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Violências contra mulheres por parceiros íntimos no Varjão, Distrito Federal

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Violências contra mulheres por parceiros íntimos no Varjão, Distrito

Federal*

Leides Barroso Azevedo Moura ♣ Ana Maria Nogales Vasconcelos♦

Palavras-chave: Violências contra mulheres, parceiro íntimo, gênero, vulnerabilidade.

Resumo

O presente trabalho constitui parte de uma pesquisa que teve como objeto as violências contra mulheres cometidas por parceiros íntimos. O fenômeno multifacetado das violências cometidas contra mulheres por parceiros íntimos tem sido desvendado nas últimas décadas revelando as dimensões de um poder sobre o corpo e a mente feminina. Estudo de delineamento transversal com entrevistas domiciliares que utilizou um processo de amostragem aleatória sistemática com operacionalização da coleta de dados considerando os domicílios como unidades amostrais. O objetivo era conhecer a prevalência dos diferentes atos de violência praticados por parceiros íntimos nos últimos doze meses e no decorrer da vida de mulheres de 15 a 49 anos de idade (n=278), residentes na localidade chamada Varjão, Distrito Federal. A violência psicológica apresentou a maior prevalência entre as violências praticadas pelos parceiros íntimos das mulheres entrevistadas (80% a prevalência de pelo menos um ato no decorrer da vida e 50% de prevalência nos últimos doze meses). Em segundo lugar aparece a violência física com uma prevalência de 62% ao longo da vida e 32% nos últimos doze meses e por último a violência sexual com 29% e 16% respectivamente. Este estudo descreveu a violência física em relação a variáveis sócio-demográficas, de comportamento do parceiro e de contexto. As variáveis demográficas associadas à violência física foram: nível de instrução, estado civil e número de casamentos da entrevistada; variáveis de comportamento do parceiro associadas à violência física foram: freqüência do uso de bebidas, uso de drogas e relacionamento extraconjugal; variáveis de contexto associadas foram: problemas financeiros e familiares decorrentes do uso de bebida pelo parceiro. Quanto à procura por ajuda, 52,6% das mulheres que sofreram qualquer tipo de violência não procuraram nenhum serviço de apoio. Considerando a categoria gênero e suas relações, algumas particularidades das manifestações violentas são discutidas no presente estudo.

Trabalho apresentado no XVI Encontro Nacional de Estudos Populacionais, realizado em Caxambu- MG – Brasil, de 29 de setembro a 03 de outubro de 2008. Pesquisa desenvolvida no âmbito do projeto Casa de População e Desenvolvimento da Região Centro-Oeste, Núcleo de Estudos Urbanos e Regionais, Centro de Estudos Avançados Multidisplinares da Universidade de Brasília (NEUR/CEAM/UnB).

Professora Assistente da Universidade de Brasília, Departamento de Enfermagem.

Professora Adjunta da Universidade de Brasília. Departamento de Estatística e Coordenadora do NEUR/CEAM/UnB.

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Violências contra mulheres por parceiros íntimos no Varjão, Distrito

Federal*

Leides Barroso Azevedo Moura♣ Ana Maria Nogales Vasconcelos♦

1. Introdução

O presente trabalho constitui parte de uma pesquisa que teve como objeto as violências contra mulheres cometidas por parceiros íntimos e representa uma contribuição para a compreensão de uma realidade local deste complexo perfil das violências contemporânea cometidas contra mulheres pelos seus parceiros. Foram realizadas entrevistas domiciliares na área metropolitana de Brasília chamada Varjão no Distrito Federal no período de fevereiro a julho de 2007.

O termo violência contra mulher foi adotado nos tratados internacionais aos quais o Brasil é signatário. A Conferência Mundial das Nações Unidas sobre a Mulher em 1995 declarou que a violência contra a mulher é uma expressão usada para se referir à violação dos direitos humanos das mulheres e fundamentada neste entendimento manifestou determinação em promover os objetivos da igualdade, desenvolvimento e paz para todas as mulheres, em todos os lugares do mundo, no interesse de toda a humanidade. No ano anterior, a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, intitulada "Convenção de Belém do Pará", já havia declarado que "a violência contra a mulher constitui uma violência dos direitos humanos e das liberdades fundamentais e limita total ou parcialmente à mulher o reconhecimento, o gozo e exercício de tais direitos e liberdades" (1). Esta convenção baseou-se no programa de ação da Conferência Mundial de Direitos Humanos, realizada em Viena em 1993, no entanto só foi incorporada ao ordenamento jurídico brasileiro no ano de 1996.

Já o termo violência por parceiro íntimo é uma forma de violência baseada em gênero num contexto de relação produzida socialmente. Para fins deste estudo, utilizaremos a categoria violência contra mulheres e violência por parceiro íntimo com um sentido equivalente uma vez que ambas estruturam um lugar de dominação e exploração para a mulher.

O “Relatório mundial sobre violência e saúde” elaborado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) (2) descreve como violência interpessoal aquela que acontece num segmento específico da sociedade civil, que é a violência da família e de companheiro (a) íntimo (a) que

Trabalho apresentado no XVI Encontro Nacional de Estudos Populacionais, realizado em Caxambu- MG – Brasil, de 29 de setembro a 03 de outubro de 2008. Pesquisa desenvolvida no âmbito do projeto Casa de População e Desenvolvimento da Região Centro-Oeste, Núcleo de Estudos Urbanos e Regionais, Centro de Estudos Avançados Multidisplinares da Universidade de Brasília (NEUR/CEAM/UnB).

Professora Assistente da Universidade de Brasília, Departamento de Enfermagem.

Professora Adjunta a Universidade de Brasília, Departamento de Estatística e Coordenadora do NEUR/CEAM/UnB.

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ocorre entre os membros dessa família e companheiro íntimos, normalmente, mas não exclusivamente, dentro de casa. Com isso, o termo “violência doméstica” de acordo com a OMS, deverá ser gradualmente substituído, uma vez que fornece uma geografia muito restrita das relações afetivas desenvolvidas pelos gêneros femininos e masculinos e que ideologicamente remete esse tipo de violência como parte do cenário doméstico. Uma segunda categoria da violência interpessoal é a violência comunitária que ocorre entre pessoas sem laços de parentesco, praticada por conhecidos ou estranhos, geralmente fora de casa. O relatório afirma, entretanto que a forma mais prevalente de violências contra mulheres é aquela praticada pelo parceiro íntimo no espaço privado e será sobre esta categoria que iremos tratar neste trabalho.

Uma primeira questão que precisa ser colocada e desmistificada é a noção de uma forma única de masculinidade e feminilidade. Coexiste no Brasil o modelo patriarcal e um processo de construção de relações mais igualitárias na conjugalidade. Sabemos que o conceito de gênero é um produto de socialização. Butler (3) afirma que há diferentes matrizes de gênero e é preciso compreender que ao mencionarmos “feminino” ou “masculino” estamos singularizando algo que tem múltiplas representações.

Violências contra mulheres cometidas por parceiros íntimos apresentam múltiplas variáveis que são interfertilizadas pela assimetria de poder entre parceiros e pela decorrente compreensão da identidade e do corpo feminino como objeto privado de propriedade e controle masculino pelo uso do poder e da força. A Convenção Belém do Pará já manifestava esse entendimento acerca do fenômeno quando afirmava que "a violência contra a mulher é uma ofensa à dignidade humana e uma manifestação das relações de poder historicamente desiguais entre mulheres e homens" (1).

É imperativo estudar o fenômeno das violências numa perspectiva de contínuo processo de compreensão aproximativa da realidade histórico-social do gênero feminino buscando pesquisar o fenômeno em meio às sombras e sigilos que o acompanham. É essencial que essas violências deixem de ser vista como um fenômeno marginal na relação com parceiros íntimos e passe a ser encarada como um desafio que vai além da preocupação em defini-la conceitualmente ou relatá-la numericamente. Essa forma de resolução de conflitos que envolvem as relações de gênero é um tema que não mais pertence ao domínio privado e precisa ser rejeitado e denunciado como desvio da norma socialmente aceita por nossa sociedade moderna. A possibilidade de que a alta prevalência do fenômeno seja resultante de uma maior visibilidade de fatos antes submersos não deve nos anestesiar para uma conformidade com uma situação clara de desvio e anomia no processo civilizatório. É uma tarefa de cada sociedade nomear e escolher seus critérios para tratar suas violências, pois não há discurso nem saber universal sobre elas (4).

No Brasil, um estudo realizado com 2502 mulheres com idades a partir de 15 anos em amostragem nacional constatou que 43% das brasileiras já haviam sofrido violência praticada por um homem na vida; um terço afirmou ter sofrido alguma forma de violência física, 27% de violência psicológica e 13% violência sexual (5). Um estudo realizado anteriormente com países latino-americanos indica que mais de 50% das mulheres tiveram, ao menos, um episódio de violência física ou sexual pelo parceiro durante a vida.

A OMS realizou um estudo inicialmente em 10 países chamado WHO Multicountry Study on Women's Health and Domestic Violence against women entre os anos de 2000 a 2003. Neste estudo foi utilizada a definição para violência física cometida pelo parceiro íntimo como sendo o uso intencional da força física com o potencial de causar morte, lesão ou prejuízo. A violência física inclui, mas não está limitada a: arranhar, dar tapa ou jogar objetos com a intenção de ferir a mulher, empurrar ou chacoalhar, golpear com soco ou com objetos,

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chutar, arrastar ou surrar, morder, puxar cabelo, estrangular, queimar, ameaçou usar ou realmente usar arma de fogo, arma branca ou outro tipo de arma (6).

O Brasil participou deste estudo e as regiões escolhidas foram São Paulo e Zona da Mata no Pernambuco. As mulheres entrevistadas relataram terem sofrido ao menos uma vez na vida episódios de violência psicológica (41,8% em São Paulo e 48,9% na Zona da Mata), física (27,2% e 33,7% respectivamente) e sexual (10,1% e 14,3%) (7).

O objetivo deste trabalho foi conhecer a prevalência dos diferentes atos de violência praticados por parceiros íntimos nos últimos 12 meses e no decorrer da vida de mulheres de 15 a 49 anos de idade residentes numa localidade da Área Metropolitana de Brasília, chamada cidade do Varjão, no Distrito Federal.

2. Método

O foco deste estudo foi o fenômeno das violências contra mulheres cometidas por seus parceiros íntimos. Portanto utilizamos uma classificação de violência de acordo com o tipo de ato cometido: violência física, violência psicológica ou abuso emocional, violência sexual e comportamentos de controle pelo parceiro.

O critério de inclusão utilizado foi qualquer mulher entre 15 e 49 anos de idade, faixa etária classificada como idade reprodutiva, que era moradora do Varjão. Caso especial onde se considerou como moradoras foram as visitantes que estavam dormindo nas últimas quatro semanas na casa selecionada para a pesquisa. Todas as mulheres do domicílio selecionado que corresponderam ao critério de inclusão tiveram chances iguais de participarem, pois foi realizado um sorteio do nome da mulher a ser entrevistada. Caso a mulher sorteada não estivesse presente na visita inicial de sorteio da moradora a ser entrevistada, uma visita posterior era agendada para a realização da entrevista naquele domicílio ou em um local escolhido à conveniência da entrevistada. Essa é uma estratégia metodológica sugerida pela OMS (6) no seu estudo multipaíses, para garantir a aleatoriedade e representação de todas as mulheres de cada domicílio sorteado para compor a amostra da pesquisa.

Os pressupostos éticos da Resolução 196 / 96 do Conselho Nacional de Saúde foram respeitados e as entrevistadas foram realizadas quando as entrevistadas afirmavam que não estavam em risco ao responder às questões que envolviam os episódios de violência. Garantimos assim a não maleficência do estudo para os sujeitos envolvidos. Em nenhum momento uma pesquisa acerca de violência pode colocar em risco a segurança de mulheres e expô-las a novas vitimizações. Essa pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética da Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade de Brasília em janeiro de 2007.

Ao início da entrevista era combinada uma palavra código entre entrevistadora e entrevistada que seria usada caso a entrevistada sentisse que sua segurança estava ameaçada pela chegada de familiares, amigos, conhecidos ou qualquer outra pessoa. Nesses momentos, a entrevistadora utilizava questões preparadas com antecedência acerca de assuntos neutros ou demonstrava técnicas de auto-exame de mamas e solicitava privacidade para continuar a demonstração. Em caso de permanência de outras pessoas no local, a entrevista era encerrada e um retorno agendado para conclusão do questionário em horário e local seguro.

O questionário utilizado neste estudo foi desenvolvido originalmente pela Organização Mundial da Saúde e foi construído a partir das necessidades específicas do campo da violência de gênero e de estudos qualitativos com realização de entrevistas em profundidade e

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grupo focal em 10 países, inclusive no Brasil. Ele foi desenvolvido para uso em diferentes cenários culturais pressupondo mínimas adaptações.

Por ser um instrumento extenso, na sua íntegra com 189 questões demandando uma ampla estrutura para sua aplicação em campo, a OMS também oferece uma versão reduzida chamada de “Instrumento da OMS sobre Violência contra a mulher” que é recomendada para medir a prevalência das diversas formas de violência. Esse instrumento é composto por apenas 16 perguntas sobre a entrevistada e o parceiro (sete questões sobre violência física, psicológico-emocional e sexual), as lesões (três questões), o impacto e enfrentamento (duas questões), outras experiências com violência (três questões) e uma questão complementar ao final da entrevista. Para atender aos objetivos de nosso estudo selecionamos a versão reduzida chamada “Instrumento da OMS sobre Violência contra a mulher” (as 16 questões acima elencadas por área) e adicionamos outras questões do instrumento completo que incluem as seguintes sessões: A entrevistada e sua comunidade (dezessete questões), parceiro atual ou mais recente (quinze questões), atitude com relação aos papéis de gênero (oito questões) e uma questão a respeito do tipo de serviço que a entrevistada procurou para solicitar ajuda. O instrumento utilizado este estudo totalizou 57 questões do documento original que constava de 189 que foram utilizadas anteriormente nos estudos multipaíses realizados pela OMS. O estudo multipaíses encontrou uma variação de 15% a 71% de mulheres que experimentaram violência física, sexual ou ambas cometidas pelo parceiro íntimo ao longo da vida (6).

A população alvo foram mulheres com idades entre 15 e 49 anos completos, residentes há mais de quatro semanas no Varjão. Para a obtenção do tamanho da amostra considerou-se um processo de Amostragem Aleatória Simples, tendo como principal medida a ser estimada a “Proporção de mulheres que sofreram violências por parceiros íntimos”. O tamanho mínimo da amostra obtida foi de 257 mulheres considerando que: o censo 2000 enumerou 1688 mulheres de 15 a 49 anos (N), uma prevalência da violência contra mulher cometida por parceiro íntimo de 27% (7), um erro amostral de 5 pontos percentuais e uma confiança de 95%. Considerando-se uma margem de segurança de 17%, o tamanho final da amostra foi de 300 mulheres a serem entrevistadas.

Para operacionalizar a coleta de dados, o esquema de amostragem utilizado foi o de amostragem probabilística sistemática (8), tendo-se como fração amostral 1/6 ou 16,7%. O levantamento foi realizado identificando-se todas as quadras, conjuntos e lotes. A amostra sistemática abordou um domicílio em cada grupo de seis. Em cada domicílio, foram identificadas as famílias e, em cada família, listadas as mulheres de 15 a 49 anos, para posterior seleção probabilística. A idade e o primeiro nome de todas as mulheres da casa foram registrados no formulário de seleção de residência, sendo que somente uma mulher de cada domicílio foi selecionada para a entrevista.

O recorte utilizado neste estudo de violências cometidas por parceiros íntimos considerou como população alvo as mulheres que afirmaram possuir relacionamentos atuais ou no passado com parceiros íntimos num total de 278 mulheres. As 22 mulheres entrevistadas que afirmaram não ter tido nenhum relacionamento com parceiro íntimo até o momento da entrevista foram excluídas da análise dos dados para o propósito do presente estudo.

A variável dependente analisada foi a ocorrência ou não de violências contra mulheres cometidas por parceiros íntimos, em algum momento da vida e nos últimos 12 meses. As prevalências de violências analisadas foram de natureza física, psicológica e sexual. A seguir, verificou-se a relação entre a violência física e variáveis independentes do tipo sócio-demográficas, de comportamento e de contexto. Utilizou-se o teste qui-quadrado com nível de significância de 0,05.

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3. Resultados

3.1 Perfil

A Tabela 1 mostra algumas características sócio-demográficas das mulheres entrevistadas e de seus respectivos parceiros. Observa-se um maior número de mulheres na faixa etária entre 25 a 34 anos (45%), uma baixa escolaridade com um índice elevado de entrevistadas apresentando ensino fundamental incompleto (62%). A maioria está casada ou vivendo com um parceiro (83%) sendo que algumas já se casaram mais de uma vez (28%). Quanto aos parceiros, um percentual de baixa escolaridade ainda maior é verificado entre eles: 71% com ensino fundamental incompleto. Em relação à ingestão de bebida alcoólica, 12% das mulheres afirmaram que seus parceiros fazem uso todo dia ou quase todo dia e 49% delas relatou que o parceiro bebe moderadamente (duas ou três vezes por semana). Em relação ao uso de drogas ilícitas, 11% das mulheres relataram que seus parceiros são usuários de drogas e 19% afirmaram que eles já fizeram uso desses tipos substâncias no passado.

A região de maior procedência das entrevistadas é o Nordeste brasileiro com 48,6% das mulheres, sendo que 28,3% delas são migrantes do estado da Bahia. Apenas 27% foram criadas no Varjão, porém 84% residem no Varjão há mais de um ano.

Das 278 mulheres, 262 já haviam engravidado pelo menos uma vez na vida sendo que 24 estavam grávidas na época da entrevista, e 28% das mulheres entrevistadas afirmaram ter sofrido violência física durante a gravidez.

3.2 Magnitude das violências

A violência psicológica apresentou a maior prevalência entre as violências praticadas pelos parceiros íntimos das mulheres entrevistadas (80% sofreram no decorrer da vida e 50% nos últimos doze meses). Em segundo lugar aparece a violência física com uma prevalência de 62% ao longo da vida e 32% no último ano e em seguida temos a violência sexual com 29% e 16% respectivamente.

3.2.1. Violência Psicológica

A Tabela 2 mostra a prevalência da violência psicológica onde se incluem insultos, depreciações ou humilhações públicas, intimidações e ameaças no decorrer da vida e nos últimos doze meses. A forma de violência psicológica mais freqüente ao longo da vida e nos últimos doze meses foi o uso de insulto (69% e 39% respectivamente), porém é interessante notar que dentre as mulheres que sofreram violências pelo uso de ameaças ao longo da vida e no último ano (50% e 32%), um número elevado delas declarou repetidos episódios desse tipo de violência (62% e 63%).

Quando perguntadas sobre a existência de comportamentos controladores adotados pelo parceiro atual ou mais recente no relacionamento, 36% das mulheres entrevistadas afirmam que seus parceiros procuram evitar que elas visitem ou vejam seus amigos, 22% que eles procuram restringir o contato com familiares, 45% que insistem em saber onde a mulher está o tempo todo, 45% que tratam suas companheiras com indiferença, 52% que ficam zangados se elas conversam com outros homens, 27% que suspeitam freqüentemente de infidelidade delas para com eles e 12% que esperam que as mulheres peçam permissão para procurarem os serviços de saúde.

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Tabela 1- Características sócio-demográficas das mulheres e de seus parceiros. Varjão. Distrito Federal. 2007.

Características n (N =278)

% Características das Mulheres entrevistadas

Faixa etária 15 a 24 anos 25 a 34 anos 35 a 49 anos 71 125 82 25 45 30 Nível de instrução Menos de 4 anos 4 a 7 anos 8 a 10 anos 11 ou mais 72 101 68 37 26 36 24 13 Estado civil

Casada atualmente/vivendo com um homem/Tem parceiro sexual

Casada anteriormente/ viveu com um homem

230 48 83 17 Número de casamentos Até 1 casamento 2 ou mais 199 79 72 28 Religião da entrevistada Católica/evangélica Outras e sem religião

223 55 80 20 Condição de atividade Trabalhando

Procurando trabalho/ Desempregada Inativa 102 160 16 37 58 5

Características dos Parceiros

Faixa etária 15 a 24 anos 25 a 34 anos 35 a 49 anos 58 112 108 21 40 39 Nível de instrução Menos de 4 anos 4 a 7 anos 8 a 10 anos 11 ou mais 101 96 44 37 36 35 16 13 Condição de atividade Trabalhando

Procurando trabalho/ Desempregado Inativo 213 48 17 77 17 6 Freqüência de ingestão de bebida alcoólica

Frequentemente Moderadamente Raramente Nunca 32 136 31 78 12 49 11 28 Uso de drogas ilícitas1

Usa atualmente Nunca usou

Usou no passado, mas não está usando agora.

30 189 53 11 68 19

Fonte: Pesquisa realizada no Varjão, 2007.

1

Total de respostas igual a 272.

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Tabela 2 - Prevalência da violência psicológica por comportamento abusivo. Varjão. Distrito Federal. 2007

No decorrer da vida

Formas de violência psicológica Prevalência dos atos

violentos

Freqüência dos atos violentos entre as mulheres que sofrem a violência

n % Uma Poucas Muitas

Uso de Insultos 193 69% 11% 36% 53%

Uso de humilhações e

degradações públicas 121 44% 11% 30% 60%

Uso de Intimidações 165 59% 15% 33% 53%

Ameaças 138 50% 16% 22% 62%

Nos últimos 12 meses

Formas de violência psicológica Prevalência dos atos

violentos

Freqüência dos atos violentos entre as mulheres que sofrem a violência

n % Uma Poucas Muitas

Uso de Insultos 109 39% 6% 35% 59%

Uso de humilhações e

degradações públicas 75 27% 12% 31% 57%

Uso de Intimidações 103 37% 14% 36% 50%

Ameaças 89 32% 13% 24% 63%

Fonte: Pesquisa realizada no Varjão, 2007.

3.2.2. Violência Física

A OMS classifica a violência física em moderada e severa. É interessante notar que os atos de violência física de maior prevalência tanto no decorrer da vida como nos últimos doze meses foram os empurrões ou chacoalhões (53%) considerados como moderados. Os atos que apresentaram a maior freqüência no decorrer da vida e nos últimos doze meses foram os chutes ou surras (61% e 56% respectivamente) tendo sido relatado que ocorreram muitas vezes. Socos ou arremeço de objetos representou a segunda maior recorrência de episódios com alta freqüência (57%) nos últimos doze meses. Ao menos uma em cada quatro mulheres (28%), relata ter sido ameaçada ou ter sofrido lesão por arma branca e de fogo e dentre essas, 41% declaram terem sofrido episódios recorrentes deste tipo de violência em muitas ocasiões (Tabela 3).

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Tabela 3 - Prevalência da violência física e freqüência dos atos violentos. Varjão. Distrito Federal. 2007

No decorrer da vida

Formas de violência física Prevalência dos atos

violentos

Freqüência dos atos violentos entre as mulheres que sofrem a violência

n % Uma Poucas Muitas

Violência física moderada

Tapa ou arremesso de objetos 119 43% 26% 29% 45% Empurrão ou

chacoalhão 146 53% 28% 29% 43%

Violência física severa

Soco ou objeto que machucou 84 30% 24% 19% 57%

Chute ou surra 71 26% 13% 27% 61%

Estrangulamento ou queimadura 60 22% 42% 17% 42%

Ameaça de uso ou por uso de

arma branca e de fogo 79 28% 42% 18% 41%

Nos últimos 12 meses

Formas de violência física Prevalência dos atos

violentos

Freqüência dos atos violentos entre as mulheres que sofrem a violência

n % Uma Poucas Muitas

Violência física moderada

Tapa ou arremesso de objetos 63 23% 29% 29% 43% Empurrão ou

chacoalhão 72 26% 21% 33% 46%

Violência física severa

Soco ou objeto que machucou 47 17% 32% 26% 43%

Chute ou surra 36 13% 14% 31% 56%

Estrangulamento ou queimadura 36 13% 44% 25% 31%

Ameaça de uso ou por uso de

arma branca e de fogo 39 14% 44% 18% 38%

Fonte: Pesquisa realizada no Varjão, 2007.

3.2.3. Violência Sexual

A violência sexual cometida pelo parceiro incluiu as seguintes condições: a mulher ter sido fisicamente forçada a manter relações sexuais contra a vontade dela, ter relação sexual por medo do que o companheiro pudesse fazer com ela e ter sido forçada pelo parceiro a uma prática sexual degradante ou humilhante.

Ter relação sexual forçada pelo medo do parceiro apresentou a maior prevalência entre os atos classificados como violência sexual (23%). Um elevado percentual de 65% das mulheres que sofreram essa forma de violência afirma que ocorrem muitos episódios de sexo por causa da intimidação pelo que o parceiro possa fazer com ela (Tabela 4).

(10)

Tabela 4 - Prevalência da violência sexual e freqüência dos atos sexuais violentos. Varjão. Distrito Federal. 2007

No decorrer da vida

Formas de violência sexual Prevalência dos atos

violentos

Freqüência dos atos violentos entre as mulheres que sofrem a violência

n % Uma Poucas Muitas

Parceiro forçou fisicamente a

relação sexual 55 20% 18% 29% 53%

Relação sexual devido ao medo

do parceiro 63 23% 6% 29% 65%

Parceiro forçou uma prática

sexual humilhante e degradante 34 12% 26% 38% 35%

Nos últimos 12 meses

Formas de violência física Prevalência dos atos

violentos

Freqüência dos atos violentos entre as mulheres que sofrem a violência

n % Uma Poucas Muitas

Parceiro forçou fisicamente a

relação sexual 29 10% 21% 34% 45%

Relação sexual devido ao medo

do parceiro 33 12% 6% 42% 52%

Parceiro forçou uma prática

sexual humilhante e degradante 17 6% 24% 41% 35%

Fonte: Pesquisa realizada no Varjão, 2007.

.

Das 171 mulheres que relataram ter sofrido violência, 52% decidiram não procurar nenhum tipo de ajuda nos serviços de apoio. Os serviços de apoio procurados pelas mulheres foram polícia/delegacia com 31% de procura e Delegacia Especializada de Atendimento a Mulher com 22%. Somente 6% afirmaram ter procurado algum tipo de ajuda nos hospitais ou centros de saúde.

3.3 Violência física e variáveis sócio-demográficas, de comportamento e de

contexto

A Tabela 5 mostra a prevalência dos casos de violência física por características sócio-demográficas da entrevista e do parceiro, de comportamento do parceiro e de contexto. Entre as características sócio-demográficas da entrevistada, as variáveis associadas à ocorrência de violência física foram: nível de instrução, estado civil e número de casamentos.

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Quanto menor o nível de instrução da mulher, maior a freqüência de relatos sobre ocorrência de violência física pelo parceiro. Entre aquelas que têm menos que 4 anos de estudos, a prevalência da violência física é de 73,6%. Já entre aquelas com 11 anos ou mais de estudos, a prevalência cai para 48,6%. No que se refere ao estado civil, dentre as mulheres que atualmente estão casadas, vivendo ou mantendo relações sexuais com companheiro, 53% delas relatam terem sofrido atos de violência física cometida por parceiro íntimo no decorrer da vida. Entre aquelas que declaram não estar em união, essa prevalência se eleva para 83%. Em relação ao número de casamentos, as mulheres que já tiveram dois ou mais casamentos apresentaram uma maior prevalência de violência física do que as que se casaram apenas uma vez (75% e 52% respectivamente). Outras variáveis sócio-demográficas como: a idade da mulher, ter ou não uma religião e sua condição de trabalho, não apresentaram associação significativa com a ocorrência de violência física.

Quanto às características sócio-demográficas do parceiro – nível de instrução e condição de atividade - não apresentaram associação com a ocorrência de violência física contra a mulher. No entanto, aquelas relativas a hábitos e comportamento do parceiro - relacionamento extraconjugal, freqüência do uso de bebida e uso de drogas ilícitas – mostraram estar

fortemente associadas à ocorrência de violência física. Das 134 mulheres que afirmaram a

existência de relacionamento extraconjugal pelo parceiro, 72% delas foram vítimas de violência física e, entre aquelas que declaram que os parceiros não tiveram relacionamento extraconjugal, a prevalência de violência física foi de 46%. Ou seja, a prevalência de violência física é 1,6 vez mais elevada quando o parceiro tem relação extraconjugal. No caso da bebida alcoólica, em 97% dos casos relatados pela entrevistada de que seus parceiros usavam a bebida frequentemente (todo o dia ou quase todo dia) houve violência física, enquanto que nos casos em que os parceiros nunca usaram bebidas constatou-se uma prevalência de 39%. Isto significa que o uso freqüente de bebida pelo parceiro aumenta a prevalência da violência física em 2,4 vezes em relação ao parceiro que nunca a consome. O uso de drogas ilícitas também é um comportamento que aumenta a prevalência da violência física. Entre as mulheres que declararam que seus parceiros utilizam atualmente drogas ilícitas, 87% delas declaram haver sofrido violência física. Já entre aquelas cujos parceiros nunca usaram tais substâncias, a prevalência da violência física foi de 48,7%, isto é, quase a metade.

As variáveis de contexto - existência de problemas financeiros decorrentes do uso de bebida pelo parceiro ou de problemas familiares decorrentes do uso de bebida pelo parceiro – também se

mostraram fortemente associadas a uma maior prevalência da violência física. Já o fato de a

vizinhança ter iniciativa em parar uma briga ou o apoio familiar para a mulher em caso de necessidade, apesar de apresentarem prevalência de violência física menor, as diferenças não foram significativas.

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Tabela 5 - Prevalência de violência física por variáveis sócio-demográficas, de comportamento e de contexto. Variáveis Violência física Prevalência % χ2 p-valor

Variáveis sócio-demográficas das mulheres entrevistadas

Idade da mulher 15 a 24 anos 25 a 34 anos 35 a 49 anos 39 73 51 54,9 58,4 62,2 0,8 0,659 Nível de instrução Menos de 4 anos 4 a 7 anos 8 a 10 anos 11 ou mais 53 58 34 18 73,6 57,4 50,0 48,6 10,3 0,016* Estado civil

Casada atualmente/vivendo com um homem/tem parceiro sexual

Casada anteriormente/ viveu com um homem

123 40 53,5 83,3 14,6 <0,001* Número de casamentos Até 1 casamento 2 ou mais 104 59 52,3 74,7 11,7 <0,001* Religião da entrevistada Católica/evangélica Outras e sem religião

128 35

57,4 63,6

0,7 0,400

Condição de atividade da Mulher Trabalhando

Procurando trabalho/ Desempregada/Inativa

65 98

63,7

55,7 1,7 0,189

Variáveis sócio-demográficas e de comportamento dos parceiros das entrevistadas

Nível de instrução do parceiro Menos de 4 anos 4 a 7 anos 8 a 10 anos 11 ou mais 61 56 25 21 60,4 58,3 56,8 56,8 0,2 0,970

Condição de atividade do Parceiro Trabalhando

Procurando trabalho/ Desempregado/Inativo

129 29

60,6

48,3 2,9 0,610

Freqüência do uso de bebidas Freqüentemente Moderadamente Raramente Nunca 31 83 17 31 96,9 61,0 54,8 39,7 31,2 <0,001*

Uso de droga ilícita pelo parceiro Usa atualmente Usou no passado Nunca usou 26 39 92 86,7 73,6 48,7 22,1 <0,001* Relacionamento extraconjugal Sim Não 97 66 72,4 45,8 20,2 <0,001* Variáveis de contexto

Problemas financeiros decorrentes do uso de bebida pelo parceiro Sim Não 54 78 87,1 56,5 17,8 <0,001*

Problemas familiares decorrentes do uso de bebida pelo parceiro Sim Não 72 60 81,8 53,6 17,5 <0,001*

Iniciativa da vizinhança em parar uma briga Sim Não 77 84 53,5 63,6 2,9 0,087

Mulher tem apoio de familiares em caso de necessidade Sim Não 89 74 55,6 62,7 1,4 0,236

Fonte: Pesquisa realizada no Varjão, 2007. * Associação significativa entre variáveis

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4. Discussão

Este estudo se propôs a conhecer alguns dos atos violentos que ocorrem mais frequentemente com mulheres em suas relações com seus parceiros íntimos. Com isso foi possível mensurar a magnitude da violência contra a mulher num espaço urbano delimitado que não dispunha de dados sobre um fenômeno, que representa uma violação de direitos humanos e um sério comprometimento da saúde da mulher em todas as esferas de sua condição humana. O instrumento utilizado na coleta de dados não pretendeu incluir todos os atos violentos, pois a própria natureza das violências não nos permite delimitar estaticamente as fronteiras do comportamento abusivo. Sabemos que existe uma ampla variedade de comportamentos que uma pessoa pode usar para controlar, intimidar e dominar a outra no contexto das relações afetivas com um parceiro íntimo. Os abusos podem incluir desde a negação de acesso a recursos financeiros, cerceamento da liberdade de ir e vir, assédio moral e destruição patrimonial dentre muitas outros. A limitação do instrumento é relacionada à própria natureza complexa do fenômeno das violências entre parceiros íntimos e a premissa de que nem toda conflictualidade envolvida na conjugalidade se caracterize necessariamente como violência. Todas as “relações humanas apresentam um certo grau de tensão” (9), mas nem todas são mediadas pelas violências.

No Brasil, o estudo multipaíses (7) encontrou uma prevalência para a violência psicológica de 41,8% em São Paulo e 48,9% na Zona da Mata enquanto que, no presente estudo, para esta mesma violência, a prevalência foi de 80%. Para a violência física, as prevalências foram de 27,2% e 33,7%, em São Paulo e Zona da Mata, respectivamente, enquanto que no Varjão foi de 62%. Em relação à violência sexual, detectou-se uma prevalência de 10,1% em São Paulo e 14,3% Zona da Mata. Já a proporção da violência sexual cometida pelo parceiro foi de 29% no Varjão.

É preciso considerar pelo menos dois importantes fatores para compreensão das elevadas prevalências das violências contra as mulheres entrevistadas.

Em primeiro lugar, a natureza do fenômeno que historicamente foi banalizado como pertencente à esfera do privado e marcado por segredos e temores dificulta o relato dessas experiências. Relatar episódios de humilhações e agressões ainda não é algo “naturalizado” na experiência do ser humano. Nesse sentido a habilidade e sensibilidade do entrevistador são essenciais na arena das violências. A técnica da entrevista também foi muito importante com momentos de silêncios e pausas respeitando o ritmo individual de cada mulher entrevistada. Isso requer conhecimento e vivência profissional no campo das violências interpessoais. Dessa forma, foi relevante o fato de que todas as entrevistas foram conduzidas pela mesma pessoa garantindo assim uma maior homogeneidade nas estratégias para colocar a entrevistada numa situação de conforto, favorável a revelar informações dolorosas que em muitas ocasiões nunca haviam sido discutidas com nenhuma outra pessoa anteriormente.

Uma forma de avaliar a fidedignidade das respostas utilizada pela OMS é apresentação de duas diferentes maneiras de responder a uma mesma questão. Por exemplo, a pergunta acerca do abuso sexual antes de 15 anos feita de maneira anônima via cédula não identificada com figura de rosto triste ou alegre para confirmação do abuso teve uma prevalência de 35,9%. Nas entrevistas face a face para a mesma pergunta, a prevalência foi de 34,1%. A diferença de menos de 2% de sub-notificação sugere que de fato as mulheres entrevistadas se sentiam confiantes para revelar as violências sofridas. No estudo multipaíses, as entrevistas foram realizadas por equipes treinadas e supervisionadas e ainda assim a sub-notificação foi

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de 40% (7). Isso mostra que para a realização de entrevistas na temática das violências interpessoais, como neste caso com parceiros íntimos, é necessário que os entrevistadores tenham preparo, sensibilização teórica e prática específica. Esses requisitos representam um desafio no preparo logístico de estudos de base populacionais envolvendo a temática das violências.

Um segundo fator essencialmente importante a ser considerado se refere ao local onde o estudo foi realizado. A cidade do Varjão é uma região economicamente e socialmente vulnerável, marcada pela urbanização da pobreza. A amostra selecionada representa essa realidade e não uma população com estratos de renda mais diversificados.

As freqüências dos episódios de diferentes atos de violência psicológica revelaram cronicidade (muitos episódios) tanto no decorrer da vida como nos últimos 12 meses quando comparados com baixa e média freqüência. Isso revela o caráter insidioso da violência que passa a estruturar as relações. A maior parte das violências não são um episódio único, mas sim uma série de episódios que podem continuar ao longo do tempo e até décadas (10).

Nos comportamentos de controle gostaríamos de destacar o fato de 52% dos parceiros ficarem zangados quando as mulheres conversam com outros homens e 45% insistem em saber onde elas estão o tempo todo. Isso revela o ambiente de tensão que permeia as relações dessas mulheres com seus parceiros. A presença de múltiplos episódios de ameaças tanto no decorrer da vida quanto nos últimos doze meses (62% e 63% respectivamente) alerta para o desafio de ampliar a pauta das discussões acerca da questão dos abusos psicológicos. Pode-se perceber que a situação assume uma dimensão escalonada com a ameaça de uso ou o próprio uso de armas de fogo ou armas brancas relatado por 28% das mulheres entrevistadas. A dimensão da violência psicológica, portanto transcende o espaço da violência simbólica e fornece uma densa estrutura para relações de poder. A fragilidade dos equipamentos sociais em uma área vulnerável como o Varjão pode acentuar o problema.

Na violência física a alta prevalência no decorrer da vida (62%) e nos últimos meses (32%) revelou um índice mais elevado do que o maior índice encontrado no estudo multipaíses que foi o do Peru com 61% de prevalência de pelo menos um episódio de violência física no decorrer da vida da mulher e 24,8% nos últimos doze meses.

A maior prevalência de relatos de violência foi entre as mulheres que no momento não estão mais com seus parceiros (83%) em relação às que estão atualmente casadas (53%). Esse dado pode significar um maior conforto da mulher entrevistada em relatar sobre a violência, agora que ela não mais convive com o parceiro agressor ou mesmo uma maior capacidade de nomear os episódios de agressão e classificá-los como violência após o término da relação violenta.

O mecanismo pelo qual o álcool potencializa as violências tem sido bastante discutido. Sabemos que o álcool é uma substância usada de forma paradoxal, ou seja, ela é escolhida tanto em situações de recreação e celebração quanto é usada como mecanismo de compensação para perdas e sofrimentos. Sua ação farmacológica passa pela fase da euforia e desinibição chegando à sua ação principal que é a de depressora do sistema nervoso central. Como agravante essa substância psicoativa é socialmente aceita, sem restrições culturais pela comunidade e estimulada pelo mercado que encoraja seu uso. No presente estudo, em 97% dos casos relatados pela entrevistada de que seus parceiros usavam a bebida freqüentemente (todo o dia ou quase todo dia) houve violência física, enquanto que nos casos em que os parceiros nunca usavam bebida constatou-se uma prevalência de 39%. No modelo sociocultural, o uso desta substância psicoativa é visto como resultado de um número de forças sociais, aonde o meio cultural e os valores e atitudes da comunidade interagem para o

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seu uso ou para a sua abstenção (11,12,13,14,15). Nesse sentido, estudar a intensidade da violência pressupõe transcender a relação álcool-violência.

É interessante notar o número de mulheres entrevistadas que relatam relações extraconjugais pelo parceiro (48%) sendo que 72% delas sofreram violência física. É recomendável que sejam realizados estudos com recorte na temática conjugalidade e violência no contexto da fragilidade de vínculos.

5. Conclusão

As altas prevalências de violências física, psicológica e sexual contra mulheres reveladas neste estudo mostram a vulnerabilidade da situação de mulheres nas relações com parceiros íntimos. Essas taxas descortinam uma realidade paradoxal vivida no cotidiano onde a sociedade e o Estado avançam na discussão e na legislação específica de proteção aos direitos da mulher, mas ao mesmo tempo constatam-se números estatísticos que retratam realidades desumanizantes em pleno século XXI. Michaud (4) afirma que essa maior habilidade em classificar e nomear atos que antes não eram considerados violentos como violência faz parte do processo civilizatório. Após sessenta anos de declaração dos direitos universais temos ainda muito espaço a ser galgado na conquista dos direitos humanos. A violência contra a mulher percebida como violação de direitos humanos e enquadrada como crime na nova legislação que protege a mulher, Lei Maria da Penha, ainda é recente e precisa urgentemente ser apreendida pelos operadores de direito, policiais, profissionais de saúde e por cada cidadão brasileiro. A pesquisa revela que na realidade local do Varjão, uma grande maioria das mulheres não está sendo tratada pelos seus parceiros como “sujeito de direito” e geradora de capital social.

Estudos qualitativos envolvendo tanto mulheres quanto homens poderiam auxiliar na análise da questão da dinâmica das relações com parceiros íntimos, o papel da comunidade e a necessidade de “desnaturalizar” o fenômeno e diminuir a tolerância à sua existência no cotidiano da vida comunitária.

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6. Referência Bibliográfica

1.ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS (OEA), Convenção Interamericana

para prevenir, punir e erradicar a violência contra a mulher – "CONVENÇÃO DE

BELÉM DO PARÁ", Belém, 1994.

2. WHO. World Health Organization. World report on violence and health. In Krug EG et al. (eds.) Geneva: World Health Organization, 2002.

3. BUTLER, J. Problemas de gênero: Feminismo como subversão da identidade. Rio de janeiro: Civilização Brasileira, 2003.

4. MICHAUD Y. A violência. São Paulo: Editora Ática; 2001.

5. VENTURI G, RECAMÁN M, OLIVEIRA, S. (org) A mulher brasileira nos espaços

público e privado. São Paulo: Fundação Perseu Abramo; 2004.

6. WHO. World Health Organization. WHO Multi-country study on women’s health and

domestic vilence against women. Geneva: World Health Organization, 2005.

7. SCHRAIBER, L. B. et all. Prevalência da violência contra a mulher por parceiro íntimo em regiões do Brasil. Revista de Saúde Pública. 41, n. 5, 2007.

8. Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Síntese de indicadores

sociais 2004. Rio de Janeiro: IBGE, 2005.

9. SAFFIOTI, H.I.B., ALMEIDA, S.S. Violência de gênero: poder e impotência. Rio de Janeiro: Revinter; 1995.

10. REED, E., WHITAKER, D.J, SWAHN, M., HALL, D. M, HAILEYESUS, T. Intimate partner violence: a gender-based issue? American Journal of Public Health. Washington: 98, 2, p. 197-199, 2008.

11. VILLAR L, LUNETTA M, FUZA AC. Alcohol and drugs: preliminary survey of

Brazilian nursing research. Rev. Latino-Am. Enfermagem. [online]. Nov./Dec. 2005, vol.13, no.spe2, p.1219-1230. Disponível em: <

http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-11692005000800018 &lng= en&nrm=iso>. ISSN 0104-1169. Acessado em: 7 abr. 2008.

12. ZILBERMAN, M.L., BLUME, S.B. Domestic violence, alcohol and substance abuse. Rev

Bras Psiquiatr. 27, 2:S51-5, 2005.

13. EASTON, C.J. The role of substance abuse in intimate partner violence. Psychiatric

Times (Special Report), 23:26-27, 2006.

14. EASTON, C.J. The role of substance abuse in intimate partner violence. Psychiatric

Times (Special Report), 23:26-27, 2006.

15. PILLON, S.C.; LUIS, M.A.V. Explanatory models for alcohol and drugs use and the nursing practice. Rev. Latino-Am. Enfermagem. [online]. July/Aug. 2004, vol.12, no.4 [cited 07 abril 2008], p.676-682. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script= sci_arttext&pid= S0104-11692004000400014&ln =en&nrm=iso>. ISSN 0104-1169. Acessado em: 7 abr. 2008.

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