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Ref. Consulta Pública nº 1- Direitos Autorais no Ambiente Digital. Portaria nº 1, de 12 de fevereiro de 2016.

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1 Brasília, 30 de março de 2016.

Ao Ministério da Cultura

Diretoria de Direitos Intelectuais (DDI) At. Ilmo. Sr. Marcos Alves Souza

Ref. Consulta Pública nº 1- Direitos Autorais no Ambiente Digital. Portaria nº 1, de 12 de fevereiro de 2016.

Contribuição da ABRANET – Associação Brasileira de Internet

A ABRANET é uma associação de classe, constituída em 1996, com o objetivo de congregar empresas de conexão e aplicações Internet. Possui aproximadamente 300 membros, de micro e pequenos empreendedores a grandes provedores. Além das empresas que atuam no ambiente de Internet, instituições acadêmicas e notáveis de todas as regiões do País participam da associação.

Agradecemos a oportunidade de apresentar nossa contribuição ao debate, na expectativa de trazer a Vossas Senhorias a posição dos empreendedores do mundo digital.

Resumo da Contribuição para Consulta Pública

Esta manifestação refere-se à Consulta Pública de Instrução Normativa que “estabelece previsões específicas para a cobrança de direitos autorais no ambiente

digital por associações de gestão coletiva e pelo ente arrecadador de que trata art. 99 da Lei n° 9.610, de 19 de fevereiro de 1998”1 (“Instrução Normativa” ou “IN”).

Em linhas gerais, com relação à forma, a Abranet entende que a Instrução Normativa merece revisão, uma vez que o texto atual estabelece novos comandos normativos, que exacerbam a interpretação da lei, em discordância, portanto, ao princípio constitucional da reserva legal. Somente a lei é fonte primária, ou seja, só ela pode

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2 inovar a ordem jurídica, criando obrigações de fazer e não fazer. Ao ferir esse princípio, a IN fere também a Constituição Federal.

Com relação ao seu conteúdo, o texto atual da Instrução Normativa inclui forçadamente os serviços de streaming on demand dentro do conceito de “execução

pública” algo que não está em lei, para viabilizar cobrança pelo Escritório Central de

Arrecadação e Distribuição (“ECAD”) de direitos autorais envolvendo serviços de

streaming (art. 6º, § 2º). Esse enquadramento, contudo, gera uma situação de dupla

cobrança dos provedores de streaming, como se verá nas contribuições que seguem.

CONTRIBUIÇÃO PARA CONSULTA PÚBLICA

Essa contribuição se divide em quatro seções:

a) A Instrução Normativa deve ser revista à luz do princípio da legalidade b) Serviço de streaming não deve ser considerado execução pública c) Situação de dupla cobrança

d) Conclusões

a) A Instrução Normativa deve ser revista à luz do princípio da legalidade

O Minc baseia sua competência em dois dispositivos legais. Em primeiro lugar, no artigo 87, parágrafo único, II, da Constituição Federal e, em segundo, no artigo 34 do decreto 8469/2015, decreto este que regula a lei 12853/13 que, por sua vez, alterou o regime de gestão coletiva2.

Há de se ressaltar que a competência de que tratam esses dois dispositivos legais se limita a edição de regulamentos que busquem dar melhor execução às leis que buscam complementar. Não é da esfera de competência do MinC, portanto, inovar a ordem jurídica.

2 Essa Norma, que prevê a competência dos Ministros de Estado para a expedição de instruções

destinadas à execução das leis, decretos e regulamentos, já foi objeto de decisão do Supremo Tribunal Federal, que reconheceu que eventuais instruções normativas devem necessariamente estar subordinadas “aos limites jurídicos definidos na regra legal a cuja implementação elas se destinam, pois o exercício ministerial do poder regulamentar não pode transgredir a lei, seja para exigir o que esta não exigiu, seja para estabelecer distinções onde a própria lei não distinguiu”. STF, Plenário, ADI 1.075-MC, Rel. Min. Celso de Mello, j. em 17.06.1998.

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3 Logo, a atuação regulamentar do MinC, no caso, deveria guardar estrita observância aos limites jurídicos da LDA. Apesar disso, a Instrução Normativa proposta inova ao criar uma interpretação da LDA em desacordo com aquela que vem sendo praticada desde sua edição. O MinC faz distinções e qualificações onde a própria lei não o fez e atua, ainda, “contra legem”, ao interpretar o conceito de execução pública, conforme definido pelo artigo 68 da LDA, ignorando a existência na lei do termo “locais de frequência coletiva”, que qualifica sua definição. Ficando claro, portanto, que o Minc extrapolou sua competência legal, em afronta ao princípio da legalidade e à Constituição.

b) Serviço de streaming não deve ser considerado execução pública

Nesta seção buscaremos demonstrar:

(i) O conceito de execução pública que deriva da lei 9610/98 e tem interpretação bem definida pelo direito brasileiro

(ii) O não enquadramento do streaming no conceito de execução pública; (iii) As diferenças entre streaming e radiodifusão

(iv) A definição de streaming como forma distribuição eletrônica

i) O conceito de execução pública é conceito derivado da lei, com interpretação bem definida sob o direito brasileiro

A execução pública tem definição própria na lei. O parágrafo segundo do artigo 68 prescreve que a sua caracterização depende da “utilização de fonogramas e obras

audiovisuais, em locais de frequência coletiva, por quaisquer processos, inclusive a radiodifusão ou transmissão por qualquer modalidade, e a exibição cinematográfica”.

O parágrafo terceiro do mesmo artigo, por sua vez, indica quais lugares devem ser considerados como de frequência coletiva: teatros, cinemas, salões de baile ou concertos, boates, bares, clubes, etc. Dessas referências é possível extrair elementos comuns que funcionam como norte interpretativo para a delimitação do sentido e alcance da execução pública dado pelo legislador.

Com isso, pode-se dizer que a execução pública decorre da comunicação simultânea entre um emissor e um grupo de muitas pessoas que reiteradamente compareçam no

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4 mesmo local3, por oposição a uma utilização individual e privada (e, no caso do streaming, interativa) da obra4. Ou seja, a execução pública tem tratamento especial na lei, regime esse que não se confunde nem pode ser aplicado às demais modalidades de uso das obras autorais.

Ainda, algumas modalidades de transmissão são expressamente consideradas como execução pública pela lei. É o caso de emissoras de radiodifusão e operadoras de televisão por assinatura. Mesmo nessas hipóteses, encontra-se presente o elemento de simultaneidade: os distintos destinatários, ainda que não reunidos fisicamente no mesmo local, recebem todos, de forma simultânea, o mesmo conteúdo. Coincidem, dessa forma, o ato de execução da obra e as diferentes recepções pelos consumidores. Fora dessas hipóteses, contudo, não é possível a aplicação do regime de execução pública, especificamente por falta de respaldo legal.

ii) O streaming não se enquadra ao conceito legal de execução pública

O serviço de streaming não se enquadra no conceito legal de execução pública pelo fato de que este fornece uma experiência individualizada5 ao usuário, diferente daquela de todos os outros usuários6, sem que haja simultaneidade entre as distintas recepções pelos destinatários, ou seja, entre o ato de execução da obra musical e a recepção pública”7. Assim, ausentes os elementos necessários à sua caracterização como execução pública.

Isso porque o streaming consiste em um mecanismo de disponibilização de dados a partir de um fluxo constante de informações entre computadores (ou terminais), isto é, de um servidor para o usuário, e por iniciativa deste último, através de um provedor de aplicação de internet. O streaming é, portanto, semelhante ao download, com a

3 (TJ-RS, 12ª Câmara Cível, Apelação Cível n. 7003303593, Rel. Umberto Guaspari Sudbrack, j. em 13.10.2011).

4 (NEIVA, Maria Rita Braga de Siqueira. O “direito de colocação à disposição do público” e a exploração dos direitos autorais na internet: antecedentes normativos e primeira jurisprudência. Revista de Direito das Comunicações. Vol. 8/2014. p. 63-88. Jul-Dez/2014).

5 (TJ-RJ, 19ª Vara Cível da Comarca da Capital, Sentença do Processo n. 0176131-07.2009.8.19.0001, Juíza, Renata Gomes Casanova de Oliveira e Castro, j. em 30.11.2015).

6 (TJ-RJ, 19ª Vara Cível da Comarca da Capital, Sentença do Processo n. 0176131-07.2009.8.19.0001, Juíza, Renata Gomes Casanova de Oliveira e Castro, j. em 30.11.2015).

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5 única diferença de que no streaming a cópia do arquivo gerada no computador do usuário é transitória.

Veja-se que o próprio artigo 46, VI, da LDA exclui, de forma expressa, a representação teatral e a execução musical quando realizada no recesso familiar dos casos de ofensa aos direitos autorais. A mesma ideia se aplica à utilização de obras autorais de forma individualizada e personalizada por meio da internet8 – só pode se tratar de execução privada e não de execução pública.

Por fim, cabe ressaltar que tampouco pode ser o streaming caracterizado como execução pública por aproximação do conceito de “comunicação ao público”, artigo 5º, V, da LDA. Em primeiro lugar, porque comunicação pública difere da execução pública em função da qualificação dada pela lei a esta última nos artigos §§ 2º e 3º do artigo 68. E, em segundo lugar, porque “comunicação ao público” não abarca a situação em que a obra é colocada à disposição do público para que este a acesse com características de interatividade, ou seja, segundo a sua própria escolha – elemento indissociável do streaming.

iii) O streaming e a radiodifusão não são espécies de transmissão equivalentes

O streaming on-demand tampouco se equipara à transmissão de conteúdo por radiodifusão. Em primeiro lugar, as estruturas de transmissão de uma e de outra são completamente distintas. Na radiodifusão, essa se dá “ponto a multiponto”, isto é, uma única programação de um único emissor é disseminada, na forma de

broadcasting, a um público receptor indeterminado. Na internet, por sua vez, as obras

são utilizadas em uma estrutura “ponto a ponto”, ou seja, em uma relação individual e privada que se dá entre o provedor de conteúdo9 e um usuário final determinado. Este, como visto, ativamente, solicita do serviço o envio de uma obra autoral específica, um conteúdo inteiramente personalizado, que em nada se aproxima de uma execução pública10.

Também do ponto de vista regulatório, internet e radiodifusão não se confundem. A internet, tal como definida na Norma 04/96 da Anatel11, é tratada como “Serviço de

8 (BITELLI, Marcos Alberto Sant’Anna. Direito de autor e novas mídias. Revista de Direito Privado. Vol. 3/2000. Editora Thomson Reuters. Jul.-Set./2000. pp. 95 a 109).

9 A relação pode ser também “multiponto a multiponto” considerando que internet admite um número virtualmente ilimitado de provedores de conteúdo.

10 (NEIVA, Maria Rita Braga de Siqueira. Op. Cit.).

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6 Valor Adicionado”12, e, em assim sendo, não se submete a um regime jurídico de licenciamento, ao contrário da prestação de serviços de radiodifusão e broadcasting que depende de concessão ou autorização por parte do poder público pelo fato de que depende da utilização de um bem público escasso e finito – o espectro eletromagnético-, que é alocado pelo Estado a um número limitado de prestadores.

iv) Streaming como distribuição eletrônica

O streaming se configura como uma forma de distribuição individualizada por meio eletrônico que se enquadra precisamente na modalidade de exploração prevista no art. 29, VII, da LDA, também conhecida por distribuição eletrônica e distribuição digital

interativa.

Seu conceito harmoniza-se perfeitamente à comunicação de dados via internet, não só pela descrição do meio físico da transmissão (“...mediante cabo, fibra óptica,

satélite, ondas...”), mas, principalmente, pela caracterização da experiência do usuário

com o conteúdo transmitido (“...que permita ao usuário realizar a seleção da obra ou

produção para percebê-la em um tempo e lugar previamente determinados por quem formula a demanda...”).

Também com o conceito de “distribuição” do artigo 5º, IV, da LDA, afina-se o

streaming. Por outro lado, desta definição de distribuição se distingue a de

“comunicação ao público” do artigo 5º, V, da LDA, especialmente pelo aposto final do dispositivo: “que não consista na distribuição de exemplares”. Observe-se que na transmissão de conteúdo pela internet, embora não haja uma distribuição propriamente física de exemplares, existe, sem dúvida, uma distribuição eletrônica, isto é, o exemplar é reproduzido no terminal do usuário (consumidor) através de uma conexão de rede, tal qual é o entendimento de José de Oliveira de Ascenção13.

É certo que a transferência de propriedade ou posse no meio digital não se dá por via propriamente corpórea. Porém, a transmissão de conteúdo via streaming depende da

12 Lei n. 9.472/1997, art. 61.

13 “O preceito destina-se a englobar verdadeiras formas de distribuição, mas que não consistam numa transmissão física de exemplares; não são reproduzidos pelo distribuidor nem estão em poder deste. Estenderia antes o conceito de distribuição à distribuição eletrônica, em que o exemplar é reproduzido no terminal do utente por via eletrônica” (g.n.). Citação contida em GONDELMAN; Silvia Regina Dain e NIGRI, Deborah Fisch. Os direitos autorais musicais dos ringtones e dos truetones: execução pública ou distribuição. Revista de Direito de Informática e Telecomunicações – RDIT. Vol. 01. Editora Fórum. Belo Horizonte, 2006. pp. 151-169.

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7 geração de uma cópia transitória do arquivo no terminal do usuário. Não se trata, portanto, de relação muito distinta da locação, que também transfere a posse transitoriamente e é colocada de forma expressa pela lei como meio de distribuição, lembrando que posse não se limita a coisas corpóreas14.

Outrossim, a autorização para a distribuição de uma obra autoral já inclui a sua exibição em meio eletrônico, ao mesmo tempo em que não se trata de execução pública15. De fato, a maioria dos doutrinadores no tema entendem que o streaming está ligado ao direito de distribuição e, mesmo dentre aqueles que o afastam do conceito clássico de distribuição do art. 5º, IV, há a tendência de compreendê-lo, autonomamente, como uma forma de distribuição que se enquadra na modalidade de exploração do art. 29, VII, da LDA16, afastando-o da execução pública.

Finalmente, o processo legislativo para a votação do projeto de lei que culminou na aprovação da lei brasileira de direitos autorais confirma a incidência do dispositivo: segundo as justificativas invocadas, a inclusão do inciso mencionado ao artigo 29 da lei buscava justamente adaptar a legislação brasileira às transformações geradas pelas novas tecnologias de informação17.

A justificativa desse enquadramento é importante para deixar claro que a discussão que aqui se trava não diz respeito a pagar ou não pagar direitos autorais, mas a quem e por que se deve pagá-los. Ou seja, o fato de não ser execução pública não significa que o titular da obra autoral não será remunerado. A remuneração e a autorização são devidas, mas em razão de outro direito, independente e distinto da execução pública18.

14 (PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. Volume IV. Direitos Reais. 21ª Edição. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2012. pp. 17-18).

15 SILVEIRA, Newton. Os Direitos Autorais e as Novas Tecnologias da Informação conforme a Lei 9.610/98. In: PIMENTA, Eduardo Salles (coord.). Direitos autorais: estudos em homenagem a Otávio Afonso dos Santos. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. pp. 262-274).

16 (NEIVA, Maria Rita Braga de Siqueira. Op Cit.). 17 (NEIVA, Maria Rita Braga de Siqueira. Op. Cit.).

18 Cf. Maria Rita Braga Neiva, representando a empresa Napster, na Audiência Pública promovida pelo STJ, em 14.12.2015, em sede do REsp 1.559.264, de relatoria do ministro Villas Bôas Cueva.

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c) Situação de dupla cobrança

i) A Instrução Normativa do MinC acabará por criar um sistema dupla cobrança

Hoje, para os serviços de streaming on demand existe a necessidade de obtenção das autorizações e o pagamento de royalties em relação aos titulares, conforme regência dos artigos 29, I e 5º, VI (direitos de reprodução) e artigo 29, VII e 5º, IV (direitos de distribuição) da lei de direitos autorais vigente no Brasil.

A Instrução Normativa do MinC, porém, ao pretender invocar a estes serviços o regime legal de execução pública, pretende sujeitar os seus operadores a uma inaceitável situação de bis in idem. Isto é, uma mesma modalidade de utilização dando ensejo a mais de uma cobrança de pagamento. Tal prática, manifestamente injusta, enseja reprimenda judicial19 e acaba por aumentar os custos repassados ao consumidor final em prejuízo aos modelos de negócio de consumo legal de obras no mundo digital e estímulo a práticas de pirataria20, com prejuízo à inovação no mercado de música na internet.

Carlos Mills aponta, ainda, para as perdas que o modelo de dupla cobrança (com execução pública) acarretará aos titulares dos direitos autorais em razão da inclusão de um novo intermediário na relação21. Segundo o pesquisador, no caso da dupla

19 Ver: (STJ, Quarta Turma, Recurso Especial n. 681.847-RJ, Rel. Min. João Otávio de Noronha, j. em 15.10.2009) e (TJ-RJ, 19ª Vara Cível da Comarca da Capital, Sentença do Processo n. 0176131-07.2009.8.19.0001, Juíza, Renata Gomes Casanova de Oliveira e Castro, j. em 30.11.2015)

20 Cf. Maria Rita Braga Neiva, representando a empresa Napster, na Audiência Pública promovida pelo STJ, em 14.12.2015, em sede do REsp 1.559.264, de relatoria do ministro Villas Bôas Cueva.

21 cf. OLIVEIRA, Adriana Tolfo de. Os critérios praticados pelo ECAD na arrecadação e distribuição dos direitos autorais advindos das obras musicais. Revista Forense. Vol. 410. 2010, pp. 3-31.

Nessa seção buscaremos demonstrar que:

(i) A Instrução Normativa do MinC acabará por criar um sistema dupla cobrança (ii) A distinção efetuada pelo MinC na IN para estabelecer a cobrança pela execução pública é incorreta de fato e de direito.

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9 cobrança, de cada R$100 arrecadados, apenas R$68,43 poderiam ser destinados aos autores. Sem a dupla cobrança esse valor seria de R$7522.

(ii) A distinção efetuada pelo MinC na IN para estabelecer a cobrança pela

execução pública está incorreta de fato e de direito

A distinção efetuada pelo Ministério da Cultura para a incidência dos diferentes feixes de direitos merece revisão, seja em virtude da incorreção no plano jurídico ou no plano fático.

O conceito fere o princípio da neutralidade tecnológica que orienta desde sua redação a LDA em vigor.

Isso, porque o critério adotado pelo MinC é a “obtenção de cópia pelo consumidor, com

transferência de posse ou propriedade”. Se o serviço implicar transferência de posse

ou propriedade (como é o caso dos serviços de download musicais ou de conteúdo), tratar-se-ia de mera distribuição por meios digitais, abarcada, no que diz respeito aos direitos autorais (deixando de lado por ora a questão dos direitos conexos), pelos supracitados artigos 29, I e 5º, VI e 29, II e 5º, IV. Enquanto isso, se não houver a “obtenção de cópia pelo consumidor, com transferência de posse ou propriedade”, aplicar-se-ia automaticamente o direito de execução pública previsto no art. 29, VIII, “i” e no art. 68, §2º da Lei nº 9.610/1998.

Na visão do MinC, fica claro que as atividades de download não implicam execução pública, porque haveria a transferência da “posse e propriedade” do arquivo digital. No entanto, tal critério é frágil do ponto de vista dos fatos. Cada vez mais a distinção entre o download e o streaming perde relevância. Hoje, é comum que o usuário que adquira uma obra por meio de serviço de download acesse aquela obra em tempo real no exato momento em que a obra vai sendo transmitida, usufruindo-a tal como no

streaming. É comum também que esse usuário descarte a obra, por vontade própria,

uma vez efetuada sua transmissão.

Esses fatos evidenciam a inconsistência do argumento sugerido pelo MinC. Não é correto insistir que a configuração de uma execução pública está na mera possibilidade de retenção ou não do arquivo transmitido. Esse critério, além de não encontrar respaldo na LDA, cai por terra com a própria evolução tecnológica. Isso porque, hoje, tanto os serviços de streaming permitem a posse da obra pelo usuário (o que o MinC

22 https://carlosmills.wordpress.com/2016/02/27/existe-execucao-publica-no-streaming-interativo/ Disponível em https://carlosmills.wordpress.com/2016/02/27/existe-execucao-publica-no-streaming-interativo/, acessado em 09.03.2016.

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10 reconhece), quanto os serviços de download possuem, na prática, o mesmo efeito e funcionalidade de um streaming interativo, ao permitir usufruir da obra simultaneamente com sua transmissão (fato que é ignorado pelo MinC).

Desse modo, o MinC troca um critério jurídico claramente definido por lei para a definição de execução pública, cujo elemento central é o conceito de “local de frequência coletiva”, por um critério sem respaldo legal, que além de tudo, é tecnologicamente disfuncional já nos dias de hoje, dada a permanente evolução técnica dos serviços de streaming.

O argumento do MinC gera até mesmo uma inconsistência lógica. Serviços de

download, que permitem a transferência “da propriedade ou posse”, requerem para

sua prestação um rol de direitos mais simples, mais objetivos e sujeitos a menores custos de transação. Já no caso de serviços de streaming, que são mais limitados do ponto de vista dos usuários do que o download, pois não oferecem transferência “da propriedade ou posse”, o rol incidente de direitos seria então muito maior, e o licenciamento de direitos mais complexo, sujeito a custos de transação elevados, gerando incertezas e dificuldades na sua oferta.

A solução é, nesse sentido, reconhecer que tanto para o streaming quanto para o

download, o rol de direitos autorais aplicável deve ser o mesmo. No direito brasileiro,

esse rol compreende os artigos 29, I e 5º, VI e 29, VII e 5º, IV. Qualquer outro entendimento produziria efeitos discriminatórios de uma prática com relação à outra, prejudicando a oferta dos serviços de streaming no Brasil.

Essa solução não é só a mais adequada, mas também, tendo em vista o princípio da neutralidade tecnológica, a que melhor regulamenta os serviços oferecidos aos usuários. Não se pode forçar o enquadramento de determinado serviço no conceito de execução pública simplesmente porque a tecnologia por meio da qual o serviço é prestado é nova.

Essa, aliás, foi a conclusão a que se chegou no caso dos os toques de celular musicais (os chamados ringtones e truetones) quando sociedades arrecadadoras em várias partes do mundo alegaram ser o caso de execução pública. A tese foi logo refutada por decisões judiciais que apreciaram a questão, afastando de vez esse entendimento23.

23 http://www.s288863476.onlinehome.us/DJCounsel-WordPress/wp-content/uploads/2009/10/Verizon_Order.pdf, acessado em 03.03.2016

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11 O mesmo ocorreu, em seguida, quando se tentou caracterizar o download como execução pública. As entidades arrecadadoras tentaram fazer com que os serviços que vendem música individualizada (downloads de arquivo MP3 ou outros formatos análogos), fossem entendidos como execução pública para fins de arrecadação de direitos autorais. Novamente, a tese foi rechaçada de vez no plano internacional24.

O exemplo dado por esses casos mostra de forma clara que a mera transmissão pela internet não é suficiente para configurar execução pública, ao contrário do que propõe a Instrução Normativa do Ministério da Cultura.

Vale lembrar que tanto a obtenção de um ringtone, quanto o recebimento de um arquivo por downloads pela internet, ou o streaming em suas várias modalidades, utilizam a mesma tecnologia – transmitem conteúdos pela internet de forma que se tornem acessíveis na ponta final. O próprio MinC e o ECAD reconhecem, hoje, que os dois primeiros não são execução pública. A consequência da aplicação da LDA em vigor é que o streaming também não deve ser.

d) Conclusões

1. A execução pública é modalidade de uso de obras autorais definida na Lei nº 9.610/1998 e fato gerador autônomo para o recolhimento de direitos autorais às entidades de gestão coletiva. Para restar caracterizada, é essencial que a modalidade de uso esteja subsumida às hipóteses legais.

2. O streaming, porém, não se subsume às modalidades de execução pública. Isso porque (i) decorre de uma relação individualizada entre o serviço e o usuário, que define ativamente qual programação deseja acessar, sem que haja uma “programação” única transmitida de forma coletiva; (ii) se dá por meio da internet, um serviço prestado na modalidade de valor adicionado, que não se confunde com a transmissão via radiodifusão a um número indeterminado de pessoas; (iii) o usuário recebe a programação individualmente no lugar físico e geográfico em que se encontrar (muitas vezes por meio do seu telefone celular e por meio de fones de ouvido). Ou seja, não se confunde definitivamente, e nos termos da LDA, com a execução pública.

24 Cf. decisão da Suprema Corte dos EUA que recusou a análise de um recurso contra decisão da Corte de Nova Iorque que havia recusado o enquadramento de downloads à categoria de execução pública: http://www.justice.gov/osg/briefs/2010/0responses/2010-1337.resp.pdf.

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12 3. Assim, a Instrução Normativa disponibilizada à Consulta Público pelo MinC que remete tais serviços à incidência do “direito de execução pública” e à arrecadação de direitos autorais pelo ECAD nitidamente excede os limites da lei e afronta a Constituição (artigos 5º, II e 87, parágrafo primeiro, II). Além disso, não há respaldo no texto constitucional para a competência do MinC quanto a regulamentação da gestão coletiva de direitos autorais, que, em vista de sua natureza privada, não comporta tal ingerência por parte do Estado.

4. Por fim, as regras propostas pelo MinC acarretam o fenômeno de double dip, isto é, em que os usuários de direitos autorais são obrigados a pagar duas vezes pelo mesmo rol de direitos com relação ao streaming. Trata-se de prática que viola princípios basilares da ordem econômica e que, nos termos da lei, se configura como abuso de direito, passível de reprimenda jurídica.

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