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SEÇÃO ESPECIAL: PRIVATIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO INFLUÊNCIA DE ATORES PRIVADOS NO FORTALECIMENTO DA PRIVATIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO SUPERIOR BRASILEIRA*

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Academic year: 2021

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INFLUÊNCIA DE ATORES PRIVADOS NO FORTALECIMENTO DA

PRIVATIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO SUPERIOR BRASILEIRA*

Aline Veiga dos Santos

1

Vera Lúcia Jacob Chaves

2

RESUMO: A privatização da educação superior brasileira se fundamenta no

discurso ideológico da impossibilidade de financiamento do setor estatal. Como solução, aponta-se o estabelecimento de parcerias público-privadas. O objetivo deste artigo é apresentar análise sobre a articulação de atores privados no direcionamento das políticas que visam ao fortalecimento da privatização do setor. O texto resulta de pesquisa documental, orientada por uma perspectiva crítica. Conclui-se que o processo de privatização da educação superior é multifacetado e interage com uma rede de governança fortemente relacionada com os empresários da educação e as conectividades com os organismos transnacionais.

Palavras-chave: Atores privados. Educação superior. Parcerias

público-privadas. Privatização.

PRIVATE ACTORS’ INFLUENCE ON THE STRENGTHENING OF BRAZILIAN HIGHER EDUCATION PRIVATIZATION

ABSTRACT: The privatization of Brazilian higher education is based on an

ideological discourse of the impossibility of State financing of the sector. As a solution, it is suggested the establishment of public-private partnerships. The objective of this paper is to present an analysis regarding the articulation of private actors in order to direct policies that aim at strengthening the privatization of this sector. The text results from a documentary research, oriented by a critical perspective. Conclusions point out that the process of privatization of the higher education is multifaceted and interacts with a governance network that has a strong relationship with the entrepreneurs of the education, as well as with the connectivities with transnational organizations.

Keywords: Private actors. Higher education. Public-private partnerships.

Privatization.

Este artigo apresenta resultados parciais da tese de doutoramentoA Hegemonia do Capital na Rede de Governança do Fundo de Financiamento Estudantil (Fies), de Aline Veiga dos Santos (UCB, Brasília, 2018).

1.Universidade Federal do Pará – Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Educação Superior –Belém (PA), Brasil. E-mail: aveigadossantos@gmail.com

2.Universidade Federal do Pará – Instituto de Ciências da Educação – Programa de Pós-graduação em Educação – Belém (PA), Brasil. E-mail: veraluciajacob@gmail.com

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Introdução

D

esde o fim do século XX e do início do século XXI, o processo de privatização e de mercantilização da educação superior vem se desenvolvendo no contexto da reforma do Estado capitalista, que é fruto da estratégia mundial de enfrentamento da crise de acumulação do capital e das orientações dos organismos multilaterais. O centro dessa reforma incide na redefinição das funções do Estado para ajustar-se à política de ajuste fiscal e de cortes dos gastos sociais. A governança da educação superior foi conduzida à política de gastos, à abertura ao mercado e ao culto econômico (CHAVES, 2009).

Os empresários da educação – donos/acionistas dos conglomerados, com ações na bolsa de valores – construíram redes de cooperação dentro dos espaços políticos para apresentar proposições, formar grupos de pressão ativos e articular, junto às bancadas dos partidos, no Congresso Nacional e nos bastidores do poder, a aprovação de seus projetos. Por meio da interlocução com atores governamentais/ políticos, os atores privados, que também são representados por organismos multilaterais, buscam a implementação de estratégias mais diversificadas, investindo em parcerias público-privadas na educação (PPPE) e redefinindo novas áreas de atuação no âmbito dos serviços públicos. Os empresários da educação “são importantes atores políticos, em conjunto ou em suas diferentes entidades representativas, com condições de impor uma lógica adequada aos seus interesses” (TRIGUEIRO, 2003, p. 50).

As ações, as pretensões e as perspectivas das instituições de Ensino Superior (IES) privadas interagem no sistema educacional, com a finalidade de converter bens públicos em privados. Os acordos entre as redes de atores dividem e trazem novas práticas, valores e sensibilidades para a arena público-privada, assumindo papéis cruciais tanto no discurso quanto na concepção da reforma do Estado, transformando a política educacional em novos tipos de linguagem (BALL, 2014). Para esses atores, a “educação é um bem de serviço, ou é um imóvel (edifícios e infraestruturas), ou uma marca, ao lado de qualquer outra mercadoria ou bem de capital, e é tratada com tal, sujeita às mesmas estratégias de negócios, às mesmas técnicas de gestão genéricas, e aos mesmos sistemas de valor” (BALL, 2014, p. 222).

A privatização está imbricada em um conjunto de relações multifacetadas e interconectadas: solução para os problemas do Estado; aumento da diversidade de oportunidade de negócios (contratação

LA INFLUENCIA DE LOS ACTORES PRIVADOS EN EL FORTALECIMIENTO DE LA PRIVATIZACIÓN DE LA EDUCACIÓN SUPERIOR BRASILEÑA RESUMEN: La privatización de la educación superior brasileña se fundamenta en el

discurso ideológico de la imposibilidad de financiamiento del sector estatal. Como solución, señalase el establecimiento de asociaciones público-privadas. El objetivo de este artículo es presentar un análisis sobre la articulación de los actores privados en el direccionamiento de políticas encaminadas a fortalecer la privatización del sector. El texto el resultado de una investigación documental, orientada por una perspectiva crítica. Se concluye que el proceso de privatización de la educación superior es multifacético e interactúa con una red de gobernanza que tiene una fuerte relación con los empresarios de la educación y las conectividades con los organismos multilaterales.

Palabras-clave: Actores privados. Educación superior. Asociaciones

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e parceria público-privada); mudanças organizacionais nas universidades públicas; novas formas de governança; interesses do capital e dos processos de mercantilização; exportação e venda de políticas – varejo de soluções políticas (BALL, 2014). Destarte, desde a década de 1990, a expansão das IES privadas continua acelerada. Conforme o Censo da Educação Superior 2018, 88,2% das IES brasileiras são privadas e contam com 75,4% dos estudantes matriculados no Ensino Superior (BRASIL, 2019).

A entrada dos fundos de investimentos na arena educacional brasileira promoveu a abertura de capital das IES privadas na bolsa de valores e efervesceu o mercado com as fusões e aquisições institucionais. Tal dinâmica pode se alterar; no entanto, o processo está em curso. As IES privadas, que formam os oligopólios no setor, auferem lucro vendendo ensino de qualidade duvidosa, o que pode ser comprovado nas diversas edições das avaliações nacionais, feitas pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). Atualmente, os grupos educacionais dominantes1,

geridos por fundos que possuem investidores nacionais e internacionais, têm grande capital financeiro para continuar concentrando o mercado. Tal capital, sustentado pelas subvenções robustas e pelo financiamento estatal cativo, resultou em “poder político” (ALMEIDA, 2017), como será evidenciado neste texto.

Dentro desse contexto, o objetivo deste artigo é apresentar uma análise da articulação de atores privados no direcionamento das políticas de educação superior que visam à mercantilização e à privatização do setor. Para tanto, buscou-se investigar as relações público versus privado defendidas por atores como o Fórum das Entidades Representativas do Ensino Superior Particular (Feresp), o Banco Mundial e o Sindicato das Entidades Mantenedoras de Estabelecimentos de Ensino Superior no Estado de São Paulo (Semesp) no fortalecimento do Ensino Superior privado.

Trata-se de uma pesquisa documental orientada em uma perspectiva crítica. Os dados foram tratados à luz da Análise de Conteúdo (BARDIN, 2010). O artigo foi estruturado em três partes, além da Introdução e das Considerações Finais. A primeira parte faz uma breve discussão sobre os significados dos termos “público” e “privado” e sua relação com as políticas implementadas na educação superior brasileira. A segunda parte trata da articulação dos atores privados com o Congresso Nacional no processo de criação e implementação das políticas públicas direcionadas à educação superior. A terceira parte apresenta análise de documentos do Semesp e do Banco Mundial que visem à privatização da educação superior.

Os Significados dos Termos “Público” e “Privado” e sua Relação

com as Políticas Implementadas na Educação Superior Brasileira

Diferentes significados têm sido dados aos termos “público” e “privado” ao longo da história da humanidade, expressando conceitos interligados e contrapostos que “estão presentes na vida cotidiana, nos noticiários televisivos, nos discursos de políticos e da grande imprensa, nos planos e projetos de governos” (CHAVES, 2005b, p. 2)

Chaves (2005a) se fundamenta em Arendt (1991) para explicar o significado dos dois termos e afirma que a palavra “público” expressaria o espaço da liberdade e “da promoção do bem de toda a coletividade, o espaço ativo da cidadania”. Em relação ao termo “privado”, seria “o espaço formado por indivíduos ou grupos organizados para a preservação de interesses particulares, o espaço em que os homens perdem sua liberdade e se tornam escravos da necessidade de sobrevivência” (CHAVES, 2005b, p. 2).

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Com base nessa compreensão, a autora afirma que o significado desses termos sofreu alterações importantes, o que pode ser observado nas teorias políticas clássicas e moderna:

Na teoria política clássica, desde os gregos, o espaço público era o espaço da liberdade dos cidadãos e se opunha ao espaço privado regido pela dominação do poder. Na teoria política moderna, desde Locke, o Estado e a economia de mercado são duas esferas mutuamente excludentes. O mercado emergiu como uma esfera privada distinta e independente do Estado, que era compreendido como formado pela sociedade civil a partir do consentimento de todos os homens, por meio do contrato social que era estabelecido com a finalidade de assegurar a ordem, a segurança e a propriedade (CHAVES, 2005b, p. 2).

Desde a década de 1970, com a crise do capitalismo em âmbito mundial e a ascensão da burguesia ligada ao capital financeiro, passou-se a “defender a ideia de que a liberdade somente é possível por meio da esfera privada, o que resultou na progressiva privatização da cidadania” (CHAVES, 2005b, p. 4) e na defesa do mercado como espaço central da economia, tornando-se superior ao Estado.

Nesse cenário, a discussão sobre as categorias público e privado tornou-se extremamente complexa, uma vez que o discurso hegemônico neoliberal passou a ser de que o mercado seria o único caminho para a liberdade e para o sucesso do capitalismo, ganhando força a defesa do individualismo extremo em detrimento da coletividade. Com isso, “o Estado passa a ser visto como algo que atrapalha a liberdade individual de competir ao olhar para o bem estar do coletivo” (FREITAS, 2018, p. 26).

O discurso a favor da liberdade do mercado passou a ser defendido como condição para o estabelecimento de uma economia saudável. Nessa perspectiva, faz-se um apelo à “responsabilidade individual e à austeridade fiscal dos governos” (DUPAS, 2003, p. 41). A competição individual é ressaltada como condição para o sucesso de cada indivíduo, e o mercado seria o espaço para o exercício da liberdade individual, afastando o Estado de sua função como provedor dos serviços públicos e justificando-se, assim, a eliminação dos direitos sociais.

Nesse contexto, o economicismo2 generalizado e o tecnocracismo3 foram reforçados e os governantes

passaram a defender a transferência das responsabilidades sociais do Estado para o âmbito do privado; ou seja, o Estado foi delegando às organizações da sociedade civil o atendimento dos serviços públicos, de acordo com regras do mercado, “convertendo o espaço público em espaço privado”. Como resultado desse processo, “os serviços básicos de educação, saúde, segurança e previdência se deterioraram, sendo substituídos por serviços privados” a serem negociados no mercado (CHAVES, 2005b, p. 5-6).

Passou-se a defender a ideia de que o modelo do Estado burocrático era inoperante e improdutivo e de que seria necessário reformá-lo para que se tornasse um modelo de Estado voltado para os interesses do mercado, no qual a competição e a liberdade são essenciais à concorrência e à produtividade. Para tanto, foi realizada uma série de contrarreformas com a finalidade de reduzir a ação do Estado na oferta de serviços públicos e na garantia dos direitos sociais. Nessa perspectiva, a educação passou a ser concebida como serviço, não mais um direito. Com esse objetivo, ela “deve ser afastada do Estado, o que justifica a sua privatização” (FREITAS, 2018, p. 29).

Como resultado desse processo, na educação superior brasileira, ocorreu uma intensa expansão das instituições privadas, a qual foi realizada com o estímulo dos sucessivos governos brasileiros por meio da liberalização dos serviços educacionais pelo Ministério da Educação (MEC), de empréstimos financeiros a juros baixos pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e da isenção de impostos e taxas em troca de bolsas de estudos e de programas de financiamento estudantil.

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Ao longo dos anos, com o discurso de promoção do acesso, da permanência na graduação e do fortalecimento do sistema de Ensino Superior, o MEC instituiu algumas políticas a partir da parceria entre o Estado e as IES privadas, tais como o Fundo de Financiamento Estudantil (Fies)4, em 1999, e o Programa

Universidade para Todos (Prouni)5, em 2004.

PPPE são, portanto, o guarda-chuva perfeito, pois, enquanto o propósito subjacente e as lógicas de gestão da educação são garantidos de acordo com a lógica de mercado, dada a presença do setor privado como responsável pela oferta, o Estado assegura o ambiente político favorável e, o mais importante, o seu financiamento (ROBERTSON; VERGER, 2012, p. 1143).

Entre os programas implantados com vistas a fortalecer o setor privado da educação superior, o Fies se destaca, em especial, após a flexibilização da legislação em 2010. Como resultado, houve uma explosão no número de financiamentos concedidos. A falta de critérios estabelecidos, os juros reais negativos e as várias estratégias de marketing empregadas pelas IES impactaram no crescimento vertiginoso de estudantes que contrataram o Fies e contribuíram, inclusive, para o aumento nos valores das mensalidades. As entrelinhas dessa relação público-privada foram questionadas, uma vez que as IES parceiras do programa se valeram da falta de critérios para lucrarem de maneira desmedida. Em 2015, o governo instituiu uma série de mudanças restritivas nas regras do programa. As “parcerias são outro aspecto de indefinição entre setores, bem como uma oportunidade de lucro” (BALL, 2014, p. 162).

O Fies se caracterizou como o grande negócio da educação, em uma escala sem precedentes. “O Fies acabou por se tornar um enorme programa de concentração de capital, e os mantenedores passaram a vender cabeça de alunos, ativo acadêmico, ou economia de escala. O valor do negócio deixou de ser ativos imobiliários, mas número de alunos” (NAPOLITANO, 2017, p. 22).

Em 2004, o Prouni foi criado para mitigar os custos operacionais e as despesas fixas das IES privadas, socorrendo-as do quadro caótico. “Sua razão de existência foi servir como resposta a uma crônica situação financeira enfrentada pelas universidades privadas lucrativas no início dos anos 2000. O desenho do Prouni teve as mãos fortes de seus donos e representantes” (ALMEIDA, 2017, p. 119), que atuaram ativamente nos bastidores e junto às bancadas de apoio ao setor no Congresso Nacional. Com o Fies e o Prouni, os governos Lula e Dilma Roussef sustentaram o financiamento público ao segmento privado lucrativo, iniciado durante o regime militar e mantido no decorrer do governo FHC (ALMEIDA, 2017).

Conforme os dados da Execução Orçamentária e Financeira da União, no site da Câmara dos Deputados (BRASIL, 2020), o Fies, no período de 2003 a 2019, teve um custo de R$ 139 bilhões. Já o Prouni, entre 2005 e 2019, teve uma estimativa da renúncia de receita das entidades privadas que aderiram ao programa em torno de R$ 21 bilhões. Juntos, os dois programas tiveram um custo de R$ 161 bilhões aos cofres públicos. A Fig. 1 mostra que o Fies teve um movimento crescente no período de 2010 a 2017, sendo reduzido em cerca de 50% nos anos seguintes de 2018 e 2019.

O montante de recursos do fundo público repassados ao setor privado por meio do Fies e do Prouni, demonstrado na Fig. 1, revela a contradição dos governos democrático-populares na condução das políticas para a educação superior no país. Tais governos no discurso defendem a bandeira da educação pública, no entanto, foram fortes indutores do avanço da privatização no Ensino Superior.

Esses programas são modalidades de PPPE que carregam a bandeira de um projeto democrático-popular de acesso ao Ensino Superior, mas que, na verdade, têm o intuito de resolver a crise de inadimplência do setor privado e o preenchimento de vagas ociosas. Em 2008, a Portaria Normativa n. 02, do MEC, expandiu

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a oferta de crédito educativo do Fies a estudantes da graduação que sejam bolsistas parciais do Prouni. “Além de estimular as parcerias de natureza público-privada e subsidiar indiretamente o ensino privado, como no caso do Prouni, a reformulação do Fies, mais uma vez, beneficia os empresários do setor educacional” (SILVA, 2014, p. 467).

A ideia das PPPE “parece agir como um mecanismo útil, não apenas por colocar diferentes atores juntos e, por isso, diferentes grupos e diferentes tipos de conhecimento, mas por intermediar, mais do que mitigar ou mediar, a privatização na e da educação” (ROBERTSON; VERGER, 2012, p. 1141), como será analisado a seguir.

Articulação de Atores Privados no Congresso Nacional

Diversas redes de atores – organismos multilaterais, sindicatos representantes das IES privadas, presidentes dos grupos educacionais que têm ações na bolsa de valores, empresas que prestam consultorias para as IES do setor e para o governo, entre outros – apresentam forte interesse em relação às políticas públicas da educação superior. Conforme Minto (2017), há três décadas, novos organismos de classe vêm se formando para defender os interesses da educação superior privada. Destacam-se o Semesp6, o Feres7 e a Associação

brasileira para o Desenvolvimento da Educação Superior (Abraes)8.

Nota-se que, graças a um sistema político e educacional arraigado pelos interesses do capital, “os donos das instituições privadas lucrativas possuem articulações em todos os partidos políticos para preservação de seus interesses. Isso lhes permite travar qualquer tentativa de regulação social efetiva. Na prática, não houve e ainda não há controle consistente” (ALMEIDA, 2017, p. 117), por parte do Estado.

Os empresários da educação se articulam, por meio de suas associações, para atuar de maneira incisiva no processo de discussão, criação e reformulação das políticas educacionais no Congresso Nacional. Na elaboração de uma lei como o Plano Nacional de Educação, abrem-se espaços que aprovam a alteração das linhas gerais de implementação das políticas educacionais. Para o setor privado mercantil, “representa uma possibilidade de reorganização dos seus

Fonte: Brasil (2020). Elaboração própria. 30.000.000.000 25.000.000.000 20.000.000.000 15.000.000.000 5.000.000.000 2003 2005 2007 2009

Fies Prouni Fies + Prouni

2011 2013 2015 2017 2019

0 10.000.000.000

Figura 1. Evolução dos recursos destinados ao Fies e gastos tributários com o Prouni no período de 2003 a 2019. Valores (R$) a preços de janeiro de 2020 (IPCA).

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interesses frente ao Estado, mormente de ampliar as estratégias de captura do fundo público num contexto em que os serviços se tornam cada vez mais estratégicos para certas frações da burguesia” (MINTO, 2017, p. 22).

O Feresp (2016, p. 11) assegura sua atuação decisiva “na criação da Frente Parlamentar de Apoio ao Ensino Superior, com a participação de 214 parlamentares (senadores e deputados), tornando-se um espaço de debate no Congresso Nacional sobre as reivindicações do setor privado e como canal de encaminhamento de propostas legítimas”. A cada dia, esses atores privados vão formando alianças, que se constituem em redes de cooperação, visando expandir sua interlocução e exercer influência junto a outras redes de atores políticos e governamentais. “Desnecessário dizer da pressão efetuada por empresas e entidades na montagem do coletivo” (NAPOLITANO, 2017, p. 19).

A entidade (FERESP, 2016, p. 12) descreve como são desenvolvidos os trabalhos de articulação e construção dessas redes: “reuniões mensais, seguidas de jantar, com a Frente Parlamentar em Defesa do Ensino Superior, com representantes da Câmara dos Deputados e do Senado Federal com o objetivo de encaminhar propostas e levar ao Congresso Nacional os anseios do setor.” Nas discussões e deliberações pertinentes ao setor, no Congresso Nacional, o grupo apresenta projetos, indica as pessoas que irão representá-los nas audiências públicas e nos congressos que acontecem nas Casas (Câmara e Senado), assim como articula a admissão ou a rejeição de matérias que lhe convêm, quando da aprovação dos projetos de lei. Os projetos em tramitação são monitorados diuturnamente (FERESP, 2016). Anualmente, ocorre o Congresso Brasileiro da Educação Superior Particular, que é organizado pela entidade:

Com média de 450 participantes em cada um. O evento é transmitido ainda pela ABMES TV com audiência no Brasil e exterior de mais de 1.800 internautas. [...] O encontro reúne as principais lideranças do setor, autoridades governamentais e políticas, renomados educadores e formuladores de políticas públicas para a educação no Brasil. [...] Como conclusão das discussões, os congressos resultam na elaboração de cartas propositivas, contendo os principais compromissos e expectativas do fórum para o Ensino Superior brasileiro, que balizam as suas ações na busca da consolidação do setor particular e da educação de excelência (FERESP, 2016, p. 65).

Como pode ser observado, esses congressos propõem as principais ações a serem executadas a fim de se alcançarem os objetivos do setor empresarial para a educação superior no país. Ghirardi e Klafke (2017, p. 71) falam em “risco de captura do Estado”, uma vez que esses grupos exercem “poder de influência sobre as políticas governamentais para a educação”.

Nas duas últimas décadas (2000/2010), os empresários da educação têm se destacado sob a hegemonia do setor privado mercantil, em especial por meio dos grandes grupos de capital aberto, que formam conglomerados e concentram grande parte das matrículas privadas. Esse processo ocorreu “graças à criação de instâncias de defesa, à visibilidade e à articulação de seus interesses, com representação em instâncias estratégicas da governança educacional brasileira. No entanto, isso ainda representa pouco em face dos interesses empresariais” (SANTOS, 2018, p. 174).

Uma gama de atores internacionais e nacionais têm investido sem precedentes na educação brasileira, em todos os níveis, graças às altas taxas de lucro e à falta de regras restritivas na legislação que regula o setor. “O mercado educacional é tão atrativo que o BM [Branco Mundial], além de interferir indiretamente no processo de formulação e implementação das políticas brasileiras por meio de diretrizes e acordos, agora age diretamente no mercado educacional” (SANTOS, 2018, p. 176).

Almeida (2019) destaca que, desde 2000, a International Finance Corporation (IFC) – braço financeiro do Banco Mundial – tem investido centenas de milhões, por meio de empréstimos e/ou compra de

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ações, em diversas instituições educacionais brasileiras, quais sejam: Ideal Invest, Estácio Participações S. A., Ser Educacional, Anhanguera Educacional Participações S. A. e Fundo de Educação para o Brasil. Nota-se que a IFC é societária de alguns dos grupos educacionais mais lucrativos. “Tais interesses financeiros se dão porque o setor educacional, hoje, é um mercado bilionário, altamente rentável e quase sem risco, já que é sustentado pelos recursos governamentais – independentemente do partido no poder” (ALMEIDA, 2019, p. 21).

A última negociação da IFC ocorreu em abril de 2020. A entidade investiu R$ 450 milhões na Ânima Educação, que figura entre as maiores IES brasileiras. Esse é o terceiro investimento na empresa. Em 2013, a IFC foi investidora-âncora na Oferta Pública Inicial (IPO) da Ânima. Em 2016, apoiou a expansão da companhia com um empréstimo de R$ 139 milhões. Desde 2009, a IFC empregou US$ 398 milhões, ou seja, mais de R$ 2 bilhões, em projetos de educação no país (IFC, 2020).

Na sociedade capitalista, conforme Minto (2017, p. 18), “o interesse privado corresponde ao movimento que o capital opera, permanentemente, para viabilizar a geração de valor, para acumular e concentrar mais capital, o que faz por dentro e por fora do institucionalidade estatal”.

Enquanto alguns grupos de atores privados constroem e ampliam as redes de cooperação no Congresso Nacional e nas demais instâncias governamentais, outros agem diretamente no mercado educacional, com investimentos de grande porte, como é o caso da IFC, que pertence ao Banco Mundial. Em determinadas situações, as estratégias são conjuntas e contam com a iniciativa do próprio Estado.

Em agosto de 2017, o Semesp formulou o documento Diretrizes de Política Pública para o Ensino

Superior Brasileiro, que propõe uma nova política para o setor. A organização tem divulgado esse trabalho em

âmbitos nacional e internacional. Em seguida, em novembro de 2017, em parceria com o governo brasileiro, o Banco Mundial publicou o relatório Ajuste Justo: Análise da Eficiência e Equidade do Gasto Público no Brasil. Com ênfase na conjuntura fiscal, o texto apresenta recomendações para uma agenda de reformas, inclusive na educação superior. Nas entrelinhas desses documentos, lê-se: a privatização em curso. Nas palavras de Minto (2017, p. 18), “o Estado não é opositor nato da privatização, mas um de seus agentes essenciais”.

Documentos do Semesp e do Banco Mundial: Estratégias

para a Privatização da Educação Superior

O processo de privatização da educação remonta à década de 1990, com a criação do Plano Diretor da Reforma do Estado. Desde então, nas gestões governamentais e presidenciais subsequentes, as políticas vêm sendo direcionadas nesse sentido. Apesar da previsão constitucional de que a educação é direito social e dever do Estado, o mercado da educação superior avança na direção oposta. Na concepção do mercado (SEMESP, 2018, p. 16), “a educação deve ser livre à iniciativa privada, observados a legislação educacional e o cumprimento da função pública garantida pela Constituição Federal, que não se confunde com o bem público”.

Como resultado desse processo, a educação superior brasileira vem sendo reformada em conformidade com as determinações dos organismos internacionais, em especial, o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional, que pressionam o governo brasileiro por meio da inclusão das cláusulas sociais nos acordos econômicos firmados. Dessa forma, a privatização da educação torna-se parte essencial da reforma do Estado relativa à educação superior brasileira. Para implementar essa reforma, o governo federal passou a defender o afastamento do Estado da manutenção plena da educação superior pública (CHAVES, 2009, p. 318).

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Napolitano (2017, p. 24) acrescenta que, “se é possível falar em um modelo educacional brasileiro, fica claro que seus parâmetros estão em ampliar o mercado para empresas de educação particulares e tornar o setor atraente para investimentos”. Com espaços cada vez mais estreitos com o governo federal, o Semesp e o Banco Mundial têm atuado ativamente no direcionamento das políticas públicas rumo à mercantilização e privatização do sistema.

O documento do Semesp, publicado em 2017, incluiu onze diretrizes de destaque para a “nova política pública” do Ensino Superior: 1) governança; 2) regulação e supervisão; 3) avaliação e qualidade; 4) financiamento; 5) pós-graduação e pesquisa; 6) inovação acadêmica; 7) tecnologia e educação digital (EaD); 8) formação de professores; 9) relação com outros setores; 10) internacionalização; 11) formação de redes de cooperação. Ao longo de 2018, o documento foi divulgado e discutido em diversos congressos nacionais e internacionais e, em setembro do mesmo ano, foi lançada a edição ampliada, que contemplou mais duas diretrizes: responsabilidade social e extensão universitária; e educação vocacional (SEMESP, 2018). A Tabela 1 destaca as diretrizes do Semesp para a “nova política pública” do Ensino Superior.

A partir da análise desses treze temas discutidos no documento, depreende-se que as diretrizes do Semesp propõem uma governança amparada em um modelo empresarial que objetiva a ampliação das fontes de receita e dos serviços prestados, tanto pelas IES públicas quanto privadas. A regulação do setor é proposta no bojo de um modelo híbrido, que congrega Estado, mercado educacional e a instituição de um sistema de acreditação independente, a ser gerido por agências públicas e privadas. Assinala-se que a cobrança de mensalidade nas IES públicas é admissível e cogente, principalmente no cenário vigente de restrição fiscal por parte do governo federal. A inovação na educação está atrelada ao afastamento da regulação burocrática. A expansão da oferta de educação digital/EaD requer a flexibilização e o aceleramento dos processos de credenciamento de novas instituições.

O Estado deverá estimular, por meio de investimentos, “bônus regulatórios” e/ou isenção fiscal diferenciada, às IES que ofertam cursos de formação de professores. O documento aponta, ainda, para a necessidade de aproximação entre as IES e o setor produtivo. No processo de internacionalização das IES, a política pública deverá fomentar a cooperação internacional e a participação em redes de cooperação, para dar impulso à captação de informação e conhecimento, bem como o governo deverá ofertar bolsas e programas de financiamentos.

Com a divulgação ampla desse documento, o Semesp visa instituir uma nova política para a educação superior, conforme as diretrizes da governança corporativa, que é empregada pelos grupos que demarcam a hegemonia no setor privado-mercantil – Yduqs (Estácio Participações), Cogna Educação (Kroton, Anhanguera, Somos Educação), Ser Educacional, Ânima/Gaec Educação.

Todo esse movimento prevê uma mudança na concepção, na estrutura e na governança da educação superior, mudança essa que visa redefinir as fronteiras entre o público e o privado. Para Minto (2017, p. 19), o movimento contemporâneo trabalha no sentido de “reversão de conquistas e direitos sociais, num processo que amplia e potencializa as desigualdades inerentes ao sistema capitalista”.

Retraindo a esfera pública, superdimensiona-se a esfera dos interesses do capital, que, para sustentar “sua lógica, precisa se apropriar de todos os espaços possíveis de acumulação e realização de valor; donde surge a retomada das ideologias que demandam a redução do Estado e a maior liberdade de regulação desses espaços pela lógica do capital (via mercado)” (MINTO, 2017, p. 19).

Os defensores da privatização não se contrapõem à intervenção da máquina pública. Todavia, demandam mudanças nas funções do Estado. “A proposta parece paradoxal: por um lado, apoia soluções de mercado na educação, por outro, a intervenção do Estado é vista como crucial para garantir o funcionamento do mercado educacional” (ROBERTSON; VERGER, 2012, p. 1145).

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Tabela 1. Semesp – Diretrizes de política pública para o Ensino Superior brasileiro.

# Nova política pública para o Ensino Superior

1 Governança

Redefinirá a relação das IES públicas e privadas com o Estado, pois cabe às instituições reformularem suas estratégias para se tornarem competitivas e eficientes. A redefinição das relações deverá envolver autonomia acadêmica aliada a compromissos institucionais com resultados, cumprimento de metas e prestação de contas.

2 Regulação e

Supervisão

Deverá levar em consideração a impossibilidade de se construírem políticas sistêmicas de regulação burocrática e exagerada. A atividade regulatória não deve funcionar senão para definição de marcos gerais da atividade regulada.

3 Avaliação e

Qualidade

Recuperará o potencial indutor da avaliação, a partir da autoavaliação que as IES devem construir, como maneira de monitorar e acompanhar sua evolução, seu aperfeiçoamento e seu compromisso com projeto de formação de qualidade, em cooperação com um sistema de acreditação independente. 4

Financiamento

Deverá caminhar na direção de cobrar pelo serviço das universidades e demais institutos de educação superior públicos e, ao mesmo tempo, criar um sistema de crédito educacional que permita que as famílias que não têm condições de pagar pela mensalidade escolar possam ter acesso a todas as IES.

5 Pós-graduação e

Pesquisa

Tanto na pós-graduação quanto na pesquisa, os recursos públicos deverão somar-se aos das organizações privadas dos mais diversos setores para a formação de pessoal altamente qualificado e os avanços científico e tecnológico.

6

Responsabilidade Social e Extensão

Universitária

Definirá princípios de governança universitária que atendam aos ditames do compromisso social pessoal e institucional para o desenvolvimento humano real e o crescimento econômico no Brasil.

7 Inovação Acadêmica

A necessidade de promover a inovação na educação exigirá que a nova política promova e facilite a liberdade das IES, afastando qualquer regulação burocrática que restrinja a capacidade das instituições para experimentação, diferenciação e inovação acadêmica.

8 Tecnologia e Educação Digital

(EaD)

Será necessário flexibilizar e acelerar os processos de credenciamento de novas IES para oferta de educação digital/EaD, considerando a necessidade de diferentes modelos para atendimento a realidades distintas e a diversos mercados de trabalho. Deverão ser estabelecidos mecanismos mais ágeis e flexíveis que permitam a expansão rápida dessa oferta, em todos os níveis, inclusive na pós-graduação stricto sensu.

9 Educação Vocacional

Deverá ser criado no Brasil um organismo específico para atuar como responsável por estabelecer padrões nacionais para a implantação de uma matriz de competências organizada por níveis de capacitação e pelo credenciamento dos diferentes atores devidamente autorizados para avaliar as IES provedoras.

10 Formação de

Professores

Instituições que ofertam cursos superiores de formação de professores deverão contar com o estímulo do poder público, por meio de investimentos, bônus regulatórios ou isenção fiscal diferenciada.

11 Relação com Outros Setores

Determinará a necessidade de laços efetivos entre o Ensino Superior e o setor produtivo para pesquisa e inovação, e a participação dos stakeholders externos na introdução de boas práticas na dinâmica acadêmica e na administrativa das instituições.

12

Internacionalização

Deverá ser valorizada, facilitada e incentivada por meio de bolsas, programas de financiamentos, indicadores agregados a critérios de avaliação, prioridades e estratégias nacionais, levando em ~consideração as diferentes modalidades de internacionalização e os variados perfis de IES. 13

Formação Redes de Cooperação

Deverá reconhecer e incentivar a formação de redes de cooperação no Ensino Superior por meio de consórcios de instituições. O objetivo dessas redes é criar sinergias estratégicas necessárias para o aprendizado institucional e para mudanças que tragam melhoria da qualidade acadêmica e administrativa, além de criar condições para a redução de custos e compartilhamento de serviços.

(11)

Quando se fala em intervenção estatal e serviços educacionais, a questão primordial incide nos gastos públicos. O relatório do Banco Mundial, solicitado pelo governo brasileiro, conta com oito temas de análise: 1) sustentabilidade fiscal; 2) funcionalismo público; 3) compras públicas; 4) previdência social; 5) mercado de trabalho e assistência social; 6) saúde; 7) educação pública; 8) políticas de apoio ao setor privado. O documento aponta que “a dívida pública do país encontra-se em uma trajetória insustentável. As despesas públicas correntes vêm crescendo regularmente ao longo das duas últimas décadas, e dados demonstram que a maior parte de tais despesas é ineficiente e regressiva” (BANCO MUNDIAL, 2017, p. 17). O objetivo do documento é apresentar recomendações para a efetivação do Novo Regime Fiscal, estabelecido na Emenda Constitucional n. 95/2016, que restringe, por vinte anos, os gastos públicos em despesas primárias federais.

Em relação à educação superior, alegando a eficiência dos gastos públicos, tal relatório recomenda o fim da gratuidade nas universidades públicas. A justificativa é que o custo de um estudante nas instituições públicas é duas a cinco vezes maior em comparação com as instituições privadas e que 65% dos estudantes são ricos; ou seja, têm condições de custear os estudos. “Isso indica a necessidade de introduzir o pagamento de mensalidades em universidades públicas para as famílias mais ricas” (BANCO MUNDIAL, 2017, p. 121).

Em média, um estudante em universidades públicas no Brasil custa de duas a três vezes mais que estudantes em universidades privadas. Entre 2013 e 2015, o custo médio anual por estudante em universidades privadas sem e com fins lucrativos foi de aproximadamente R$ 12.600 e R$ 14.850, respectivamente [...]. Em universidades federais, a média foi de R$ 40.900. Universidades públicas estaduais custam menos do que as federais, mas ainda são muito mais caras do que as privadas, custando aproximadamente de R$ 32.200. O custo por aluno dos institutos federais, a maior parte fundada desde 2008, é de aproximadamente R$ 27.850 (BANCO MUNDIAL, 2017, p. 131).

No que tange o custo médio anual por estudante, de acordo com Almeida (2019), há um “erro metodológico”. Na análise supracitada, as despesas das universidades públicas, que não são ligadas, exclusivamente, às atividades educacionais, não são deduzidas. Toda universidade pública possui uma série de custos que não foram considerados: hospitais (que prestam atendimento à comunidade), restaurantes universitários (que subsidiam ou ofertam preços mais baixos para estudantes de baixa renda), salários dos aposentados (despesas com previdência), entre outros. “Cabe ponderar: ainda que o custo do aluno da universidade pública fosse maior, seria relevante pensar se a relação custo-benefício compensaria para a sociedade em termos de investimento social” (ALMEIDA, 2019, p. 19).

Embora os estudantes de universidades federais não paguem por sua educação, mais de 65% deles pertencem aos 40% mais ricos da população. Portanto, as despesas com universidades federais equivalem a um subsídio regressivo à parcela mais rica da população brasileira. Uma vez que diplomas universitários geram altos retornos pessoais (em termos de salários mais altos), a maioria dos países cobra pelo ensino fornecido em universidades públicas e oferece empréstimos públicos que podem ser pagos com os salários futuros dos estudantes (BANCO MUNDIAL, 2017, p. 13).

Amaral contesta a afirmação de que 65% dos estudantes das instituições federais são ricos (2018, p. 135), pois considera que “há uma imprecisão desnecessária na linguagem do Banco Mundial ao afirmar

(12)

que ‘tende a ser de famílias mais ricas’, pois há farto material empírico que não deixa dúvidas sobre essa informação”. Ao analisar a IV Pesquisa do Perfil Socioeconômico e Cultural dos Estudantes das Instituições Federais de Ensino, de 2014, o autor verificou que 51,42% dos estudantes provém dos estratos mais baixos de renda (até três salários mínimos) e 48,58% dos estudantes estão acima dessa faixa de renda. Apenas 10,6% dos estudantes possuem renda familiar acima de dez salários mínimos. “A análise objetiva das pesquisas sobre perfis socioeconômicos dos alunos das universidades públicas não permite dizer que a maioria se enquadra na tão propalada elite econômica brasileira” (ALMEIDA, 2019, p. 22).

A argumentação do Banco Mundial de que a elite econômica está dentro das universidades públicas persiste no documento:

A grande maioria de brasileiros matriculados no Ensino Superior estudam em universidades privadas. Em 2015, dos aproximadamente 8 milhões de estudantes universitários, apenas cerca de 2 milhões estavam em universidades públicas. A pequena minoria de estudantes que frequentam universidades públicas no Brasil tende a ser de famílias mais ricas que frequentaram escolas primárias e secundárias privadas (BANCO MUNDIAL, 2017, p. 131).

O estudo de Amaral (2018) mostra que, em 2014, 64,0% dos estudantes matriculados nas universidades federais, durante o Ensino Médio, estudaram (integralmente ou a maior parte) em instituições públicas. Sendo assim, é incoerente dizer que os estudantes das universidades públicas tendem a ser de famílias com alto poder aquisitivo e que estudaram em instituições privadas durante a educação básica. “Se o conjunto de estudantes que se encontram matriculados na rede pública corresponde a apenas 25% do total de estudantes de Ensino Superior no país, isto é resultado de política privatizante que teve importante ação inicial no período da ditadura militar” (AMARAL, 2018, p. 136).

Segundo o Banco Mundial (2017, p. 13), tendo em vista que os “diplomas universitários geram altos retornos pessoais (em termos de salários mais altos), a maioria dos países cobra pelo ensino fornecido em universidades públicas e oferece empréstimos públicos que podem ser pagos com os salários futuros dos estudantes”. Ao encontro dessa perspectiva, o Semesp (2018) afirma que a atividade de ensino é de natureza privada, portanto passível de cobrança, especialmente na conjuntura atual de colapso fiscal do governo brasileiro.

Afirmar que o benefício do Ensino Superior é exclusivo do estudante é um ponto de vista limitado, “pois as funções de uma universidade pública extrapolam essa dimensão de ganho pessoal, estando ligadas a objetivos mais amplos e estratégicos de qualquer país” (ALMEIDA, 2019, p. 22). Conforme Almeida (2019), caso contrário, sem a existência prévia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e das lideranças intelectuais que se constituíram nesse ambiente, o Brasil não teria o maior complexo médico-hospitalar da América Latina. Sem o conhecimento científico desenvolvido no Instituto Tecnológico de Aeronáutica, órgão federal de Ensino Superior, não existiria a Embraer, fabricante de aviões. Vários outros exemplos poderiam ser citados nos diversos domínios sociais.

A participação desses atores no processo de políticas, segundo Ball (2014, p. 181), coopta “os espaços abertos pela crítica às organizações do Estado existentes. Em outras palavras, o mercado de ‘conhecimentos sobre governar’ está intimamente entrelaçado com a disseminação de novas narrativas políticas” no mercado de desenvolvimento de serviços públicos. O autor assinala que o Estado é, ao mesmo tempo, um elemento de pesquisa e um objeto de reforma.

(13)

Considerações Finais

A política de expansão e fortalecimento da educação superior privada no Brasil se desenvolveu por meio de uma ação instituída pelos sucessivos governos brasileiros, atendendo à pressão dos empresários do setor, que construíram e mantiveram redes de cooperação dentro do aparelho estatal. Esse processo ocorreu por meio de uma correlação de forças entre o Estado e a sociedade civil, organizada por atores públicos e privados. Identifica-se que os organismos multilaterais, em especial o Banco Mundial, tiveram papel fundamental na propagação de suas ideias em defesa da educação como mercadoria, não como bem público.

Por meio das PPPE, o Estado brasileiro criou programas de financiamento estudantil e benefícios fiscais para favorecer às IES privadas. A criação e a articulação do Fies e do Prouni são molas propulsoras da privatização em curso. Como resultado desse processo de fortalecimento do setor privado, constata-se que 88,2% das IES brasileiras são privadas e respondem por 75% das matrículas em cursos de graduação (BRASIL, 2019).

O setor-privado mercantil e os organismos internacionais, para obterem hegemonia no cenário público, principalmente em países emergentes, investem na formação de intelectuais orgânicos para atuarem como agentes de suas propostas; e atraem intelectuais tradicionais (dentro das instâncias estatais) para suas ideias, legitimando suas diretrizes políticas. Isso é feito por meio de uma série de mecanismos, como jantares, congressos, cartas endereçadas aos parlamentares, orientações e publicações de relatórios e documentos referentes às suas proposições e concepções sobre a educação superior como bem privado.

Como analisado, os documentos do Semesp e do Banco Mundial propõem uma nova política para a educação superior brasileira, assinalando a necessidade de cobrança de mensalidade em universidades e institutos públicos. Isso evidencia que esses atores em disputa pelos recursos do fundo público defendem a eliminação total do sistema público de Ensino Superior no país, desrespeitando os preceitos da Constituição Federal de 1988, que definem a educação pública como direito do cidadão e dever do Estado. O ataque às universidades públicas ganhou força, com a ascensão ao poder do presidente Jair Bolsonaro (2019 a 2022), que, desde o início do governo, tem assumido uma postura obscurantista e negacionista em relação ao conhecimento científico, adotando uma política de perseguição ideológica e de corte no financiamento da educação pública e da pesquisa.

Contribuição das Autoras

Problematização e Conceituação: Santos AV; Chaves VLJ; Metodologia: Santos AV; Análise: Santos AV; Chaves VLJ; Redação: Santos AV; ChavesVLJ.

Notas

1. Denominamos grupos empresariais dominantes os que atuam na educação superior no Brasil e possuem capital aberto nas bolsas de valores: Cogna (Kroton); Ydugs (Estácio); Ser Educacional; Ânima; Laureate; e Wyden Educacional.

2. Perspectiva teórica cuja tendência é reduzir a explicação dos fenômenos sociais por necessidades econômicas; ou seja, tudo se reduz a uma questão financeira. Nesse sentido, o que interessa é o lucro, não as questões sociais.

3. O tecnocracismo é uma ideologia de base positivista que se origina na tecnocracia. Fundamenta-se na mecanização do uso de técnicas e no conhecimento especializado. Na educação, pode-se associar esse termo ao movimento tecnicista que teve início

(14)

na década de 1970 e continua presente no século XXI, por meio da adoção de políticas governamentais fundamentadas em competividade, produtividade e eficiência – cujas decisões são tomadas com base em comissões de “especialistas”, os quais podem ser indivíduos e/ou entidades não governamentais, e/ou, ainda, agências externas.

4. Criado, originalmente, pelas Medidas Provisórias n. 1.827, em 1999, e 2094-28, de 2001 (convertida na Lei n. 10.260, de 2001), o Fies é um programa de financiamento para estudantes matriculados em cursos de graduação presenciais em IES privadas. 5. Instituído pela Lei n. 11.096, em 2005, o Prouni é um programa de isenção de tributos às IES privadas que, em contrapartida,

oferecem bolsas de estudo integrais e parciais a estudantes matriculados em cursos de graduação, desde que atendam aos critérios estabelecidos pela legislação.

6. Fundado em 1979, o Semesp congrega um grupo significativo de mantenedoras brasileiras e tem como finalidades oferecer serviços e orientação especializada aos associados; propor soluções para o desenvolvimento da educação; e proteger e defender o segmento privado.

7. .Instituído em 2008, o Feresp é fruto da conexão de cinco entidades: Sindicato das Entidades Mantenedoras de Estabelecimentos de Ensino Superior no Estado de São Paulo (Semesp); Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (ABMES); Associação Brasileira das Mantenedoras das Faculdades (Abrafi); Associação Nacional dos Centros Universitários (Anaceu); e Associação Nacional das Universidades Particulares (ANUP).

8. Fundada em 2013, a Abraes é uma associação de mantenedores que representa alguns dos maiores grupos educacionais privados do país (Kroton, Ânima, Devry, Estácio, Laureate e Ser Educacional).

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Sobre as Autoras

Aline Veiga dos Santos é pedagoga. Doutora em Educação pela Universidade Católica de Brasília (UCB). Vinculada à Rede Universitas/Br e ao Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Educação Superior (GEPES) da UFPA. Tem experiência na área da Educação, com ênfase nos estudos sobre Privatização do Ensino Superior. Vera Lúcia Jacob Chaves é socióloga e Pedagoga. Doutora em Educação pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Pós-doutorado no Instituto de Educação da Universidade de Lisboa e no Programa de Políticas Públicas e Formação Humana da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Professora titular da Universidade Federal do Pará (UFPA) e do Programa de Pós-graduação em Educação da UFPA.

Recebido: 22 jul. 2020 Aceito: 18 set. 2020

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