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Análise documentada das dinâmicas. socioculturais relativas aos processos. adaptativos decorrentes das mudanças. climáticas na Bacia do Rio Purus

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Academic year: 2021

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RELATÓRIO II -

PROJETO DA BACIA DO RIO PURUS

Análise documentada das dinâmicas

socioculturais relativas aos processos

adaptativos decorrentes das mudanças

climáticas na Bacia do Rio Purus

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Este produto trata das questões socioculturais relativas aos processos adaptativos decorrentes das mudanças climáticas na Bacia do Rio Purus. Usa, para tanto, os dados secundários recolhidos da base de dados do IBGE, articulados com as observações de campo que permitem relativizar tais dados evidenciando o perfil de risco frente às mudanças climáticas e/ou eventos climáticos extremos. A seção encontra-se dividida em três partes que expressam as principais atividades humanas de reprodução socioeconômicas, a saber: agricultura, pecuária e extração. Tais atividades serão correlacionadas ao desmatamento dos últimos doze anos para a área de estudo.

Para este relatório, a calha do rio Purus é analisada usando a seguinte divisão: a) médio a baixo Purus, que inclui os municípios de Lábrea, Canutama, Tapauá e Beruri, todos no estado do Amazonas; b) médio a alto Purus que inclui os municípios de Pauini e Boca do Acre, no estado do Amazonas, e Manuel Urbano, Sena Madureira e Santa Rosa do Purus, no estado do Acre.

1. Considerações gerais sobre a várzea do rio Purus.

Enquanto área de várzea, o rio Purus demandou das populações humanas estratégias de acesso e uso de seus recursos naturais marcadas por processos de adaptação, forjados em décadas de ocupação (MORAN, 1990). Esta definição e compreensão da várzea merece maior detalhamento. Nesse sentido, Moran (1990, p. 219) afirma que “qualquer discussão relativa à adaptação humana na Amazônia deve considerar pelo menos três tipos de várzea: várzeas altas, várzeas médias e as várzeas do estuário do Amazonas”. A figura a seguir permite situar o rio Purus nessa classificação.

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Figura I: Tipos de várzeas amazônicas.

Fonte: Moran, 1990, p. 221.

Na classificação apresentada por Moran (1990), as várzeas do Alto Amazonas apresentam, em decorrência de seu padrão dendrítico e sua formação meândrica, maior variabilidade biótica, além de criar uma infinidade de microambientes decorrentes dos diversos meandros que perfazem o curso do rio (1990, p. 220). Essa variedade possibilita diversas formas de ocupação e exploração do ambiente pelas populações humanas que habitam a região. As imagens a seguir permitem visualizar alguns ambientes que permitem diferentes formas de ocupação e uso do mesmo.

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Fonte: adaptado de Moran, 1990, p. 249.

Diante desse cenário diverso, o calendário anual das atividades produtivas dessas populações encontra-se diretamente relacionado ao ambiente ao redor e, portanto, ao ciclo das águas. As atividades de subsistência refletem a dinâmica do rio, já que as escolhas para o período das atividades de plantio, extração e pesca estão relacionadas aos movimentos de enchente (outubro a fevereiro), cheia (março a maio), vazante (junho a julho), e seca (agosto a setembro). A população do rio Purus não permite uma classificação exclusiva quanto à suas práticas socioeconômicas e de relação com os recursos naturais. Atividades ligadas à pesca, agricultura e extrativismo ordenam o cotidiano dessas populações. O quadro a seguir expressa, ainda que de forma sintetizada, essa dinâmica.

Quadro 1: Atividades de subsistência e dinâmica do rio Purus.

Atividade Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez

Extração

Agricultura

Pesca

Fonte: RAVENA-CAÑETE et al, 2008.

Como visto na literatura e observado em campo, a pesca se apresenta como atividade prioritária e presente o ano todo, mostrando caráter prioritariamente comercial no período da vazante e da seca, quando os lagos encontram-se mais piscosos. Nesse período os homens se ausentam de casa com freqüência, e normalmente cada viagem aos lagos dura em média de 10 a 15 dias. No restante do ano a pesca acontece em caráter de subsistência sem a ausência masculina do cotidiano doméstico.

Por outro lado a agricultura se expressa em caráter de subsistência, já que as dificuldades com transporte e mesmo com a qualidade da produção impedem uma

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relação mais próxima com o mercado. Esta se dá de forma mais expressiva através das atividades extrativistas, especialmente a coleta da castanha e do óleo de andiroba, mas principalmente pela pesca.

De toda forma o fazer agrícola entre os moradores do rio Purus se encontra intimamente ligado às especificidades da várzea. Três tipos de agricultura podem ser observadas: a de praia, de várzea e de terra firme, todas com peculiaridades em seu fazer, usando de técnicas específicas que envolvem a dinâmica do rio e das chuvas na região.

A praia aparece como importante escolha para as atividades da roça. Os moradores descrevem esse terreno como macio e de fácil trato. Sem demanda de muitos instrumentos e esforço físico demasiadamente intenso para nele trabalhar. A praia dispensa a broca1 e com ela a condição da força masculina para a realização das atividades da agricultura. Uma mulher pode levar sozinha as atividades da roça em um terreno de praia. Essa é, sem dúvida, uma condição importante para uma população na qual a pesca, atividade que permite relacionar-se com o mercado, depende exclusivamente dos braços masculinos.

O terreno de várzea se assemelha ao de praia quando se considera a demanda da força masculina para seu trato. Ainda que necessitando da broca no preparo do terreno para o plantio, a vegetação da várzea não apresenta a mesma robustez encontrada na terra firme, o que permite, ainda, uma maior autonomia à mão de obra feminina. Entre a área de várzea mais alta e a área de praia é possível encontrar a área denominada de vazante e é nela que a população encontra a possibilidade de plantar grande variedade de culturas temporárias, dado que essa área permite usar o espaço incorporando o processo de vazante e enchente do rio. Milho, mandioca, macaxeira, melancia, jerimum, são culturas para consumo, ou seja, de subsistência e são plantadas prioritariamente nessa área de vazante. Por outro lado, banana, manga, abacate, limão, mamão, laranja, dentre outras culturas permanentes são plantadas tanto em área de vazante, como em área de várzea, próxima à área de moradia. O conhecimento sobre a dinâmica do rio, que orienta as escolhas e técnicas desenvolvidas para o plantio, vem sofrendo

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A expressão brocar/broca é usada em toda a Amazônia brasileira para definir a primeira etapa de preparação do terreno de terra firme para as atividades da agricultura. Consiste no corte dos galhos da vegetação mais robusta, árvores com mais de 20 anos, de forma a abrir o terreno para ser queimado e para que posteriormente os trocos maiores sejam cortados.

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alterações. A figura a seguir permite visualizar a lógica de plantio e sua articulação com as escolhas das áreas, diante da dinâmica do rio.

Figura III: Uso do espaço a partir da dinâmica do rio e do ciclo das águas.

Fonte: Trabalho de campo, 2013.

As margens do rio são usadas para o plantio, sendo que essa atividade obedece à dinâmica do subir e baixar das águas, provocada pelos períodos de maior ou menor intensidade de chuvas. Assim, no período de junho à julho, quando parte da área denominada localmente de vazante está exposta, nela acontece o plantio da mandioca,

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principal produto para o consumo dessas populações. À medida que as águas seguem baixando, entre agosto e setembro, acontece o plantio nas áreas de praia, já então expostas em decorrência do período da seca. Em área de praia a principal cultura plantada é o feijão. Este se encontra pronto para ser colhido após três meses de germinado, ou seja, entre novembro e dezembro. Mas a mandioca se mostra como a principal cultura de consumo e sobre ela gira o cotidiano agrícola dessas populações. Nesse sentido, a preocupação e observação relativa à dinâmica do rio orientam todas as escolhas dos indivíduos.

Seringais e castanhais apresentam acesso restrito à população tradicional, já que sua propriedade está nas mãos de famílias que historicamente dominam a região. A abundância de terras livres na Amazônia permitiu a formação do uso de terras baseada em uma definição coloquial de propriedade, já que os supostos proprietários dessas áreas normalmente garantem seu domínio através de relações de mando e não por meio de estruturas legais de propriedade.

A pesca é de fato uma atividade prioritária e presente o ano todo, mas mostra um caráter comercial apenas no período da vazante e da seca, quando os lagos encontram-se mais piscosos. Nesse período os homens se ausentam de casa com freqüência, e normalmente cada viagem aos lagos dura em média de 10 a 15 dias. No restante do ano a pesca acontece em caráter de subsistência sem a ausência masculina do cotidiano doméstico.

Por outro lado a agricultura se expressa em caráter de subsistência, já que as dificuldades com transporte e mesmo com a qualidade da produção impedem uma relação mais próxima com o mercado. Esta se dá de forma mais expressiva através das atividades extrativistas, especialmente a coleta da castanha e do óleo de andiroba, mas principalmente pela pesca.

Dessa forma, a população que vive às margens do rio Purus, acessando seus recursos e reproduzindo práticas ancestrais de trato com a natureza, pode ser categorizada como população tradicional. Apresenta baixo acesso ao mercado de consumo, normalmente garantido quase exclusivamente através da relação de patronagem que envolve o comércio de pescado, castanha-do-Brasil e óleo de andiroba.

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O quadro a seguir expressa as atividades dessa população e sua relação direta com a dinâmica do rio.

Quadro 2: Atividades da população tradicional articulada à dinâmica do rio Purus.

Dinâmica do Rio

Enchente Cheia Vazante Seca

Período do Ano Dezembro a início de Fevereiro Fim de Fevereiro a início de Maio Fim de Maio a Julho Agosto a Novembro Atividades Desenvolvidas

Detalhamento das atividades desenvolvidas segundo a dinâmica do rio e respectivo período do ano

Cultivo da Mandioca de várzea Sim - Roça e Colheita Não (totalmente ausente) Sim - Plantação (Julho) Sim - Plantação (Julho) e Roça (quando necessário, em geral mês sim mês não)

Pesca Sim (no

período de defeso, 03/11 a 15/03, somente para consumo)

Sim Sim. Fica mais intensa a partir de junho, pois é quando o rio está praticamente seco, aumentando a piscosidade do mesmo

Sim (no período de defeso, 03/11 a 15/03, somente para consumo)

Extração Sim – de forma intensa

Sim – de forma intensa.

(principalmente a Castanha, sendo seu ápice em março)

Sim (de forma moderada, pois estão trabalhando na roça)

Sim (de forma moderada, pois estão trabalhando na roça)

Fonte: Ravena-Cañete et al, 2010.

Roça, extração e pesca oscilam como atividades em função da dinâmica do rio. Os movimentos de enchente e vazante ditam as possibilidades para o uso dos recursos

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naturais perfilando um cenário diverso que forja as práticas da população que habita as margens do rio Purus. Processos de adaptabilidade desenharam um conhecimento específico sobre o ambiente, que por sua vez forjaram um uso peculiar do mesmo.

Nos últimos anos, eventos climáticos extremos vêm provocando mudanças nas práticas dessas populações, colocando em cheque o conhecimento construído, as formas de adaptação e a capacidade de adaptabilidade desses grupos humanos que habitam a calha do rio Purus. Dentre os eventos as enchentes mais prolongadas e maiores, ou seja, que invadem as margens do rio quase até a área de terra firme, vêm comprometendo as atividades de agricultura. Por outro lado, secas extremas comprometem as atividades da pesca, ao passo que dificultam a entrada nos lagos, isolando os mesmos, dificultando seu acesso. As formas de vida dessas populações, testadas em mais de três séculos de ocupação da Amazônia, está colocada em risco diante das mudanças do clima, ou dos eventos climáticos extremos.

A seguir dados secundários da agricultura, pecuária e extração serão apresentados e confrontados com as observações de campo, de forma a evidenciar a relação existente entre os processos adaptativos e a dinâmica das águas do rio Purus.

É importante ressaltar que a análise a ser estabelecida refere-se a dois eventos climáticos extremos marcantes a partir de 2000, segundo o relato dos moradores: uma seca intensa no ano de 2005 e duas cheias consecutivas nos anos de 2011 e 2012. Os gráficos a seguir evidenciam esse movimento de queda nesses três anos para as atividades da agricultura permanente e temporária, como se segue.

1) Agricultura por município 1.1. Lavoura temporária 1.1.1) Alto a Médio Purus

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1.1.2) Médio e Baixo Purus a)Canutama

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1.2) Lavoura permanente 1.2.1) Alto Médio Purus a) Santa Rosa do Purus

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1.2.2) Baixo Médio Purus a) Canutama

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Como visto nos gráficos sequenciados, há um movimento quase que geral de crescimento na produção para diversos produtos entre 2000 e 2004, sendo que em 2005 uma forte queda marca a sequência da produção. Três culturas merecem destaque, dada sua importância como componente de consumo da população que habita as margens do rio Purus: banana (cultura permanente), mandioca e feijão (culturas temporárias). É importante salientar que a atividades de plantio dessas três culturas, acontecem em áreas de praia, para o feijão, vazante para a mandioca e várzea, para a banana. Ocorre que as duas enchentes sequenciadas entre 2011 e 2012, comprometeram os períodos de plantio e colheita da mandioca, inviabilizando, ainda, a colheita da banana. Esta, sofreu um processo de apodrecimento por passar mais de três meses sob as águas da cheia.

2) Pecuária Amazonas e Acre – Amazonas; Acre; Amazonas + Acre; por município 2006.

As atividades da pecuária crescem na década de 1990, ganhando força a partir de 2006. Certamente esse movimento relaciona-se à troca de atividades agrícolas efetivadas em várias comunidades, diante do impacto ocasionado pela a seca de 2005. Os gráficos a seguir são elucidativos.

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3) Extração Vegetal por município

Para a extração vegetal os movimentos que oscilam relacionam-se à retirada de madeira (em forma de lenha ou tora). Para os demais produtos, como látex, borracha, copaíba, oleaginosas, etc. há uma relativa estabilidade, o que expressa atividades tradicionais em áreas de mata que se ressentem menos em períodos de seca, quando comparadas às áreas destinadas ao plantio. Os gráficos a seguir evidenciam tal cenário. 3.1) Alto e Médio Purus

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Considerações finais

Várias vêm sendo as estratégias de adaptação apresentadas pela população que habita as margens do rio Purus. A agricultura de subsistência, que tem no plantio da mandioca a principal fonte de carbohidrato, vem buscando novas espécies que suportem maiores períodos de chuva. A inserção da pecuária aparece como uma escolha importante, dado que esse produto aparece como uma alternativa para a relação com o mercado maior. No entanto, como em toda a várzea amazônica, a pesca segue como

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principal atividade dessas populações (FURTADO, 1993; MacGrath 2003, 2007). Para esta, dados do IBGE ainda não estão disponíveis.

Referências Bibliográficas

FURTADO, L.G. 1993. Pescadores do rio Amazonas. Um estudo antropológico da

pesca ribeirinha numa área amazônica. CNPq-Museu Goeldi, 1993.

MCGRATH, D.; CASTRO, F. de; Moving toward sustainability in the local

management foodplain lake fisheries in the Brazilian Amazon. Human

Organization.Vol. 62. Nº2, Summer 2003. Pp. 123 – 133.

MCGRATH, D.; ALMEIDA, O. T. de; MERRY, F. D.The influence of community

managements on hosehold economic strategies: Cattle grazing and fishing agreements on the lower Amazon foodplain. International Journal of the Commons.

Vol. I. nº I. October, 2007. P. 67-87.

MORÁN, Emílio. A ecologia humana das populações da Amazônia. Vozes: Petrópolis/Rio de Janeiro, 1990.

RAVENA-CAÑETE, Voyner; RAVENA, N.; SOUZA, Cleide L. de; CANETE, T. M. R. Os Indígenas do Purus e as mudanças populacionais resultantes dos fenômenos de fronteira. In: III Congresso Latinoamericano de Poblacion, 2008, Córdoba - Argentina. La población de América Latina y el Caribe: Retos en torno a la desigualdad y la diversidad, 2008.

RAVENA-CAÑETE, Voyner; RAVENA, N.; SOUZA, Cleide L. de; CANETE, T. M. R. Rios transfronteiriços na Amazônia: recursos naturais e conflito socioambiental no rio Purus. Ciência & Ambiente, v. 5, p. 131-142, 2010.

Referências

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