16 SET 2014 • 19:30 • SALA 2
QUARTETO DE CORDAS
DE MATOSINHOS
José Vianna da Motta
Quarteto de cordas nº 2, em Sol maior [1895; c.16min.]
1. Allegro vivace
2. Adagio: “Cena nas Montanhas”
3. Presto
Eugénio Manuel Rodrigues
Mata Hari, para quarteto de cordas
[1994; c.11min.]
Dmitri Chostakovitch
Quarteto de cordas nº 3, em Fá maior, op.73 [1946; c.32min.]
1. Allegretto
2. Moderato con moto
3. Allegro non troppo
4. Adagio
5. Moderato
VíTOR VIEIRA vioLino
JUAN MAggIORANI vioLino
JORgE AlVES vioLA
MARCO PEREIRA vioLonceLo
A CASA DA MÚSICA É MEMBRO DE APOIO
JOSé VIANNA DA MOTTA
são tomé, 22 de abril de 1868 lisboa, 1 de junho de 1948
Quarteto de cordas nº 2
Pianista, compositor e pedagogo, José Vianna da Motta pode ser considerado o primeiro compositor nacionalista portu guês e o fundador de uma escola interpre tativa que se prolongou durante o século XX, tendo formado uma geração de pia nistas portugueses. Depois de ter estuda do no Conservatório Nacional, instalou se em 1882 em Berlim. Foi ali que se formou como compositor. Frequentou primeiro o recém fundado Conservató rio Scharwenka, tendo tido como profes sor, entre outros, Xaver Scharwenka, e na mesma cidade recebeu, entre 1886 e 1889, aulas privadas de piano e de composição de Carl Schaeffer, membro da Sociedade Wagneriana.
Antes da sua ida para Berlim, entre 1875 e 1883, Vianna da Motta escreveu obras para piano: marchas, peças de baile (mazurcas, valsas, polcas, etc.), pequenas peças, va riações e fantasias sobre temas de óperas que reflectem os gostos da época estan do sobretudo destinadas ao uso domésti co. O segundo grupo de obras que se des tacam no seu catálogo, compostas entre 1884 e 1895, coincide maioritariamente com o período de formação na Alemanha e inclui: peças para piano, Lieder e várias
composições em géneros clássicos com es pecial destaque para a Sonata para piano (1885), a Abertura orquestral Inês de Castro
(1886); um Concerto para piano e orques tra (1886 1887), o primeiro Quarteto de cordas (1888) e um Trio com piano (1889).
Entre 1893 e 1908, encontramos no seu catálogo um terceiro grupo de obras que se caracteriza pelo recurso à canção tradicio nal portuguesa: as Rapsódias portuguesas
(1891 1893), os três cadernos de Cenas por‑ tuguesas (ca. 1893, 1905 e 1908) e a Balada
op.16 (1905). Pode distinguir se um quarto núcleo de obras, escritas entre 1893 e 1897, que reflectem de maneira específica o pro grama nacionalista, constituído pelas Can‑ ções portuguesas op.10 (1893 5), pela Sinfo‑ nia à Pátria (1894; revista em 1920) e pela Invocação dos Lusíadas (iniciada em 1897;
concluída em 1915 e revista em 1938). O primeiro andamento do Quarteto em Sol maior foi localizado pela cantora Elvira Archer, especialista na figura e na inter pretação da música de Vianna da Motta, no ano do cinquentenário do falecimento do compositor. Encontrava se no espólio do violinista Bernardo Moreira de Sá, com quem o compositor e pianista teve uma frutífera relação. Tinha estado, até então, em paradeiro desconhecido, sendo porém conhecidas duas peças para quarteto de cordas que tinham sido publicadas sob o título Cenas da Montanha e que resultaram
nos andamentos segundo e terceiro deste Quarteto. A obra foi estreada pelo Quarte to Moreira de Sá em 1895, pelo que a sua composição foi contemporânea de obras já mencionadas, tais como as Rapsódias Portuguesas, as Cenas Portuguesas ou a Sin‑ fonia à Pátria.
O primeiro andamento, em forma sonata, apresenta material temático cujo perfil principalmente rítmico nos intro duz no ambiente bucólico que é explici tamente explorado nos dois andamentos subsequentes através da alusão à música regional portuguesa. Esta é usada enquan
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Sinfonia, claro está, não recebeu no ano a seguir o Prémio Estaline de composição. Mais ainda, em 1948, após a segunda de núncia contra Chostakovitch acusando o de compositor formalista, foi incluída na lista das obras censuradas da sua autoria.
O Quarteto op.73 participa do traço fes tivo e ligeiro que foi unanimemente detec tado na Nona Sinfonia. Tem sido recorren temente relacionado com os quartetos de Haydn, com os quais partilha não apenas a transparência da textura, mas também a maneira como os motivos principais são explorados e desenvolvidos dentro de uma arquitectura formal claramente desenha da, que poderíamos qualificar como neo clássica. Isto é evidente no primeiro anda mento, que responde à forma sonata. No entanto, os cinco andamentos estão longe de ser monótonos na alegria. Como acon tece habitualmente na música de Chos takovitch, o drama, para funcionar, pre cisa de elementos contrastantes – nisto a lição de Haydn chegou lhe através de Bee thoven. A longa e meditativa melodia com que se inicia o Adagio evidencia esta segun
da influência, assim como o carácter cícli co do Quarteto, que, no último andamen to, cita todos os anteriores para concluir
morendo. Também forma parte do drama
a deformação e a paródia. O segundo an damento é um exemplo da maneira como, através da manipulação do ritmo e do uso da cor, uma valsa pode tornar se a banda sonora de uma desolada desumanização.
teresa cascudo [2014] era possível mostrar que se entendia o sig
nificado profundo do que se escutava. Há testemunhas que falam das lágrimas que Chostakovitch deixava escorregar em si lêncio durante essas audições. No entanto, também este reduto foi atingido pela crí tica oficial: na década de 40, generalizou se uma teoria conforme a qual os artis tas soviéticos deviam evitar qualquer tipo de “complexidade”, não apenas formal, mas também, explicitamente, emocional ou psicológica nas suas obras. Tentou se abolir a dualidade entre uma prática públi ca e outra mais ou menos privada.
O Terceiro Quarteto de Chostakovitch foi escrito em 1946, meses depois da Nona Sinfonia, com a qual forma um par interes sante, reflexo dessa dualidade. É, de facto, a primeira obra de grande formato que es creveu imediatamente após a referida Sin fonia. A história interligada de ambas re trata o ambiente demencial e ditatorial em que viviam os moscovitas naquela altura. A Sinfonia saída da pena do compositor deveria ter sido uma partitura à altura não só do triunfo soviético sobre a Alemanha nazi, mas também da Nona Sinfonia de Beethoven. Porém, quando a obra foi es treada, a mensagem veiculada era comple tamente diferente. Não foi um sublime e imponente tributo sonoro à grandeza de Estaline, de quem Chostakovitch dizia que então era “uma rã inchada como um boi”, e do povo soviético. Pelo contrário, o que se escutou foi uma espécie de festiva e bem humorada homenagem a Mozart, à vida, e também à alegria de estar vivo. As críti cas negativas impuseram se à boa recep ção da obra, que foi a maioritária. Acusa ram Chostakovitch de imaturidade e in consciência, de ter fugido à seriedade do momento histórico que se estava a viver. A to material temático e rítmico, como cita
ção e também como inspiração de música “à moda popular”, integrando se solida mente nas convenções quartetísticas da época. Não se trata, portanto, de um mero
pot ‑pourri de carácter rapsódico, mas de
uma obra na qual se tenta retratar, de forma amável e nostálgica, a vida na serra.
EUgéNIO MANUEl RODRIgUES
lousã, 1961
Mata Hari, para quarteto de cordas Eugénio Rodrigues nasceu na Lousã em 1961, tendo estudado música nos Estados Unidos de América, na Connecticut State University, Yale University Summer School of Music e Duke University, e nos Países Baixos, em 1994, no Real Conservatório de Haia, onde foi aluno de Louis Andriessen. Conforme consta na sua biografia oficial, co meçou o seu percurso musical tocando acor deão em grupos tradicionais e, na juventude, tocou bateria num grupo de rock. O seu inte resse pela música tradicional portuguesa fez com que, já nos Estados Unidos, fundasse o grupo Os Romeiros, com o qual se apresen tou em público em numerosas ocasiões. Foi distinguido em 1994 com o Primeiro Prémio do Concurso Internacional de Composição de Washington com o Quarteto que será es cutado neste programa. Dança, outra obra
da sua autoria, foi seleccionada pelo ISCM World Music Days 1995. Tem apresentado re gularmente a sua música em palcos interna cionais, mas também em Portugal. A última peça que estreou foi Tágides, para banda fi
larmónica, no Cistermúsica 2014.
O compositor afirma que a ideia inicial
que motivou a composição de Mata Hari
foi o seu fascínio pessoal com a figura his tórica. Trata se, com efeito, de uma per sonagem fascinante, bailarina exótica com coreografias inventadas a partir das suas memórias de Java, e cortesã, vítima da Primeira Grande Guerra e que teve nu merosos romances, alguns com cavalhei ros conhecidos, entre os quais o compo sitor Giaccomo Puccini. Descrita por um dos seus contemporâneos como “o espé cimen humano feminino mais belo jamais visto”, foi executada em Outubro de 1917 pelo exército francês, acusada de traba lhar como agente dupla para a Alemanha e França. Sem provas tangíveis, foi detida e julgada. Conta se que, quando chegou à prisão e lhe perguntaram se precisava de alguma coisa, disse que um telefone e um banho privados. A resposta sintetiza a per sonagem: inconsciente do drama, mas ad mirada socialite e consciente da sua beleza.
Eugénio Rodrigues retrata a personagem na sua faceta de dançarina. Foi assim que escreveu, nas suas palavras, “uma espécie de dança exótica que Mata Hari poderia ter dançado”.
DMITRI CHOSTAkOVITCH
são petersburgo, 25 de setembro de 1906 moscovo, 9 de agosto de 1975
Quarteto de cordas nº 3, em Fá maior, op.73
Na Rússia soviética, à margem do espaço público dominado pela disciplina partidá ria e pela censura, a música seguiu outras vias. O quarteto de cordas foi um dos gé neros de eleição nos espaços alternativos, configurados em audições privadas onde
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QUARTETO DE CORDAS DE MATOSINHOS
O Quarteto de Cordas de Matosinhos (QCM), actualmente no seu sexto ano de actividade artística, é agora uma das ECHO Rising Stars, e como tal realizará em 2014 2015 uma tournée em algumas das mais importantes salas de concerto europeias, como o Barbican em Londres, o Concertgebouw em Amesterdão e o Mu zikverein em Viena. Aclamado como um “caso singular de excelência no panorama musical português” (Diana Ferreira, Pú blico, 2010), desde o início todos os seus membros trabalharam no sentido de cons truir um som único de quarteto de cordas e trazer o grande repertório desta forma ção ao público.
Criado através de uma iniciativa da Câmara Municipal de Matosinhos, o QCM vem beneficiando de uma residência e tem porada de concertos em Matosinhos desde 2008, e estabeleceu se como um conjunto de referência em Portugal, apresentando se na maioria dos festivais e salas de con certo, como os “Dias da Música” no Centro Cultural de Belém, os Festivais de Espi nho e Póvoa de Varzim, Casa da Música, e também no Auditorio Nacional de Música de Madrid e do Centro Galego de Arte Con temporánea, em Santiago de Composte la. O QCM colabora também com alguns dos mais destacados músicos portugue ses, tais como Pedro Burmester, António Rosado, Miguel Borges Coelho, António Saiote, Paulo Gaio Lima e Pedro Carneiro.
Desde a sua criação, o QCM assumiu um forte compromisso com o repertório por tuguês para quarteto de cordas, interpre tando muitas obras menos conhecidas e abraçando novas obras de compositores
contemporâneos. Nos seus mais de 100 concertos, estreou obras de Carlos Azeve do, Carlos Guedes, Fernando Lapa, Vasco Mendonça, Miguel Azguime, Eurico Car rapatoso, António Chagas Rosa, Álvaro Sa lazar, Nuno Côrte Real, Eduardo Patriar ca, Paulo Ferreira Lopes, Telmo Marques, Sérgio Azevedo e António Pinho Vargas (incluindo o seu Tríptico para quarteto de
cordas e orquestra). O outro principal ob jectivo artístico do QCM vem sendo cum prido com a interpretação em Matosi nhos do grande repertório para quarteto de cordas: as obras completas de Mozart e Mendelssohn foram já apresentadas, es tando em curso as integrais de Haydn, Bee thoven e Chostakovitch.
O QCM e os seus membros foram re conhecidos com prémios nos mais im portantes concursos musicais nacionais, como o Prémio Jovens Músicos da RDP e o Concurso Internacional de Música de Câmara “Cidade de Alcobaça”. Todos os membros estudaram na Academia Nacio nal Superior de Orquestra e aperfeiçoaram a sua arte em várias escolas de prestígio, incluindo a Escuela Superior de Música Reina Sofia (Madrid), a Northwestern Uni versity (Chicago) e Conservatório de Sion (Suíça). O QCM também realizou forma ção especializada no Instituto Interna cional de Música de Cámara de Madrid, onde estudou com Rainer Schmidt (violi nista do Quarteto Hagen), além de traba lhar em masterclasses com membros de grandes quartetos de cordas, como Alban Berg, Lasalle, Emerson, Melos, Vermeer, Kopelman e Talich.