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ENCONTROS E DESENCONTROS: UMA ANÁLISE SOBRE OS NEOPENTECOSTAIS DA AVENIDA CRUZ CABUGÁ NO RECIFE SOB UMA PERSPECTIVA SÓCIO-HISTÓRICA

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ENCONTROS E DESENCONTROS: UMA ANÁLISE SOBRE OS

NEOPENTECOSTAIS DA AVENIDA CRUZ CABUGÁ NO RECIFE SOB UMA PERSPECTIVA SÓCIO-HISTÓRICA

Ronaldo Robson Luiz Mestrando pelo PPGCS – UFRN RESUMO

Este trabalho se constitui numa análise das Igrejas Neopentecostais que se encontram instaladas na Avenida Cruz Cabugá na cidade do Recife-PE sob uma perspectiva sócio-histórica. Nosso objetivo é compreender como se deu o apoderamento dessas igrejas de um espaço geográfico que historicamente tem uma vocação comercial e que agora é utilizado também para fins religiosos. Nossa hipótese preliminar é que essas agências de bens simbólicos se utilizam das mesmas estratégias comerciais que as demais "empresas", gerando com isso uma concorrência aberta entre essas igrejas na disputa dos transeuntes que passam no local, onde se constituem consumidores de serviços religiosos em potencial.

Palavras-chave: Neopentecostais; concorrência; mercado.

CONTEXTUALIZAÇÃO DO TEMA

O estudo do campo religioso brasileiro nos apresenta muitos desafios pelo seu caráter fluido, híbrido, sincrético e contínuo. Quanto mais nos debruçamos sobre essa temática, mais nos vemos envolvidos num cenário de movimentos permanentes onde identificar critérios que possa estabelecer relações de normatividade de comportamento, fica a um horizonte cada vez mais distante.

A partir dessa dinâmica e no caso específico brasileiro, podemos perceber que autores como Campos (1999) indica que estamos passando por um processo de reformulação do cenário religioso que tem seu desdobramento de forma rápida e abrupta. Esse desdobramento tem produzido processos sazonais de mutação religiosa que podem ser percebidos durante todo o século XX, como os que ocorreram no caso do pentecostalismo clássico (1910), neopentecostalismo (1970), crescimento das religiões de origem africana (décadas de 1950 e 60), movimento carismático católico (1990), etc. A emergência desse pluralismo religioso fez com que as agências de salvação (Pierruci, 1996) se tornassem mais competitivas, definindo novas estratégias de acordo com a lógica de mercado, com o objetivo de produzirem bens religiosos mais palpáveis e de fácil percepção pelos consumidores religiosos.

Aliado a essas questões, também encontramos no contexto da sociedade brasileira a temática do pluralismo religioso já abordado por vários autores (OLIVEIRA, 1976; MONTEIRO, 1979; RIBEIRO, 1982; PRANDI, 1996; BURITY, 1997). Esse pluralismo se apresenta como conseqüência imediata de um mundo descentralizado, ou “a uma descontinuidade específica, ou conjunto de descontinuidades, associadas ao período moderno” (GIDDENS, 1991, p.10). Essa

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condição de descentralização ou descontinuidade nos remete a uma proposta de reformulação política que por sua vez tem seus desdobramentos no campo religioso, onde valores como individualidade e diversidade assumem posições de destaque:

“O que é certo é que o campo religioso está em franco processo de rearrumação [...]. Isso se espraia por diversos lugares: a emergência de novas formas de subjetividade; a expansão do horizonte pluralista caracterizada pela afirmação das diferenças e de um campo agonístico em que lutam por reconhecimento e/ou capacidade de influência; modulações políticas desta relação agonística; ressonâncias culturais das novas identidades religiosas e suas formas de se relacionar com o corpo e de descrever o mundo vis-à-vis a esfera espiritual” (BURITY, 1997:66)

É a partir desse cenário que estaremos realizando a nossa pesquisa, tomando como campo empírico a Avenida Cruz Cabugá no bairro de Santo Amaro no Recife/PE. Nesta avenida de pouco mais de dois quilômetros de extensão, encontramos um exemplo claro de um campo religioso marcado pelo pluralismo, que é uma das características da realidade brasileira. Nesta encontramos Igrejas Católicas, Protestantes históricas, Pentecostais, Neopentecostais, alem de religiões de matriz afro-brasileira.

O bairro de Santo Amaro nasceu em 1681 quando o Major Luis de Rego Barros resolveu construir, sobre as ruínas do Forte Salinas1, uma capela sob a invocação de Santo Amaro das Salinas, uma vez que aquela fortificação holandesa foi tomada pelos pernambucanos em 15 de Janeiro (dia de Santo Amaro) de 1654 e se localizava próximo as salinas de Rego Barros. (CAVALCANTI, 2010:168). Nesse bairro, em 1814, surgiu o “Bristish Cemetery”, o famoso “Cemitério dos Ingleses”. Ele foi construído num terreno doado pelo governo brasileiro ao cônsul inglês, sendo o mais antigo cemitério do Recife. La foi sepultado em Março de 1869 o General Abreu e Lima, filho do Padre Roma2, mártir da Revolução de 1817. Ao General Abreu e Lima foi negado o sepultamento no cemitério público da cidade devido a sua ligação com a Maçonaria, e como o cemitério era administrado pela Igreja Católica3 até então, o seu corpo não pôde ser enterrado ali. Após esse episódio, o Cemitério dos Ingleses passou a ser o local onde aqueles que não professavam a fé católica eram sepultados. Assim, o

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De acordo com o levantamento do Laboratório de Arqueologia da Universidade Federal de Pernambuco, no contexto da segunda das Invasões holandesas do Brasil (1630-1654), as salinas de Francisco do Rêgo Barros e a sua moradia tornaram-se um importante foco de resistência contra o invasor. Da Casa do Rêgo ou Forte do Rêgo, partiram comandos de emboscadas para conter o invasor nas posições conquistadas em Recife e Olinda e, em particular, impedir as obras neerlandesas no Forte do Brum. Foi atacada e incendiada em torno de 1631.

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Revolucionário e religioso pernambucano, José Ignácio Ribeiro de Abreu e Lima, o Padre Roma, nasceu no Recife em 1768. Entrou para o Convento de Goiana em 1784, ganhando o nome de Frei José de Santa Rosa. Tomou parte na Revolta Pernambucana de 1817. Por suas atividades políticas, foi preso quando viajava pela Bahia em missão revolucionária. Julgado e condenado foi fuzilado a 29 de março de 1817.

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Nesse período os cemitérios eram administrados pela Igreja Católica onde eram permitidos os sepultamentos apenas de católicos que haviam tido o sacramento do batismo. Essa situação mudou no Brasil a partir da Constituição de 1891, baseada nos decretos Nº 510 de 22 de Junho e 914-A de 23 de Outubro de 1890 com emenda aprovada em 15 de Janeiro de 1891.

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Cemitério dos Ingleses recebeu vários personagens religiosos que fizeram parte da história de Pernambuco, sobretudo aqueles que não eram ligados a Igreja Católica. Como exemplo desse fato podemos citar o caso da missionária batista americana Catarina Taylor, esposa do missionário Zacarias Taylor, que foi um dos precursores do trabalho missionário batista no Brasil.

Como metáfora, e justificando o título do nosso trabalho, dizemos que no Cemitério dos Ingleses, situado na Avenida Cruz Cabugá foram enterrados vários personagens religiosos que ajudaram a construir a história do campo religioso pernambucano, onde parafraseamos a parábola do semeador contida nos evangelhos: “Eis que a semente caiu em boa terra”, onde os próprios corpos de religiosos ali enterrados serviram, metaforicamente, de sementes para novas igrejas e manifestações religiosas diversas que viriam surgir nessa avenida posteriormente.

O traçado da Avenida Cruz Cabugá corresponde ao antigo caminho de Olinda ou “Estrada de Luis do Rego Barros”, construído por aquele Capitão-Mor a partir de 1818. Segundo Cavalcanti (2010) a denominação desse importante logradouro é uma justa homenagem ao seu antigo morador, o Republicano de 1817, Antonio Gonçalves da Cruz (Cabugá), que recebeu a missão do Governo Revolucionário de obter junto aos Estados Unidos da América, o reconhecimento oficial ao movimento pernambucano revolucionário. A palavra “Cabugá” foi por ele adotada em seu sobrenome, pois era apelido de seu pai que, no tempo de criança, perguntava aos fregueses do seu avô, negociante de ouro: “Quer buga?”, ou seja, “Quer esbugar?” (limpar o ouro).

Diante desse breve cenário aqui apresentado, partimos do pressuposto que a religião enquanto uma atividade cultural, além de produzir sentido para a vida das pessoas, contribui (ou não) para a manutenção das estruturas sociais, lembrando sempre que no âmbito dos fatos religiosos, costumam coexistir funções manifestas e latentes. Ora a globalização levanta questões religiosas importantes, na proporção que exige uma nova consciência de sentido, a construção de um universo simbólico que forneça explicação e legitimação razoáveis das novas realidades nascentes, assim como os traços culturais que lhe correspondem. Sendo assim, nossa questão reside justamente em compreender de que maneira os líderes religiosos neopentecostais tem trabalhado numa relação de concorrência entre si a partir de um campo religioso marcado pelo pluralismo, e como essa ação tem contribuído para a expansão dessas igrejas.

Dito isto, nossa pesquisa tem como objetivo geral compreender de que forma o campo religioso da Avenida Cruz Cabugá tem representado, a partir das estratégias de concorrência entre as Igrejas Neopentescostais instaladas nessa avenida, uma demonstração do pluralismo religioso marcadamente presente no cenário brasileiro. Com vistas a alcançar o objetivo aqui proposto estaremos especificamente levantando informações sobre o surgimento dessas igrejas e o estabelecimento destas nessa avenida; identificaremos também as estratégias utilizadas por essas agências para propagação dos seus cultos e atividades como forma de “captação” de novos clientes/fiéis; verificaremos como os transeuntes dessa avenida percebem as ações de divulgação/propaganda dessas igrejas.

Temos como hipótese preliminar que a situação de pluralismo religioso vivenciado na realidade brasileira tem influenciado nas práticas das Igrejas no que diz respeito a um comportamento de concorrência. Partimos da premissa que essas relações de concorrência têm sido geradas de forma especial pelo cenário de globalização em que essas igrejas estão inseridas e pela utilização em massa dos recursos midiáticos por

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essas igrejas. O nosso recorte entre as várias igrejas situadas na Avenida Cruz Cabugá são os neopentecostais, de uma forma específica a Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), a Igreja Internacional da Graça de Deus (IIGD) e a Igreja Mundial do Poder de Deus (IMPD). A justificativa desse recorte se deu por dois motivos: primariamente por essas três igrejas ocuparem três quarteirões vizinhos, estando do mesmo lado da avenida, dessa forma estando juntas uma das outras. Assim “disputam” a atenção dos transeuntes que passam diariamente por essa avenida, pois como sendo um local que historicamente possui uma vocação comercial marcante, muitas pessoas passam por ela todos os dias; outro critério é o fato de que a Igreja Internacional da Graça de Deus e a Igreja Mundial do Poder de Deus ter sido fruto de cisões que ocorreram com a Igreja Universal do Reino de Deus. Nessa questão, procuraremos investigar quais as estratégias que a IIGD e a IMPD reproduz da sua Igreja “mãe” e o que as diferenciam, partindo do princípio de que elas disputam as mesmas pessoas dentro de um mesmo espaço físico.

2 - ENQUADRAMENTO TEÓRICO E PROBLEMATIZAÇÃO

No período de transição do século XIX para o século XX encontramos um alerta feito por Weber de que o mundo se tornara “desencantado”, pois segundo ele, a ciência e outras formas de racionalismos estavam assumindo o lugar da autoridade religiosa. A partir dessas observações, foram cunhados elementos que posteriormente ajudariam a formulação do que ficou conhecido como a tese da secularização, que apontavam para um enfraquecimento das instituições religiosas (TSCHANNEN apud BRYM, 2006, p. 401). A tese da secularização trouxe alguns desdobramentos, como por exemplo, a compreensão de desencantamento do mundo onde, para Weber a secularização e o desencantamento do mundo estão intrinsecamente ligados, como afirma:

“Intelectualização e racionalização crescentes, portanto, não significam um crescente conhecimento geral das condições de vida sob as quais alguém se encontra. Significam, ao contrário, uma outra coisa: o saber ou a crença de que basta alguém querer para poder provar, a qualquer hora, que em princípio não há forças misteriosas e incalculáveis interferindo; que, em vez disso, uma pessoa pode – em princípio – dominar pelo cálculo todas as coisas. Isto significa: o desencantamento do mundo. Ninguém mais precisa lançar mão de meios mágicos para coagir os espíritos ou suplicar-lhes, feito o selvagem, para que tais forças existam. Ao contrário, meios técnicos e cálculo se encarregam disso. Isto, antes de mais nada, significa a intelectualização propriamente dita”. (WEBER, 1972:30)

Dessa forma, o desencantamento do mundo se constitui numa herança da modernidade que tem na autonomia do sujeito o abandono da possibilidade de que a religião possui a “última palavra” nas decisões ou no rumo da vida dos sujeitos. Como argumentou Touraine (1998:18) em sua crítica à modernidade: A idéia de modernidade substitui Deus no centro da sociedade pela ciência, deixando as crenças religiosas para a vida privada. (...) ela fez da racionalização o único princípio de organização, isto é, de desvinculamento de toda a definição dos fins últimos.

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Nesse sentido, Campos (1997:34) vai afirmar que o paradigma da secularização continua trazendo influências sobre o papel das representações sociais em nossos dias, de forma especial nos debates sobre os processos culturais de pluralismo, as transformações nos papéis sociais das instituições religiosas, a exacerbação da competição entre agências produtoras de sentido, a possibilidade de se eleger estilos religiosos com base nos resultados observados, constituindo-se, a partir dessa seleção, uma assimilação subjetiva e individualizante do sagrado4. Portanto é condição necessária para compreensão do cenário religioso brasileiro em nossos dias, perceber o indivíduo racional da modernidade expressando sua possibilidade de individualização nas suas relações com o sagrado. Desse modo as experiências religiosas não são mais dependentes da formulação de práticas religiosas de uma determinada instituição, mas por meio daquilo que fornece sentido e eficácia simbólica para as pessoas, para indivíduos em suas subjetividades. Assim:

“O fato é que presenciamos na modernidade a instauração de relações entre o indivíduo e o cosmos sagrado de essência autônoma e subjetiva, que recebe reforços a partir da atenuação da tradição religiosa que, paulatinamente, perde seu poder de influenciar a vida social como um todo. Agora, nos deparamos com um indivíduo transformado em "consumidor religioso" que pode optar livremente, como qualquer outro tipo de consumidor, por um ou mais produtos expostos à “compra” no mercado da fé, já que é mais do que patente que a religião está inserida na extensão privada” (PATRIOTA, 2008:82)

De forma evidente então, percebemos que no momento em que apontava para um esfacelamento da religião, ela ressurge numa multiplicidade de formas e expressões, mantendo uma postura de diálogo à medida que se rearticula com a modernidade, sendo assim fica claro que a racionalização secularizante trouxe uma espécie de renovação do sagrado na esfera privada, proporcionando uma pluralidade de crenças e uma rearrumação do cenário religioso:

“Justamente por não ser religiosa, (a sociedade moderna) torna-se capaz de abrigar todas as religiões, sejam elas institucionais, como o catolicismo, o protestantismo, o budismo, o islamismo, sejam sistemas de crenças sem uma referência institucional definida ou visível (...) A pluralidade e fragmentação religiosa, portanto, são frutos da própria dinâmica moderna. A secularização multiplica os universos religiosos, de forma que a sua diversidade pode ser vista como interna e estrutural ao processo da modernidade. A secularização e a diversidade religiosa estão associadas diretamente a um mesmo processo histórico que possibilitou que as sociedades existissem e funcionassem sem precisar estar fundadas sobre um único princípio religioso organizador”. (STEIL, 2001:166).

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PATRIOTA, Karla Regina Macena Pereira. O SHOW DA FÉ: a religião na sociedade do espetáculo Um estudo sobre a Igreja Internacional da Graça de Deus e o entretenimento religioso brasileiro na esfera midiática. UFPE, Recife, 2008.

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Essas reformulações e/ou rearrumações do cenário religioso tem proporcionado uma situação de efervescência religiosa, que por sua vez está pautada na liberação de mercado e na situação pluralista. Para Peter Berger (2004), essas duas realidades estão intimamente interligadas:

A situação pluralista é, acima de tudo, uma situação de mercado. Nela, as instituições religiosas tornam-se agências de mercado e as tradições religiosas tornam-se bens de consumo. E, de qualquer forma, grande parte da atividade religiosa nessa situação vem a ser dominada pela lógica da economia de mercado (BERGER, 2004:149).

Esse contexto tornou o mercado mais competitivo entre as organizações religiosas, exigindo dessas instituições ações mais criativas na mobilização de seus fiéis, com o intuito de mantê-los, e na conquista de novos adeptos através de várias estratégias mercadológicas:

(...) o pluralismo religioso tende a acirrar a competição religiosa, uma vez que, para conquistar prosélitos, recursos, poder e reconhecimento social, isto é, para defender seus interesses institucionais em face da concorrência, cada grupo religioso se vê crescentemente compelido a mobilizar seus agentes leigos e eclesiásticos, a exigir deles maior fidelidade, empenho, dedicação, eficiência, dinamismo e militância, a empregar métodos e estratégias do evangelismo mais atraentes e eficazes (MARIANO apud PATRIOTA, 2008:91)

Dentro desse novo cenário religioso percebemos que a lógica de mercado predomina entre as empresas/igrejas, onde a venda de bens simbólicos e a especialização dos “profissionais religiosos” determinam novos horizontes para as essas empresas/igrejas, sobretudo as conhecidas neopentecostais. Segundo Bourdieu (1999) existe na sociedade contemporânea uma situação de concorrência no campo de manipulação simbólica do espaço privado da vida das pessoas por diversos agentes: clérigos, membros de seitas, psicanalistas, psicólogos e outros. Nesse sentido Bourdieu (1999) afirma que existe entre os especialistas religiosos das várias religiões uma disputa acirrada pelo monopólio dos bens simbólicos. Ainda para Bourdieu (1990), os sistemas simbólicos exercem um poder estruturante e se constituem numa forma de construção da realidade e de integração social:

“O poder de constituir ou de transformar a visão do mundo, deste modo, a ação sobre o mundo, poder quase mágico que permite obter o equivalente daquilo que é obtido pela força (física ou econômica), graças ao efeito específico de mobilização, só se exerce se for reconhecido, quer dizer ignorado como arbitrário. Isto significa que o poder simbólico não reside nos sistemas simbólicos em forma de uma “illocutionary force”, mas que se define numa relação determinada, e por meio desta, entre os que exercem o poder e os que lhe estão sujeitos, quer dizer, isto é, na própria estrutura do campo em que se produz a crença. ”(BOURDIEU, 1987:14)

Dentro dessa competição para se conseguir consumidores/fiéis, a religião tem agora que usar da lógica de mercado, pois o pluralismo é uma situação de mercado.

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As tradições religiosas podem ou não ser assumidas como modalidades de consumo. Além disso, as tradições religiosas têm que disputar a "definição da realidade com rivais socialmente poderosos e legalmente tolerados (BERGER, 2004). Na situação de pluralismo as tradições religiosas são agências de mercado, elas sofrem uma pressão por resultados que provoca a racionalização das estruturas criando assim as suas burocracias. A burocracia se expande para as relações sociais internas (administração) e as relações sociais externas (instituições religiosas com instituições sociais), ou seja, todas as relações sociais são burocratizadas para minimizar gastos (tempo, dinheiro) e maximizar os resultados (SANTANA, 2005).

Hoje, segundo Berger (1993), vivemos em uma era de fácil credulidade, em que houve um aumento da oferta de produtos religiosos e uma espécie de revanche do sagrado no interior de uma cultura que já se julgava definitivamente profana (CAMPOS, 1999). Esse crescimento neopentecostal foi compreendido sob o prisma dos ajustes e desajustes de uma sociedade em processo de rápidas transformações sociais. Dessa forma, a religiosidade praticada nesses meios se apresenta como um instrumento alienante que através de um aparelho ideológico próprio dessas empresas/igrejas levam seus consumidores/fiéis a preferirem a sociedade de consumo e as tentações do mercado de bens simbólicos, optando pela religiosidade mágica, utilitária e sincretista e que em alguns momentos servem como dispositivos para promover a ascensão social, dentro de um crescente quadro de estagnação econômica.

Diante de um mercado cada vez mais aberto e ávido por novos consumidores, o atual cenário religioso brasileiro é um ambiente propício para novas iniciativas empreendedoras por parte de empresas/igrejas que desejem investir nesse nicho de mercado que tem na venda dos bens simbólicos o seu principal ramo de atuação. Esses novos empreendimentos podem reformular o “mix de produtos” que são oferecidos atualmente, promovendo com isso novas possibilidades de reformulações do mercado religioso brasileiro como o ocorrido à semelhança dos anos de 1970 com o advento do neopentecostalismo. Em última análise, no mundo religioso segmentado em que o cenário brasileiro faz parte, encontramos a transformação da crença em mercadoria que por sua vez está pronta para ser usa pelos consumidores/fiéis. Esse consumidor se alimenta não só da mensagem religiosa em si, mas de um conjunto de produtos/bens simbólicos que são oferecidos. Dessa forma, os dois mercados, o religioso e o econômico, mantêm uma estreita relação, onde o primeiro articula o segundo, para que a partir da escolha religiosa do fiel, possam ser oferecidos serviços religiosos. Por sua vez essa relação é bastante evidente entre os neopentecostais como afirmam Pierucci e Prandi: “O neopentecostalismo adapta-se bem a atual sociedade moderna onde ‘tudo se vende e tudo se compra’” (PIERUCCI & PRANDI, 1996).

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