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A ESCRAVIDÃO NO LIVRO DIDÁTICO DE HISTÓRIA: PROBLEMATIZANDO MOMENTOS DA HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO BRASIELIRA NO SÉCULO XX

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A ESCRAVIDÃO NO LIVRO DIDÁTICO DE HISTÓRIA: PROBLEMATIZANDO MOMENTOS DA HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO BRASIELIRA NO SÉCULO XX

Maria Cristina Dantas Pina/UESB FTC/VIC-BA UNICAMP/HISTEDBR

Introdução

O ensino de história já se constitui há algum tempo em objeto de análise de trabalhos acadêmicos sob várias perspectivas. Aqui ele estará sendo problematizado a partir da produção e uso do livro didático de história, mais especificamente do seu conteúdo referente à escravidão negra em alguns momentos da história da educação brasileira.

O livro didático é um meio de comunicação de massa, material didático de grande importância tanto para professores quanto para alunos à medida que, atualmente, na maioria das escolas, constitui-se como único material ao qual o aluno tem acesso sem ônus e, provavelmente, jamais terá outro em suas mãos, levando-se em conta o baixo nível sócio-econômico da maioria dos alunos. Outra questão a considerar é o caráter de divulgador de concepções e ideologias assumido pelo livro didático, especialmente o de história, já suficientemente discutido por diversos autores (Eco, 1980; Franco, 1982). A intenção do trabalho é identificar a partir da instalação da República como a temática escravidão vem sendo construída no livro didático de história, quais suas implicações sociais e a repercussão dos livros didáticos em seus diversos contextos históricos.

Neste artigo história é entendida como um conhecimento do movimento real de homens e mulheres ao longo do tempo, movimento este contraditório e plural, marcado por disputas de interesses de diversas ordens. Além disso, história não fica aprisionada no passado, ela nos ajuda a compreender quem somos, porque estamos aqui e tudo quanto podemos saber sobre a lógica e as formas de processo social (Thompson, 1981). Por outro lado, como educação entende-se toda prática social que envolve grupos sociais diversos e muitas vezes contraditórios, que vivem experiências diversificadas de aprendizagem sóciocultural, não necessariamente escolar.

A metodologia adotada passa pela análise sistemática do conteúdo do livro didático, identificando texto escrito e iconográfico, leitura de uma bibliografia referente ao contexto

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histórico (obras historiográficas), além das análises sobre as idéias construídas e difundidas em cada período recortado. A intenção é perceber os significados e implicações sócio-econômicas e políticas desses conteúdos para cada época, compreendendo como esse processo se origina e os seus desdobramentos no espaço escolar. Perceber o particular - o conteúdo sobre escravidão no livro didático -, dentro de um contexto mais amplo, isto é, considerando a totalidade histórica em que o objeto está inserido. O trabalho abarca momentos específicos da história da educação, do ensino de história e do livro didático de história entre o período de 1890 a 1990.

Além desta introdução o texto contém mais quatro tópicos: livro didático e ensino; ensino de história, escravidão e livro didático; ensino de história no contexto contemporâneo e conhecimento histórico e escravidão, além de uma breve conclusão. Mesmo de forma introdutória o texto tentou evidenciar que o conteúdo histórico sobre escravidão presente no livro didático de história, mesmo passando por mudanças de forma, estilo e alguns enfoques, mantém em sua grande maioria preso a uma concepção positivista de história, na qual alguns grupos sociais são tratados de forma estática, simplista e desempenham papéis sociais inferiores.

Livro didático e ensino

O livro didático foi e é um instrumento importantíssimo para a efetivação do processo de ensino-aprendizagem. O livro didático chega a ser atualmente, em muitos momentos, mais relevante que o tempo em sala de aula, para o aluno. E suas vantagens para o professor são também bastante significativas, pois o livro didático lhe possibilita organizar suas atividades em etapas, seleciona a abordagem ou o método a ser usado, obedecendo a certos princípios; apresenta o que deve ser ensinado, organizando sistematicamente o conteúdo programático.

O livro didático, portanto, pode garantir ao professor o ensejo de preencher lacunas, de corrigir deficiências, de superar dificuldades de acrescentar informações e de conduzir reflexões acerca dos saberes históricos difundidos pelos autores dos livros didáticos e, por outro lado, pode orientar no planejamento das aulas, como único organizador e transmissor do conteúdo histórico, deixando de ser entendido como material complementar às práticas de professores e alunos (Bittencourt, 1997).

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Numa perspectiva histórica o livro didático de história assume funções diferentes ao longo do processo histórico. Nas primeiras décadas da República ele tinha uma importância nacional, isto é, era uma das falas do projeto nacional liderado pelo governo republicano, produzido por intelectuais ligados às elites dominantes. A partir de 1930, com o início da expansão das escolas passa a chegar numa quantidade maior de pessoas, sendo também utilizado como divulgador das idéias nacionalistas. A partir de 1950 e mais ainda de 1970 sua produção descentraliza-se e outros grupos sociais também participam da sua produção. Além disso, sua repercussão muda de caráter e seus autores não mais têm a importância no cenário político dos anteriores.

É um instrumento importantíssimo para a consolidação e disseminação de uma memória histórica determinada que, por sua vez, marca fortemente a representação de passado de gerações inteiras que passa pela escola. Assim sendo, através da trajetória do livro didático é possível identificar as abordagens/memórias privilegiadas e silenciadas em seus desdobramentos. Logo, o percurso do livro didático de história nos permite analisar diversas questões, entre elas o tratamento dado à experiência escrava brasileira.

A maioria dos livros didáticos de história mantém, ao longo desses anos, uma história da escravidão sustentada na análise econômica (escravo como mão-de-obra), na qual os escravos são meros objetos e mercadorias, apresentando mudanças pontuais e secundárias no texto. Não permitem a construção de uma memória histórica mais complexa, o que certamente provoca desdobramentos na concepção de mundo dos brasileiros ainda hoje. Para sustentar essas afirmações é necessário recorrer a um breve percurso pela trajetória do ensino de história no Brasil, identificando como as temáticas referentes aos grupos étnicos e à escravidão foram sendo incorporadas ao currículo.

Ensino de história, escravidão e livro didático

Um dos marcos fundadores do ensino de História do Brasil foi, sem sombra de dúvida, a criação da Cadeira de História do Brasil no Colégio Pedro II, em meados do século XIX (Mattos, 2000). Desde então se inicia uma trajetória de produção de manuais didáticos de história do Brasil. Aliás, é nesta Instituição de ensino que o currículo de história é chamado ao debate e à reflexão associado aos diversos interesses dos diferenciados contextos da história brasileira.

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Um momento importante e marcante nesse percurso certamente é a criação do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro – IHGB, fundado em 1839 com o objetivo de “colligir, methodizar e guardar documentos, fatos e nomes, para finalmente compor uma história nacional para este vasto país carente de delimitações não só territoriais” (Schwarcz, 1993, p.99). O IHGB foi marcado nas suas primeiras décadas pelo predomínio das elites agrárias regionais cujo interesse era construir e preservar a memória de sua classe associada a da nação. Schwarcz (1993) discute como esse Instituto foi responsável pela construção da história da nação marcada por um saber de cunho oficial e de “exaltação e glória da pátria”, utilizando símbolos, monumentos, medalhas e hinos.

Outra questão também caracterizou a produção do conhecimento histórico pelo IHGB - o debate em torno da questão racial na formação do Brasil. É exemplar desse debate, o concurso promovido pelo Instituto sobre como deve ser escrita a história do Brasil, o qual foi vencedor Von Martius com a monografia sobre a influência e o papel das três raças nessa história. O debate em torno do índio e do negro assumiu versões e caminhos diversos; de um lado era permitido ao índio ser considerado, romanticamente, símbolo nacional e com possibilidades de, paulatinamente, ser incorporado à sociedade. Por outro lado, o negro era visto a partir de uma visão determinista e fatalista quanto a sua impossibilidade de integração à sociedade.

A partir do final do século XIX e início do século XX, esse debate ganha novos argumentos com a influência mais consistente das idéias positivistas. Schwarcz destaca as produções de Euclides da Cunha, Silvio Romero, entre outros, que discutiam o destino da nação brasileira como fatalidade e determinado pela presença de raças inferiores. A esse debate junta idéias de outros intelectuais que defendiam como solução para o futuro brasileiro a mestiçagem, caminho no qual a raça branca, por ser superior, sobressairia. É importante lembrar aqui que esse momento é marcado por conflitos e embates políticos em torno da transição do trabalho escravo para o livre, cujas cidades como Rio de Janeiro e São Paulo tinham sua população composta por grande parcela de negros.

Todo esse debate perpassou também pelo ensino de história. Os intelectuais do IHGB e dos outros Institutos criados posteriormente nas províncias e/ou estados eram os responsáveis, em sua grande maioria, por ministrar aulas de história na maioria dos colégios. Elza Nadai (1993) reconstrói a trajetória desse ensino identificando tanto a influência do IHGB como das produções francesas que construíram uma disciplina escolar marcada pela história da civilização, e da nação, formada pela colaboração das três raças.

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Segundo a autora, o currículo de história das escolas secundárias, no início do período republicano, tinha a preocupação de expressar as idéias da nação e do cidadão embasadas na identidade comum dos seus variados grupos étnicos e classes sociais constitutivos da nacionalidade brasileira (Nadai, 1993, p. 149). Continuando seu argumento, afirma que

veiculou-se, assim, um discurso histórico que enfatizava de um lado a busca do equilíbrio social, e, de outro, a contribuição harmoniosa, sem violência ou conflito, de seus variados e diferentes habitantes (e grupos sociais) para a construção de uma sociedade democrática e sem preconceitos de qualquer tipo. (NADAI, 1993, p.149).

Nesse sentido, é também interessante a análise que Circe Bittencourt (1997) faz sobre a influência, já no início do século XX, dos intelectuais positivistas na demarcação do discurso histórico veiculado pela escola, no qual a presença dos grupos étnicos tinha um lugar pré-determinado: o povo brasileiro era formado basicamente por mestiços que resistiam a se submeter à civilização. Era uma visão nacionalista que se curvava diante das análises de cunho racista dos europeus. (Bittencourt, 1993, p.214).

Prosseguindo na análise, Nadai identifica a partir dos anos 1920 e mais intensificadamente nos anos 1930, uma discussão em torno da disciplina história por parte de intelectuais ligados aos movimentos de renovação da educação, como também ligados às Faculdades recém-criadas. É um momento de forte influência de historiadores europeus, principalmente franceses, que propõem um ensino de história que inclua elementos da investigação histórica, não apenas fatos político-administrativos. Contexto esse rico em produções acadêmicas, inclusive nacional, que analisavam a história de forma diversificada.

Nos anos 50/60 as escolas foram, aos poucos, absorvendo os professores formados nessas faculdades, particularmente as escolas de São Paulo e Rio de Janeiro, embora, segundo Nadai, continuasse o predomínio de um discurso unívoco, generalista, totalizador e europocentrista (Nadai, 1993, p.155). Destaca-se, nessas décadas, um aumento significativo do número de escolas e de matrículas, intensificado nos anos 70, o que provoca uma mudança no perfil do público escolar, quando as camadas mais pobres da sociedade entram na escola, e, concomitante, alterações são realizadas no seu currículo. Nos anos 70, a escola e o ensino de história, particularmente, foram colocados a serviço do regime ditatorial implantado em meados dos anos 60, cujo objetivo era a formação de cidadãos dóceis, obedientes e ordeiros (Nadai, 1993, p.158). Vale lembrar as resistências de professores e intelectuais ligados à educação que se negaram a incorporar vários

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elementos propostos no currículo escolar (Fonseca, 1993), pensando a escola a partir do ponto de vista e/ou interesses das classes menos favorecidas economicamente. É o início de um novo contexto.

O ensino de história no contexto contemporâneo

Apesar da expansão das vagas, a escola e seu ensino no Brasil nunca atendeu, de fato, em quantidade e qualidade aos setores economicamente desfavorecidos da população. No entanto, a luta por tais objetivos sempre esteve presente no seu interior. A partir das décadas de 1950 e 1960, com o crescimento das vagas e das escolas, e, principalmente, dos finais dos anos 1970 e início dos 1980, com o processo de luta pelo fim da ditadura militar, o movimento por uma escola democrática e um ensino que formasse um homem integral e crítico ganhou dimensões inigualáveis (Arroyo, 1990).

A década de 1980 é marcada como um momento importante de rupturas, especificamente relacionadas ao ensino de história, quando profissionais de educação se envolvem na luta pelo fim dos cursos de Estudos Sociais (implantado pela Lei 5.692/71), pelo retorno da História e da Geografia enquanto áreas específicas, pela democratização do espaço escolar, juntamente com o engajamento nos movimentos sociais que queriam o fim da ditadura. Nesse movimento, profissionais de São Paulo e Minas Gerais ligados à educação e aos órgãos governamentais constroem duas propostas curriculares para o ensino de história – rompendo, ou tentando romper, com a história tradicional, linear e evolucionista (Fonseca, 1996). Essas propostas, apesar de não terem sido estranhas às escolas, não provocaram mudanças mais consistentes no ensino de história, salvo as experiências isoladas de professores que buscavam outros significados para seu trabalho cotidiano.

Nesse contexto o livro didático de história também começa a mudar, tentando incorporar elementos das pesquisas históricas realizadas na Universidade. Os títulos passaram a ser sugestivos, indicando “Novas Histórias”, embora seu conteúdo em muito manteve a “velha” narrativa linear, e seu conteúdo pouco problematizado. Quanto à temática escravidão inicia a indicação de documentos, trechos de análises historiográficas recentes, mas enquanto espaço suplementar, quadros recortados no final dos capítulos.

É mais um momento em que a educação, ou melhor, a escola é chamada a dar soluções, ou seja, resolver principalmente os problemas que envolvem as relações humanas, as relações entre grupos e a inserção da população no novo contexto sócio-econômico. Esse

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chamamento parte não só dos órgãos governamentais e econômicos, mas também dos diversos atores da sociedade civil, envolvidos há muito nas lutas pela educação. Nessa discussão os envolvidos no ensino da história e na produção acadêmica precisam se posicionar.

É nesse sentido que se acredita importante refletir sobre a produção do conhecimento histórico que é processado via livros didáticos, suas relações com a produção acadêmica historiográfica e pedagógica. Nessa trajetória é necessário, também, recuperar a discussão sobre o próprio processo de construção do conhecimento histórico no Brasil, seu percurso e mudanças.

Conhecimento histórico e livro didático

O conhecimento histórico, no âmbito mundial, há muito vem passando por mudanças no seu campo teórico e metodológico. A ampliação de objetos e fontes iniciada ainda pelo Marxismo no século XIX, quando propõe o estudo das classes sociais, ganha novos contornos com o movimento conhecido como Escola dos Annales que traz a história para a vida cotidiana, rompendo definitivamente com a historiografia tradicional.

No Brasil essas mudanças aparecem com mais intensidade a partir da década de 70 com a publicação da trilogia organizada por Jacques Le Goff e Pirre Nora (Le Goff, 1979) historiadores da segunda geração dos Annales, – História: Novos Problemas, novos objetos e novas abordagens; como também a influência nos anos 80 dos estudos de Thompson sobre a classe trabalhadora inglesa (Thompson, 1987), discutindo como essa classe se constrói a partir de suas experiências e como a cultura interfere nesse processo através das disputas de valores e projetos. Abre-se um campo de investigação sobre temas até então estudados na perspectiva de grandes sínteses: a escravidão, a colonização, a república são alguns desses temas, a partir de então, investigados sob a perspectiva do cotidiano, de experiências de grupos, de projetos políticos diferenciados, de idéias em embate, de “negociações e conflitos.”

Esse novo cenário da pesquisa histórica no Brasil pode ser observado nas publicações, nas produções de teses e dissertações nos programas de pós-graduação em História, porém, mesmo sem uma investigação sistemática, afirma-se que tais mudanças não têm chegado com a mesma velocidade nas escolas, através dos livros didáticos.

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silenciamentos. Há claramente uma disputa por qual memória se privilegiará. Aqui é interessante lembrar a análise feita por Carlos Vesentini sobre o livro didático de história que, segundo ele, repete a visão una, de maneira simplificada, aprofundando a exclusão de sujeitos que foram negados a fazer parte da história, uma vez que

[...] foram excluídos, não cabem nesse edifício. Seu lugar foi ocupado por outras generalidades, deixaram de apresentar-se enquanto entidades concretas, enquanto sujeitos atuantes, em lutas também específicas. Tornaram-se o índio, o negro, a oligarquia...(Vesentini, s/d, p. 80)

Vesentini ainda destaca a divergência entre a bibliografia acadêmica especializada e o livro didático presente nos anos 70:

Não deixa de ser curiosa certa divergência entre a bibliografia especializada e sua difusão. A primeira, muitas vezes, é múltipla ou tende a sê-lo, divergente, plena de confrontos. Por outro lado, uma luta pode projetar mais de uma percepção, ela tem vencedores, mas também vencidos. E mesmo quando esses não se expressam, eles deixam a possibilidade de outra leitura de seu momento. Onde, então, se situa essa incapacidade de ao menos lembra-los, tão característica de nossas aulas ou do nosso material didático? (Vesentini, s/d, p.79)

No mesmo caminho de Vesentini, Kátia Abud discute como o livro didático de história é responsável pela popularização do saber histórico que chega ao homem comum, destacando o conteúdo veiculado por este, profundamente marcado por estereótipos:

[...] o livro didático tem sido um dos mais utilizados canais de transmissão e, sobretudo, de manutenção dos mitos e estereótipos que povoam a História do Brasil. E, ainda, a ele cabe uma parte importante da função de continuar alimentando a concepção de história do Brasil que vem sendo construída desde o século XIX. (Abud, s/d, p.81)

É importante citar aqui, também, o trabalho desenvolvido por Ana Célia da Silva (1995) sobre as representações do negro no livro didático de Expressão e Comunicação difundidos na década de 80, utilizado nas séries iniciais do ensino fundamental. Ela identifica como essa representação é marcada por estereótipos implicando num reforço de preconceitos amplamente difundidos na sociedade brasileira. Posteriormente, a mesma autora volta a analisar livros didáticos, circulados e utilizados na década de 90, identificando avanços importantes no enfrentamento e negação de preconceitos anteriormente presentes.

Breves conclusões

A partir do exposto, é importante destacar que analisar conteúdos veiculados pelo livro didático de história, particularmente relacionados à escravidão, apesar de não ser um tema novo, permite acrescentar elementos à discussão da relação entre o ensino de história e a construção de identidades étnico-culturais na sociedade passada/presente.

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Nas primeiras décadas da República predominou uma análise historiográfica tradicional, de uma narrativa linear, privilegiando o aspecto político. A escravidão era tratada como um aspecto econômico da formação brasileira, o escravo elemento necessário a esta formação. O livro didático de história, utilizado nas poucas escolas existentes, reproduzia essa análise.

Ao longo dos anos essas análises foram sendo enriquecidas com novas pesquisas e nas duas últimas décadas do século XX, identificamos mudanças significativas na problematização e produção da historiografia acadêmica a respeito da escravidão, no sentido de construir uma visão mais plural e complexa da trajetória da escravidão no Brasil. A produção historiográfica incorporou as inovações metodológicas difundidas a partir da Escola dos Analles, na França, e das discussões produzidas pela Nova Historiografia Inglesa.

Essa historiografia, construída no Brasil a partir dos anos 1980, caracteriza-se por pensar o escravo e a escravidão a partir de vários recortes e abordagens; pensa a experiência escrava brasileira mais diversa e plural e nela destacando o escravo enquanto sujeito da história. Porém, o livro didático de história muito pouco tem desfrutado dessas inovações. A experiência escrava e a diversidade étnico-cultural brasileira não são tratadas na complexidade que lhe é pertinente.

Nesse sentido, as diferenças étnico-culturais e, conseqüentemente, as diferenças sociais e de tratamento vividas ontem/hoje pela população afro-descendente é uma discussão pertinente sob diversos enfoques. Um deles certamente é o educacional e a problematização da escola e do currículo escolar como espaços de difusão de concepções e visão de mundo. A necessidade de enfrentamento e superação desses problemas é hoje bandeira de luta de setores sociais que almejam uma sociedade mais democrática e cidadã. Assim, a escola e o ensino de história assumem um papel fundamental, pois, como nos coloca Marc Ferro, “a imagem que fazemos de outros povos e de nós mesmos, está associada à História que nos ensinaram quando éramos crianças. Ela nos marca para o resto da vida [...]” (Ferro, 1983, p.11). A memória construída e difundida via escola, especificamente via ensino de história e seus materiais didáticos (livro didático particularmente), privilegiam personagens e abordagens, nas quais, na maioria das vezes, grupos sociais, étnicos e culturais específicos são silenciados e relegados a ficar fora da história.

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A pesquisa exposta aqui pretende prosseguir investigando com mais profundidade os livros didáticos de história que assumiram papel de destaque em diversos momentos da história da educação brasileira, como também seus autores, buscando suas implicações sociais, suas intenções/interesses e sua repercussão no tocante a temática escravidão.

Nesta perspectiva um primeiro elemento já identificado, entre outros aspectos, foi o quanto à história da escravidão veiculada pelo livro didático de história foi e ainda está marcada por estereótipos e preconceitos, sustentada por discursos historiográficos com fortes marcas positivistas, produzindo intensas implicações para a visão de mundo construída através das escolas e na sociedade como um todo.

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