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A Gaia Ciência - Excertos

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(1)

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A

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L J

COLEÇÀO DAS OBRAS DE IETZSCHE Coordenação de Paulo César de Souza

Além do bem e do mal- Prelúdio a uma filosofia do futuro O nascimento da tmgédia - ou Helenismo e pessimismo Ecce homo - Como alguém se torna o que é

Genealogia da moml- Uma polêmica O caso Wagner - Um problema para músicos

e Nietzsche contra Wagner- Dossiê de um psicólogo Humano, demasiado humano - Um livro para espíritos livres A gaia ciência

~FRIEDRICH

NIE

TZS

C

HE

A

GAIA CIÊNCIA

Tradução, notas e posfáciO.: PAULO CÉSAR DE SOUZA

(2)

A G A I A C l í ' : N C I A

'xtraordinários: e quem sente tais energias em si mesmo tem d cultivá-las, defendê-las, honrá-las, promovê-las contra um mundo oposto e diverso: e assim ele se torna um grande bo mem ou um excêntrico e doido, desde que não pereça logo Outrora essas mesmas características eram habituais, e portan to eram tidas por comuns: não sobressaíam. Talvez fossem requeridas, pressupostas: era impossível tornar-se grande COI11 elas, já pelo fato de não haver o perigo de com elas tornar-s também louco e solitário. - É sobretudo nas linhagens e cas tas

mantenedoras

de um povo que sucedem tais retornos '2 dl' velhos impulsos, não havendo possibilidade desse atavismo quando raças, hábitos, avaliações mudam rápido demais. Pois, para as forças de desenvolvimento dos povos, o tempo signifi -ca tanto quanto na música; em nosso caso, um

andante

do

desenvolvimento é necessário, como o tempo de um espírito

lento e apaixonado: - e dessa espécie é, afinal, o espírito das

linhagens conservadoras.

11.

A consciência.

-

A consciência é o último e derradeiro desenvolvimento do orgânico e, por conseguinte, também o que nele é mais inacabado e menos forte. Do estado conscien -te vêm inúmeros erros que fazem um animal, um ser humano, sucumbir antes do que. seria necessário, "contrariando'o desti-no'; como diz Homero. li Não fosse tão mais forte o conservador vínculo dos instintos, não servisse no conjunto como regula-dOI; a humanidade pereceria por seus juízos equivocados e seu fantasiar de olhos abertos, por sua credulidade e

improfundi-dade, em suma, por sua consciência; ou melhor: sem aquele,

há muito ela já teria desaparecido! Antes que uma função

este-ja desenvolvida e madura, constitui um perigo para o

organis-mo: é bom que durante esse tempo ela seja tiranizada! Assim

a consciência é tiranizada - e ,em boa parte pelo, orgulho que s tem dela! Pensam que nela está o

âmago do ser humano,

o C]U nele é duradouro, derradeiro, eterno, primordial! Tomam a 'ons iência por uma firme grandeza dada! Negam seu cres

ci-[62]

L I V R o

111' II,IS intermitências! Vêem-na como "unidade do or ga-I "" I I Essa ridícula superestimação e má-compreensão da

II I I, I Hi:1 tem por corolário a grande vantagem de que assim

II/IIII/Ir/lr/o o seu desenvolvimento muito rápido. Por acredi-I III \, I 1\ 'I" (.\ consciência, os homens não se empenharam em I plll 1.1 - e ainda hoje não é diferente! A tarefa de

incor-, 1/ fi

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e

torná-lo instintivo é ainda inteiramente nova, II I mmeça a despontar para o olho humano, dificilmen-I I" II VI tível - uma tarefa vista apenas por aqueles que .

1111 1llll'mm que até hoje foram incorporados somente os

nos-I I" /'(IS, c que toda a nossa consciência diz respeito a erros!

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tivo da ciência.

-

Como? O objetivo último da

ciên-I I I Ilroporcionar ao homem o máximo de prazer e o mínimo " ,II 'SI razer possíveis? E se prazer e desprazer forem de tal 11111111) 'ntrelaçados, que quem desejar o máximo de um tenha

ii 11'1' igualmente o máximo do outro - que quem quiser II ii' I KI 'I" a "rejubilar-se até o céu" tenha de preparar-se também I'1I I" 'star entristecido de morte"?" E assim é, talvez! Ao menos , ,'~I<Íicos acreditavam que é assim, e eram coerentes ao ansiar III 'h I ln í nimo de prazer, para ter o mínimo de desprazer na vida

I, iii, II1UO diziam que "o homem virtuoso é o mais feliz'; isso era

I 1I11() uma divisa da escola, para a grande massa, como uma suti-I, ,I ';Jsuística para os sutis). Ainda hoje vocês têm a escolha:

I III (I

lnÍ1iimo de desprazei'

possível

,

isto é, ausência de dor - e

III I fundo os socialistas e políticos de todos os partidos não 1" 111 'm, honestamente, prometer mais do que isso à sua gente ()u o máx

imo de desprazer

possí

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l

,

como preço p lo incr -II j( 'l1t de uma abundância de sutis prazeres e alegrias, até hoje 1,11.ll11ente degustados! Caso se decidam pelo primeir , cas I" I 'iram diminuir e abater a suscetibilidade humana à. 101;

1'llIa têm de abater e diminuir também a

capacidade

para a

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ria.

Com a

ciência

pode-se realmente promover tanto um

I I )1110 o outro objetivo! Talvez ela seja agora mais conhecida I or

('U poder de tirar ao homem suas alegrias e torná-lo mais frio,

(3)

A G A I A C I Í l N C I A

'xlraordinários: e quem sente tais energias em si mesmo tem

I ultivá-Ias, defendê-Ias, honrá-Ias, promovê-Ias contra um

mundo oposto e diverso: e assim ele se torna um grande

ho-mem ou um excêntrico e doido, desde que não pereça logo.

Outrora essas mesmas características eram habituais, e portan-to eram tidas por comuns: não sobressaíam. Talvez fossem

requeridas, pressupostas: era impossível tornar-se grande com

elas, já pelo fato de não haver o perigo de com elas tornar-se

também louco e solitário. - É sobretudo nas linhagens e

cas-tas

mantenedorasde

um povo que sucedem tais retornos12de

velhos impulsos, não havendo possibilidade desse atavismo

quando raças, hábitos, avaliações mudam rápido demais. Pois,

para as forças de desenvolvimento dos povos, o tempo

signifi-ca tanto quanto na música; em nosso caso, um

andante

do

desenvolvimento é necessário, como o tempo de um espírito

lento e apaixonado: - e dessa espécie é, afinal, o espírito das

linhagens conservadoras.

11.

A consciência.

-

A consciência é o último e derradeiro

desenvolvimento do orgânico e, por conseguinte, também o

que nele é mais inacabado e menos forte. Do estado

conscien-te vêm inúmeros erros que fazem um animal, um ser humano,

sucumbir antes do que seria necessárío, "contrariando o·desti-no'; como diz Homero.llNão fosse tão mais forte o conservador

vínculo dos instintos, não servisse no conjunto como

regula-dor; a humanidade pereceria por seus juízos equivocados e seu

fantasiar de olhos àbertos, por sua credulidade e

improfundi-dade, em suma, por sua consciência; ou melhor: sem aquele,

há muito ela já teria desaparecido! Antes que uma função es

te-ja desenvolvida e madura, constitui um perigo para o

organis-mo: é bom que durante esse tempo ela seja tiranizada!Assim

'1 onsciência é tiranizada - e ,em boa parte pelo. orgulho que

s 't m dela! Pensam que nela está o

âmago

do ser humano, o

'lu' n le é duradouro, derradeiro, eterno, primordial! Tomam a mns 'j' n ia por uma finne grandeza dada! Negam seu

cresci-[62]

L I V R o

III 1111 I, SlI'IS intermitências! Vêem-na como "unidade do orga

-III II \I t! - Essa ridícula superestimação e má -compreensão da , "",(!vn ia tem por corolário a grande vantagem de que assim

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o seu desenvolvimento muito rápido. Por

acredi-I III 'III já ter a consciência, os homens não se empenharam em

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torná-lo instintivo é ainda inteiramente nova, 'III 'I I:IS começa a despontar para o olho humano, dificilmen

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e que toda a nossa consciência diz respeito a erros!

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objetivo

da

ciência.

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Como? O objetivo último da

ciên-I 1.1 " proporcionar ao homem o máximo de prazer e o mínimo

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IlIodo entrelaçados, que quem desejar o máximo de um tenha

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,Iprender a "rejubilar-se até o céu" tenha de preparar-se também 1I<IItl "estar entristecido de morte"?" E assim é, talvez! Ao menos

'IS estóicos acreditavam que é assim, e eram coerentes ao ansiar I) 'lo mínimo de prazer, para ter o mínimo de desprazer na vida (quando diziam que "o homem virtuoso é o mais feliz'; isso er~

Idnto uma divisa da escola, para a grande massa, como uma

suu-I 'za casuística para os sutis). Ainda hoje vocês têm a escolha: ()u o

mÍ1iimo de

desprazer possível,

isto é, ausência de dor - e no fundo os socialistas e políticos de todos os partidos não

podem, honestamente, prometer mais do que isso à sua gente

_ ou o máximo de desprazer possível, como preço pelo in re -menta de uma abundância de sutis prazere e alegrias, até hoj l"lramente degustados! Caso se decidam pelo primeiro, caso queiram diminuir e abater a suscetibilidad humana à. dor, cntão têm de abater e diminuir também a

capacidad

e

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legria.

Com a

ciência

pode-se realmente prom

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tanto um

'orno o OUU'O objetivo! Talvez ela seja agora mais conh crda por

'eu poder de tirar ao homem suas alegrias e torná-lo mais frio,

(4)

A G A I A C I Ê N C I A

mais estatuesco, mais estóico. Mas ela poderia se revelar ainda

como

a grande causadora de dor'!

-

E então talvez se

revelas-se igualmente o seu poder contrário, sua tremenda capacidade para fazer brilhar novas galáxias de alegria!

13.

Sobre

a

t

eo1'ia do sentimento

de

pode

r.

-

Ao fazer bem e fazer mal a outros, exercitamos neles o nosso poder - é tudo

o que queremos nesse caso! Fazemos mal àqueles aos quais

devemos fazer sentir noSso poder; pois para isso a dor é um meio muito mais sensível que o prazer: - a dor pergunta se m-pre pela causa, enquanto o prazer tende a ficar consigo mesmo e não olhar para trás. Fazemos bem e queremos bem àqueles

que já dependem de nós de alguma maneira Cisto é, estão

ha-bituados a pensar em nós como suas causas); queremos

au-mentar seu podei; pois assim aumentamos o nosso, ou quere

-mos -mostrar-lhes a vantagem de estar em nosso poder

-assim ficam mais satisfeitos com

a

sua situação e mais hostis e

belicosos com os inimigos de

nosso

poder Não altera o valor

último de nossas ações o fato de que fazer bem ou mal envo

l-va sacrifícios para nós; mesmo se oferecemos a vida, como faz

o mártir pela sua igreja, é um sacrifício ao

nosso

desejo de

po-dei; ou com a finalidade de preservar nosso sentimento de

poder Quem sente que está "de posse da verdade'; a quantas posses não tem de renunciai; para salvaguardar esta sensação!

O~ão lança fora, para manter-se "em cima" - isto é, acima dos outros, que carecem da "verdade"! Sem dúvida, o estado

em que fazemos mal é raramente tão agradável, tão

claramen-te agradável, como aquele em que fazemos bem - é um sinal

de que ainda nos falta poder, ou trai o desgosto com essa

penú-ria, traz consigo novos perigos e incertezas quanto ao poder que possuímos e turva nosso horizonte com perspectivas de

vingança, escárnio, punição, fracasso. Apenas para os homens

mais irritáveis e mais sequiosos do sentimento de poder será talvez mais prazeroso imprimir o selo do poder num recalcit:ra n-te; aqueles para quem a visão do subjugado Cobjeto de ben

e-[64]

L I V R o

.1. III 1;\) constitui um fardo e um tédio. Tudo depende de

co-1111 •• 1 i1ldivíduo está acostumado a

temperar

sua vida; é qu

es-I 111.1.' gosto, se prefere um aumento de poder lento ou súbito, I 1111) ou perigoso e temerário - ele busca esse ou aquele I 1111)( 'ro, conforme seu temperamento. Uma presa fácil é algo

lo '1'1l'l.ível para naturezas orgulhosas, elas sentem satisfação

'I" II.IS '10 ver homens não abatidos, que poderiam tornar-se I II' Inimigos, e ao enxergar riquezas de difícil obtenção; ante • • III 'ti r são freqüentemente duras, pois ele não é di~no de

• II ,'sl()rço e orgulho - mas se mostram tanto mais

obsequio-I' !il'nle aos seus

iguais,

com quem seria honroso lutar e

dis-1"11.11;

se

um dia houver para isso ocasião. No sentimento de 1II'I:Ição dado por

essa

perspectiva, os homens da casta cava-111I'11'l's a se habituaram a tratar um ao outro com esmerada • IlIlvsia. - Compaixão é o mais. agradável sentimento daqu e-I. !louco orgulhosos e sem expectativa de grandes conquis -II' para eles a presa fáci l -como é todo sofredor - é algo • I. ,I I cioso. A compaixão é louvada como sendo a virtude das

1111 ill1eres de vida alegre.

14.

As co

isas que chamamos de amor.

-

Cobiça e amor: que

'IlLÍmentos diversos evocam essas duas palavras em nós! - e

III) I 'ria, no entanto, ser o mesmo impulso que recebe dois III unes; uma vez difamado do ponto de vista dos que já pos

-II 'ln, nos quais ele alcançou alguma calma e que temem por \líl "posse"; a outra vez do ponto de vista dos insatisfeito, ',L 'ti 'ntos, e por isso glorificado como "bom': Nosso amor ao

I'I'() imo - não é ele uma ânsia por nova

propriedad

ri?

E

Igualmente o nosso amor ao saber, à verdade, e toda ânsia por III >vidades? Pouco a pouco nos enfadamos do que é velho, c.I ) LIli' possuímos seguramente, e voltamos a estender os bra 'OS; ,1111 la a mais bela paisagem não estará certa de nossO amol; ,Ip6s passarmos três meses nela, e algum litoral longínquo c.I s -I) 'rtará nossa cobiça: em geral, as posses são diminuí las pela posse. Nosso prazer conosco procura se manter tran forma

(5)

A G A I A CI~NCIA

24.

Insatisfação variada. - Os insatisfeitos frágeis e, por assim

dizei; femininos, têm sensibilidade para o embelezamento e

aprofundamento da vida; os insatisfeitos fortes - os viris entre

eles, para ficar nessa imagem -,para o melhoramento e maior

segurança da vida. Os primeiros revelam sua fraqueza e

femi-nilidade ao se deixar iludir de vez em quando e contentar-se já

com algum entusiasmo e embriaguez, mas em geral não

po-dem jamais ser satisfeitos e sofrem com a natureza incurável de

sua insatisfação; além disso, favorecem todos os que sabem

produzir consolos opiáticos e narcóticos, e aborrecem-se com

os que valorizam antes o médico que o sacerdote - assim

garantem a permanência das verdadeiras crises! Se esse tipo

de insatisfeitos não fosse abundante na Europa desde os

tem-pos da Idade Média, não'teria surgido talvez a famosa

capaci-dade européia pará a contínua transformação: pois as

preten-sões dos insatisfeitos fortes são muito grosseiras e, no fundo,

despretensiosas, para que não possam finalmente ser

apazi-guadas. A China é exemplo de um país em que a insatisfação

e a capacidade de transformação extinguiram-se há muitos

séculos; e os socialistas e idólatras europeus do Estado, com

suas medidas visando o melhoramento e maior segurança da

vida, não teriam dificuldade em estabelecer na Europa

condi-ções chinesas e uma "felicidade" chinesa, desde que antes

pudessem extirpar a insatisfação e o romantismo de caráter

doentio, delicado, feminino, que presentemente sobejam aqui.

A Europa é um doente que deve muito à sua incurabilidade e

à perene transformação do seu sofrer; estas condições sempre

novas, estes sempre no~erigos, dores e expedientes gera

-ram enfim uma suscetibilidade intelectual quase equivalente

ao gênio, e que, de todo modo, é a mãe de todo gênio.

25.

Não destinado ao conhecimento. - Há uma estúpida

humildade, nada rara, que torna aquele por ela afetado incapaz

definitivamente de ser um apóstolo do conhecimento. No

ins-[76]

L I V R o

(ante em que um homem desse tipo nota algo elif, r nt , I

('omo que faz meia-volta e diz a si mesmo: "Você s' 'ngrlJ1ou! ( nde estava com a cabeça? Isso não poel S'I' v 'r I,KI '!" - e 'ntão, em vez de olhar e ouvir de novo, mais aL 'nciosam 'nl "

'I foge da coisa diferente, como que intimic.hdo~ , Dr()~L1r~1

Ilrá-Ia da mente o mais rápido possível. POIS o S 'LI canon ' ln! ' -rior diz: "Não desejo ver nada que contrarie a opini71o pr 'v,tI ,

-'ente! Então eu fui feito para descobrir novas v rc.lac.l 's?.Já 'xis

-lem tantas das velhas':

26.

Que significa viver? - Viver - é continuamente afastar cI '

si algo que quer morrer; viver - é sercrue1 e implacável com ludo o que em nós, e não apenas erv hÓS, se torna fraco e velho.

Viver - é também não ter piedade com os moribundos, lTI1S e-ráveis e idosos? Ser continuamente assassino? - No entanto, o

velho Moisés declarou: "Não matarás!':

27.

Aquele que renuncia. - Que faz aquele que renuncia? Ele

aspira a um mundo mais elevado, ele quer voar mais, mais longe

e mais alto que todos os homens da afirmação - ele joga fora

muitas coisas que atrapalhariam seu vôo, e entre elas coisas que lhe são valiosas e queridas: sacrifica-as à sua ânsia das alturas. Esse sacrifício, esse jogar fora, é justamente aquilo que se torna visível nele: por causa disso chamam-no de aquele que renun

-cia, e como tal ele nos aparece, envolto em seu capuz, como s fosse a alma de um cilício. Mas ele está satisfeito com a impr

s-são que faz em nós: quer manter oculta a sua ânsia, seu orgu

-lho sua intenção de voar acima de nós. - Sim, ele é mais sag'lz

elo

~ue

pensamos, e tão gentil para conosco - esse afjrmac.lor!

Pois é isso tal como nós, também ao renunciar.

..

[77]

(6)

A G A I A C I Ê N C I A

resultado da luta: tão rápido e tão oculto opera hoje em lU esse antigo mecanismo.

112.

Causa e cifeito. -

"Explicação'; dizemos; mas é "descri(:II'

o que nos distingue de estágios anteriores do conhecimenll I

da ciência. Nós descrevemos melhor - e explicamos LI!

pouco quanto aqueles que nos precederam. Descobrimos !1H11

tiplas sucessões, ali onde o homem e pesquisador ingênuo I I

culturas anteriores via apenas duas coisas, "causa" e "efeil1'

como se diz; aperfeiçoamos a imagem do devi!; mas não f0l111 I

além dessa imagem, não vimos o que há por trás dela. Em cad I

caso, a série de "causas" se apresenta muito mais complvl I diante de nós, e podemos inferir: tal e tal coisa têm de sucedl'l

antes, para que venha essa outra - mas nada

compreendeI/II

)

com isso. Em todo devir químico, por exemplo, a qualidadl

aparece como um "milagre'; agora' co.mo antes, e assim tambC'1lI todo deslocamento; ninguém "explicou" o empurrão. E C011l1'

poderíamos explicar? Operamos somente com coisas que 11:11'

existem, com linhas, superfícies, corpos, átomos, tempos divi síveis, espaços divisíveis - como pode ser possível a explica ção, se primeiro tornamos tudo

imagem

,

nossa imagem! Basl,1 considerar a ciência a humanização mais fiel possível das coi

sas, aprendemos a nos descrever de modo cada ve~ mais pre ciso, ao descrever as coisas e sua sucessão. Causa e efeito: ess,1

dualidade não existe prova~elmente jamais - na verdade,

temos diante de nós um

continuum,

do qual isolamos alguma.

partes; assim como percebemos um movimento apenas comI I

pontos isolados, isto é, não o vemos propriamente, mas o inJ(:

rimos. A forma súbita com que muitos efeitos se destacam n(),~

confunde; mas é uma subitaneidade que existe apenas para nós,

Neste segundo de subitaneidade há um número infindável dl'

processos que nos escapam. Um intelecto que visse causa e

efeito como

continuum,

e não, à nossa maneira, como arbitrá rio esfacelamento e divisão, que enxergasse o fluxo do aconte

[140]

L I V R O I I I

I r 'jeitaria a noção de causa e efeito e negaria qualquer

"Idlti< nalidade.

t I:S.

It

('oria

dos venenos.

-

Tantas coisas têm de se reunir, para

(Iii ... urja um pensamento científico; e cada uma destas forças

III 11'~súrias tem de ser isoladamente inventada, treinada, culti~

li 1.1\ Mas no isolamento elas produziam efeito bem diverso do pll (l:lssam a ter no interior do pensamento científico, no qual

I II'slringem e disciplinam mutuamente: - elas atuavam

I 11111) venenos, por exemplo, o impulso de duvidar, o impulso

II IlI'g'l1; o de aguardar, o de junta!; de dissol,ver. Muitas heca-I' 111111 'S humanas ocorreram, até esses impulsos chegarem a

II III 'I 'neler sua coexistência e a sentir que eram todos funções

II 11111'1 força organizadora dentro de um ser humano! E como 111111.1 está longe o tempo em que as forças artísticas e a

sabe-1"11.1 prática da vida se juntarão ao pensamento ci ntífico, e,l11

1111' S ' formará um sistema orgânico mais elev'ldo, em r 'hl\:ao

I' I Ilual o erudito, o médico, o artista o legislador, tal como 11111.1 os conhecemos, pareceriam pobres antigllic.la I 'si

IL4.

onde vai a esfera moral.

-

Ao vermos uma 11 va il1la

1

"111, imediatamente a construímos com ajuda de lO las aS

I I' 'riências que tivemos,

conforme

o

grau

de nossa r 'li Iúo. l'

I 'il\i lade. Não existem vivências que não sejam 11101':1IS, 1111 '51110 no âmbito da percepção sensível.

115.

)s

quatro erms. -

O homem foi educado por S lIS ']TC S: 1" 1 iI1 iro, ele sempre se viu apenas de modo inc. I11pl 't ;

,1'}~lIndo, atribuiu-se características inventadas; t r e Iro,

(7)

A G A I A C I Ê N C I A

também se acham em extinção: - salvemos a sua imagem e

o eu tipo, ao menos em prol do conhecimento!

123.

o

conhecimento. senda mais que um meio. - Mesmo sem

esta nova paixão - refiro-me à paixão do conhecimento - ,

a ciência seria fomentada: até agora a ciência cresceu e se

desenvolveu sem ela. A boa fé na ciência, o preconceito a seu

favol;que hoje predomina em nossos Estados (até na Igreja,

antes), no fundo baseia-se no fato de que esse incondicional

ímpeto e pendor manifestou-se raramente nela, e de que

justamente, a ciência nãoé considerada uma paixão, mas um

estado e um ethas. Com freqüência basta o amaur-plaisir [amor-prazer] do conhecimento (a curiOSidade), basta o

amaur-vanité[amor-vaidade1,4;habituar-se a ela com a segunda

inten-ção de dinheiro e honrarias, e para muitos basta não saberem

o que fazer com o ócio em dem~sia, exceto ler, colecionar, or-denar, observar, continuar relatando; o seu "impulso científico"

é o seu tédio. Certa vez o papa Leão x (no Breve a Beroalda)

fez o elogio da ciência: chamou-a de mais belo ornamento e orgulho maior da nossa vida, de nobre ocupação na felicidade e na miséria; "sem ela'; diz ele por fim, "toda empresa humana

careceria de apoio sólido - e mesmo com ela tudo é ainda

ins-tável e inseguro!'~ Mas esse papa toleravelmente cético não pro-nuncia, como os demais louvadores eclesiásticos da ciência, o

seu julgamento final sobre ela&e suas palavras é possível

depreender, o que já é singular para um tal amigo das artes, que ele põe a ciência acima da arte; enfim, porém, é apenas ama-bilidade ele não mencionar aí o que põe bem acima de toda

ciência: a "verdade revelada" e a "eterna salvação da alma"

-comparados a isso, o que são ornamento, orgulho, distração,

segurança de vida! "A ciência é algo de segunda ordem, nada

de derradeiro e absoluto, nenhum objeto de paixão" - este

jul-gamento Leão x guardou em sua alma: o juízo propriamente

cristão acerca da ciência! Na Antiguidade, a sua dignidade e seu

[146]

L I V R O I I I

Il'tonhecimento eram diminuídos pelo fato de J11 'SI11() os seus

111.!iS fervorosos discípulos darem primazia à bus '<1 da uir/llde, I ti' que já se acreditava ter feito o mais alto elogio hl 'i "11 'i:l,

III restejá-la como o melhor meio para alcançar a virtude, Iln

,ligo novo na história, quando o conhecimento qu 'I' S 'I' 111,!iS

110 que um meio.

124.

Na harizante do infinito. - Deixamos a terra firme e emba I'

I ,IIUOS! Queimamos a ponte - mais ainda, cortamos todo laço

IllI11 a terra que ficou para trás! Agora tenha cautela,pequ no

I

1:1I'CO' Junto a você está o oceano, é verdade que ele nem

sem-III' ruge, e às vezes se estende como seda e ouro e devaneio II ' bondade. Mas virão momentos em que você perceberá que 1'11.: é infinito e que não há coisa mais terrível que a infinitude. ( )11, pobre pássaro que se sentiu livre e agora se bate nas pare-ti 's dessa gaiola! Ai de você, se for acometido de saudade da Inra, como se lá tivesse havido mais liberdade-e já não exis-I ' mais "terra"!

125.

o

hamem louco. - Não ouviram falar daquele homem

louco que em plena manhã acendeu uma lanterna e correu ao

mercado, e põs-se a gritar incessantemente: "Procuro Deus!

I'rocuro Deus!"? - E como lá se encontrassem muitos daqu

'-I's que não criam em Deus, ele despertou com isso uma gran

-d gargalha-da. Então ele está perdido? perguntou um dei s. EI ' se perdeu como uma criança? disse um outro. Está se S '011

-lendo? Ele tem medo de nós? Embarcou num navio? Emigrou? - gritavam e riam uns para os outros. O homem lou S '

1:111-\,'ou para o meio deles e trespassou-os com seu olh',r. "Píll'~1 onde foi Deus?'; gritou ele, "já lhes direi! Nós o Inalamo,,'

-voc

ês

e eu. Somos todos seus assassinos! Mas omo

fiz

'mos

(8)

A G A I A C I Ê N C I A

isso? Como conseguimos beber inteiramente o mar? Quem JlI I

d u a esponja para apagar o horizonte? Que fizemos nós, ,III desatar a terra do seu sol? Para onde se move ela agora? P;\I,I

onde nos movemos nós? Para longe de todos os sóis? Não CII mos continuamente? Para trás, para os lados, para a frente, VIII

todas as direções? Existem ainda 'em cima' e 'embaixo'? N;\l1 vagamos como que através de um nada infinito? Não sentim( I na pele o sopro do vácuo? Não se tornou ele mais frio? N;\l1 anoitece eternamente? Não temos que acender lanternas dI' manhã? Não ouvimos o barulho dos coveiros a enterrar Delis~ Não sentimos o cheiro da putrefação divina? - também u, deuses apodrecem' Deus está morto! Deus continua morto! I': nós o matamos! Como nos consola!; a nós, assassinos entre o!oo assassinos? O mais forte e mais sagrado que o mundo até enn() possuíra sangrou inteiro sob os nossos punhais - quem nos limpará este sangue? Com que água poderíamos nos lavar? QUl' ritos expiatórios, que jogos sagrados teremos de inventar? II

grandeza desse ato não é demasiado grande para nós? Não deveríamos nós mesmos nos tQrnar deuses, para ao menos parecer dignos dele? Nunca houve um ato maior - e quem vier depois de nós pertencerá, por causa desse ato, a uma história mais elevada que toda a história até então!" esse momento silenciou o homem louco, e novamente olhou para seus ouvin -tes: também eles ficaram em silêncio, olhando espantados para ele. "Eu venho cedo demais'; disse então, "não é ainda meu tempo. Esse acontecimento enorme está a caminho, ainda anda: não chegou ainda aos ouvidos dos homens. O corisco e o trovão precisam de tempo;--a luz das estrelas precisa de tempo, os atos, mesmo depois de feitos, precisam de tempo para serem vistos e ouvidos. Esse ato ainda lhes é mais distan -te que a mais longínqua constelação -

e no

e

ntant

o e

l

es

O

come

t

e

ram!

"

-

Conta-se também que no mesmo dia o homem louco irrompeu em várias igrejas, e em cada uma entoou o seu

R

e

qui

e

m aeternam d

e

o.

Levado para fora e interrogado,

limita-va-se a responder: "O que são ainda essas igrejas, se não os mausoléus e túmulos de Deus?';

[148]

L I V R O I I I

126.

1

':'\:fJ

li

c

a

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es místicas

.

-

As explicações místicas são. tida: 11111 profundas; na verdade, elas não chegam a ser superftcJaJs.

127.

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giosidad

e.

-

Todo home(n \I, ,I ietido acha que somente a vontade é atuante; qu~ querer I ,ligo simples, puramente dado, não deduzível, em SI mesmo 1IIIvligível. Está convencido de que quando faz algo, quando

III ',~Iecha um golpe, por exemplo, é

e

l

e

que golpeia, e que g~:­ III 'ou porque

q

u

i

s

fazê-lo. Ele não n_ota problem~ algum ai,

1'.I,'i[a-Ihe

°

sentimento da

vonta

de,

nao apenas para a SUPOS

I-1,10 de causa e efeito, mas também para a crença de

co

l

.np

r

een-,Ir'r sua relação. Ele nada sabe a respeito do mecantsn~o do 1'\ 'nto e do trabalho cem vezes sutil qu tem de s r r allzado p,ml que ~e chegue ao golpe, nem da incapacidade da von w-cI ' mesma de fazer sequer uma parte mínima dcss ' lrabalho. 1',lra ele, a vontade é uma força magicamente aluanl:: 'I" 'I' na

vontade como causa de efeitos é crer em força magICam 'nl '

"Iuantes. Originalmente, toda vez que presenci u um 'v 'nLO o Ilomem acreditou numa vontade como causa e m ser 'S I

's-~()ais donos de vontade, atuando no fundo - o 011' "lO d

'

111 cãnica lhe era muito distante. Mas, como por períodos enol'

Ines o homem acreditou somente em pessoas Ce não '111 mal "

rias, forças, coisas, etc.), a crença em causa e efeito s ' [ornou para ele a crença fundamental, que ele aplica toda v z <-.IU '.lIgo

acontece - ainda hoje instintivamente, como um atavISIl10 d;,~ mais remota origem. As teses de que "não há efel to s J11 ('<I L.IS:1,

"todo efeito é novamente causa';laparecem como g 'n 'J'(lltza

-'ões de teses muito mais estreitas: "Onde há atU'lçào, bOlIV ' vontade" "Só é possível atuar sobre seres donos d ~ v()nw~ ,,; "Nunca

~

e

sofre puramente e sem conseqüência um '[,'llO, sofrê-lo constitui sempre uma excitação da vonta I. " para a

'Ição, a defesa, a vingança, a represália) - entr tant .' ~

.r

n

-mórdios da humanidade estas e aquelas teses eram ldentJ.ca , [149]

(9)

A G A I A C I Ê N C I A

348.

A procedência dos eruditos. - O erudito nasce, na Eurlll1,1

em todo tipo de classe e condição social, como uma planla (1 111 não requer um solo específico: por isso ele se acha, essen(l.11

mente e de forma involuntária, entre os portadores do pCIl~,1 mento democrático. Mas tal origem se deixa percebeI: Tendi I

exercitado o olhar para, num livro erudito, num tratado ciellll

fico, reconhecer e flagrar a idiossincrasia do erudito - C;II 1,1 um deles tem a sua - , quase sempre enxergaremos, por 11,1 dela, a "pré-história" do erudito, sua família, em especial as 01 II

pações e os ofícios desta. Quando acha expressão o sentin II 'II

to de que "isso agora está provado, com isso terminei'; é g '1",11

mente o ancestral no sangue e instinto do erudito que aprOl ,I, do seu ângulo de visão, o "trabalho terminado" - a crenç,1 11,1

prova é apenas um sintoma daquilo que há muito, numa cl'j ',I laboriosa, é visto como "um bom trabalho'~ Por exemplo: (I filhos de notários e escreventes de t09a espécie, cuja princip,d

tarefa sempre foi ordenar um material múltiplo, distribuí-lo P( II

gavetas, esquematizar as coisas, mostram, tornando-se erudill I ,

uma inclinação a considerar um problema quase resolvido, ,II I

tê-lo esquematizado. Há filósofos que são, no fundo, apen,1

cabeças esquemáticas - neles o aspecto formal do ofíCÍlI

paterno veio a ser conteúdo. O talento para classificações, pau

tábuas de categorias, sempre revela algo; não se é impunem 'II

te o filho de seuS pais. O filho de um advogado terá de se!; talll

bém como pesquisado!; um advogado: ele que!; em primei II I

luga!; que dêem razão à sua causa, e em segundo, talvez, (jlll'

ela tenha razão. Os filhos de clérigos e mestres protestantl'~ reconhecemos na ingênua certeza com que, na condição d(' eruditos, já tomam sua causa por provada, quando acabaram dI'

expô-la com entusiasmo e vigor: pois estão arraigadamenll'

habituados a que as pessoas creiam neles - isso era part dI)

"ofício" de seus pais! Um judeu, inversamente, conforme ()

âmbito de negócios e o passado de seu povo, está muito pouel )

habituado justamente a isso - a que nele creiam: consielerl'

se, a esse respeito, os eruditos judeus - todos eles atribuelll

grande peso à lógica, isto é, à obtenção do acordo medianll'

[242]

L I V R O V

I.I%ões; eles sabem que com ela terão de vcne 'I; m 'S1110 ond '

I' • ista aversão de raça e de classe contra el s,ond ' nao S ' :tn '

-IIil neles de bom grado. Pois nada é mais d mo T{ttico tio <lu'

,Ilógica: ela não dá atenção à pessoa e não faz diSlinl,:ao ·n~J'\.'

narizes curvos e retos. (Aliás, precisamente quanto :lO 111;1101'

liSO da lógica, a uma maior limpeza nos hábitos 111 'nl;!is, n:11l

L' pouco o que a Europa deve aos judeus; sobretu lo os <til'

mães, como uma raça deploravelmente dérctisonl1C/blelinsL'n

satal, à qual ainda hoje é preciso antes "lavar a cabeça': Emlll III

lugar onde os judeus tiveram influência, eles ensinaram adis

I i nguir mais sutilmente, h'9 a deduzir com maior agudeza, a 'Scrl'

ver com maior clareza e lisura: a tarefa deles foi sempre levar um povo "à rctison'~)

349.

Ainda a procedência dos eruditos. - Querer preservar a si

mesmo é expressão de um estado indigente, de uma limitação do verdadeiro instinto fundamental da vida,90 que tende à

expansão do podere, assim querendo, muitas vezes questiona

e sacrifica a autoconservação. Veja-se como sintomático que

alguns filósofos - por exemplo, Spinoza, que era tuberculoso _ consideravam, tinham de considerar decisivo justamente o

chamado instinto ele autoconservação: eles eram, pr

ecisamen-le, homens em estado de indigência. O fato de nossas m eler

-nas ciências naturais terem de tal modo s enredado no dogma spinoziano (por último, e da forma mais gro s ira, o elarwini s-mo, com a doutrina incompreensivelmente unilateral da "lula pela existência" - ) deve-se, é provável, à procedência ~Ia maioria dos investigadores da natureza: nesse aspecto eles ao

"do povo'; seus antepassados foram gente pobre e humilde, que

conheceu muito de perto a dificuldade de seguir adiante. Todo

o darwinismo inglês exala como que o ar sufocante do

exces-so populacional inglês, o odor de miséria e aperto da

arraia-miúda. Mas um investigador da natureza deveria sair de seu

reduto humano: e na natureza não predomina a indigência, mas a abundância, o desperdício, chegando mesmo ao

(10)

A G A I A C I Ê N C I A

do. A luta pela existência é apenas uma exceção, uma te111pll

rária restrição da vontade de vida; a luta grande e pequena gll ,I

sempre em torno da preponderância, de crescimento e expa"

são, de poder, conforme a vontade de poder, que é justa111l'I111

vontade de vida.

350.

Em honrados"hominesreligiosi'~ -A luta contra a Igrcj:II'

certamente, entre outras coisas - pois significa muitas ,

também a luta das naturezas mais vulgares, mais contenll"\

confiantes e superficiais contra' o domínio das pessoas 111:d~

graves, profundas e contemplativas, ou seja, mais ruins e dl',

confiadas, que com prolongada suspeita meditaram sobrl' II

valor da existência e sobre o seu próprio valor: - o instil1l1l

vulgar do povo, sua alegria dos sentidos, seu "bom coraçal!"

rebelou-se contra elas. Toda a Igreja rQmana repousa nUI1I,1

desconfiança meridional quanto à natureza do ser humano, II

que sempre é mal compreendido pelo Norte: tal desconfian ,I

~ Europa do Sul herdou do profundo Oriente, da antiquí Sil1l,l

Asia misteriosa e da sua contemplação. O protestantismo jú I'

uma revolta popular em favor dos honestos, cândidos e SUrl'l

ficiais (o Norte sempre foi mais bondoso e mais raso que o ui),

mas foi apenas a Revolução Francesa que pôs o cetro, dI' maneira total e solene, nas mãos do "homem bom" (da ovelh:l, do asno, do ganso e de todos os irremediavelmente rasos, rUI

dosos e maduros para o hospício das "idéias modernas").

351,

Em honra das naturezas sacerdotais. - Acho que é prcd

samente do que o povo entende por sabedoria (e quem agor;l

não é "povo"?) - dessa prudente e bovina devoção, paz di'

espírito e mansidão de pastores de aldeia, que se deita 111)

prado e, ruminando gravemente, observa a vida - que os filo

sofos sempre se sentiram mais distantes, provavelmente pOI

[244]

L I V R O V

IllI não eram "povo" o bastante, pastores o b'lstanlc para isso.

1:lmbém serão os últimos a crer que o povo possa cnl 'ndcr

,ligo daquilo que lhe é mais distante, da grand ' I ai xao do

homem do conhecimento, que vive e tem de VIV 'I' COIlIIl1U:1

"lente na nuvem tempestuosa dos mais altos probl 'mas 'mais

gl"lves responsabilidades (ou seja, de modo algum

ob

sc

r~al1t1()

ti, fora, indiferente, seguro, objetivo ... ). O povo rever '~Cl" UI11

lipo inteiramente diverso de homem, ao constrlllr s U Id ,:tI do

"sábio'; e tem todo o direito de homenagear precisamenl' ~SSl'

lipo com as melhores palavras e maiores honras: são as nallr '

Z'IS sacerdotais, brandas, sério-singelas e castas, e o qu 1h 'S '

:1parentado - a elas se dirige o louvor, na rever~ncia popul".r

:1nte a sabedoria. E a quem teria o povo malS razao de s lTlOS

-I rar agradecido do que a esses homens, que a ele pertencem '

I le procedem, mas a título de consagrados,

e

~

e

lt

o

s,

sacnftcaclos

~IO seu bem - eles próprios se jufgal:1 sacnftcados a Deus ~,

;lI1te os quais pode impunemente 'abrir seu coração,. nos qual

pode se livrar de seus segredos, preocupações e COlsas plores

(_ pois o homem que "comunica" livra-se de si mesmo; e .quem

"confessou" esquece). Aqui se impõe uma grande necessldade:

pois também a imundície da alma requer canais de

escoamen-lO com águas puras e purificantes, requer velozes correntes de

amor e fortes, humildes, puros corações que estejam prontos a

sacrificar-se para um tal serviço de higiene não público -

por-que éum sacrifício, um sacerdote é e se~á uma ,v~tima hu.mana ...

O povo vê como sábios esses emudeCldos,

~enos

,

sacnflcados

homens "de fé'; ou seja, como tendo adqumdo saber, C0l110

"seguros'; em relação à própria insegurança: quem go

tar~

'

1

d '

lhe negar essa palavra e a reverência? - Mas é também )USL~),

inversamente, que para os filósofos um a erdot s '1'1 pr ' s 'FI

"povo'; antes de tudo porque eles própri não r"" 'm no~ '~ I~I '

sabem' e tal crença e superstição já Ih s

11

'ir,! 'I "p vo'. 1'01 " modé;tia que inventou a palavra "filósoli "na r" la, I '!X:111 lo

a magnífica petulância de denominar-s sábios aos <lLOrvs do

espírito - a modéstia de tais monstros d' rgulho 'sob 'r'ln!"

como foram Pitágoras e Platão.

(11)

A G A I A C I í': N C I A

tidos, com toda a sua anêmica e fria aparência, e nem nw 1111 apesar desta aparência - elas sempre viveram do "sangllv' I li filósofo, consumiram os seus sentidos e até, se nos for d,ull crédito, o seu "coração': Esses velhos filósofos não tinham ('III I ção: filosofar sempre foi uma espécie de vampirismo, Em 1.11 figuras, mesmo em Spinoza, não sentem vocês algo prof UI ui I mente inquietante e enigmático? Não vêem o espetáculo <III

aí se desenrola, o constante

e

mpalid

e

cim

e

nto

-

a dessel1i1111 lização interpretada de forma cada vez mais idealista? N,II pressentem, ao fundo, como que uma sanguessuga há 111111111 tempo escondida, que começa por atacar os sentidos e ell II II I lhe restam - e ela deixa - apenas ossos e ruídos? quero dill I

fórmulas,

palavras

(pois, perdoem-me, aquilo que

resto!/ d

i

Spinoza,

amor

intellectualis

dei

[amor intelectual a Deus

1

,

"'

I

um ruído, nada mais! O que é

amor,

o que é

deus,

se lhes 1.111 I

qualquer gota de sangue? .. ,),

Insumma

[Em suma]: todo i<I(',1 lismo filosófico foi, até agora, algo como uma doença, qUal I( II I

não foi, como no caso de Platão, a cautela de uma saúde n1l1ll1l rica e perigosa, o temor ante sentidos

muito poderosos

,

a 11111 dência de um prudente socrático, - Talvez nós, moderno, 11,11' sejamos saudáveis o bastante para

n

e

cessitar

do idealismo (Ii Platão? E não tememos os sentidos porque

-373,

"

Ci

ê

ncia

"

C01'i'W

pm

c

o

n

c

e

ito. -

Das leis da hierarqld,l decorre que os eruditos, na medida em que pertencem à '1:1, se média espiritual, não podem ter visão dos problemtl,~ I

interrogações realmente

grand

e

s

;

além disso, sua coragem (

seu olhar não chegam tão longe - mais do que tudo, a nen', sidade que deles faz pesquisadores, sua íntima antecipaç~l() (' desejo de que as coisas sejam assim e assim, seus temores (' esperanças, muito cedo já encontram paz e satisfação, Aquih I que, por exemplo, faz o pedante inglês Herbert Spencer enlt I siasmar-se a seu modo, levando-o a traçar uma linha para ,1

esperança, um horizonte de desejabilidade, a conciliação fill,tI de "egoísmo e altruísmo'; sobre a qual ele divaga, isso quase n( I,

[2761

L I V R O V

"Iloja: _ uma humanidade com tais perspeclivas SIW!1t' 'ri:! nas , IlInO perspectivas derradeiras nos pareceria digna ti ' ti 'sprv

10, de aniquilação! Mas o fato de ele ter de sentir '()Il\() vsp , 1,In a maior o que para os outros ée pode serap 'naSllll\:1 !lI Iii ,II ilidade repugnante, coloca uma questão qu ' SpVlll'Vl' 1l,IO Il'ria sido capaz de prever... O mesmo se dá com 'I crel1 ':1 1\"\' hoje em dia satisfaz tantos cientistas naturais m<ill' ri:t li iiI. Iii, ,I

I r 'nça num mundo que deve ter sua equivalência 'n1 'ti i \, I 1111

il 'nsamento humano, em humanos conceitos d' V"IOI, IlIlI "Inundo da verdade'; a que pudéssemos definitivaml'I1IV :I( l' ti 'r com ajuda de nossa pequena e quadrada razão - ('()i11Il?

queremos de fato permitir que a existência nos seja til' 1:11 I(ama degradada a mero exercício de contador e oculxlÇ,':I() doméstica de matemáticos? Acima de tudo, não devemos qUl' r 'r despojá-la de seu caráter

polissêmico:

é o

bom

gosto lU ' () r 'que!; meus senhores, o gosto da reve~ência ante :udo ,q L~V v'li além do seu horizonte! Que a única inte'rpretaçao justJfl 'a

-ve

l

do mundo seja aquela em que

vo

c

ês

são justificado , na qual se pode pesquisar e continuar tJ'abalhando cientificam n

-I ' no

seu

sentido (- querem dizer, realmente, de modo

m

eca-Il'icis

t

a?),

uma tal que admite conta!; calcular, pesar, ver, pegar e não mais que isso, é uma crueza e uma ingenuidade, dado que

não seja doença mental, idiotismo, Não seria antes bem prová

-ve

l

que justamente o que é mais superficial e exterior na exis -tência - o que ela tem de mais aparente, sua sensualização, sua pele - fosse a primeira coisa a se deixar apreender? ou tal

-v

ez

a única coisa? Uma interpretação do mundo "científica'; lal

orno a entendem, poderia então ser uma das

mais

es

t

úp

i

d(AS

,

isto é, das mais pobres de sentido de todas as possív L in,~ 'r pretações do mundo: algo que digo para o ouvido e a ~ ns 'Il'11

cia de nossOS mecanicistas, que hoje gostam de mi 'tllntr-Hl'

aos filósofos e absolutamente acham que a mecâni '1 ':l d<)ll

trina das leis primeiras e últimas, sobre as quais to 1<1 :1 ' 1:4 tência deve estar construída, como sobre um anchr I "rI' 'o, Mas

um mundo essencialmente mecânico seria um mUI lo 'HH 'II

cialmente

desprovido

de sentido!

Suponha-s qu ' ) lia/o/' I ' uma música fosse apreciado de acordo com o luanlo

d

,ln S '

pudesse contar, calcular, pôr em fórmulas - 01110 S 'rin :lbslI r [2771

(12)

A G A I A C I Ê N C I A

da uma ~al avaliação "científica" da música I O que se teriol I" I apreendIdo, entendido, conhecido? ada, exatamenll' Il,ltI daqUIlo que nela é de fato "música"! ...

374.

Nosso novo" infinito'~ - Até onde vai o caráter perspcCllI I ta da existência, ou mesmo se ela tem algum outro car::íI\'1 I uma existência sem interpretação, sem "sentido" [Sinlll, 1:,11

vem a ser Justamente "absurda" [Unsinn], se, por outro 1,11111

toda a existência não é essencialmente intelpretativCiI _ I •

- d ' II

nao po e, como é razoável, ser decidido nem pela mais

<iII

I gente e c?nscienciosa análise e auto-exame do intelecto: pi II nessa analrse o Intelecto humano não pode deixar de vel' ,I I mesmo sob suas formas perspectivas e apenas nelas. N,I! I podemos eIL,<ergar além de nossa esquina: é uma curiosid,lI" desesperada querer saber que outro~ tipos de intelecto l' I II perspectiva poderia haver: por exerpplo, se quaisquer oulli I seres podem sentir o tempo retroativamente ou, alternéll1dl'

pr~gress~va e regressivamente (com o que se teria uma 01111 I

onentaçao da vida e uma outra noção de causa e efeito). 1\1.1

pens~ q.ue hoje, pelo menos, estamos distanciados da ridíClil,1

ImodestIa de decretaI; a partir de nosso ângulo, que Soml'1I11

~ele po~e-se

ter Ferspectivas. O mundo tornou-se novamClll1

Infinr~o

para nos: na medIda em que não podemos rejeil;!1 ,I possIbIlrdade de que ele encerre infinitas interpretações. M.iI uma ve~ nos acomete o grande tremor - mas quem teria V( II I tade de Imediatamente divinizar de novo, à maneira antiga, e.\\I' monstruoso mundo desconhecido? E passar a adorar o deSCI I nhecIdo como "o ser desconhecido"? Ah, estão incluídas di' masIadas ~ossibilidades não divinas de interpretação nCSM'

desco~heCldo, demasiada diabrura, estupidez, tolice de inlt'1 pretaçao - a nossa própria, humana, demasiado humana, Cj III' bem conhecemos ...

[278]

L I V R O V

~75.

P01' que pa7'ecemos epicúrios. - Somos caul 'II )S( IS, 1111:-', 1/11/\1 ns modernos, quanto a convicções derradl'il,IS: 110:-.:-.,1

dl's 'onfiança fica à espreita dos encantamentos 'l'll1llllSIl's tI,1

IllIlsciência que se acham em toda crença poderosa, '1\1 II ,dI' Illt'ondicional Sim e Não: como se explica isso? Talvcz 1'1 ' P()S.~,I 11'1' aí, em boa parte, a prevenção da "criança escaltl:It!:I': dll ii I 'alista decepcionado; por outro lado, numa parle 1111'1I HII, I.lInl ém a jubilosa curiosidade de quem nada fazia '!lI ,~lll 1,llltO, que nisso foi levado ao desespero e agora se r 'g:d:1 I' 1'l1lusiasma no oposto de um canto, no ilimitado, no "Iivl" VIII

1':

Com isso desenvolve-se um quase epicúrio pendol' :111 I'()nhecimento, que não deixa escapulir facilmente o 'arlllt'!' 'lU stioná vel das coisas; e igualmente uma aversão às gra n I 'S palavras e gestos morais; um gosto que rejeita todos os opos los pesados e grosseiros e com orgulho está cônscio de ex<.;J' I 'ilar a reserva. Pois isso constitui nosso orgulho, esse leve puxar

II ' rédeas quando o nosso impulso à certeza arremete impe

-IUoso, esse autocontrole do cavaleiro em suas mais selvagens

cavalgadas: é que sempre montamos animais loucos e fogosos, " quando hesitamos, certamente não é pelo perigo ...

376.

Nossos tempos lentos. - Assim sentem todos os artistas

seres de "obras'; o tipo materno de ser humano: sempre crê '111, a cada período de sua vida - que é fechado por uma ohra Ler alcançado o objetivo dela, sempre encarariam pacienl 'I\1VII Le a morte, com o sentimento que diz: "Estamos maduros p:lI.I isso'~Isto não é expressão de cansaço- mas antes d 'LlI11:Il'('1'1i1 luminosidade e brandura outonal, que a obra m SIll<l, II 1:11< I < I" ela haver amadurecido, deixa no seu autor Então fk:1 IlI:tlS IVIIIII o andamento da vida, torna-se espesso como O 111 'I t'

ri

It')\:t

a longas fel'matas, à crença na longa fermata ...

Referências

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