibilitar que este projeto fosse concluído. Jim Weaver, o antigo editor de livros acadêmicos para a Baker Books, foi quem propôs que eu me envolvesse, e estava disposto a me dar um contrato com uma data de alguns anos no futuro, em razão dos meus muitos outros compromis­ sos. Jim Kinney, o atual editor acadêmico, foi suficientemente generoso para continuar a me encorajar a desenvolver o projeto, mesmo quando me arranjava material adicional para escrever mais à frente. Michelle Stinson e Jeremiah Harrelson, ambos recém-formados no Programa de Estudos Bíblicos do Seminário Masters of Arts em Denver, dedicaram inúmeras horas de ajuda na pesquisa, durante os anos acadêmicos de 2001-2002 e 2002-2003, respectivamente. Jeanette Freitag, como assis­ tente da nossa faculdade, ajudou-me com os estágios finais da edição. Também sou grato à adm inistração e aos membros do conselho do Seminário de Denver, por m e apontar para uma posição na primavera de 2002, que me propiciou um pouco mais de tempo e significativos recursos extras, os quais me capacitaram a completar este projeto, en­ quanto mantinha uma carga de trabalho de ensino normal, durante os dois últimos anos acadêmicos.

M uitos livros cristãos afirmam destinar-se a uma ampla fatia do pú­ blico leitor, apresentando suas discussões em um nível prontamente inteligível pelos adultos de nível superior, em bora reconhecendo que os estudantes de faculdades cristãs e seminários, assim como líderes da igreja e pastores, possam formar o seu público leitor principal. Notas de rodapé ou notas finais guiam leitores interessados, e particularmente

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6 Questões Cruciais do Novo Testamento

acadêmicos, a estudos mais detalhados. Este livro deseja fazer todas es­ sas coisas também. Essas obras frequentemente também se referem ao leigo instruído ou interessado como um tipo de "m eio-termo dourado" dos indivíduos aos quais se destina o livro.

Ao mesmo tempo, os padrões de leitura entre o público norte-ame- ricano, às vezes, fazem com que os autores se maravilhem com quantas pessoas leigas ainda se encaixam nesta descrição!

Um indivíduo que claramente se encaixa nisso é George Kalemkarian. Quando jovem solteiro, George dedicou muitas horas por semana, ao longo de vários anos, como um voluntário no grupo de apoio de uma Cruzada no campus universitário para falar a respeito de Cristo, e tam­ bém no trabalho de discipulado que se seguiu, no Augustana College em Rock Island, Illinois. A minha principal educação cristã, durante meus anos de faculdade, de 1973 a 1977, veio por meio desta assem­ bleia. George não apenas me proporcionava liderança afetuosa e ins­ trução bíblica consistente, mas também devorava literatura teológica e era regularmente capaz de nos apontar o aprendizado cristão evan­ gélico essencial para responder às nossas duras perguntas. E tudo isso acontecia, não porque ele tinha frequentado uma faculdade cristã ou seminário, mas porque tinha estudado sozinho, além de ter um empre­ go secular em período integral. Posteriormente, George se casou com uma jovem que ele tinha conhecido através da Cruzada, June Stunkel, e ambos criaram duas belas filhas em Moline, Illinois, onde ainda con­ tinuam ativos na First United Presbyterian Church. Nós continuamos em contato, e George continua sendo uma das pessoas que mais me dá apoio sólido, e um de meus melhores amigos. E a ele, portanto, que dedico este livro, com profunda gratidão por três décadas de amizade e influência.

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P refácio... 5

Introdução... 9

1. O Novo Testamento É historicamente C onfiável?... 13

2. Paulo Foi o Verdadeiro Fundador do C ristianism o?... 69

3. Com o o Cristão Deve Aplicar o Novo Testamento à V ida?... 107

R esum o... 147

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Introdução

Recentemente, a Baker Books publicou vários volumes apresentan­ do "três perguntas cruciais" sobre um tópico teológico ou bíblico par­ ticularmente controverso. Estudos auxiliares examinaram perguntas- chave com respeito ao Espírito Santo e aos dons espirituais, a guerra espiritual, os últimos dias ou o final dos tempos, as mulheres no m inis­ tério, e outras. Um volume que se desvia do form ato do enfoque em um tema especificamente centrado é a obra de Tremper Longman, M aking

Sense ofth e Old Testament: Three Crucial Q u e s t io n sNeste livro, Longman aborda três perguntas muito amplas — as "chaves para a compreensão do Antigo Testamento", a comparação do Deus do Antigo Testamento com o Deus do Novo Testamento, e a orientação para os cristãos com respeito a como aplicar o Antigo Testamento hoje em dia.

Em razão da popularidade da obra de Longman, a Baker Books me propôs escrever um volume semelhante sobre o Novo Testamento. Mas quais seriam as nossas três perguntas? Certamente, as duas maiores par­ tes do N ovo Testamento tratam da vida de Jesus (os quatro Evangelhos) e do ministério de Paulo (grande parte do Livro de Atos e todas as suas epístolas). As duas primeiras perguntas provavelmente diriam respei­ to à obra destes dois hom ens. E embora o Novo Testamento não seja tão difícil de aplicar como o Antigo Testamento, certamente ainda há problem as cruciais de aplicação. Decidiu-se, portanto, formular três perguntas sobre Jesus, Paulo e a aplicação. Agora, precisávamos nos decidir sobre as perguntas específicas.

Comprovadamente, o aspecto mais controverso da vida de Cristo, durante os últimos duzentos anos, desde a ascensão do aprendizado bí­ blico moderno, é se os retratos de Jesus de Nazaré, do Novo Testamento,

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são confiáveis ou não. Certam ente, há porções nebulosas dos Evangelhos, mas qualquer pessoa razoavelmente instruída, com uma boa tradução da Bíblia, poderá reconhecer rapidamente que Mateus, Marcos, Lucas e João, todos acreditavam que o Senhor Jesus Cristo era muito mais do que um grande professor, um rabino judeu e um contro­ verso profeta do século I. Eles acreditavam que Jesus também era o tão esperado M essias de Israel ou o seu Libertador, um Mensageiro divi­ namente enviado, o Deus encarnado. Destas convicções, veio um coro­ lário crucial: — toda a humanidade será julgada um dia, com base nas suas respostas a este Jesus. Os seus seguidores podiam ansiar por uma era futura, já inaugurada durante a sua vida, mas consumada apenas quando Ele retornasse do céu, para reinar sobre a terra. Os cristãos, que é como estes seguidores vieram a ser chamados posteriormente, viven- ciariam, então, uma eternidade de felicidade incessante na companhia de Deus, e de uns com os outros, ao passo que aqueles que rejeitaram Jesus e a mensagem do Novo Testamento a respeito dEle passariam uma eternidade separados de Deus e de todas as suas bênçãos.

Aavaliação que uma pessoa faz das declarações do Novo Testamento sobre Jesus, desta perspectiva, é, assim, a questão mais importante que ela poderá enfrentar nesta vida, apesar das culturas do nosso mundo que a substituíram vários interesses supostamente mais urgentes. Mas esta linha de raciocínio pressupõe que, pelo menos, os contornos bá­ sicos do retrato que a Bíblia faz de Cristo são dignos de confiança. Se Jesus não fizesse as declarações sobre si mesmo que o Novo Testamento apresenta, então nós poderíamos relegá-lo a um papel inferior na his­ tória da humanidade, e continuar enfrentando eventos mais urgentes. Uma das três perguntas cruciais que este livro irá tratar, portanto, en­ volverá a confiabilidade histórica do Novo Testamento. Ou, formulan­ do a pergunta de m odo mais preciso, as porções aparentemente histó­ ricas do Novo Testamento realmente comunicam a história confiável? Isso significa que devemos examinar particularmente os Evangelhos e o livro de Atos, que supostamente nos propiciam biografias de Jesus e uma história da primeira geração do cristianismo, respectivamente. Mas há reflexões autobiográficas nas cartas de Paulo, que também terão de ser consideradas, juntamente com o fornecimento de novas evidên­ cias indiretas sobre questões da natureza, em todas as cartas do Novo Testamento, e também no livro do Apocalipse.

Uma pergunta intimamente correlata redireciona a nossa atenção de Jesus a Paulo. Mesmo que o retrato básico de Jesus que o Novo

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Introdução 11

Testamento nos pinta seja confiável, a sua m ensagem frequentemente soa diferente da mensagem do maior pregador e missionário do século I, o apóstolo Paulo. As igrejas, em muitas épocas e lugares, por toda a história cristã, dedicaram muito mais atenção a Paulo do que a Jesus, quando tentaram resumir a mensagem do Evangelho. Poderemos con­ ciliar o ensinamento destes dois personagens formadores? Ou Paulo distorceu tanto a mensagem de Jesus que deveremos preferir uma à outra? Terá sido Paulo, na verdade, o segundo fundador, ou talvez até mesmo o verdadeiro fundador do cristianismo, da maneira como ele se desenvolveu ao longo dos séculos? A nossa segunda pergunta crucial deve, portanto, tratar da continuidade e descontinuidade entre Jesus e Paulo, conforme eles são retratados no Novo Testamento. É um caso de "Jesus versus Paulo", ou poderão os dois serem vistos como com ­ plementando, um ao outro, embora ainda conservando suas distintas qualidades? Obviamente, nós podemos tratar desta questão somente depois de termos um claro entendimento do que representaram os dois homens. Quando tivermos lidado com estas duas importantes per­ guntas iniciais, então teremos "com preendido" uma grande porção do Novo Testamento.

Como a interpretação realiza muito pouco, a menos que conduza à aplicação, a terceira pergunta crucial será paralela à sua correspondente no livro de Longman. Com o aplicamos hoje o Novo Testamento, espe­ cialm ente em culturas muito distantes, em tempo e espaço, daquelas do mundo mediterrâneo do século 1, em que Jesus e Paulo ministraram? Mais exatamente, que princípios variados emergem para a aplicação das diversas formas literárias do Novo Testamento? Afinal, as parábo­ las de Jesus não devem ser interpretadas como história direta, e o m ate­ rial narrativo, de modo geral, não produz frutos de seus ensinamentos da mesma maneira como as ordens mais diretas. E as biografias, as his­ tórias e cartas, todas são diferentes da literatura apocalíptica — o gêne­ ro literário que o livro do Apocalipse reflete mais intimamente. O que os leitores devem fazer hoje, com esta coleção de visões que, às vezes, se aproxima do bizarro?

Existem, sem dúvida, outros conjuntos de "três perguntas cru­ ciais" que poderiam nos ajudar a compreender razoavelmente o Novo Testamento, mas o cam inho seria longo para alcançar este objetivo. Como o escopo desta série de livros é com parativamente modesto, cada capítulo irá investigar rapidamente imensas extensões de terreno, sem o obstáculo de uma pesada documentação acadêmica. Mas eu tentei

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inserir um número razoavelmente amplo de notas a cada capítulo, que permitirão que os leitores investiguem as questões com mais detalhes, onde desejarem fazê-lo. As notas também irão demonstrar que todos os pontos de vista que apresentei nesta obra são baseados no mais deta­ lhado e meticuloso conhecimento. M esmo quando defendo pontos de vista resguardados por uma minoria de acadêmicos, acredito que es­ tes pontos de vista estão baseados em sólida argumentação. A maioria deles, especialmente quando influenciados por pressuposições muito liberais, nem sempre é correta! Os leitores devem abordar as questões com mente aberta e decidir, por si mesmos, se as minhas apresenta­ ções, em cada ponto, são persuasivas. Voltemo-nos, então, para o Novo Testamento, e vejam os se conseguimos compreendê-lo.

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C

a p í t u l o

i

O Novo Testamento É

historicamente Confiável?

Jesus e as origens cristãs continuam a fascinar o público norte-ame- ricano. As estantes dedicadas à religião, em todas as principais cadeias de livrarias, exibem inúmeros títulos sobre esses assuntos. Infelizmente, eles vão de livros escritos por acadêmicos responsáveis a obras de pura ficção, impingidas a leitores desavisados como a última "verdadeira descoberta" sobre os primórdios do cristianismo. Nós podemos discer­ nir três categorias destas obras, que não se incluem na corrente do co­ nhecim ento bíblico e sério.

Em primeiro lugar, existem os livros que são os mais perturbadores, baseados em nenhuma evidência histórica genuína, de nenhum tipo. Um professor aposentado de ciência atmosférica, em uma grande uni­ versidade pública, fica fascinado com OVNIs e publica dois livros sobre um suposto documento em aramaico, encontrado no Oriente M édio, mas depois (convenientemente) perdido outra vez, preservado apenas em uma tradução em alemão, feita por um entendido "U fologista" que reescreve o Evangelho de Mateus. Neste documento, Jesus é um alie­ nígena, que visita a terra para ensinar uma doutrina similar à m oder­ na filosofia "Nova Era"!' Ou uma coletânea, líder de vendas, de ficção cristã, quer seja a mais antiga ou a mais recente, chamada The Archko

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Jesus e o início do cristianismo, sem admitir que nenhum historiador responsável, em parte alguma do mundo, acredita que uma fração do seu conteúdo reflita fatos históricos.2

Uma segunda categoria envolve a distorção de evidências recente­ mente descobertas. Quando os Rolos do mar Morto foram encontra­ dos, pouco depois da Segunda Guerra M undial, foram feitos todos os tipos possíveis de declarações sensacionalistas sobre como eles rees­ creveriam radicalm ente a história da origem cristã. Isso nunca acon­ teceu, mas outro turbilhão de exageros fantásticos em ergiu no início dos anos 1930, quando o último grupo de docum entos muito frag­ m entados, de Q um ram , o local da seita do mar Morto, foi finalmente publicado e traduzido. Um dos m ais fam osos conjuntos de acusações vem de uma série de livros escritos pela autora australiana, Barbara Thiering. Ela alega que vários personagens nos docum entos que des­ crevem os m embros da comunidade de Qumram, e outros no mundo judeu do seu tempo, são codinomes para João Batista, Jesus e alguns dos seus seguidores!3 No entanto, não há razão para suspeitar que Qumram tenha inventado tais codinomes, principalm ente porque a grande maioria dos seus docum entos tem data anterior ao século I e ao nascim ento de Cristo. Não é de surpreender que Thiering não tenha conquistado um número significativo de adeptos entre os aca­ dêmicos.

Distorções de novas descobertas também podem vir de círculos conservadores. Carsten Thiede, um evangélico alemão, escreveu várias obras recentes declarando que minúsculos fragmentos de manuscritos gregos, encontrados em Qumran, e contendo apenas algumas poucas letras cada um, na verdade representam versículos do Evangelho de Marcos. Se isso for verdade, estas descobertas exigem uma data para este Evangelho anterior à que até mesmo os acadêmicos conservadores normalmente têm defendido. Thiede também acredita que uma cópia do Evangelho de Mateus, em grego, preservada por muito tempo na bi­ blioteca de M agdalen College, Oxford, data da metade do século I. Mas praticamente todos os outros acadêmicos que examinaram estas decla­ rações consideram equivocada a equação que combina os fragmentos de Qumram com o Evangelho de Marcos, e que o papiro de Oxford vem do mesmo codex (ou livro) a que pertenciam os papiros datados como sendo dos anos 200, agora conservados em Paris e Barcelona.4 Os cristãos conservadores poderiam desejar que as hipóteses de Thiede mostrassem ser prováveis, mas, com razão, eles ficam desacreditados

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<) Noi’() linlniiifnli) I liislorii iunriili' Confiável?

aos olhos dos outros se tentarem respaldar teses altamente improváveis sim plesmente para promover a sua apologética.

A terceira categoria nos traz ainda mais perto dos limites do conhe­ cimento responsável. Há acadêmicos do Novo Testamento plenamente credenciados na "extrem a esquerda" teológica, que desenvolvem pes­ quisa genuína, mas apresentam suas opiniões como se elas refletissem um consenso de conhecimento quando, na verdade, representam a "ala radical". Certamente, o m ais famoso exem plo disso nos últimos anos foi o "Sem inário Jesus", um grupo de indivíduos, na maioria acadêm i­ cos do Novo Testamento (embora muitos não fossem especializados em pesquisa sobre o Jesus histórico), que, inicialmente somava mais de duzentas pessoas, mas acabou reduzido a menos de cinquenta, e que conquistou a atenção dos meios de com unicação para as suas con­ ferências semestrais ao longo dos anos 1980 e 1990. Examinando cada palavra e obra atribuídas a Jesus nos quatro Evangelhos, além do apó­ crifo Evangelho de Tomé5 o Seminário Jesus concluiu que apenas 18% dos dizeres e 16% das ações de Jesus contidas nestes documentos represen­ tavam algo próximo do que Jesus realmente disse ou fez.6

Essas conclusões, no entanto, foram praticamente determinadas pelas pressuposições e pelo método do Seminário Jesus. Em uma lista particularmente franca destas pressuposições, Seminário Jesus explica que milagres não podem acontecer, de modo que todos os eventos so­ brenaturais dos Evangelhos são rejeitados desde o começo, e que Jesus jam ais falou sobre si mesmo, ou sobre o futuro, ou sobre o juízo final (um tópico indigno de um professor iluminado ou esclarecido).7 Essas últim as pressuposições vão muito além da tendência antissobrenatural das primeiras, que levariam à conclusão de que Jesus não poderia ter acreditado que Ele era divino, nem ter predito o futuro de maneira in­ falível. Em vez disso, eles insistem numa verdade que não pode ser afir­ m ada sobre nenhum outro líder religioso na história, ou seja, que Jesus não fez nenhuma declaração sobre a sua identidade nem especulou de

maneira alguma sobre eventos futuros. E, embora possa ser verdade que certos liberais modernos não podem digerir a noção de um dia de ju í­ zo, quando toda a humanidade será levada a prestar contas diante de Deus, esta crença era praticamente universal no mundo de Jesus, de modo que seria assombroso que Ele não refletisse sobre este tema.

O Seminário Jesus agora concluiu a sua obra e foi dispersado, mas, no início do novo milênio, um Seminário Atos semelhante se formou, e publicou seus resultados iniciais, os quais sugerem que as m esm as

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abordagens imperfeitas são adotadas por eles.8 Felizmente, eles recebe­ ram muito menos atenção dos m eios de comunicação; pode-se esperar que eles desapareçam completamente.

Enquanto isso, um dos segredos mais bem guardados do público do século XXI é o fato de que a assim chamada Third Quest (Terceira Busca) pelo Jesus histórico, durante os últimos 25 anos, tenha, de modo geral, sido cada vez mais otimista sobre o quanto nós podemos conhecer acer­ ca do fundador do cristianismo. A investigação de Ben Witherington das abordagens na metade dos anos 1990 oferece uma excelente visão ge­ ral: Concentrando-se em diferentes partes dos retratos dos Evangelhos, e comparando-os com a quantidade sem precedentes de informações agora disponíveis sobre os mundos judaico, grego e romano do século I, acadêmicos engajados no estudo do Novo Testamento demonstraram as várias maneiras pelas quais Jesus foi um profeta de uma era nova e futura, cheio do Espírito, um reformista social, um sábio e um Messias marginalizado.9 Ligeiramente menos intenso está um renovado escrutí­ nio acadêmico sobre o apóstolo Paulo, que Witherington também pes­ quisou, incluindo uma reabilitação do valor histórico do livro de Atos, especialmente as seções que tratam do ministério de Paulo.10

Mas fora dos círculos distintamente evangélicos, até mesmo na cor­ rente atual e centrista dos acadêmicos do Novo Testamento, ainda não se acredita que qualquer parte substancial dos Evangelhos ou do livro de Atos seja historicamente exata. Critérios padrão são empregados para separar as partes mais históricas das menos históricas." Mas aqui, estudos recentes sugeriram que estes critérios provaram ser inadequa­ dos para o que declaravam realizar. Os dois critérios mais comuns no aprendizado dos Evangelhos se tornaram conhecidos como "desigual­ dade" e "confirm ação m últipla". O critério da desigualdade aceita como autêntico aquilo que separa um evento ou expressão dos Evangelhos, tanto do mundo judaico convencional da época de Cristo como do sub­ sequente cristianismo, uma vez que é improvável que qualquer judeu ou cristão pudesse tê-lo inventado. O critério de confirmação múltipla aceita como sendo mais provavelmente histórico aquilo que é apresen­ tado em mais de um Evangelho ou em mais de uma forma literária ou fonte que os Evangelhos empregaram. Ambos os critérios podem destacar elementos que estão seguramente ancorados no ministério do Jesus histórico, mas não podem logicamente eliminar itens que não são aprovados nos dois testes. Jesus se sobrepôs a seus antecessores judeus, ao passo que os primeiros cristãos o imitaram com exatidão em vários

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aspectos. Testemunhos isolados também podem comunicar verdades históricas. Assim, precisam os de critérios mais sofisticados se preten­ demos desafiar detalhes nos Evangelhos com a justificativa de que não refletem a história exata.12 Na verdade, vários acadêmicos desenvolve­ ram recentemente um critério de quatro partes que torna mais prová­ vel que vastas partes dos Evangelhos sejam historicam ente exatas. N. T. Wright, bispo de Durham, Inglaterra, e comprovadamente liderando o conhecimento do evangelicalismo sobre o Novo Testamento hoje, o chama de critério duplo de desigualdade e igualdade. Os acadêmicos alemães Gerd Theissen, Annette Merz e Dagm ar Winter falam do cri­ tério com plausibilidade histórica. Dizem que, em cada caso, inúm e­ ras características nos Evangelhos simultaneamente demonstram (1) suficiente continuidade com contextos judaicos, para serem dignos de crédito em um ambiente israelita a partir do primeiro terço do século I; (2) suficiente descontinuidade com o judaísm o convencional para su­ gerir que ele não fora inventado por um judeu comum; (3) suficiente continuidade com o princípio do cristianismo, para mostrar que Jesus não era mal interpretado pelos seus seguidores; e (4) suficiente descon­ tinuidade com o primeiro movimento de Jesus para sugerir que um dos primeiros cristãos não o inventou. Quando todas as quatro condições são satisfeitas, podemos ter certeza de que os Evangelhos nos apresen­ tam informações exatas. Wright é mais otimista do que os três alemães, sobre a quantidade de material que satisfaz estas condições, e os seus textos aceitam muitos dos temas centrais dos Evangelhos, certamente muito mais detalhes do que o conhecimento alemão moderno e alta­ m ente cético normalmente reconhece.13

O escopo modesto deste livro me impede de comentar, ainda que ra­ pidamente, cada um dos temas centrais ou porções dos dados do Novo Testamento. Mas posso apontar inúmeras características mais genéri­ cas que suportam uma substancial medida de confiança na fiabilidade histórica dos cinco livros do Novo Testamento que tradicionalmente se supõe que apresentam um fiel registro da vida de Jesus e da primeira geração da história cristã — os Evangelhos de Mateus, Marcos, Lucas e João e o livro de Atos. Ao fazer isso, nós nos colocamos no lugar dos nossos historiadores, e tentamos, por um m omento, delinear a fé cristã. N ós não queremos ser culpados de fazer aquilo pelo que criticamos tão asperamente o Seminário Jesus, que é pressupor as nossas conclusões.14 Mas m esm o se nos limitarmos às abordagens feitas pelos historiadores clássicos que estudam outros povos, eventos e instituições dos mundos

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judaico, grego e romano de antigamente, um caso cumulativo emerge, o que sugere que os Evangelhos e o livro de Atos são muito confiáveis historicam ente.

A Crítica Textual

O ponto de partida comum para investigar a confiabilidade de um documento antigo não tem a ver com a credibilidade do seu conteú­ do, por si mesmo, mas pergunta se nós podemos ser confiantes de ter alguma coisa próxima ao que o autor daquele documento escreveu originalmente. Na maioria dos casos, as mais antigas cópias que nós temos de um determinado livro datam de séculos depois de quando ele foi escrito. Nem existem muitas cópias de determinado livro das eras anteriores à invenção da gráfica. Por exemplo, há apenas nove ou dez bons manuscritos da Guerra de Gália de César, e os mais antigos datam de novecentos anos depois das datas dos eventos descritos. Somente trinta e cinco dos 142 livros de história romana de Livy ainda existem, e estes em cerca de vinte manuscritos, dos quais somente um data do século IV. Dos catorze livros de Tácito sobre a história romana, somente sobrevivem quatro e meio, e estes em apenas dois manuscritos que da­ tam dos séculos IX e X I.15

Por outro lado, a evidência textual do Novo Testamento desde os primeiros séculos depois que ele foi escrito é assombrosa. Acadêm icos de praticam ente todas as classes teológicas concordam que os escribas cristãos copiaram o Novo Testamento com extraordinário cuidado, com parável somente pela exatidão da cópia, pelos escribas judeus, das Escrituras dos hebreus (o Antigo Testamento cristão). Som ente no original em grego, mais de cinco mil m anuscritos ou fragm entos de m anuscritos de porções do Novo Testamento foram preservados dos séculos em que a Bíblia era copiada à mão. O mais antigo destes m a­ nuscritos é uma tira de papiro designada (p52) que contém partes de João 18.31-33 e 37-38 e data da prim eira terça parte do século II d.C., menos de quarenta anos depois que o Evangelho de João foi escrito nos anos 90. Mais de trinta papiros datam do período entre o fim do século II até o início do século III. Alguns destes papiros contêm gran­ des trechos de livros inteiros do Novo Testamento. Um deles abrange grande parte dos Evangelhos e do livro de Atos (p4S); outro, grande parte das epístolas de Paulo (p46). Quatro Novos Testamentos muito confiáveis e quase com pletos datam do século IV (A e B) e do século V (A e C ).

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Todos os tipos de pequenas variações distinguem estes manuscritos entre si, mas a grande m aioria destas variações envolve meras m odifi­ cações de grafia, gramática e estilo, ou omissões acidentais ou duplica­ ções de letras, palavras ou expressões. Apenas quatrocentas (menos de uma por página, em uma tradução normal na língua inglesa) têm algu­ ma influência no significado da passagem, e as mais importantes varia­ ções são normalmente indicadas nas notas de rodapé das traduções nos idiomas modernos da Bíblia. As únicas variações textuais que afetam mais do que uma ou duas sentenças (e muitas afetam apenas palavras ou expressões individuais) são João 7 .5 3 -8 .1 1 e Marcos 16.9-20. Alguns entendem que nenhuma destas passagens reflita, provavelmente, o que João ou Marcos escreveram originalmente, embora a história no texto de João — sobre a mulher flagrada em adultério — ainda tenha uma chance muito boa de ser historicamente precisa. Mas de modo geral, 97 a 99% do Novo Testamento original em grego podem ser reconstruídos sem qualquer dúvida. Além disso, nenhuma doutrina cristã baseia-se de m odo único, ou até mesmo basicamente, em qualquer passagem tex­ tualmente discutida.16

Até mesmo os membros mais liberais do Seminário Jesus concor­ dam com os acadêmicos evangélicos muito conservadores de que não há evidência histórica de nenhum tipo que sustente as declarações de alguns mórmons ou muçulm anos modernos de que o texto do Novo Testamento tornou-se tão corrompido com o passar dos séculos que não temos como ter certeza do que continha o original. Essas declara­ ções, na verdade, contradizem os ensinamentos oficiais de ambas as religiões. As declarações de Joseph Smith, armazenadas nas Escrituras adicionais dos Santos dos Últimos Dias e o livro sagrado do Islã, o Alcorão, referem-se à Bíblia como a Palavra de Deus e sustentam for­ temente a exatidão do seu conteúdo, embora não chegando a afirmar uma infalibilidade total. M as os ensinamentos não oficiais de muitos líderes nos dois m ovimentos frequentemente questionam, injustifica- damente, esta exatidão.17

Autoria e Data

Um a vez que estabelecemos que possuímos uma reconstrução con­ fiável do que um docum ento antigo continha, com base na comparação dos manuscritos que existem de uma data m ais antiga, estamos prontos para com eçar a avaliar a confiabilidade do seu conteúdo. A próxima pergunta padrão para os historiadores da antiguidade é se podemos

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determinar o autor do documento e a data em que ele foi escrito. Se acontecer de o autor ser alguém que estava em posição para conhecer os fatos sobre o povo ou os eventos descritos, se pudermos determinar que o seu caráter era, de modo geral, confiável, a nossa convicção da confiabilidade do documento aumenta. Se a data em que a obra foi es­ crita estiver dentro do período de duração da vida de testemunhas ocu­ lares dos eventos narrados, a nossa confiança aumenta, similarmente. Se estas condições não se cumprirem, nós nos tornamos mais céticos a respeito do conteúdo da história que é narrada.

Como os Evangelhos e o livro de Atos se mostram, quando testados de acordo com esses critérios? Admiravelmente bem, pelo menos pelos padrões antigos. A rigor, os autores destes cinco livros são anônimos, uma vez que os nomes Mateus, Marcos, Lucas e João não aparecem em nenhum versículo como os autores destes documentos. Os nomes aparecem, no entanto, em todos os manuscritos existentes, como títulos dos quatro Evangelhos. Mas é improvável que quatro dos primeiros cristãos tivessem decidido independentemente chamar seus textos de "O Evangelho segundo X" (onde "X " representa o nome do autor). E mais provável que a Igreja Primitiva acrescentasse esses títulos parale­ los para distinguir um Evangelho do outro, quando eles foram combi­ nados para formar uma coletânea de quatro partes.18

Por outro lado, entre os muitos autores cristãos do período en­ tre o século II e o IV, que comentaram acerca das origens do Novo Testamento, nenhum nome, senão Mateus, Marcos, Lucas e João, ja­ mais foi oferecido como um possível autor dos Evangelhos e do livro de Atos. O mais antigo destes autores, Papias, foi um discípulo do apósto­ lo João e escreveu no início do século II, apenas uma geração depois da morte deste último apóstolo. Uma consideração de tudo o que Papias declarou sobre os Evangelhos está além do nosso alvo aqui, e há algu­ mas das suas declarações que não parecem completamente confiáveis.19 Mas a Igreja Primitiva teria uniformemente atribuído os três primeiros Evangelhos e o livro de Atos a Mateus, Marcos e Lucas, sem crer que eles tivessem sido os seus verdadeiros autores? Afinal, os Evangelhos e os livros apócrifos de Atos do final do século II até o século V foram todos (falsamente) atribuídos a cristãos primitivos influentes e de ele­ vada reputação, para tentar fazê-los parecer tão confiáveis e autênticos quanto possível. Assim, nós temos Evangelhos supostamente escritos por Pedro e Tiago, Tomé e Filipe, Bartolomeu e Matias (o substituto de Judas, que traiu a Jesus) e até mesmo Nicodemos e Maria. De maneira

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similar, os livros apócrifos de Atos aparecem em nome de André, João, Pedro, Paulo e Tomé.20

Em comparação, Marcos e Lucas são personagens muito mais obs­ curos nas páginas do Novo Testamento. O nome de Marcos não apa­ rece em nenhuma parte dos Evangelhos; no livro de Atos, ele é mais conhecido como o companheiro de viagem de Paulo e Barnabé, que os abandonou na sua prim eira viagem m issionária (At 13.13). Lucas aparece apenas nas saudações de encerramento em três das epístolas de Paulo, que também nos informam que ele era um médico (Cl 4.14; cf. também 2 Tm 4.11, Fm 24). Nem Marcos nem Lucas fazem parte do grupo dos doze "apóstolos"; ambos provam ser candidatos imprová­ veis para uma atribuição de autoria, a m enos que realmente tenham escrito os documentos a eles atribuídos (no caso de Lucas, o Evangelho que traz o seu nome e o livro de Atos dos apóstolos). Mateus era um dos Doze, mas, tendo sido um coletor de impostos que trabalhava (indire­ tamente) para os odiados romanos, ele teria sido o mais notório, de um ponto de vista judeu ortodoxo. Como Simão, o Zelote (na extremidade oposta do espectro político, violentamente oposto a Roma), Mateus não teria sido um dos primeiros nove ou dez discípulos a ser escolhido, se alguém estivesse tentando emprestar autoridade ou credibilidade a um documento fictício escrito por outra pessoa.

João, por outro lado, pertencia ao círculo mais íntimo dos três discí­ pulos (com seu irmão, Tiago e Pedro) que compartilhavam de experiên­ cias na vida de Jesus das quais os demais não participavam. Um livro apócrifo de Atos é atribuído a ele, como já observamos, e o testemunho de Papias não deixa claro se ele pensava que foi João, o apóstolo, que escreveu o Evangelho que trazia o seu nome, ou um João diferente, cha­ mado o Velho, que pertencia à segunda geração de seguidores do após­ tolo. M as a questão para a qual não apareceu nenhuma boa resposta é a seguinte: Se o autor do Evangelho de "João" não era o filho de Zebedeu, e o apóstolo do mesmo nome, por que este autor (diferentemente dos Sinóticos — Mateus, Marcos e Lucas) sempre se refere a João Batista me­ ramente como "João" e espera que os seus ouvintes saibam de qual João estava falando? E a aparente referência a si mesmo feita pelo autor deste Evangelho, cinco vezes referindo-se ao "discípulo a quem Jesus amava", é perfeitamente compatível com alguém que pertencia ao círculo íntimo de Jesus (veja Jo 13.23-25; 19.26,27; 34,35; 20.2-5, 8; 21.1-7; 20-22).21

Acadêmicos liberais do Novo Testamento tendem, hoje em dia, a colocar Marcos alguns poucos anos de um lado ou de outro de 70 d.C.,

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Mateus e Lucas-Atos em algum ponto dos anos 80, e João nos anos 90. Quanto às datas, todos estes documentos são citados ou mencionados em textos cristãos do começo do século II, de modo que dificilmente poderiam ser datados mais tarde do que o século I. Declarações explí­ citas, combinadas com deduções razoáveis dos vários "Pais da Igreja" levaram, no entanto, muitos acadêmicos conservadores a situar todos os três Evangelhos Sinóticos, e também o livro de Atos, nos anos 60, com João ainda nos anos 90.22

A evidência interna destes cinco livros combina bem com as datas mais antigas. Jam ais foi dada uma explicação completamente convin­ cente para o abrupto final do livro de Atos, a menos que Lucas estivesse escrevendo pouco tempo depois dos eventos que concluem o livro. Por qual outro motivo ele teria passado mais de uma quarta parte da sua obra narrando o aprisionamento, os juízos e a apelação de Paulo (ca­ pítulos 21 - 28), deixando-nos, então, em suspense sobre o período de prisão domiciliar de Paulo em Roma, esperando os resultados da sua apelação, a menos que Lucas estivesse escrevendo antes de saber quais foram estes resultados? Mas, se esta lógica for convincente, então ele deve ter escrito o livro de Atos aproximadamente em 62 d.C., uma vez que sabemos, com base em outras fontes, que Festo subiu ao poder na Judeia em 59. E sabemos, com base no livro de Atos, que Paulo apelou ao imperador pouco tempo depois da ascensão de Festo, e que ele pas­ sou o inverno seguinte na ilha de M alta, depois do naufrágio, e os dois anos seguintes em Roma.23

Podemos, então, deduzir que o Evangelho de Lucas foi escrito antes do livro de Atos dos Apóstolos, uma vez que este último é a sequência do primeiro. Como muitos acadêmicos modernos acreditam que Lucas confiou parcialmente no Evangelho de Marcos, este deve ter uma data anterior. Talvez estes três trabalhos tenham sido escritos, então, nos anos 60. De acordo com Irineu, que escreveu próximo ao final do sécu­ lo II, Mateus compilou o seu relato "enquanto Pedro e Paulo estavam pregando o Evangelho e fundando a Igreja em Rom a" (Against Heresies 3.1.1). Isto também exige uma data não posterior a meados dos anos 60, pois depois disso os dois líderes cristãos perderam suas vidas na perseguição de Nero à Igreja (64-68 d.C.).

O que deve ser ressaltado, no entanto, é que com qualquer conjunto de datas, seja o mais liberal ou o mais conservador, os Evangelhos e o livro de Atos foram escritos no século I. Os que não foram escritos por testemunhas oculares da vida de Cristo, como Mateus e João, foram es­

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critos por pessoas em posição de entrevistar aquelas testemunhas ocula­ res — Marcos e Lucas. Isso também é verdadeiro mesmo se adotarmos a abordagem mais cética, de que estes documentos eram originalmente anônimos, seguindo a suposição liberal padrão de que os autores eram cristãos da segunda geração, e seguidores dos apóstolos. Além disso, devemos nos lembrar de que o cristianismo do século I enfrentou inú­ meros oponentes que teriam ficado satisfeitos em refutar as declarações desta religião recém-nascida. O que seria melhor, do que declarar que os Evangelhos e o livro de Atos simplesmente não narravam com exatidão à história? Enquanto houvesse, ainda vivas, testemunhas oculares hostis à vida de Cristo e à formação da Igreja, esta refutação sempre seria pos­ sível. Mas não há registro, em nenhum lugar, de que alguém tivesse feito tal declaração. Na verdade, a mais antiga e mais duradoura acusação que os judeus não cristãos fizeram contra as reivindicações do cristianismo, já tendo começado durante a vida de Cristo, admitia tacitamente a confia­ bilidade dos seus registros históricos.

H oje, um período de trinta a sessenta anos entre uma série de eventos e os registros históricos que os narram , parece um tem po m uito longo. Se Jesus foi crucificado por volta de 30 d.C., e o prim ei­ ro Evangelho foi escrito nos anos 60, e o últim o nos anos 90, certa­ mente uma considerável distorção poderia ter se desenvolvido dentro deste período de tempo. Parte da nossa resposta a esta alegação virá m ais adiante neste capítulo. Aqui, são im portantes dois com entários. Em prim eiro lugar, há razões para crer que M ateus, M arcos, Lucas e João tenham usado fontes escritas anteriores, mais curtas que um Evangelho inteiro, para pesquisar e escrever porções de seus livros. Estas fontes anteriores podem ser datadas por volta dos anos 50. As palavras idênticas em inúm eras frases de Jesus, traduzidas de seu ara- m aico original ao grego, encontradas tanto no Evangelho de M ateus como no de Lucas, mas não no de M arcos, sugerem a dependência destes autores de uma fonte com um que não fosse o texto de M arcos.24 M enos seguro, mas ainda bastante possível, é o uso que João faz de uma "fon te de m ilagres", frequentem ente datada nos anos 60, para as suas histórias particulares de m ilagres, neste caso devido a um estilo singular, perceptível em partes destas narrativas. É interessante que até m esm o o Seminário Jesus aceita estas duas hipóteses como prová­ veis desta maneira reduzindo à metade o período de tempo em que, segundo acreditam, m uitas das palavras e obras de Jesus circularam antes de serem com piladas em algum tipo de documento escrito (de

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30-50 d.C. versus 30-70 ou 80 para os Sinóticos, e de 30-60 versus 30-90 para João).25

Em segundo lugar, mesmo 60 anos entre um conjunto de eventos e uma história escrita sobre eles é um período de tempo admiravelmente curto para os padrões antigos. As sagas lendárias dos antigos heróis gregos e romanos circularam de boca em boca durante séculos, às vezes durante mais de um milênio, antes de serem escritas. M esmo as biogra­ fias relativamente moderadas de Alexandre, o Grande, por exemplo, que ainda existem datam do final do século I e início do século II d.C. Mas Alexandre morreu em 323 a.C., de modo que há um intervalo de aproximadamente quinhentos anos antes que seus biógrafos, Plutarco e Arriano, escrevessem seus livros sobre a sua vida. Os dois autores, no entanto, dedicam um copioso reconhecimento a fontes escritas an­ teriores, e os historiadores clássicos acreditam que a partir destas obras possam obter, de maneira detalhada, informações históricas exatas so­ bre Alexandre, enquanto, ao mesmo tempo, reconhecem que elas não são, de maneira alguma, isentas de falhas.26 A citação frequentemen­ te comentada, do historiador romano A. N. Sher-win-White, de uma geração anterior a nossa, ainda resume a ironia que cerca o ceticismo contemporâneo: "Assim , é assombroso que, enquanto os historiado­ res greco-romanos crescem em confiança, o estudo das narrativas do Evangelho no século XX, tendo começado de um material não menos promissor, tenha sofrido uma reviravolta tão som bria..."27

Os Gêneros dos Evangelhos e do Livro de Atos

Tudo o que dissemos, até agora, pressupõe que os quatro evangelis­ tas pensaram estar escrevendo história e biografia relativamente diretas. Isto é, certamente o que os Evangelhos e o livro de Atos parecem estar apresentando, e é a maneira dominante como os leitores interpretaram estas obras ao longo da História da Igreja. Mas será correta essa pressu­ posição? Na literatura do mundo mediterrâneo antigo, quais são os pa­ ralelos mais próximos a estes documentos, e o que podem os aprender das tentativas de rotular a sua forma ou o seu gênero literário? Vários esforços foram feitos pela crítica bíblica moderna, para declarar estas obras como predominantemente fictícias, com base em supostos pa- ralelismos com mito, lenda, romance e gêneros semelhantes. Durante grande parte do século XX, uma grande parcela dos críticos declarou que o seu gênero era sui generis (isto é, único, singular, ou, literalmente, o seu "próprio gênero").28 Mas um grande número de estudos especiali­

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zados recentes reconhece que os mais próximos paralelos são encontra­ dos entre as histórias e biografias relativamente confiáveis, de autores como o historiador judeu Josefo, e os historiadores gregos Heródoto e Tucíd ides.29 Particularmente instrutivos são os prefácios aos livros de Lucas e Atos (Lc 1.1-4; At 1.1,2), que não somente são paralelos aos prefácios das obras destes historiadores não cristãos, mas também des­ crevem a confiança de Lucas em fontes anteriores, entrevistas com tes­ temunhas oculares e tradição oral confiável. Embora o esforço para pro­ var que Lucas era médico, com base no uso de um vocabulário supos­ tamente médico, tenha sido abandonado há quase um século, Loveday Alexander demonstrou que os mais próximos paralelos à linguagem de Lucas aparecem em "prosa técnica" greco-romana, o que ela define, em um escopo amplo, como literatura "científica", incluindo tratados sobre tópicos como medicina, filosofia, matemática, engenharia e retórica.30 Estes paralelos novamente distanciam os autores bíblicos da literatura mais abertamente fictícia dos seus dias e inspiram confiança de que a preocupação com a exatidão era uma das principais características da composição dos Evangelhos e do livro de Atos.

O Evangelho de João obviam ente é mais diferente dos Sinóticos do que semelhante a eles, nos detalhes que apresenta sobre a vida de Jesus, incluindo o estilo linguístico das palavras de Jesus. Não é de surpre­ ender que os acadêmicos tenham questionado se o Quarto Evangelho poderia ser identificado com o mesmo gênero, e prova ser tão exato como os Evangelhos de M ateus, Marcos e Lucas. A declaração de in­ tenções do Quarto Evangelho aparece em João 20.31: "Estes [sinais], porém, foram escritos para que creiais que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e para que, crendo, tenhais vida em seu nom e". Esta declaração poderia sugerir que a vontade de João em promover a fé cristã teria so­ brepujado o seu interesse pela exatidão histórica. Mas alguém poderia perguntar se a literatura abundantemente fictícia teria promovido tal fé, quando outros, no mundo de João, poderiam ter menosprezado a sua narrativa. Em outras passagens, fica claro que um dos principais interesses de João é a "verdad e" (veja, especialmente, 19.35; 21.24). É di­ fícil im aginar que ele tivesse pensado que uma narrativa grandemente falsificada iria ajudar as pessoas a crer na verdade, em qualquer nível, histórico ou teológico.31 A razão por que João inclui episódios tão dife­ rentes dos Evangelhos Sinóticos é provavelmente porque reconhecia que os seus ouvintes (as igrejas de Efeso e redondezas) já conheciam uma boa porção daquele m aterial, pelo seu ministério de ensinamento

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anterior entre eles.32 O estilo característico de João é claramente o seu próprio. Mas a razão que ele apresenta para se sentir livre para escrever sobre os ensinamentos de Jesus nas suas próprias palavras, mais do que Mateus, Marcos e Lucas — especificamente, a inspiração do Espírito Santo (Jo 14.26) — é uma razão fundamental para crer que João, apesar disso, preservou com exatidão a essência dos ensinamentos de Jesus. Em um espectro de obras antigas, que vão de crônicas altamente ob­ jetivas da história a obras de total ficção, João talvez caia ligeiramente mais além do primeiro tipo do que os Sinóticos, mas os três primeiros Evangelhos ainda continuam sendo os paralelos literários mais próxi­ mos a João na antiguidade.33

O que frequentemente confunde os leitores modernos é o fato de que as convenções contemporâneas para escrever história e biografia normalmente requerem padrões de precisão que as pessoas ainda não tinham sequer inventado, e muito menos começado a seguir no mundo antigo. Em culturas que ainda teriam que criar algum símbolo que cor­ respondesse as nossas aspas, ou sentir a necessidade de fazer isso, era perfeitamente apropriado expressar com as próprias palavras as de ou­ tra pessoa, com a condição de ser fiel à "essência" ou intenção do ora­ dor original. Era considerado não somente apropriado, mas também necessário abreviar ou resumir as narrativas longas, inserir os próprios comentários no texto (como observações entre parêntesis, em um mun­ do que não tinha símbolos para parêntesis) e ser altamente seletivos quanto ao que era narrado sobre uma determinada pessoa ou evento.34 Hoje, nós julgaríam os uma biografia deficiente se ela não narrasse algo sobre o nascimento e a educação de um indivíduo, ou se passasse pra­ ticamente metade do seu tempo descrevendo os eventos imediatamen­ te anteriores à morte deste indivíduo. O mesmo seria verdadeiro se o texto rearranjasse os eventos fundamentais da vida de uma pessoa por assuntos, em vez de seguir uma cronologia estrita. Mas quando Marcos e João fazem exatamente estas coisas, estão seguindo bons preceden­ tes mediterrâneos antigos. A obra Lives o f the Philosophers, compilada por Diógenes Laércio no início do século III frequentemente é muito parecida com os Evangelhos canônicos neste aspecto. Quando alguém recorda que os cristãos acreditavam que o aspecto mais significativo da vida de Jesus foi a sua morte (pelos pecados do mundo), a sua escolha de ênfases faz sentido.

Com respeito ao livro de Atos, muitos estudos acadêmicos se dedi­ caram aos seus sermões. Por um lado, os críticos se queixam, às vezes,

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de que a mensagem central de cada sermão é a mesma, independen­ temente de quem o profira. Lucas — alegam eles — deve ter criado um protótipo "tam anho ú nico" e o atribuído indiscriminadamente a nula pregador cristão. Por outro lado, os críticos também observam a ex Ira ordinária variação de detalhes específicos de um sermão a outro, c novamente atribuem esta variedade à criação de Lucas. Certamente o mesmo orador, por exem plo, Paulo, não teria variado tanto as suas mensagens de uma ocasião para outra.

Na verdade, estas duas críticas se cancelam mutuamente! O que a combinação de unidade e diversidade na pregação do livro de Atos de­ monstra é quão perfeitamente cada mensagem é expressa sob medida para o seu público particular. Paulo e Pedro podem se parecer quando lalam para o mesmo tipo de público, como no templo judaico ou nas sinagogas (conforme, por exemplo, At 3.12-26 com 13.16-48). Mas as palavras de Paulo soam muito diferentes quando ele fala aos pagãos em Listra, para quem o Antigo Testamento e o cumprimento das es­ peranças dos judeus não significavam nada (14.15-18). Mas os pontos comuns essenciais — a importância da ressurreição de Jesus e a necessi­ dade do arrependimento dos pecados para receber perdão, e o Espírito Santo residente em cada cristão — mostram que há uma unidade na antiga m ensagem cristã que transcende qualquer contexto específico.35

O Sucesso do Empreendimento dos Evangelistas

Poderíamos concordar que Mateus, Marcos, Lucas e João pensavam que estavam escrevendo um bom material de história e biografia, pelos padrões do seu tempo. M as eles foram bem-sucedidos? Aqueles que respondem negativamente a esta pergunta frequentemente baseiam a sua opinião em uma ou em todas as três alegações a seguir.

In t e r e s s e Hi s t ó r i c o?

Para começar, com frequência se discute que a primeira geração de cristãos não teria estado terrivelmente interessada em preservar um registro histórico preciso de suas origens. Três linhas de raciocínio, à prim eira vista, parecem sustentar essa afirmação. Em primeiro lugar, há a alegação de que os profetas cristãos antigos falavam, em nome do Senhor ressuscitado, aquilo que acreditavam que Deus estava dizendo às igrejas, por seu intermédio, e que estas palavras teriam se mesclado com os ensinamentos do Jesus histórico. Afinal, era a mesma pessoa

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que falava em ambas as ocasiões, e os oráculos greco-romanos pare­ cem ter adotado prática similar. Em segundo lugar, a primeira gera­ ção do cristianismo certamente alimentava uma esperança viva do fim do mundo, propiciado pelo retorno de Cristo, dentro do período da sua vida. Sendo assim, quem estaria vivo para ler uma história sobre o seu movimento? Finalmente, a tendência ideológica dos autores — um comprometimento apaixonado com a teologia cristã — inevitavelmen­ te teria distorcido os seus relatos. Nós devemos considerar estas possi­ bilidades, cada uma por sua vez.

Com relação à profecia cristã, independentemente de possíveis ana­ logias com outras religiões da época, o único dado atual que temos em o Novo Testamento contradiz a declaração de que as palavras de Jesus durante a sua vida estivessem mescladas com o que os cristãos poste­ riores acreditavam que Ele estava dizendo às igrejas. As três referências reais em que conhecemos o conteúdo da profecia cristã do século I dis­ tinguem claram ente as suas palavras das do Jesus histórico. Duas vezes no livro de Atos, Ágabo aparece em cena para profetizar — a primeira vez, a respeito de uma fome que viria à Judeia, e a segunda vez, sobre o iminente aprisionamento de Paulo em Jerusalém (At 11.28; 21.11). Uma vez no livro do Apocalipse, lemos que as palavras específicas de João às igrejas locais lhe tinham sido dadas como profecia (Ap 2 - 3 como resultado de 1.3). Em nenhuma passagem dos Evangelhos estas coisas aparecem como se Jesus as tivesse dito durante a sua vida. A hipótese, pelo contrário, é infundada.36

Com respeito à crença de que o mundo poderia acabar a qualquer momento, é importante observar que esta não era uma convicção exclu­ siva dos cristãos. Os judeus, a partir do século VIII a.C., tiveram uma sucessão de profetas que declaravam que o Dia do Senhor era chegado (por exemplo, J1 2.1; Ob 14; Hc 2.3). Mas os séculos passaram, o mundo continuou a existir na sua forma atual, e os judeus escreveram a pre­ gação destes mesmos profetas em livros que fariam parte do seu cânon bíblico. No período intertestamentário, Salmos 90.4 tornou-se um texto favorito para explicar como o judaísmo ainda podia crer em um imi­ nente dia do juízo: "M il anos são aos teus olhos [aos olhos do Senhor] como o dia de ontem que passou".37 O que parece ser longo a partir de uma perspectiva humana é muito breve da perspectiva eterna de Deus. Além disso, a seita dos essênios de Qumran, que nos deu os Rolos do mar Morto, abrigava uma esperança tão vívida como qualquer grupo judeu pela intervenção iminente e apocalíptica de Deus neste mundo,

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para punir os seus inimigos e defender os seus seguidores. Mas os essê- nios produziram mais literatura, incluindo obras que permitem que os acadêmicos de hoje apresentem a evolução da sua comunidade, do que qualquer outro grupo judeu que conhecemos nos tempos pré-cristãos. Uma vez que todos os prim eiros cristãos eram originalmente judeus, é duvidoso que uma convicção de que Jesus pudesse retornar durante o tem po da sua vida os im pedisse de estar interessados em registrar a sua história.

Quanto à noção de que um forte comprometimento ideológico ne­ cessariam ente leva à falsificação ou distorção de registros históricos, realmente, às vezes, o oposto é verdadeiro. Não há dúvida de que um programa especial pode distorcer os fatos, mas em certos casos os m es­ mos compromissos ideológicos que levam a registrar uma determ i­ nada fração da história exigem que se conte a história corretamente. Considere o exemplo dos historiadores judeus depois do holocausto nazista na metade do século XX. Precisamente por causa da sua apai­ xonada preocupação de que tais atrocidades jam ais acontecessem no­ vamente ao seu povo (ou a qualquer outro), os cronistas judeus cuida­ dosamente coletaram e divulgaram, detalhe após detalhe, os horrores que o seu povo tinha vivenciado, culminando na morte de seis milhões de pessoas. Por outro lado, foram certos autores não judeus mais re­ centes, e não pessoalmente envolvidos nos eventos da Segunda Guerra Mundial, que geraram os relatos "revisionistas", declarando falsam en­ te que um número muito m enor de vítimas estava envolvido.

A prática dos autores do Novo Testamento corresponde intim am en­ te a este exemplo dos historiadores judeus modernos. O que distinguia as declarações de judeus e cristãos das declarações de todas as outras religiões no antigo mundo mediterrâneo era a fé de que Deus tinha agido de modo singular na história, por intermédio de seres humanos reais e recentes, para propiciar a salvação para a humanidade. O que distinguia o cristianismo de suas raízes judaicas era a declaração de que a oferta decisiva, que expiaria os pecados de uma vez por todas, era fornecida pela crucificação do homem Jesus de Nazaré, que foi sub­ sequentem ente justificado por Deus pela sua ressurreição corpórea da sepultura. Se essas declarações não forem historicamente precisas, o cristianism o desmorona.38 Portanto, a mesma teologia que os céticos afirmam que teria deturpado os relatos do Novo Testamento muito pro­ vavelmente agia como uma proteção contra tal distorção. Além disso, até onde sabemos, os antigos jam ais escreveram a história sem alguma

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lente ideológica por meio da qual estes eventos eram examinados. A sua atitude, basicam ente, era perguntar que objetivo havia em registrar a história se o povo não pudesse aprender algumas lições disso. Ao mesmo tempo, contrariamente às declarações de alguns acadêmicos modernos, eles poderiam distinguir a boa história da má, mesmo con­ siderando propósitos propagandísticos (veja especialmente Luciano,

On Writing History).39

Ha b il id a d e p a r a Es c r e v e r a Hi s t ó r i a?

Podemos admitir que os primeiros seguidores de Jesus estiveram interessados em escrever a história da fundação do seu movimento. Mas surge uma segunda pergunta. Eles seriam capazes de escrever uma história confiável? Mesmo se aceitarmos as datas conservadoras para os Evangelhos Sinóticos e o livro de Atos (os anos 60) e se reconhecermos que estes livros dependiam de fontes escritas ainda mais antigas, de testemunhos oculares e da tradição oral, trinta anos parece um tempo longo demais para que tudo fosse preservado intacto. Bart Ehrman fala em nome de muitos céticos quando compara o processo ao jogo infantil do "telefone sem fio".411 Em uma sala cheia com umas vinte pessoas, sussurre uma frase comprida e complicada à primeira pessoa, peça que ela sussurre à próxima pessoa o que ouviu e recorda, e o processo deve continuar até que a mensagem tenha sido "transm itida" à última pes­ soa da sala. Quando você pedir que esta última pessoa repita em voz alta a mensagem, para que todos ouçam, norm almente é cômico, por­ que a mensagem ficou muito deturpada. Como podemos imaginar se­ riamente os cristãos preservando, por todo o Império Romano, durante toda uma geração, o enorme número de detalhes que encontramos nos Evangelhos e no livro de Atos?

A resposta mais simples a essa pergunta é que o processo da trans­ missão de informações sobre Jesus e a Igreja Primitiva trazia pouca se­ melhança com o comportamento descontrolado de crianças brincando de "telefone sem fio". O Império Romano do século I continha somente culturas orais. Toda informação importante circulava de boca em boca. A maioria das pessoas que vivia no império era analfabeta. Os homens judeus tinham uma instrução muito maior do que o resto da população, porque muitos deles frequentaram a escola em sinagogas locais, desde os cinco anos de idade até os doze ou treze. Eles teriam aprendido o su­ ficiente para serem capazes de ler as Escrituras em hebraico, mas pou­ cos teriam meios para possuir suas próprias cópias. Assim a educação

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acontecia, como também era o caso no mundo greco-romano, por m e­ morização. Muitos homens judeus tinham m emorizado consideráveis I ragmentos do que nós cham amos de Antigo Testamento. Os aspirantes a rabinos, que se submetiam a treinamento adicional durante a sua ado­ lescência como alunos de reverenciados professores judeus, em alguns casos aprendiam todo o conteúdo das Escrituras. Há até mesmo relatos de escribas que concluíam uma cópia do Antigo Testamento e então um respeitado rabino a revisava, comparando-a com a versão que ti­ nha memorizado! Meninos que tinham acesso à educação no mundo greco-romano, às vezes, memorizavam a Ilíada e a Odisséia de Homero, parcial ou integralmente. N esse tipo de cultura, confiar o conteúdo de um livro tão pequeno como um Evangelho à memória teria sido com­ parativamente fácil, especialmente quando observamos que 80 a 90% dos ensinam entos de Jesus são formulados em forma poética.41

Pode, no entanto, haver objeções de que nós não temos quatro I vangelhos que sejam idênticos, palavra por palavra. A memorização pode explicar algumas das similaridades, embora já tenhamos observa­ do que a dependência literária que um Evangelho tem de outro ou de uma fonte comum provavelmente explique o número de textos em que aparecem palavras idênticas. Mas o que acontece com todas as diferen­ ças? Uma das respostas a tal pergunta envolve uma segunda dim en­ são para o costume de memorização das antigas tradições sagradas do Oriente Médio. As tradições sagradas transmitidas unicamente de boca a boca eram narradas, algumas vezes até mesmo cantadas, por conta­ dores de histórias em pequenos vilarejos onde as pessoas frequente­ mente se reuniam ao redor de uma fogueira depois de anoitecer, depois do jantar, em um ambiente (sem eletricidade) onde havia pouco para lazer, se não fosse isso. Nestas situações, e principalmente para m an­ ter o interesse em histórias bastante conhecidas, qualquer contador de histórias tinha o direito de om itir ou incluir, de expandir ou abreviar e de inserir comentários sobre os vários detalhes das histórias. Mas essa llexibilidade na transmissão tinha limites específicos. Os pontos fixos em cada história, sem os quais os relatos não poderiam ser compreen­ didos apropriadamente, tinham que ser preservados com exatidão, e .) com unidade tinha a responsabilidade de interromper e corrigir um contador de histórias, se estes pontos fixos não fossem adequadamente apresentados. Na maioria dos casos, uma dada "perform ance" variava entre 10 a 40% da anterior. E interessante constatar que esta porcenta­ gem é muito similar à variação de um Evangelho Sinótico em relação

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ao outro, sempre que dois ou mais narram o mesmo episódio. Assim, provavelmente nós precisamos caracterizar "a evolução na tradição oral" além da cópia literária e da edição teológica, como um compo­ nente significativo na formação dos Evangelhos, da maneira como os conhecemos.42

Dois outros elementos na antiga tradição oral cristã a separam dras­ ticamente da analogia do "telefone sem fio" de Ehrman. Em primeiro lugar, existe evidência de que os rabinos permitiam que os indivíduos tomassem nota depois dos ensinamentos, para facilitar o aprendizado e a memorização. Embora esta noção tenha sido satirizada, não é, de maneira alguma, irracional imaginar alguns dos discípulos de Jesus rabiscando lembretes para si mesmos depois de um dia de exposição ao seu ministério de ensinamento, para ajudá-los a recordar os seus pontos principais. Algo semelhante a isso parece ter sido o processo uti­ lizado em Qumran, para preservar os ensinamentos do seu "Professor de Justiça" anônimo.43 Em segundo lugar, o costume de Pedro, João e Tiago no livro de Atos, e nas epístolas, de realizar viagens ou fazer reuniões para acompanhar a chegada do evangelho a uma nova loca­ lização geográfica, mostra que a Igreja Primitiva desejava assegurar a exatidão daquilo que era pregado ou ensinado (veja especialmente At 8; 15; 21; G 11 - 2). A Igreja recém-nascida não era uma entidade amorfa e descontrolada como muitas vezes é retratada; mas, ao contrário, era uma comunidade "im pulsionada por objetivos" com uma reconhecida liderança e mecanismos de responsabilidade.44

Ex a t id ã o n o Pr o d u t o Fin a l?

Nós vim os que os autores dos Evangelhos e do livro de Atos pro­ vavelm ente estiveram interessados na preservação das biografias de Jesus e da história da prim eira geração do cristianism o. Nós observa­ mos que todos os m ecanism os estavam funcionando no mundo deles, para que tivessem feito isto com um alto grau de exatidão. A últi­ ma pergunta desta série, de que devemos tratar agora, é: "M as eles foram bem -sucedidos nesta tarefa?" Quando com param os os relatos dos quatro Evangelhos, onde eles são paralelos, ou quando tentam os adequar a informação no livro de Atos juntam ente com a informação histórica encontrada nas epístolas de Paulo, percebem os harm onia ou desacordo? Certam ente, foram elaboradas longas listas de supostas contradições aqui e em outras passagens na Bíblia.45 Será que estas seriam suficientes para refutar declarações de confiabilidade histórica

Referências

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