Particípios resultativos
Inês Duarte
Fátima Oliveira
iduarte@fl.ul.pt foliveir@netcabo.pt
O problema
A distinção clássica entre particípios eventivos (cf. passivas verbais) e
adjectivais (cf. passivas adjectivais) é suficientemente fina para captar as propriedades dos particípios nestas e em outras construções?
Avaliação de uma tipologia tripartida dos particípios em construções
passivas, copulativas e resultativas com predicados complexos (cf. Embick 2004, Alexiadou & Anagnostopoulou 2008) numa língua com:
Particípios duplos;
Roteiro
Tipologia de particípios (Embick, 2004)
Particípios em –menos e em –tos (Alexiadou &
Agnastopoupoulou, 2008)
Particípios em português
Contra-argumentos à tipologia clássica
(Embick, 2004)
Tipologia de particípios de Embick (2004): eventivos, resultativos,
estativos:
(1)a. The door was opened by John. b. The door was opened.
c. The door was open.
NB: passivas eventivas = passivas verbais da tipologia dicotómica clássica;
resultativas e estativas = passivas adjectivais (cf. Borer 1984, Levin & Rappaport, 1986).
Os particípios das passivas adjectivais são de
dois tipos: resultativos e estativos
Particípios resultativos distinguem-se dos estativos pelo seu
comportamento em três tipos de contextos.
i. Particípios resultativos admitem advérbios orientados para o sujeito, particípios estativos não (cf. Kratzer 1994):
(2) a. The package remained carefully opened. b. *The package remained carefully open.
(Interpretação relevante: foi cuidadoso p)
ii. Particípios resultativos não podem ocorrer como predicados secundários de verbos factitivos, enquanto os estativos podem:
(3) a. This door was built open. b. *This door was built opened.
Os particípios das passivas adjectivais são de
dois tipos: resultativos e estativos
iii. Particípios resultativos não podem ocorrer em construções de predicados complexos resultativos, enquanto os estativos podem (cf. Green 1972, Carrier & Randall 1992):
(4) a. John kicked the door open/*opened. b. Mary pounded the apple flat/*flattened. c. Bill drank the glass empty/*emptied. d. The heat turned the meat rotten/*rotted.
iv. Particípios resultativos admitem livremente a prefixação com un-, contrariamente aos estativos:
(5) *un-rott-en, unrott-ed *un-bless-e`d, un-bless-ed *un-shrunk-en, un-shrunk
Contra-argumentos à tipologia clássica
(Alexiadou & Anagnostopoulou 2008)
Alexiadou & Anagnostopoulou (2008) mostram que, em Grego, os particípios em –menos podem ser eventivos e resultativos, enquanto os particípios em –tos são estativos.
Utilizando, para os particípios que denotam estados que resultam de eventos anteriores, a distinção entre particípios target sate e resultant state (cf. Parsons 1990, Kratzer 2000) caracterizam do seguinte modo os particípios em –menos e em –tos:
Particípios em –menos eventivos: são particípios resultant state, agentivos
Particípios em -menos resultativos: são particípios target state, não agentivos
Particípios em –tos: são estativos (não implicando qualquer evento anterior) e não agentivos
Propriedades diagnósticas dos particípios
eventivos, resultativos e estativos
Propriedades diagnósticas
Particípios eventivos em –menos: by-phrases, controlo do sujeito nulo de
orações finais, PPs instrumentais, Advs orientados para o sujeito; *complementos de Vs de mudança de estado; *prefixo de negação a-;
Particípios resultativos em –menos: * by-phrases, *controlo do sujeito
nulo de orações finais, * PPs instrumentais, * Advs orientados para o sujeito; *complementos de Vs de mudança de estado; *prefixo de negação a-;
Particípios em –tos: * by-phrases, *controlo do sujeito nulo de orações
finais, *PPs instrumentais, *Advs orientados para o sujeito; complementos de Vs de mudança de estado; prefixo de negação a-.
Particípios em português
Particípios eventivos (6a), resultativos (6b) e estativos (6c):
(6) a. O exemplo foi corrigido por um falante nativo.
b. O exemplo ficou/está corrigido (depois de ter sido revisto) . c. O exemplo está correcto.
Particípios eventivos vs. resultativos
Particípios eventivos distinguem-se dos resultativos pela presença da
componente agentiva
sintagmas-por, controlo do sujeito de orações finais, PPs instrumentais, e advérbios orientados para o agente são OK com eventivos e */? com resultativos (7) vs. */?(8):
(7) a. O exemplo foi corrigido por um falante nativo. b. O exemplo foi corrigido para evitar confusões. c. O exemplo foi corrigido com tinta azul.
d. O exemplo foi corrigido propositadamente (pelo autor). (8) a. */?O exemplo ficou corrigido por um falante nativo.
b. */?O exemplo ficou corrigido para evitar confusões. c. */? O exemplo ficou corrigido com tinta azul.
Particípios eventivos e resultativos
vs.
estativos
Particípios eventivos e resultativos distinguem-se dos estativos pela
presença da componente eventiva
eventivos e resultativos: *complemento de Vs de mudanças de estado, *predicados secundários de construções de predicados complexos resultativos; estativos, OK. *(9) vs. (10):
(9) a. *Construiu-se o bunker ocultado. b. *O pai pôs-se descalçado na relva. (10) a. Construiu-se o bunker oculto.
Particípios eventivos e resultativos
vs.
estativos
Particípios resultativos não admitem a prefixação com in-, enquanto os estativos admitem[1]:
(11)
inato/ * inascido indissoluto/ *indissolvido
incompleto/ * incompletado indistinto/ *indistinguido incorrecto/ * incorrigido ingrato/ *inagradecido
inculto/ * incultivado impoluto/*impoluído
____
[1] O português apresenta neste aspecto um comportamento semelhante ao do grego e inverso ao do inglês: em inglês a prefixação com un- é produtiva com particípios resultativos e esporádica com adjectivos (cf. Embick, 2004).
Particípios em construções com
interpretação resultativa
Tipicamente os particípios em construções com interpretação resultativa
constroem-se a partir de predicações básicas de tipo télico: culminações e processos culminados. Os processos são muito raros e necessitam de contextos especiais (cf. Kratzer 2000, Embick 2004, Cunha & Ferreira 2004):
(12)a. *A Rita ficou amada. (estado)
b. * A Rita está amada.
(13)a. */?O assunto ficou trabalhado / o carro ficou empurrado. (processo) b.*/? O assunto está trabalhado/ o carro está empurrado
(14)a. O espelho ficou partido. (culminação)
b. O espelho está partido.
(15)a. A cidade ficou destruída. (processo culminado)
Particípios em construções copulativas
Estas construções admitem o auxiliar ‘ser’ da passiva (desde que o Vs
sejam transitivos), (16), mas não o copulativo ‘ser’: (16)a. O poste ficou caído.
b. O poste está caído. c. *O poste foi caído.
Os particípios estativos só são compatíveis com o Vcopulativo estar.
Os particípios resultativos são tipicamente compatíveis com ficar, mas
podem em certos contextos admitir estar.
ficar: aspectualmente, marca o fim de um evento e o início de um estado
resultativo;
‘estar’: marca um estado.
Particípios em construções copulativas
O verbo copulativo ser não co-ocorre com formas participiais (16c, 17c):
(17)a. Os testes estão corrigidos. b. Os testes ficaram corrigidos. c. *Os testes são corrigidos.
Com particípios duplos, só co-ocorre com a forma irregular, já
recategorizada como A (18): (18)a. *As soluções são corrigidas.
b. As soluções são correctas.
Com As, a opção por ser ou estar decorre de o A ser um predicado
Particípios em construções copulativas
Nos exemplos (17) estamos perante predicados stage-level, que mantêm
características aspectuais dos verbos a partir dos quais se formam.
Usando o teste com ‘ainda’ ( cf. Kratzer 2000), verifica-se que (17a, b)
denotam resultant states enquanto (19c) denota um target state: (19)a. *Os testes ainda estão corrigidos.
b. #Os testes ainda ficaram corrigidos. (* na interpretação relevante) c. As soluções ainda estão correctas.
Predicados complexos resultativos com
particípios
Predicados resultativos encabeçados por Vs plenos transitivos
NB: (a Direct Object Restriction verifica-se também em português (cf. Levin & Rappaport Hovav, 1995)
Com Vs factitivos:
(20)a. O arquitecto construiu a cisterna oculta. b. A estilista desenhou o modelo esburacado. c. O pintor pintou a paisagem esfumada.
(21)a. A cisterna foi construída oculta pelo arquitecto. b. O modelo foi desenhado esburacado pela estilista. c. A paisagem foi pintada esfumada pelo pintor.
Predicados complexos resultativos com
particípios
Com outros Vs causativos:
(22)a. O cozinheiro grelhou o bife mal passado. b. O milionário vendeu a colecção incompleta. c. Entregaram o espelho partido.
(23)a. O bife foi grelhado mal passado pelo cozinheiro. b. A colecção foi vendida incompleta pelo milionário. c. O espelho foi entregue partido.
Contrariamente ao inglês, não são legítimas construções com Vs
inergativos, quer se trate de construções com fake reflexives (Simpson, 1983)(24a), ou com outro tipo de DPs objecto (24b):
(24)a. Dora shouted herself hoarse. (Levin & Rappaport 1995: 35) b. You may sleep it (= the unborn baby) quiet again. (id: 36)
Predicados complexos resultativos com
particípios
Com Vs inacusativos:
(25)a. O tomateiro cresceu inclinado. b. A vítima caiu estatelada.
c. A rosa murchou ressequida.
(26)a. Foi inclinado que o tomateiro cresceu. b. Foi estatelada que a vítima caiu.
Predicados complexos resultativos com
particípios
Predicados resultativos encabeçados por Vs leves (fazer, pôr, tornar): (27)a. O aluno fez a pintura esborratada.
b. O cozinheiro fez o assado queimado. (28)a. O esforço pôs o João cansado.
b. O calor pôs o asfalto derretido.
(29)a. O sucesso empresarial tornou esse economista apreciado. b. A nova situação tornou a proposta deslocada.
Em todas estas construções, a interpretação do Vpleno ou do predicado complexo formado por Vleve + N é a de meio através do qual a entidade relevante entra no estado denotado pelo predicado secundário (cf. Levin & Rappaport Hovav, 1995; Embick 2004)
Predicados resultativos com particípios em
português
Predicados resultativos encabeçados por ter: (30)a. O João tem os sapatos descalçados/*descalços.
b. O aluno tem os exercícios corrigidos/*correctos.
Esta construção aproxima-se da dos predicados complexos resultativos, já que é o argumento interno directo que entra num estado resultante de um evento prévio (31). Mas distingue-se desta pela ausência da interpretação de meio do verbo flexionado. E aproxima-se da interpretação resultativa atribuída ao Present perfect do inglês (cf. Parsons, 1990) e do alemão (Kratzer 2000).
(31)a. O João tem-nos descalçados. b. O aluno tem-nos corrigidos.
Em síntese
Nas passivas eventivas, a natureza aspectual do particípio é irrelevante:
(32)a. Bagdad foi destruída pelos bombardeamentos americanos. (proc. culm.) b. A janela foi aberta para arejar o quarto. (culm.) c. O carro foi conduzido por um piloto experiente. (proc.)
d. A sobremesa foi apreciada por todos. (estado)
Nas construções copulativas com particípios, a natureza aspectual do
particípio é relevante:
Os particípios resultativos formam-se a partir de bases que são
processos culminados ou culminações;
Os particípios resultativos constroem-se tipicamente com ficar; Os particípios estativos constroem-se com estar.
Nas construções com predicados complexos resultativos, os predicados
secundários participiais são sempre estativos, sendo a leitura resultativa função da combinação do predicado primário com o secundário.
Concluindo: um esboço de análise
Nos particípios ditos duplos, a forma irregular é marcada [+ estativo]; a
regular é marcada [- estativo].
Nos restantes, o traço estativo não está especificado [? estativo]:a
especificação deste traço é função da estrutura sintáctica em que ocorrem.
Os particípios [+ estativo] são inseridos num nó ASP com o mesmo traço
(cf. Embick 2004, A & A 2008).
Os particípios resultativos são inseridos num nó v, seleccionado por um
ASP [- estativo] (cf. Embick 2004, A & A 2008).
Os particípios eventivos são inseridos num nó v, complemento de Voice,
seleccionado por um nó ASP [- estativo] (cf. Embick 2004, A & A 2008).
A distinção entre resultativos target state e resultant state é feita por
Referências
Alexiadou, A. & E. Anagnostopoulou (2008). Structuring Participles. In Chang & Haynie, orgs., Proceedings of the 26th West Coast Conference on Formal Linguistics: 33-41. Somerville, MA: Cascadilla Proceedings Project.
Butt, M. (2003). The Light Verb Jungle. Harvard Working Papers in Linguistics, Vol 9: 1-49.
Carrier, J., & J. Randall (1992). The Argument Structure and Syntactic Structure of Resultatives. Linguistic Inquiry, 23: 173–234.
Cunha, L. F. & I. Ferreira (2004). Tipologia de adjectivos e construções predicativas com ser e estar em português Europeu. In Freitas & a Mendes, orgs., Actas do XIX Encontro Nacional da Associação Portuguesa de Linguística: 421-432. Lisboa, APL.
Duarte. I, M. Miguel & A. Gonçalves (2009). Light Verbs as Predicates. Comunicação apresentada ao TABU Dag, Universidade de Groningen.
Embick, D. (2004). On the Structure of Resultative Predicates in English. Linguistic Inquiry, 35(3): 355-92. Green, G. (1972) . Some Observations on the Syntax and Semantics of Instrumental Verbs. In Papers from the
Eighth Regional Meeting of the Chicago Linguistic Society: 83–97. Chicago: University of Chicago, Chicago Linguistic Society.
Referências
Harley, H. (2009). The Morphology of Nominalizations and the Syntax of vP*. In Giannakidou & Rathert, orgs., Quantification, Definiteness, and Nominalization. Oxford: Oxford University Press.
Kratzer, A. (2000). Building Statives. In Conathan et al., orgs., Proceedings of the 26th Annual Meeting of the Berkeley Linguistics Society: 385-399. Berkeley.
Levin, B. & T. Rappaport-Hovav (1995). Unaccusativity. At the Syntax-Semantics Interface. Cambridge, Mass: The MIT Press.
Oliveira, F., l. F. Cunha, F. Silva & P. Silvano (2009). Some Remarks on the Aspectual Properties of Complex Predicates with Light Verbs and Deverbal Nouns. Comunicação apresentada ao TABU DAG, Groningen. Parsons, T. (1990). Events in the Semantics of English: A Study in Subatomic Semantics. Cambridge, Mass: The
Particípios resultativos
Inês Duarte
Fátima Oliveira
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