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A LISTA SUJA COMO MEIO DE COMBATE AO TRABALHO ESCRAVO CONTEMPORÂNEO

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XIV Semana de Extensão, Pesquisa e Pós-Graduação - SEPesq Centro Universitário Ritter dos Reis

A “LISTA SUJA” COMO MEIO DE COMBATE AO TRABALHO ESCRAVO

CONTEMPORÂNEO

Raquel Iracema Olinski

Graduada em Direito pelo Centro Universitário Ritter dos Reis. Pós-graduada em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela Pontifícia Católica do Estado do Rio Grande do Sul. Mestranda em Direitos Humanos pelo Centro Universitário Ritter dos Reis.

Centro Universitário Ritter dos Reis raquelolinski@gmail.com

Ana Paula Motta Costa

Graduada em Direito pela Pontifícia Católica do Estado do Rio Grande do Sul, Bacharel em Ciências Sociais pela Universidade do vale dos Sinos (1990), Pós-graduada em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Mestre em Ciência Criminais pela Pontifícia Católica do Estado do Rio Grande do Sul, Doutora em Direito pela Pontifícia Católica do Estado do Rio Grande do Sul.

Centro Universitário Ritter dos Reis. anapaulamottacosta@gmail.com Vanessa Marques Borba

Graduada em Direito pela Universidade Luterana do Brasil (ULBRA), Especialista em Direito Público pela Faculdade Projeção e em Direito do Estado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Mestranda em Direitos Humanos pelo Centro Universitário Ritter dos Reis.

vane.borba@hotmail.com.

Resumo: O presente artigo tem como objetivo promover uma breve, porém importante, reflexão acerca do trabalho escravo contemporâneo no Brasil, especialmente quanto à importância da “Lista Suja” como meio de combate. Para tanto, parte-se da análise de algumas das diferenças e similitudes entre o trabalho escravo clássico e o contemporâneo. Pontua-se as principais características deste, incluindo um breve perfil do vitimado e de como se dá o seu aliciamento, assim como do ambiente e do local do trabalho. Após, analisa-se a publicação da Portaria 540 do MTE de outubro de 2014, que inovou no ordenamento jurídico ao criar um cadastro de pessoas físicas e jurídicas que exploram o trabalho em condições análogas à de escravo, conhecida como “Lista Suja”, e a sua importância como instrumento de combate ao trabalho escravo contemporâneo.

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1 Introdução

O presente estudo pretende analisar como o cadastro de empregadores instituído pela Portaria n. 540/2004, conhecido como “Lista Suja”1, poderá contribuir para o combate ao trabalho escravo contemporâneo.

Para desenvolvimento deste estudo, inicialmente, discorre-se acerca da situação do trabalho escravo no Brasil, traçando um paralelo entre o trabalho escravo clássico e o contemporâneo, bastante semelhante àquele, porém, agora, com novas práticas de exploração, analisando suas características e o perfil das vítimas para compreender, de forma ampla, o que é a prática hodierna de redução do ser humano à condição análoga a de escravo.

Por fim, analisa-se a criação da “Lista Suja” e os reflexos na sociedade, questionando-se: qual a sua importância no combate ao trabalho escravo contemporâneo?

Para o desenvolvimento do tema proposto empregou-se o método dedutivo, iniciando-se da análiiniciando-se de normativas, utilizando-iniciando-se de uma interpretação teleológica com ointuito de identificar seus objetivos e de uma interpretação axiológica, ao explicitar os valores concretizados pelas respectivas normativas; e de obras doutrinárias, extraindo-se conceitos, fontes e fundamentos que expliquem como é possível pensar no combate ao trabalho escravo contemporâneo no Brasil utilizando a “Lista Suja”.

2 O Trabalho Escravo Contemporâneo no Brasil

A abolição formal da escravatura no Brasil possui como fonte principal a Lei Áurea, de 1888. Caracteriza-se essa abolição como formal, pois o trabalho análogo ao de escravo continua presente em nossas terras. De lá para cá, muitos anos se passaram, porém as condições de trabalho as quais são submetidos os trabalhadores encontrados nessa situação pouco mudaram.

A mão de obra escrava ainda é utilizada, de forma velada, por empresas e fazendas visando à obtenção de lucro com a diminuição dos custos de produção, o que faz com que a riqueza seja obtida com o sacrifício do ser humano, voltando-se ao absurdo de tratamento do trabalhador como coisa e não como pessoa (coisificação do ser humano).

A definição de trabalho escravo contemporâneo encontra-se em diversas fontes, como no Direito Internacional, na Constituição Federal, no Código Penal e em Portaria do MPT.

Ao falar em proteção de direitos humanos, não obstante pode-se citar o Pacto da Sociedade das Nações de 1919, que já previa a proibição de trabalho escravo em seu art. 22, no ordenamento internacional, a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, destaca em seu preâmbulo, como fundamento, a dignidade do ser humano, a liberdade, a

1 Opta-se no presente estudo a pela adoção da denominação “Lista Suja” para o cadastro de empregadores instituído pela

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justiça social e a paz. Merecem destaque, ainda, os artigos 1º, 3º, 4º, 5º e 23, que trazem em seu bojo ideias de liberdade, igualdade, fraternidade, proibição de tortura e escravidão e direito ao trabalho digno.

A Organização Internacional do Trabalho (OIT), na Convenção n. 29 de 1930, ratificada por meio do Decreto n. 41.721/57, aduz que “a expressão ‘trabalho forçado obrigatório’ compreenderá todo trabalho ou serviço exigido de uma pessoa sob a ameaça de sanção e para o qual não se tenha oferecido espontaneamente”. Ainda, a Convenção 105 de 1957 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), ratificada por meio do Decreto n. 58.822/66 em 18/06/1965, trata da abolição do trabalho forçado, de forma semelhante à Convenção 29.

Cumpre destacar, ainda, a Declaração da Organização Internacional do Trabalho sobre Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho de 1998, a qual prevê como um dos princípios relativos aos direitos fundamentais a eliminação de todas as formas de trabalho forçado ou obrigatório (ítem 2, b)2. Ressalta-se que todos os membros da Organização Internacional do Trabalho, ainda que não tenham ratificado as convenções relativas às matérias constantes da referida Declaração, devem respeitar, promover e tornar realidade seus direitos e princípios.

A Constituição Federal de 1988 traz, em seu bojo, diversos dispositivos que auxiliam na compreensão do tema, bem como no combate do mesmo, mediante o princípio da força normativa da Constituição. Nesse sentido, são os fundamentos de valor social do trabalho e dignidade da pessoa humana (art. 1º), os objetivos fundamentais de construção de uma sociedade livre, justa e solidária, a erradicação da pobreza e da marginalização e a redução das desigualdade sociais (art. 3º), bem como os princípios da liberdade e igualdade (art. 5º, caput).

No que concerne à tipificação penal do trabalho escravo, esta se encontra prevista na redação do artigo 149 do Código Penal Brasileiro3.

2 O item 2, b estabelece que “ todos os Membros, ainda que não tenham ratificado as convenções aludidas, têm um

compromisso derivado do fato de pertencer à Organização de respeitar, promover e tornar realidade, de boa fé e de conformidade com a Constituição, os princípios relativos aos direitos fundamentais que são objeto dessas convenções, isto é:a) a liberdade sindical e o reconhecimento efetivo do direito de negociação coletiva; b) a eliminação de todas as formas de trabalho forçado ou obrigatório; c) a abolição efetiva do trabalho infantil; e d) a eliminação da discriminação em matéria de emprego e ocupação.

3 O art.149 do Código Penal dispõe: “Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos

forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando- o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão da dívida contraída com o empregador ou preposto: Pena – reclusão, de dois a oito anos, e multa, além da pena correspondente à violência.

§ 1º Nas mesmas penas incorre quem: I – cerceia o uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho; II – mantém vigilância ostensiva no local de trabalho ou se apodera de documentos ou objetos pessoais do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho.

§ 2º A pena é aumentada de metade, se o crime é cometido: I – contra criança e adolescente; II – por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem.

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Mais recentemente, o tema também foi disciplinado na Portaria MTB 1.293, de 28 de dezembro de 2017, criada para a regulamentação da concessão de seguro-desemprego ao trabalhador que vier a ser resgatado, quando da fiscalização do Ministério do Trabalho, e traz em seu art. 1º4, novos conceitos sobre trabalho em condições análogas à de escravo, modificando o seu conceito.

Quando falamos de trabalho escravo, estamos nos referindo a muito mais do que o descumprimento da lei trabalhista. Sinteticamente, pode-se afirmar que a escravidão é uma prática na qual o ser humano tem sua liberdade usurpada, sendo obrigado a desempenhar atividades com fins de auferimento de lucro.

O escravo contemporâneo, assim como o escravo clássico, também é produto da exclusão social que marginaliza, provocada pela exploração do ser humano em práticas neocolonialistas. Sujeito, também, à condição de objeto, mas de forma diferente daquele clássico, pois o escravo contemporâneo se constitui em um objeto descartável (D'AMBROSO, 2013, p. 269).

A exploração contemporânea de mão de obra escrava mostra-se, inclusive, quanto à algumas práticas, mais perversas do que aquelas praticadas durante o regime escravagista clássico, pois neste o trabalhador escravizado era adquirido pelo seu senhor, e, por conseguinte, passava a integrar o patrimônio deste. Logo, o que se buscava era um escravo saudável para que pudesse produzir muito. Um escravo moribundo reverberava negativamente no patrimônio do senhorio. Matar um escravo era a ultima ratio, pois um cativo custava muito e sua morte representava a perda de uma propriedade, bem como uma inevitável diminuição do patrimônio, pois a riqueza, à época, era aferida, também, pela quantidade de escravos pertencentes a uma família. (CAVALCANTI, 2015, p.197).

Outra distinção tem relação com a forma de aliciamento, pois quando da escravidão colonial, o aliciamento dos escravos africanos era realizado pelos europeus, que se aproveitavam de situações de conflitos no território, ou até mesmo geravam estes, para que em situação de vulnerabilidade os próprios conterrâneos capturassem seus rivais e os entregassem para serem escravizados.

Já, na escravidão contemporânea, surgiu a figura dos “gatos”, os quais intermedeiam o aliciamento dos trabalhadores, aproveitando-se da miséria e da ignorância para

4 Art. 1º. (…) considera-se em condição análoga à de escravo o trabalhador submetido, de forma isolada ou conjuntamente,

a:

I - Trabalho forçado; II - Jornada exaustiva;

III - Condição degradante de trabalho;

IV - Restrição, por qualquer meio, de locomoção em razão de dívida contraída com empregador ou preposto, no momento da contratação ou no curso do contrato de trabalho;

V - Retenção no local de trabalho em razão de:

a) Cerceamento do uso de qualquer meio de transporte; b) Manutenção de vigilância ostensiva;

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lhes. Assim, aponta-se como uma diferença importante o fato de que na escravidão clássica era utilizada força no arregimento, sendo que, contemporaneamente, este se dá por falsas promessas de um futuro melhor.

Em relação às condições em que vivem os trabalhadores escravizados, quando a escravidão é realizada em zona rural, geralmente, estes são colocados laborando em fazendas isoladas, em barracões em meio ao mato, para dificultar a fiscalização por parte dos agentes do Ministério do Trabalho, sob vigilância dos capatazes, em condições degradantes. Dessa maneira, o trabalho análogo à escravidão está associado à condições subumanas de trabalho, ameaças, violência, cerceamento do uso de transporte, retenção de documentos e bens dos trabalhadores, dentre outras práticas abomináveis.

No que tange ao perfil das pessoas vitimadas por esta modalidade de trabalho proibido, pode-se dizer que a vulnerabilidade é uma das principais características. Para Marcelo José Ferlim D'Ambroso, as vítimas são as pessoas que:

a) As que compõem os bolsões de miséria no entorno das cidades e no meio rural; b) As analfabetas ou de pouca instrução e formação, qualificação profissional; c) As que não possuem referência familiar; d) As que vivem à margem do Estado, como imigrantes ilegais (“fantasmas”); e e) As que, por condições históricas de marginalização ou exclusão social encontram-se em zonas de desfavorecimento na sociedade, como indígenas, braçais rurícolas (também chamados de “trabalhadores invisíveis’’), pessoas sem emprego, ex-presidiários etc (D'AMBROSO, 2013, p. 270). Segundo o relatório da Organização Internacional do Trabalho (2006), os principais motivos para que os trabalhadores sejam escravizados é pela servidão por dívida, pelo isolamento geográfico e pela ameaça às suas vidas.

Ressalta-se, ainda, que não há o que se falar em consentimento da vítima para trabalhar em condições análogas às de escravo, posto que os trabalhadores aliciados são pessoas em situação de extrema vulnerabilidade, que não fazem escolhas, são, antes de mais nada, vítimas (D’AMBROSO, 2013, p. 272). Então, “pouco importa que haja consentimento por parte do sujeito passivo. Vale dizer, o consentimento da vítima não tem o condão de excluir a antijuridicidade do fato, visto que a liberdade humana não é passível de disposição” (SENTO-SÉ, 2000, p. 88).

Além disso, faz-se necessário pontuar que é irrelevante a afirmação por parte do explorador de que este de nada teria a ver com a condição social daqueles que abusa, pois é notório que ele lucra através da exploração do trabalhador vulnerável que alicia, tratando-o como mero bem descartável (D’AMBROSO, 2013, p. 271).

No Brasil, o processo que garante a manutenção do trabalho escravo contemporâneo está fundado em dois fatores expressos no Relatório da Organização Internacional do Trabalho (2006):

(...) de um lado, a impunidade de crimes contra direitos humanos fundamentais aproveitando-se da vulnerabilidade de milhares de brasileiros que, para garantir sua

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sobrevivência, deixam-se enganar por promessas fraudulentas em busca de um trabalho decente. De outro, a ganância de empregadores, que exploram essa mão-de-obra, com a intermediação de “gatos” e capangas.

Dessa maneira, resta claro que ao trabalhador escravizado não são garantidos os mais fundamentais direitos. A escravidão é construída em cima do desprezo da dignidade da pessoa humana. E assim, o regime escravagista contemporâneo é caracterizado por diversas condutas nefastas, praticadas contra indivíduos vulneráveis expostos a condições degradantes de trabalho, que não podem ser toleradas.

3 A “Lista Suja” como forma de combate ao Trabalho Escravo Contemporâneo

Após o reconhecimento oficial do governo brasileiro, em 1995, quanto à existência de trabalho escravo em suas terras, iniciaram-se medidas a fim de acabar com essa chaga social5.

Contudo, foi através do acordo firmado perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos, sobre o caso “José Pereira”6, que se intensificaram as ações no combate ao trabalho escravo.

Dentre as medidas previstas, foi publicada pelo Ministério do Trabalho e Emprego a Portaria nº 1.234 de 20 de novembro de 20037, que previa o envio dos nomes dos infratores a vários órgãos do primeiro escalão, “com a finalidade de subsidiar ações no âmbito de suas competências”, a qual foi revogada pela Portaria nº 540 de 05 de outubro de 20048, que oficializou o “cadastro de empregadores”, dispondo que:

“Art. 2º. A inclusão do nome do infrator no cadastro ocorrerá após decisão administrativa final relativa ao auto de infração lavrado em decorrência de ação fiscal em que tenha havido a identificação de trabalhadores submetidos a condições análogas à de escravo.

Art. 3º. O MTE atualizará, semestralmente, o cadastro a que se refere o art. 1º e dele dará conhecimento aos seguintes órgãos:

I - Ministério do Meio Ambiente;

II- Ministério do Desenvolvimento Agrário; III - Ministério da Integração Nacional; IV - Ministério da Fazenda;

V - Ministério Público do Trabalho; VI - Ministério Público Federal;

VII - Secretaria Especial de Direitos Humanos; VIII - Banco Central do Brasil.

5 Disponível em: http://www.ilo.org/brasilia/temas/trabalho-escravo/WCMS_393066/lang--pt/index.htm. Acesso em: 10

out. 2018.

6 Disponível em: https://cidh.oas.org/annualrep/2003port/brasil.11289.htm,. Acesso em: 10 out. 2018.

7 Disponível em: http://www.trtsp.jus.br/geral/tribunal2/ORGAOS/MTE/Portaria/P1234_03.htm. Acesso em: 10 out.

2018.

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A Portaria prevê ainda que a fiscalização “monitorará” o infrator pelo prazo de dois anos depois de sua inclusão no cadastro. Não havendo reincidência e pagas as multas e os débitos trabalhistas, o seu nome será então excluído.

A Portaria n. 1.150, de 18 de novembro de 2003, do Ministério da Integração Nacional (MIN), recomenda a agentes financeiros sob a supervisão do Ministério que se abstenham de conceder aos integrantes da lista: “financiamentos ou qualquer outro tipo de assistência com recursos...”.

A Portaria Interministerial nº 2, de 12 de maio de 2011, que revogou a Portaria 540/2004, enunciou regras sobre o cadastro9.

Assim, verifica-se não é por força da Portaria n. 540/2004 do MTE que as instituições financeiras são informadas sobre os infratores incluídos neste cadastro, mas sim por ato executado pelo MIN, regulado por outro ato, qual seja, a Portaria n. 1.150/2003 daquele Ministério.

Desde a criação do primeiro ordenamento prevendo a “Lista Suja”, diversas ações judiciais questionaram a sua validade e aplicabilidade. Nesse sentido, cita-se o Mandado de Segurança n. 14.017/DF, impetrado por Pagrisa Pará Pastoril e Agrícola S/A, em que em foi questionada a legalidade da Portaria MTE n. 540/2004, que criou a “Lista Suja”, julgado em 24/05/2009 no STJ, sendo relator o Min. Herman Benjamin, que denegou a segurança e cassou a liminar anteriormente concedida.

Cita-se, ainda, a Ação Direta de Inconstitucionalidade com medida cautelar, ADI 5209, proveniente do Distrito Federal e de Relatoria da Min. Carmen Lúcia, julgada em 23/12/2014, sendo Requerente Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias – ABRAINC, contra a Portaria Interministerial MTE/SDH n° 2, de 12 de maio de 2011.

Na referida ação, o ato impugnado, que “Enuncia regras sobre o Cadastro de Empregadores que tenham submetido trabalhadores à condições análogas à de escravo e revoga a Portaria MTE n° 540, de 19 de outubro de 2004”, autoriza o MTE a atualizar, semestralmente, o Cadastro de Empregadores a que se refere e nele incluir o nome de empregadores que tenham submetido trabalhadores a condições análogas à de escravo. Na ação são alegadas violações a vários preceitos constitucionais, artigo 87, inciso II; ao artigo 186, incisos III e IV.

Em 23.12.2014, o Ministro Ricardo Lewandowski, Presidente, deferiu a medida cautelar requerida para suspender a eficácia da Portaria Interministerial n. 2/2011 até decisão final nesta ação. Foi decidido que a finalidade institucional dos Ministérios envolvidos não pode se sobrepor à soberania da Constituição Federal na atribuição de competências e na exigência de lei formal para disciplinar determinadas matérias. Referiu que outro aspecto importante a ser observado em relação à Portaria é a inclusão do nome do suposto infrator

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das normas de proteção ao trabalho, no Cadastro, após decisão administrativa final, sem observância do devido processo legal, e determinou à suspensão da divulgação.

A União publicou nova Portaria Interministerial (número 4, de 11 de maio de 2016)10, reformulando os critérios para inclusão e saída dos empregadores do cadastro. Cumpre referir que em 31 de março de 2015, já havia sido editada a Portaria Interministerial n. 2, 201511, a qual enunciava novas regras sobre o Cadastro de Empregadores que tenham submetido trabalhadores à condição análoga à de escravo e revogava a Portaria Interministerial nº 2, de 12 de maio de 2011.

Em 16/05/2016, a Ministra Carmen Lúcia julgou o mérito da ADI 5209 entendendo prejudicada a ação direta de inconstitucionalidade pela perda superveniente do objeto (A Portaria Interministerial n. 2/2011 revogada pela Portaria Interministerial n. 4, de 11.5.2016), cassou a medida cautelar antes deferida, no entanto, o Ministério do Trabalho continuou sem publicar o documento.

Diante da omissão, o MPT, no Distrito Federal, entrou com ação com pedido de liminar, em dezembro de 2016, para a União publicar a lista. O juiz do Trabalho Rubens Curado Silveira, da 11ª Vara do Trabalho de Brasília, (ACP nº 001704-55.2016.5.10.0011) atendeu ao pedido e ressaltou que deixar de divulgar o documento “esvazia a política de Estado de combate ao trabalho análogo ao de escravo no Brasil”.

Somente em 27 de outubro de 2017, após a decisão final, a lista foi atualizada e publicada pelo Ministério do Trabalho, verificando-se certa resistência na utilização desta forma de combate ao trabalho escravo contemporâneo.

Ainda, em 13 de outubro de 2017 foi publicada Portaria n. 1.129/17 que dispõe sobre os conceitos de trabalho forçado, jornada exaustiva e condições análogas à de escravo para fins de concessão de seguro-desemprego ao trabalhador que vier a ser resgatado em fiscalização do Ministério do Trabalho, nos termos do artigo 2-C da Lei n 7998, de 11 de janeiro de 1990; bem como altera dispositivos da PI MTPS/MMIRDH Nº 4, de 11 de maio de 201612, suspensa em 23 de outubro de 2017 por meio da decisão da Min. Rosa Weber, no pedido de medida liminar, em Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 489.

A referida Portaria trouxe nova definição dos conceitos de trabalho forçado, jornada exaustiva e condições análogas à de escravo, para fins de concessão do seguro-desemprego, fiscalização pelo Ministério do Trabalho e inclusão no Cadastro de Empregadores e sofreu alteração com a publicação, em 28 de dezembro de 2017, da Portaria MTB 1.293 que remoldou os conceitos de trabalho em condições análogas à de escravo para fins de concessão de seguro-desemprego.

10 Disponível em: http://www.trtsp.jus.br/geral/tribunal2/ORGAOS/MTPS/PORT_INTER_04_16.html. Acesso em: 11

out. 2018.

11 Disponível em; http://www.trtsp.jus.br/geral/tribunal2/ORGAOS/MTE/Portaria/PORT_INT_02_15.html. Acesso em: 11

out. 2018.

12 Disponível em: http://www.trtsp.jus.br/geral/tribunal2/ORGAOS/MTE/Portaria/P1129_17.html. Acessado em: 10 out.

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O quer se percebe é que uma ferramenta que foi criada no combate ao trabalho escravo é subutilizada, ou proibida de ser utilizada por causa de demandas apresentadas junto ao Poder Judiciário, quando, na verdade, o que deveria importar é a vida, a liberdade e a saúde dos trabalhadores.

Segundo CESÁRIO (2011, p.160):

(...) decididamente não parece razoável que fazendeiros sérios, que observam rigorosamente a legislação trabalhista, devam disputar créditos públicos em pé de igualdade com aqueles que maltratam a dignidade do ser humano, sendo inquebrantável obrigação do Poder Executivo trata-los de modo desigual, já que, como é curial, o princípio da isonomia, direito e garantia fundamental da sociedade (art. 5º, caput, da CRFB), consiste em tratar os iguais de maneira igual e os desiguais de modo desigual, na exata medida de suas desigualdades.

A Organização das Nações Unidas declarou que a “Lista Suja”, por ser uma ferramenta de transparência, controle social e propulsor da responsabilidade social empresarial é uma iniciativa fundamental no combate ao trabalho escravo13.

Embora a Portaria 540/2004 não obrigue os bancos a não financiarem os infratores, a inclusão das empresas e produtores que não respeitam os mais fundamentais direitos dos seus trabalhadores na “Lista Suja”, de acesso pela rede mundial de computadores, no sítio eletrônico do MTE, com os CPFs e CNPJs dos infratores, é um instrumento de controle social que acaba repercutindo na credibilidade dos responsáveis, portanto, se constitui em um mecanismo positivo no combate à escravidão contemporânea.

4 Conclusões

O presente estudo analisou as características do trabalho escravo na contemporaneidade, que possui como elemento central a vulnerabilidade do trabalhador, assim como o total desprezo aos direitos sociais e fundamentais.

Devem ser aniquiladas quaisquer práticas que afrontem o trabalho digno, pelo que urge a necessidade de implementação de meios efetivos para a extinção de qualquer forma possível de trabalho escravo, para o que a “Lista Suja” se constitui em um instrumento importante.

É nesse sentido que a Portaria do MTE 540/2004, que prevê o cadastro de empregadores que tenham submetido trabalhadores a condições análogas á de escravo, e na Portaria n. 1.150, de 18 de novembro de 2003, do Ministério da Integração Nacional, recomenda a agentes financeiros sob a supervisão do Ministério que se abstenham de conceder aos integrantes da lista financiamentos ou qualquer outro tipo de assistência com recursos.

13 Disponível em: https://nacoesunidas.org/wp-content/uploads/2016/04/position-paper-trabalho-escravo.pdf. Acesso em:

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Tal medida possui importância reconhecida uma vez que repercute no âmbito econômico do explorador, prevendo recomendação de negativa de financiamento público, bem como abalo emsua imagem, tendo em vista que seu nome é divulgado em lista pública no rol dos exploradores.

Assim, a medida inovadora de inclusão na “Lista Suja” daqueles que exploram o trabalho escravo, quando da ocorrência de trabalho escravo, constitui-se importante medida, tanto preventivo quanto repressivo, a tal forma indigna de exploração de mão de obra, especialmente porque amplia a possibilidade de controle social.

Portanto, a inclusão e manutenção dos nomes dos empregadores flagrados pela fiscalização explorando o trabalho escravo, e posteriormente condenados na instância administrativa, no cadastro instituído pela Portaria n.º 540 do Ministério do Trabalho e Emprego, constitui-se em um instrumento de política pública essencial para que a erradicação do trabalho escravo possa se concretizar e não seja apenas uma meta.

Referências

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BRASIL. Portaria 540, de 15 de outubro de 2004, do Ministério do Trabalho e Emprego.

Cria, no âmbito do Ministério do Trabalho e Emprego – MTE, o Cadastro de Empregadores que tenham mantido trabalhadores em condições análogas à de

escravo. Disponível em:

http://www.trtsp.jus.br/geral/tribunal2/ORGAOS/MTE/Portaria/P540_04.html. Acesso em 11 out. 2018.

CAVALCANTI, Klester. A dama da liberdade: a história de Marinalva Dantas, a mulher que libertou 2.354 trabalhadores escravos no Brasil, em pleno século 21. São Paulo: Benvirá, 2015.

CESÁRIO, João Humberto. O cadastro de empregadores que tenham mantido trabalhadores em condições análogas à de escravo como instrumento de afirmação da cidadania: questões constitucionais e processuais (à luz da nova lei do mandado de segurança). In: NOCCHI, Andrea Saint Pastous; VELLOSO, Gabriel Napoleão; FAVA, Marcos Neves (coords.).

Trabalho escravo contemporâneo. 2. Ed. São Paulo: LTr, 2011.

CIDH. Solução Amistosa José Pereira Brasil.

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D'AMBROSO, Marcelo José Ferlin. Características do trabalho escravo contemporâneo. In: COLNAGO, L. de M. R.; ALVARENGA; R. Z. de. Direitos humanos e o direito do trabalho. São Paulo: Ltr, 2013.

OIT. Convenção n. 29 de 1930. Trabalho forçado ou obrigatório. Disponível em: <http://www.ilo.org/brasilia/convencoes/WCMS_235021/lang--pt/index.htm>. Acesso em: 04 out. 2018.

OIT. Convenção n. 105 de 1957. Disponível em:

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OIT. O trabalho forçado no Brasil. http://www.ilo.org/brasilia/temas/trabalho-escravo/WCMS_393066/lang--pt/index.htm. Acesso em: 10 out. 2018.

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https://nacoesunidas.org/wp-content/uploads/2016/04/position-paper-trabalho-escravo.pdf. Acesso em: 10 out. 2018. SENTO-SÉ, Jairo Lins de Albuquerque. Trabalho escravo no Brasil na atualidade. São Paulo: LTr, 2000.

Referências

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