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Educação: Horizontes Possíveis: Desafios Imediatos UENP Centro de Ciências Humanas e da Educação Centro de Letras Comunicação e Artes

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Academic year: 2021

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MARCAS REGIONAIS, GRADUAIS E DESCONTÍNUAS NOS DIÁLOGOS DE CHICO BENTO

Maria Poliana AMARAL Rafaela da Costa BORGES (G-UENP)

Vera Maria Ramos PINTO (Orientadora- UENP)

RESUMO

Chico Bento, personagem de HQs e tiras de Maurício de Souza, é considerado, por muitos, o estereótipo do caipira, daquele que fala “errado”. Como sabemos que a língua, fator social, exerce influência na vida de todos os falantes, podemos dizer que o modo de falar e de escrever das pessoas pode indicar a origem regional e em qual classe social elas estão inseridas. Sendo assim,neste artigo, apresentamos uma análise da fala desse personagem por meio da qual averiguamos os traços graduais, descontínuos e regionais presentes em seus diálogos. O objetivo dessa pesquisa é mostrar que o modo de falar do Chico é, também, utilizado por outros falantes, desde a camada mais pobre e analfabeta até a camada mais escolarizada.

Palavras-chave: Chico Bento. Linguagem falada; Traços graduais. Descontínuos. Regionais.

INTRODUÇÃO

Na visão da Sociolingüística, a língua é considerada heterogênea, como melhor explica Marcos Bagno na obra Nada na Língua é por acaso ( 2007, p.36), “a língua, na concepção dos sociolinguistas, é intrinsecamente heterogênea, múltipla, variável, instável e está sempre em desconstrução e em reconstrução”.

Desse modo, sob esse ponto de vista, o que antes fugia à “norma padrão” e era considerado “erro”, nada mais é do que uma variação da língua. E a variação pode ocorrer em todos os níveis da língua: variação fonético-fonológica; morfológica; sintática; semântica; lexical; estilístico e pragmática.

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E, ainda, as variações são influenciadas por diversos fatores sociais, como a origem geográfica, status socioeconômico, grau de escolarização, idade, sexo, profissão e outros.

Assim, algumas diferenças entre as variedades estigmatizadas- variedade usada por pessoas com pouca ou quase nenhuma escolaridade- e as variedades prestigiadas são muito evidentes e costumam chamar muito a atenção do falante urbano escolarizado.

No entanto, Bagno (2007, p.207) a esse respeito afirma: “essas diferenças, se bem analisadas, revelam ser muito poucas quando comparamos com as semelhanças que existem”.

Com essa afirmação, podemos entender que há muito mais coisa em comum entre a fala do Chico Bento, por exemplo, personagem de Maurício de Souza , tido como o caipira que fala tudo errado- e a fala de qualquer cidadão altamente escolarizado do que podemos imaginar.

Desse modo é comum formas de uso da língua que estão presentes na fala dos brasileiros que se caracterizam pela presença de traços graduais, regionais e descontínuos.

Neste trabalho, temos como intuito apresentar uma análise da fala de Chico Bento, personagem de Maurício de Souza, por meio da qual averiguamos os traços graduais, descontínuos e regionais presentes em seus diálogos, a fim de mostrar que o modo de falar do Chico é, também, utilizado por outros falantes, desde a camada mais pobre e analfabeta até a camada mais escolarizada.

TRAÇOS GRADUAIS, TRAÇOS DESCONTÍNUOS E TRAÇOS REGIONAIS

Os traços graduais são utilizados por todos os falantes, desde a camada mais pobre e analfabeta até a camada mais escolarizada. A única diferença está na freqüência em que esses termos são utilizados. Em geral, eles aparecem nas falas menos monitoradas de falantes de camadas mais privilegiadas, e não sofrem preconceito quando usados, pois estão presentes na fala cotidiana.

Um exemplo de traços graduais está presente quando falamos bêjo (beijo), chero (cheiro), pêxe (peixe), caxa (caixa). São “modos de falar” usados por todos os falantes, e se trata da “redução dos

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ditongos /ey/ a /e/ e /ay/ a /a/ diante de consoantes palatais ou da vibrante simples”. (Bagno, 2007, p.147).

Os traços descontínuos são encontrados na fala das variedades mais estigmatizadas, sem prestígio social; e quando usados causam reações negativas nos falantes de variedades mais prestigiadas, mais estudados, que vêem esses termos como próprios de pessoas sem instrução e estudo, “caipiras”. São traços que sofrem maior discriminação por parte de falantes mais letrados.

Um exemplo de traços descontínuos é quando ouvimos

praca (placa), pranta (planta), tarco (talco), futebor (futebol).

Trata-se do “Rotacismo: troca de L por R em encontros consonantais ou em final de sílaba”. (Bagno, 2007, p.144)

Já os traços regionais são aqueles que surgem de acordo com a origem geográfica de seus falantes. Gaúchos, amazonenses, paraibanos, cariocas, paulistas, embora se compreendam bem, não falam do mesmo modo.

Um exemplo de traço regional é a palavra visse, que em alguns estados nordestinos como Paraíba, Pernambuco e Alagoas, “é comum o uso do pronome pessoal TU em co-ocorrência com VOCÊ. Na expressão do pretérito perfeito, a forma verbal assume a terminação – sse: TU FOSSE, TU VISSE, TU COMPRASSE, TU FIZESSE – no lugar da terminação clássica –ste: TU FOSTE, TU VISTE, TU COMPRASTE, TU FIZESTE” (Bagno, 2007, p. 216)

Trata-se de um caso de assimilação, onde o T acabou se fundindo com o S . E, ainda, na Paraíba e em Pernambuco usa-se o visse como uma forma interrogativa – visse? - é uma conversacional muito freqüente, que em outros estados pode ser encontrada na forma de viu?.

TRAÇOS GRADUAIS, TRAÇOS DESCONTÍNUOS E TRAÇOS REGIONAIS NA FALA DE CHICO BENTO, DE MAURÍCIO DE SOUZA

Na tira acima, encontramos na palavra prantando uma troca, trata-se da troca de /l/ por /r/ em grupos consonânticos, que é encontrada em falares rurais e rurbanos e, às vezes, até em falares urbanos. Mesmo assim, é classificado como um traço descontínuo,

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considerando que fenômenos como esses são muito estigmatizados no meio urbano.

Já a palavra árvre é um metaplasmo ocorrido por supressão no meio da palavra, uma síncope. Neste caso trata-se da supressão da vogal o que viria após a consoante v (árvo re), como esse fenômeno ocorre mais continuamente em falares rurais e rurbanos, também pode ser considerado como um traço descontínuo.

Em di, o que ocorre é que a vogal /e/ final átona, foi realizada como /i/, mas este não é um traço comum apenas em falares rurais, pelo contrário, está presente no cotidiano urbano também, onde é comum encontrarmos vogais médias como /e/ e /o/ reduzidas para /i/ e /u/. Este então é um traço gradual, encontrado na fala da maioria dos falantes.

Fenômeno parecido acontece com a palavra isperança, onde a vogal /e/ foi trocada por /i/, fato comum na fala de todos os falantes e, portanto um traço gradual.

Nesta segunda tira, palavras como fessora (professora),

arguma (alguma), inda (ainda) e pruque (porque) são traços

descontínuos. Nas palavras fessora e inda, ocorreu a queda das primeiras sílabas pro e a , ou seja, um metaplasmo de supressão chamado

aférese. Em arguma o que acontece é a troca do /l/ pós-vocálico por /r/, um fenômeno típico dos falares rurais, avaliado negativamente pelos falantes do pólo urbano. Já em pruque, ocorrem dois fatores, o primeiro é a queda da vogal /o/ pela vogal /u/ e o segundo é a mudança de lugar dos fonemas /p/ e /u/ dentro da mesma sílaba.

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Agora, as palavras sinhora (senhora), mi (me), castigá (castigar), pur (por), qui (que), num (não), di (de) e hoji (hoje) são traços graduais presentes na fala da maioria dos falantes.

Nas palavras sinhora, mi, qui, di e hoji o que acontece é que a vogal /e/ foi realizada como /i/ e, em pur a vogal /o/ foi reduzida para /u/, fenômenos comuns em nossa fala cotidiana.

Em castigá o que ocorre é uma supressão no fim da palavra, neste caso supressão do fonema /r/, este fenômeno também é um metaplasmo, classificado como apócope, isto é bastante comum em nossa fala durante o dia-a-dia não apenas nesta palavra -castigar- mas em praticamente todas as palavras terminadas em /r/ como querê (quere), cantá (cantar), comê (comer)...

Na palavra num acontece que o ão foi substituído por um, traço que pode ser considerado gradual, pois apresenta-se em falas de diversas pessoas, principalmente em situações de menor monitoramento, por exemplo: “Você viu aquilo?”- “Num vi nada não!”.

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O texto acima é uma história em quadrinhos de Chico Bento com outro personagem, Zé Lelé. Nele encontramos palavras como

devorve (devolve), fazê (fazer), mior (melhor), sê (ser), úrtimo

(último), além de outras já analisadas como o di, o qui e o num.

A palavra devorve e a palavra úrtimo são mais um caso de troca do /l/ pós- vocálico por /r/, muito comum nos falares rurais e mior ( traços descontínuos).

Em fazê e sê, ocorre um metaplasmo gerado por supressão no fim da palavra. Nesses dois casos, supressão do fonema /r/, metaplasmo chamado de apócope (traços graduais).

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Nesta outra curta história de Chico Bento e Zé Lelé, encontramos palavras como pescá (pescar), cá (com a), pexe (peixe), tá (está), nhô (senhor), perferem (preferem), assussegado (sossegado),

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povaréu, vô (vou), memo (mesmo), pessoar (pessoal), mintiroso

(mentiroso), além de outras também já analisadas como di, qui, i.

Em pescá e vô o que acontece é um metaplasmo de supressão no fim da palavra, no caso, da consoante /r/ em pescar e da vogal /u/ em vou, chamado de apócope (traços graduais).

Em ca, ocorre a junção de duas palavras em uma única sílaba, com a, se transforma em ca. A palavra tá é resultado de um metaplasmo gerado por supressão na primeira sílaba, neste caso , supressão da sílaba /es/ de está, chamado de aférese. Esses fenômenos tratam-se, também, de traços graduais, pois está presente na fala da maioria dos falantes, principalmente em situações de maior descontração e menos monitoramento. Exemplo: “Fui ao cinema com a Joice” – “Fui no cinema ca Joice”.

Nas palavras pexe e memo, ocorre um metaplasmo também por supressão, mas desta vez no meio da palavra, do fonema /i/ em peixe e do fonema /s/ em mesmo, chamado de síncope.

Em perferem, o que acontece é um metaplasmo gerado por transposição de um fonema para outro lugar da sílaba, neste caso os fonemas /e/ e /r/ se transpõem dentro da sílaba, p erferem – preferem, este tipo de metaplasmo é chamado de metátese.

Em assussegado ocorrem dois fenômenos, primeiro o metaplasmo por adição na primeira sílaba, adição do fonema /a/ e do fonema /s/, chamado de prótese; segundo a queda da vogal /o/ pelo /u/,

assussegado – sossegado. Todos esses fenômenos configuram traços

descontínuos

Pessoar é uma variante da palavra pessoal em que o /l/

pós-vocálico é realizado como /r/, e este é um traço descontínuo mais comum na fala dos falantes de comunidades rurais.

Já em povaréu e nhô, estes são traços regionais, falado em regiões mais afastadas das cidades, povaréu, significa muitas pessoas e nhô seria uma forma reduzida de senhor.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este artigo voltou-se para a variedade lingüística rural, com intuito, principalmente, de esclarecer certos preconceitos que

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estigmatizam este tipo de variação, mostrando que muitos traços que aparecem na fala de comunidades rurais também são usados por falantes de regiões urbanas em seu dia-a-dia em situações diversas de menor monitoramento do uso da fala.

Sendo assim, apresentamos as diferenças e colocamos exemplos de traços descontínuos (mais encontrados nesse tipo de variação), traços graduais (presente na fala da maioria dos falantes cultos ou com menos escolaridade) e traços regionais (que se modificam segundo a região do falante). Tudo isso fazendo uso das histórias e situações vividas pelo personagem de Maurício de Souza, Chico Bento.

REFERÊNCIAS

BAGNO, Marcos. Nada na língua é por acaso: por uma pedagogia da variação lingu ística. São Paulo:Parábola,2007.

BORTONI -RI CARDO, Stella Maris. Educação em língua materna : a sociolingü ística na sala de aula. São Paulo: Parábola Editoria l, 2004.

I LARI ,R. E BASSO,R.O português da gente:a língua que estudamos a língua que falamos.Sao Paulo:Contexto,2006 .p.147.

MONTEIRO, José Lemos. Para compreender Labov. Petrópolis, RJ: Editora Vozes,2002.

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