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John Bargh

O cérebro intuitivo

tradução Paulo Geiger

Os processos inconscientes que

nos levam a fazer o que fazemos

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Copyright © 2017 by John Bargh

Grafia atualizada segundo o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, que entrou em vigor no Brasil em 2009.

Título original

Before You Know It: The Unconscious Reasons We Do What We Do Capa

Eduardo Foresti, Foresti Design Preparação Raïtsa Leal Índice remissivo Probo Poletti Revisão Jane Pessoa Márcia Moura [2020]

Todos os direitos desta edição reservados à editora schwarcz s.a.

Praça Floriano, 19, sala 3001 — Cinelândia 20031-050 — Rio de Janeiro — rj Telefone: (21) 3993-7510 www.companhiadasletras.com.br www.blogdacompanhia.com.br facebook.com/editoraobjetiva instagram.com/editora_objetiva twitter.com/edobjetiva

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (cip) (Câmara Brasileira do Livro, sp, Brasil)

Bargh, John

O cérebro intuitivo : Os processos inconscientes que nos levam a fazer o que fazemos / John Bargh ; tradução Paulo Geiger. — 1ª ed. — Rio de Janeiro : Objetiva, 2020.

Título original: Before You Know It : The Unconscious Reasons We Do What We Do.

Bibliografia.

isbn 978-85-470-0104-9

1. Comportamento humano 2. Conhecimento 3. Consciência — Aspectos psicológicos 4. Intuição (Psicologia) 5. Motivação (Psicologia) 6. Neuropsicologia i. Título.

20-32867 cdd-154.2 Índice para catálogo sistemático:

1. Inconsciente : Psicologia 154.2

Maria Alice Ferreira – Bibliotecária – crb-8/7964

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Para Danielle, minha super-heroína

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Sumário

Vamos refazer a tessitura do tempo ... 9

parte 1: o passado oculto 1. O passado está sempre presente ... 31

2. Alguma montagem é requerida ... 66

3. Horário nobre e tempo de pré-ativação ... 90

4. A vida se prolonga ... 115

parte 2: o presente oculto 5. Ficar ou ir embora? ... 149

6. Quando confiar em seu instinto? ... 179

7. O que você vê é o que você faz ... 209

parte 3: o futuro oculto 8. Cuidado com o que deseja ... 247

9. O inconsciente nunca dorme ... 277

10. Você controla sua mente ... 303

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Notas ... 335 Referências bibliográficas ... 357 Índice remissivo ... 377

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Vamos refazer a tessitura do tempo

A distinção entre passado, presente e futuro é apenas uma ilusão obstinada e persistente.

Albert Einstein

Na faculdade, eu me formei em psicologia, mas me especializei em Led Zeppelin. Ou talvez tenha sido o contrário.

Foi em meados da década de 1970, eu ainda estudava na Universidade de Illinois, em Champaign-Urbana. Quando não estava trabalhando no laboratório de pesquisa do Departamento de Psicologia, passava meu tempo na estação de rádio estudantil, a wpgu, na qual era dj no turno da noite. Pôr os discos para girar requer mais do que mera técnica, ainda mais naquela época pré-digital de discos de vinil. Trata-se de uma arte que envolve intuição e perícia, o que me custou alguns contratempos em pleno ar até eu enfim me sentir relaxado em minha cabine de vidro à prova de som no estúdio da estação. Para inserir da maneira certa uma nova canção num fade-in, é preciso combinar corretamente seu ritmo, e até sua tonalidade, com os da canção que está em fade-out. Como duas pessoas que se cruzam na porta de um restaurante, uma saindo e a outra chegando, as duas canções se sobrepõem durante vários segundos, criando uma prazerosa sensação de continuidade. Uma das coisas de que eu mais gos-tava no Led Zeppelin era que os finais de suas canções, em geral estranhos e

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prolongados, me instavam a ser mais criativo nas transições que eu articulava. Enquanto “Ramble On” ia se desvanecendo, com o “Mah baby, mah baby, mah

baby” de Robert Plant ficando cada vez mais suave, eu sobrepunha a trovoada

e a chuva que abrem “Riders on the Storm”, do The Doors.

Sendo um garoto do Meio-Oeste que estava apenas começando a pensar no que queria fazer da vida, fui atraído pela psicologia porque ela prometia um futuro de explicações: por que os seres humanos fazem o que fazem, tanto as coisas boas quanto as ruins; quais componentes de nossas mentes determinam nossos pensamentos e sentimentos; e, o mais intrigante de tudo, como poderíamos usar esse poço de conhecimentos cada vez mais profundo para reconfigurar nós mesmos e o mundo. Por outro lado, a razão de eu estar tão obcecado por música era que ela desafiava qualquer explicação. Por que eu gostava de certas bandas e não de outras? Por que algumas canções me deixavam arrepiado ou me faziam sacudir involuntariamente, enquanto outras não me causavam mais que indiferença? Por que a música exercia um efeito tão poderoso sobre minhas emoções? Ela falava a um repositório oculto de mim mesmo que eu não compreendia, mas que claramente existia e era im-portante. Em 1978, depois que mudei para Ann Arbor, em Michigan, para trabalhar em minha tese de doutorado, meu orientador, Robert Zajonc, me chamou a seu gabinete, mostrou dois cartões-postais de museus com pinturas modernas e me perguntou de qual eu gostava mais. Ele fez isso com quatro ou cinco conjuntos de pinturas. A cada vez eu soube de imediato qual era minha preferida, mas não consegui identificar o motivo.

Bob sorriu e assentiu, ao ver meu desconforto. “Exatamente”, disse ele. Os psicólogos estavam começando a constatar que havia mecanismos ocul-tos, subjacentes, que orientavam, e até criavam, nossos pensamentos e nossas ações. No entanto, estávamos apenas no início do processo de compreender que mecanismos eram esses e como funcionavam.1 Em outras palavras, uma

parte importante do que nos faz ser quem somos ainda não tinha explicação, mas era a fonte de uma parte crucial de nossa experiência.

Nessa mesma época, no final da década de 1970, um homem chamado Michael Gazzaniga estava viajando pela Nova Inglaterra num trailer gmc de oito metros.2 Um dos pais da moderna neurociência, Gazzaniga não estava

na estrada só por diversão. O propósito de suas viagens era visitar pacientes com “cérebro dividido” — pessoas cujo corpo caloso, a faixa de fibras que une

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os hemisférios direito e esquerdo do cérebro, havia sido cortado para reduzir ataques epilépticos. Gazzaniga esperava aprender coisas novas sobre como diferentes regiões do cérebro interagiam. Ele estacionava seu trailer e punha o paciente diante de um mostrador que era capaz de apresentar certos estímulos ao hemisfério direito do cérebro e outra informação ao hemisfério esquerdo. Em geral, o paciente não tomava consciência do que estava sendo apresentado ao lado direito de seu cérebro, apenas o que era mostrado ao lado esquerdo. Em alguns estudos, os pesquisadores exibiam comandos visuais, como “caminhe”, para o hemisfério direito do cérebro, e o paciente imediatamente empurrava a cadeira para trás, afastando-a da mesa com o computador, e se encaminhava para fora da sala de teste. Se lhe perguntavam aonde estava indo, respondia algo como: “Para minha casa, tomar um refrigerante”. As explicações pareciam ser sensatas, mas estavam totalmente erradas. Gazzaniga ficou impressionado com a rapidez e a facilidade com que seus pacientes eram capazes de interpretar e dar explicações razoáveis para comportamentos que não tinham adotado conscientemente nem começado por iniciativa própria.

O insight revolucionário que Gazzaniga extraiu de seus experimentos foi que os impulsos que acionam muitos de nossos comportamentos diários, a cada mo-mento, originam-se em processos cerebrais que estão além de nossa consciência, mesmo que saibamos, rapidamente, explicá-los de outra forma. Todos sentimos a experiência subjetiva da vontade, mas esse sentimento não é uma evidência válida de que de fato tivemos a intenção de nos comportar de determinada maneira. Podemos ser induzidos a fazer movimentos sem ter querido fazê-los, como demonstrou o dr. Wilder Penfield com pacientes de cirurgia cerebral na Universidade McGill de Montreal, na década de 1950. Ele estimulava uma área do córtex motor, e o braço da pessoa se movia. Ele então advertia o paciente de que isso ia acontecer, e o paciente poderia até tentar impedi-lo, usando o braço esquerdo, mas o direito se mexia mesmo assim.3 Ficou claro que não era

necessário consciência para que o braço se movesse; a consciência não conseguia sequer impedi-lo. Gazzaniga alegou que a mente consciente atribui, pós-fato, um sentido a nossos comportamentos gerados inconscientemente, criando uma narrativa positiva, plausível, sobre o que estamos fazendo e por quê. Obviamente, isso não garante que esses relatos pós-fato sejam exatos. O insight de Gazzaniga dá ao adágio délfico “Conhece-te a ti mesmo” uma luz nova e surpreendente, e suscita outras perguntas quanto ao conceito do livre-arbítrio.

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Em um dia qualquer, quanto do que dizemos, sentimos e fazemos está mesmo sob nosso controle consciente? Mais importante que isso, quanto

não está? E o mais crucial de tudo: se compreendermos como funciona nosso

inconsciente — se soubermos por que fazemos o que fazemos — seremos enfim capazes de conhecer fundamentalmente a nós mesmos? Poderá o discernimento de nossas motivações ocultas revelar diferentes modos de pensar, sentir e agir? O que isso poderia significar em nossas vidas?

O cérebro intuitivo examina essas questões, assim como dezenas de outras

que são, tanto quanto essas, complexas e urgentes. Para começar, porém, precisamos considerar por que a experiência humana funciona dessa maneira. Quando tivermos obtido o contexto correto para compreender a interação entre as operações conscientes e as inconscientes de nossa mente, novas opor-tunidades se abrirão para nós. Poderemos aprender a curar feridas, desfazer hábitos, superar preconceitos, reconstruir relacionamentos e resgatar aptidões adormecidas. Isso, invocando mais duas canções do Led Zeppelin, acontecerá quando as possibilidades de transformação deixarem de estar “Over the Hills and Far Away” [Além das montanhas e muito distante] e começarem a aparecer “In the Light” [À luz].

NÓS SABEMOS O QUE NÃO SABEMOS

Meu cunhado Pete é um cientista de foguetes. Literalmente. Ele e eu cres-cemos numa cidadezinha, Champaign, e depois ele, minha irmã e eu fizemos juntos nosso trabalho de graduação na Universidade de Illinois. Quando fui para a Universidade de Michigan para meu trabalho de pós-graduação, ele ingressou na Marinha e se tornou um especialista em sistemas de mísseis teleguiados. Ele é muito inteligente.

Eu estava dando aulas na Universidade de Nova York havia alguns anos, na década de 1980, quando fui passar duas semanas com minha família em nossa pequena cabana em Leelanau County, em Michigan, popularmente chamado de o “Mindinho” do estado. No inverno, esse lugar do país é uma extensão fria, proibitiva, de campos cobertos de neve sob céus cinzentos, mas durante o verão é repleto de lagos brilhantes com águas cristalinas como as do Caribe, dunas de areia cheias de crianças felizes, um cenário de churrascos fumegantes

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e peixes cozinhando, com um pôr do sol sobre árvores verdejantes ao fundo. Meu pai comprou essa pequena cabana sem aquecimento quando éramos crianças, e por muitos anos passamos verões especiais lá.

Certo dia, a superfície do lago estava calma, exceto por marolas ocasionais causadas por ventos silenciosos, imperceptíveis. Era o descanso perfeito da barulhenta cidade de Nova York, onde eu passava as outras cinquenta semanas do ano. Meu cunhado e eu éramos, os dois, madrugadores, e estávamos na sala de estar com janelas amplas bebendo café e aproveitando a luz da manhã.

“Então, conte-me as últimas grandes descobertas de seu laboratório”, disse ele.

Expliquei como estávamos descobrindo que o discernimento consciente e a intenção não eram sempre a fonte de nossas reações ao mundo à nossa volta. “Por exemplo”, comecei, “tem essa coisa chamada Efeito Coquetel.4 Digamos

que você esteja numa festa, e de repente ouve alguém pronunciar seu nome no outro lado do recinto. Você não ouviu nada do que a pessoa disse antes de seu nome, e talvez nem soubesse que ela estava na festa. Em meio ao barulho, você estava filtrando tudo a não ser o que estava dizendo à pessoa com quem conversava, mas mesmo assim seu nome atravessou o filtro. Por que seu nome e nenhuma outra coisa? Esse foi o primeiro estudo que fizemos, mostrando que processamos automaticamente nosso nome e outras coisas importantes para nosso autoconceito, mesmo sem saber.”

Meu cunhado olhava para mim com o rosto inexpressivo. Achei que não tinha sido claro, por isso continuei. Expliquei como nossa opinião sobre outra pessoa — por exemplo nossas primeiras impressões — podem ser inconscien-temente influenciadas, até mesmo manipuladas, por experiências vividas pouco antes de tê-la conhecido. Eu tinha visto isso em primeira mão em experimentos realizados por meu laboratório, e foi espantoso. “Basicamente”, falei, “o que estamos descobrindo é que muito de como a mente opera está oculto para nós, e isso molda nossa experiência e nosso comportamento de maneiras que não fazemos ideia. A parte excitante disso é que por meio de nossos experimentos estamos começando a detectar esses mecanismos inconscientes, a enxergar esses padrões invisíveis em nossa mente.”

A essa altura, Pete me interrompeu, sacudindo a cabeça. “Não tem como, John”, retrucou. “Não me lembro de nenhuma vez em que fui influenciado inconscientemente!”

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Exatamente, pensei. E é esse o “x” da questão, não é? Você não se lembra de nenhuma vez, porque, para começar, nunca esteve ciente disso.

Meu cunhado cientista de foguetes mostrava-se inabalável em sua firme crença — baseada na experiência pessoal de toda a sua vida — de que tudo que ele fazia era produto de uma escolha consciente. Isso é totalmente com-preensível. Nossa experiência é, por definição, limitada àquilo de que temos consciência. Além disso, seria bizarro e mesmo um tanto aterrorizante admitir a possibilidade de que não estamos tão no controle de nossos pensamentos e de nossas ações quanto nossa consciência nos leva a crer. É difícil aceitar que existem outras forças conduzindo esse barco que é nosso ser, além do capitão consciência que está no leme.

Para compreender de fato o modo como as influências do inconsciente operam dentro de nós em todos os momentos de cada dia, temos de reconhecer que há uma grande desconexão entre aquilo de que temos ciência a cada dado momento e o que mais está ocorrendo na mente naquele mesmo momento. E há muito mais acontecendo do que aquilo de que temos ciência. É o mesmo princípio desses gráficos de comprimentos de onda eletromagnéticas na física, das menores às maiores — nós só conseguimos ver uma pequena fração desses comprimentos de onda, chamada espectro visível. Isso não quer dizer que não haja ali outros comprimentos de onda, mas apenas que eles são invisíveis para nós: infravermelho, ultravioleta, rádio, raios X e muitos mais. Ainda que não consigamos ver a olho nu esses comprimentos de onda de energia invisíveis, dispomos agora de dispositivos e de tecnologia para detectá-los e medir seus efeitos. O mesmo acontece com nossos processos mentais invisíveis: podemos não ter consciência deles diretamente, mas a ciência é agora capaz de detectá--los. Nós também podemos aprender a detectá-los — e ao aprender a ver o que está oculto, adquirimos um novo conjunto de olhos. Ou talvez apenas a receita para um novo par de óculos que não tínhamos ideia de que precisáva-mos. (“Veja só quanta coisa eu não estava vendo!”) E você não precisa ser um cientista de foguetes para usá-los.

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AS TRÊS ZONAS DO TEMPO

Até pouco tempo não era possível testar sistemática e rigorosamente como o inconsciente afeta nossos pensamentos e nossas ações. Os cientistas dispu-nham apenas de teorias, estudos de casos de pacientes clínicos e evidências experimentais fragmentadas, que, naturalmente, alimentavam um debate em andamento. A noção da existência de partes inconscientes da mente, de pro-cessos mentais que operam sem nosso conhecimento, existia bem antes de Freud.5 Darwin, por exemplo, a usou repetidas vezes em sua obra magna de

1859, A origem das espécies, para se referir ao modo como os agricultores e pecuaristas de sua época usavam inconscientemente os princípios da seleção natural para cultivar espigas de trigo maiores, criar vacas mais gordas e ter carneiros mais lanudos. Ele queria dizer que os agricultores e pecuaristas não tinham consciência do motivo pelo qual o que faziam estava funcionando, ou dos mecanismos que subjaziam a isso — e, sobretudo, não tinham conhecimento das implicações maiores do mecanismo da seleção natural em relação às crenças religiosas sobre a criação sobrenatural do mundo, incluindo todos os animais e todas as plantas. Mais tarde, ainda no século xix, Eduard von Hartmann publicou um livro intitulado Filosofia do inconsciente, que consistia em nada mais que uma especulação desenfreada sobre a mente e seu funcionamento interno, sem dados e, além do mais, desprovido de lógica e de bom senso. Esse livro ganhou muita popularidade e já havia sido republicado nove vezes em 1884. William James, um dos pais da psicologia moderna, não gostava do relato completamente anticientífico de Von Hartmann sobre as regiões incons-cientes da mente, a ponto de provocar seu famoso descarte do inconsciente como um “desmoronante terreno para caprichos”.6 Entretanto, vinte anos mais

tarde, depois de se encontrar com Sigmund Freud pela primeira vez e ouvi-lo palestrar sobre o significado dos sonhos, James ficou bem impressionado com a abordagem médica do inconsciente na mente e disse a Freud que sua obra era o futuro da psicologia.7 James apreciava os esforços de Freud para ir além

de especulações teóricas fáceis e fazer observações clínicas mais precisas e intervenções para aliviar a angústia e os sintomas de seus pacientes.

No entanto, poucos anos após esse primeiro e único encontro entre esses dois titãs da psicologia, James e Freud, surgiu uma reação sísmica do esta-mento científico da época contra o estudo da mente. Os relatos conscientes

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de participantes em estudos psicológicos sobre sua experiência interior, chamados introspecção, não foram considerados fonte confiável de evidência, porque a mesma pessoa era capaz de relatar coisas diferentes em momentos distintos, quando se via diante das mesmas circunstâncias. (De fato, um dos temas deste livro é nossa humana falta de um acesso introspectivo preciso e de conhecimento sobre como funciona nossa mente — embora os cientistas da época confiassem que os participantes de seus estudos seriam capazes de relatar com exatidão como suas mentes funcionavam.)8 Em 1913, John B.

Watson fez a famosa declaração de que a psicologia científica não deveria, portanto, tentar estudar nada relacionado ao pensamento e à experiência consciente. A consequência foi catastrófica. Como escreveu Arthur Koestler em sua devastadora crítica ao behaviorismo de 1967, O fantasma da máquina, Watson e os behavioristas haviam cometido um erro de lógica colossal, que fez com que o estudo da mente — consciente ou inconsciente — fosse excluído da psicologia científica pelos cinquenta anos seguintes. Como observa Koes-tler, era uma época na qual as outras ciências, em gritante contraste, faziam tremendos progressos.9 A escola behaviorista dominante na psicologia,

con-forme fundada por Watson, alegava com veemência que somos, totalmente, produto de nosso meio ambiente. O que víamos, ouvíamos e tocávamos — e pouca coisa além disso — determinava aquilo que fazíamos. Passávamos pela vida como ratos capazes de aprender a pressionar uma alavanca para obter comida. A consciência era uma ilusão, um epifenômeno que pode nos parecer real, mas não tem papel ativo em nossas vidas. Essa visão extrema estava, é claro, equivocada. Na década de 1960, um novo paradigma entrou em voga — a psicologia cognitiva. Os psicólogos cognitivos buscaram desmascarar a noção de que não somos mais do que ratos de laboratório sofisticados e alegaram que nossas escolhas conscientes tinham importância. Porém, ao nos devolver o livre-arbítrio e lutar tão duramente contra o poderoso e entrincheirado estamento behaviorista, os psicólogos cognitivos caíram no extremo oposto. Alegaram que nosso comportamento está quase sempre sob controle inten-cional e consciente, e raramente é desencadeado por uma incitação do meio ambiente. Essa posição na extremidade oposta também está errada. A verdade está em algum lugar entre esses dois polos e só pode ser compreendida depois de considerarmos a condição mais básica para a existência de toda vida em nosso planeta — o tempo.

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A abrangente premissa deste livro é que — assim como aquilo que Einstein disse na epígrafe deste capítulo é verdadeiro para todo o universo — a mente existe simultaneamente no passado, no presente e no futuro. A experiência consciente é a soma dessas três partes à medida que elas interagem dentro do cérebro de um indivíduo. No entanto, o que constitui as zonas de tempo coexistentes na mente é menos explícito do que poderia parecer. Ou melhor, uma camada é bastante fácil de ser identificada, ao passo que as outras não são.

O passado, o presente e o futuro não ocultos estão bem ali, em nossa ex-periência diária. A qualquer momento podemos, por vontade própria, evocar memórias do imenso arquivo armazenado no cérebro, e parte delas conservam uma vividez extraordinária. Memórias também podem ocasionalmente vir ao nosso encontro, disparadas por alguma associação que faz o passado espocar em nós, como se uma tela de cinema se desdobrasse diante dos olhos da mente. E se dedicarmos algum tempo à reflexão — ou se tivermos um parceiro que nos faz perguntas ou se entrarmos em terapia —, seremos capazes de desco-brir como o passado modela nossos pensamentos e nossas ações do presente. Enquanto isso, seguimos cientes de um presente que está continuamente acontecendo. A cada segundo que passamos despertos, experimentamos a vida quando ela encontra nossos cinco sentidos — visões, cheiros, gostos, sons, texturas. O cérebro humano evoluiu de modo a que sejamos capazes de reagir com eficácia ao que acontece à nossa volta, à medida que acontece no presente. Assim, dedicamos uma tremenda quantidade de recursos neurais para tomar decisões comportamentais inteligentes num mundo em mutação que não podemos controlar. Éons de evolução deram à massa cinzenta entre nossas orelhas a forma de um centro de comando incrivelmente sofisticado. Pense nisto: o cérebro humano constitui em média 2% do peso total de uma pessoa, mas consome cerca de 20% da energia que utilizamos quando des-pertos.10 (Agora que pensou nisso, talvez você queira comer alguma coisa.)

No entanto, podemos controlar nossos futuros imaginados. Perseguimos ativamente ambições, desejos e ocasiões marcantes na vida — aquela promoção tão merecida, aquelas férias dos sonhos, uma casa para nossa família. Esses pen-samentos que se desenrolam em nossas mentes não estão mais ocultos do que o passado ou o presente. Como poderiam estar? Nós mesmos os suscitamos.

É indiscutível, portanto, que aquilo de que conscientemente temos noção nos alimenta de uma dose de experiência substancial e significativa. Mas na

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mente acontece muito, muito mais do que aquilo que é visível de imediato nessas três zonas do tempo. Também temos um passado, um presente e um futuro ocultos — todos nos influenciando antes de o sabermos.

O organismo humano evoluiu com ordem de se manter vivo e, com isso, continuar a se reproduzir. Tudo o mais — religião, civilização, o rock progressivo de 1970 — veio depois. As lições duramente aprendidas para a sobrevivência de nossa espécie constituem nosso passado oculto e nos dotaram de “protoco-los” automáticos que persistem até hoje, embora pessoalmente não tenhamos lembrança da imensa história ancestral que produziu essas características. Por exemplo, se um ônibus está vindo em sua direção, você sabe pular para longe do percurso dele, e seu sistema nervoso o ajuda a fazer isso sem que você tenha de ordenar que ele comece a bombear adrenalina. Da mesma forma, se alguém por quem você está atraído se inclina para beijá-lo, você sabe corresponder a esse beijo. Meio século atrás, o prof. George Miller, de Princeton, ressaltou que se tivéssemos de fazer tudo de forma consciente, nunca conseguiríamos sair da cama pela manhã.11 (Já é bem difícil com as coisas do jeito que são.) Se

você tivesse de decidir em detalhes quais músculos movimentar, e fazer isso na ordem correta, provavelmente ficaria sobrecarregado. Na agitação frenética de cada dia, não nos damos ao luxo de refletir com tanto cuidado sobre qual seria a melhor resposta para cada e todo momento, e, assim, nosso passado evolu-cionário que opera em nível inconsciente nos provê de um sistema otimizado que nos economiza tempo e energia. Entretanto, como iremos explorar adiante, ele também orienta nosso comportamento de outras maneiras importantes e menos óbvias — por exemplo, em temas como namoro e política de imigração.

O presente, tal como existe na mente, também contém muito mais do que percebemos conscientemente quando estamos a caminho do trabalho, passando algum tempo com a família ou com o olhar fixo no smartphone (e às vezes fazemos todas as três coisas ao mesmo tempo, embora eu não aconselhe fazer isso). Minha pesquisa ao longo dos anos, bem como a de meus colegas, tem revelado que existe um presente oculto que afeta quase tudo que fazemos: quais produtos compramos (e quantos) na mercearia, nossas expressões faciais e nossos gestos quando conhecemos pessoas novas, nosso desempenho em testes e entrevistas de emprego. Embora possa parecer o contrário, o que pensamos e fazemos nessas situações não está totalmente sob nosso controle consciente. Dependendo das forças ocultas que atuam no presente de nossa mente em

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cada dado momento, compramos produtos diferentes (e em quantidades di-ferentes), interagimos com os outros de modos diferentes e apresentamos um desempenho diferente. E ainda temos nossos palpites confiáveis, instintos e reações viscerais sobre os quais Malcolm Gladwell escreveu em seu livro Blink:

A decisão num piscar de olhos. A maleabilidade de nossas mentes no presente

significa que respostas “num piscar de olhos” são de fato consideravelmente mais falíveis do que muitos de nós pensam. Ao aprender como eles de fato funcionam em nosso cérebro, porém, podemos incrementar nossa aptidão para reconhecer os bons e os maus palpites.

E há ainda o futuro oculto. Temos esperanças, sonhos e objetivos que orientam nossas mentes e nossas vidas, assim como temos medos, ansiedades e preocupações quanto ao futuro que às vezes não conseguimos banir de nossos pensamentos. Essas ideias, passando por nossos caminhos neurais, exercem uma influência invisível e marcante sobre nós. O que queremos e necessitamos com mais intensidade determina aquilo de que gostamos e de que não gostamos. Por exemplo, um experimento notável demonstrou que quando mulheres são levadas a pensar que chegou a hora de buscar um parceiro com quem possa manter um relacionamento duradouro, sua desaprovação a salões de bronzeamento e a pílulas para emagrecer (métodos ostensivos para se tornar mais atraente) diminui.12 Por

quê? Porque inconscientemente vemos o mundo através de óculos cujas lentes, que filtram o que vemos, são os nossos objetivos. Os salões de bronzeamento e as pílulas para emagrecer de repente se tornam coisas boas quando nossa mente está inconscientemente focada em ficar mais atraente para encontrar um par-ceiro. Esse futuro invisível também afeta de quem gostamos e não gostamos. Se você estiver focado em sua carreira, sentirá uma conexão emocional maior com pessoas que estão relacionadas com seu objetivo profissional. Por outro lado, se estiver mais ligado em se divertir, outro tipo de pessoa atrairá você. Em outras palavras, amigos — assim como outros aspectos da vida — com frequência são uma função de nossos objetivos inconscientes, nosso futuro oculto. Examinar como nossos desejos podem influenciar furtivamente nossas vidas nos permite ordenar melhor nossas verdadeiras prioridades e nossos valores.

Passado. Presente. Futuro. A mente existe nas três zonas de tempo simul-taneamente, tanto nas operações ocultas quanto nas visíveis. É um tipo de distorção multidimensional do tempo, mesmo quando nos proporciona a sensação de uma experiência suavemente contínua, linear. Nenhum de nós,

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nem mesmo o praticante mais adepto da meditação, jamais está apenas no presente. Nem deveríamos querer estar.

A mente em essência, opera de modo muito parecido com o equipamento estéreo que eu utilizava quando dj na wpgu, na década de 1970, exceto pelo fato de que as superposições são muito mais complicadas e o mixer tem muito mais entradas ativas. É como se sempre estivessem sendo tocadas três canções. A canção principal (o presente) é tocada no volume mais alto — digamos que seja “Heartbreaker”, porque esta é o Zeppelin em seu melhor — enquanto as outras duas (passado e futuro) estão em constante fade-in e fade-out, e, dissimuladamente, mudando o som como um todo. A sorrateira sutileza é a seguinte: nas profundezas ocultas de sua mente, há letras, melodias e ritmos importantes dos quais você não tem consciência. Mesmo quando estão alte-rando de forma significativa o caráter geral da canção que você está escutando, é raro que você saiba como identificá-los.

O objetivo deste livro é pôr você dentro da cabine de dj que é sua mente, de modo que possa ouvir melhor o que de fato está tocando lá e começar a controlar, você mesmo, a música.

O NOVO INCONSCIENTE

A longa jornada da humanidade para a compreensão da mente inconsciente nos levou a um sem-número de direções erradas e até bastante fantasiosas. Na Idade Média, quando as pessoas apresentavam quaisquer comportamentos estranhos, como falar sozinho ou ter visões, acreditava-se que estavam pos-suídas por um demônio ou um espírito mau. Afinal, a religião ensinava que os seres humanos haviam sido criados à imagem de Deus, e Deus não ia ficar andando por aí balbuciando coisas para si mesmo. No início do século xvii, o filósofo René Descartes (famoso pelo aforismo “Penso, logo existo”) localizou a alma humana — nossa qualidade sobrenatural, divina — em nossas mentes conscientes. A causa de comportamentos socialmente inaceitáveis, portanto, não poderia estar na consciência divina da pessoa; teria de haver uma força externa que tomava posse de seu corpo físico.

Cerca de três séculos depois, por volta de 1900, os cientistas Pierre Janet, em Paris, e Sigmund Freud, em Viena, alegaram, um independente do outro,

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