• Nenhum resultado encontrado

Diário de Sempre Viva. Mudanças e caminhos no enfretamento do Alzheimer

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Diário de Sempre Viva. Mudanças e caminhos no enfretamento do Alzheimer"

Copied!
19
0
0

Texto

(1)

Diário de Sempre Viva

1

Mudanças e caminhos no enfretamento do Alzheimer

Texto e fotos de Vera Helena Zaitune

o texto abaixo a autora apresenta trechos de seu blog Conversando

sobre Alzheimer, iniciado em agosto de 20112.

Meu nome é Vera Helena. Meu interesse e objetivo consiste em conversar e trocar impressões e experiências sobre Alzheimer. Minha mãe (foto acima) é portadora desta patologia e acho importante que a troca exista no sentido de acrescentar conhecimentos e gerar espaços para desabafos entre cuidadores, assim como eu. Dentro do que me proponho oferecer, sinto - me capaz de abordar sobre cuidadores, suas relações com o portador e familiares e sobre o cotidiano que envolve a todos os implicados nessa causa. Para saber mais, em cada segmento há uma justificativa desenvolvida com o objetivo de ajudá-lo. Julgo oportuno mencionar que passado algum tempo, percebo que hoje possuo um trajeto impregnado de experiências diversas, pois os desafios acontecem todos os dias. A necessidade de dialogar com pares aumenta a cada dia, pois há momentos em que a solidão e a impotência invadem minha vida! Que tal

1

Sempre Viva é uma flor que dura mais de 50 anos, possui um aspecto delicado, mas é muito resistente. Tem este nome porque são capazes de manter as cores e o aspecto vivo mesmo depois de secas e sobrevivem em qualquer clima.

2

http://conversandosobrealzheimer.blogspot.com.br/search?updated-min=2011-01-01T00:00:00-08:00&updated-max=2012-01-01T00:00:00-08:00&max-results=13

(2)

olharmos para este tema com mais proximidade e conversarmos sobre Alzheimer? Pensem nisso e sobre isso...

26.01.12

Manifestações últimas - o silêncio prossegue marcado por algumas características das quais não me arrisco dizer que todos os dias se repetem, pois como tenho percebido, prognósticos muito fechados podem nos trazer surpresas, que muitas vezes angustiam o portador. Cautela sempre! Por exemplo: no caso da minha mãe, sinto que não são mais todos os dias que ela me reconhece como filha. Há sempre muita gentileza da parte dela em me cumprimentar e sorrir (educada, como ela sempre foi), mas infelizmente (não sei se estou preparada) esse processo deve se acentuar até que um dia ela não me reconheça mais em definitivo.

Sinalizo que ultimamente ela tem demonstrado angústia, traduzida em irritação e desconforto, quando solicitada a lembranças que não existem mais em seus arquivos mentais. Por outro lado, se não provocarmos a conversa, ela permanece em silêncio. Procedimentos tomados: vamos cantar mãezinha, ou

Dona Antonia? (no caso das cuidadoras). Riscos dessa atitude: ouvir um sim,

ou negativa em tom irritadiço ou cordato.

Mas é preciso estimular o ato da fala, porque sinais faciais dessa perda já se manifestam e instalam, deixando o rosto dela mais caído e flácido. Medidas: prosseguir nos estímulos preparados para diferentes reações, sem se abater em nível pessoal, pois o foco é ela! Nesse caminho, orientar as cuidadoras sobre as reações é essencial para que não se abatam além do que a relação estéril aflora “naturalmente". Beijos e até sempre. Vera Helena, sempre viva.. 27.01.12

Limitações virtuais: sugestões de contato por agora - aproveito o espaço para discorrer sobre o evento que me impulsionou a montar este blog. Assisti a um filme no qual uma das atrizes experimentou todas as receitas de um livro de receitas, por cuja autora ela nutria admiração pessoal e profissional. Percebi o quanto foi benéfico para ela, na medida em que a ação promoveu relações que a desafiavam muito. A novidade fazia com que ela se organizasse em diferentes sentidos e momentos, gerando aprendizado e crescimento graduais, com responsabilidade e prazer visíveis, decorrentes das trocas fecundas que vivenciava com os seus seguidores.

Inspirei-me nela, investi nas minhas aulas de montagem de blog (um ilustre desconhecido na minha vida) e com minha professora me enveredei nesse caminho, muito estimulada a atingir os meus (agora nossos) objetivos. No momento, não sei como responder aos comentários e mais uma aula foi marcada para o novo passo.

(3)

Coloco-me à disposição para dialogar com meus queridos parceiros, por intermédio do meu e-mail até aprender sobre como responder no blog. Para mim, a relação com as novas tecnologias consiste num desafio literal, pois sempre manifestei muita resistência a elas. Vencida a mesma, aprendo e vou em frente, sempre na proposta de conversar sobre minha mãe com vocês. 28.01.12

O bolo: instantes de luz! - como sempre faço todo final de semana eu levo um bolo para minha mãe e cuidadoras para a hora do chá. Normalmente o de fubá, um dos prediletos dela. Sei que ela não tem mais paladar, decorrente do Alzheimer, mas procuro atender à memória afetiva e às lembranças que o bolo desperta em forma de relatos que reavivo constantemente. Ela escuta com atenção e silêncio prazerosos.

Sobre isto, comuniquei à cuidadora que era para a hora do chá noturno, enquanto minha mãe ouvia e cantava músicas do tempo dela num aparelho de som que temos no seu quarto. O espaço que habita é reduzido, mas existe uma separação dos cômodos. Eis que ela me chama e me diz: eu quero um

pedaço de bolo!

Não pude me conter e dizer-lhe que a sua audição era primorosa! Ela esboço um sorriso lindo e sereno como há tempos não o fazia, transformando o momento num instante raro de luz e encanto. Um sorriso não custa nada, mas sem dúvida gera forças para o decorrer do processo que vivemos, já que a deixei levando comigo a recordação luminosa e fugaz que tivemos.

31.01.12

Uma vez, mãe sempre mãe e as surpresas de cada dia - nos nossos encontros cotidianos, algo chama muito a atenção. No caso, todas as vezes que me despeço da minha mãe, ouço infalivelmente as seguintes palavras em tom de ordem: Volta logo, viu! Isso me surpreende porque nunca ela deixou de manifestar tal comanda, tal e qual fazia nos meus tempos de menina e adolescente. Como veem, há situações que atualizam minhas lembranças e perpetuam maneiras de ser e viver. Boas lembranças...

01/02/2012

Sintomas do Alzheimer- engessamento do cuidador - dentre os sintomas do Alzheimer, a perda da memória recente caracteriza-se como um dos mais frequentes. Como tal, requer uma dose excessiva de paciência por parte dos cuidadores, porque nas suas reações são submetidas à mesma pergunta uma série de vezes no mesmo dia. Da parte do portador, geralmente o raciocínio segue o seu curso como se ele estivesse normal, pois não tem consciência dessa perda.

Deixando mais claro, cito um exemplo ocorrido com minha mãe. Cada vez que mencionamos a necessidade dela tomar banho e lavar a cabeça, ela insiste

(4)

que não precisa porque tomou banho "ontem", que para ela faz sentido. Na contrapartida, este banho precisa ser efetuado. Administrar esse desafio requer muito jogo de cintura e criatividade, juntamente com a necessidade de não se levar nada para o lado pessoal. Falo isso porque com a negativa, podem ocorrer atitudes agressivas por parte do portador, sejam elas verbais (com o uso de palavras nunca proferidas) ou investidas físicas sobre o cuidador. No caso da última reação, é preciso interromper esse ciclo e depois persistir no objetivo.

Sobre isto, tenho notado que, em alguns dias, a cuidadora se fragiliza e não realiza a atividade a ser feita, alegando estar chocada com o comportamento da minha mãe. Creio que com a breve explanação, podemos verificar o quanto é importante o cuidador estar fortalecido para o enfrentamento de situações como esta.

Operacionalizar a tolerância, o diálogo, a escuta e a insistência de que a atividade precisa ser desenvolvida impõe paciência excessiva àqueles que se relacionam e de certa forma dirigem (?) cotidianamente os cuidadores. Inclusive, para avaliarem se de fato este cuidador possui perfil compatível às exigências específicas requeridas para a lida diária com o portador de Alzheimer. Desafios que nos abatem, fortalecem e promovem reflexões com muitas perguntas e poucas respostas. Diante disso, fico extremamente preocupada com a formação desses indivíduos essenciais aos cuidados de portadores de Alzheimer, num país como o nosso em que o envelhecimento se intensifica, sem uma estrutura pública ou particular preparada para a demanda. Fotografia muito triste...

04.02.12

Memória afetiva: vínculo se desfazendo... - além do silêncio, o olhar distante e impenetrável tem sido muito constante nas reações-ligações cotidianas da minha mãe. Com frequência tenho percebido que ela não me reconhece nem de imediato, nem posteriormente. Apenas sente que minha presença lhe é familiar. Na hora que tomo a sua benção sempre a chamando de mãe, ela responde com o Deus te abençoe, não mais dirigido à filha. O ato é mecânico, refletindo fixação correta das palavras a serem proferidas. Contudo, sem a emoção esperada.

Percebo que há afeto, agora para uma amiga, pois é assim que ela me aponta e vê. No momento que a situação ocorre, consigo permanecer normal e continuo nossa conversa. Depois, manifesto minha tristeza e não impeço que a emoção se apodere de mim. Agora é a hora de juntar e somar forças, ainda que como mosaico e insistir naquilo que é possível executar. Sempre há caminho, enquanto há sinais de vida.

(5)

08.02.12

O ato de cuidar: presença atenta, intervenções imediatas - todos os domingos, eu e minha mãe assistimos à missa juntas, o que para mim já se tornou um hábito do qual, quando impossibilitada, me ressinto muito, porque a energia e a alegria que vivencio são expressivamente positivas! Neste domingo, dia 5, percebi que minha mãe estava inquieta, alegando frio e a limpar o canto dos olhos e do nariz com frequência. Terminada a missa, ficamos “tomando a fresca”, aproveitando a brisa recompensadora do final de dias particularmente muito quentes. E ela sempre aprecia esse momento. Naquele dia, ela estava muito cansada e falando ainda mais baixo do que já vem acontecendo. Solicitei à responsável pela enfermaria que medisse a temperatura da minha mãe, que resultou num quadro febril. Procedimentos adequados foram tomados, roupas ainda mais leves e frescas foram trocadas, seguidos de uma hidratação mais intensa, além de um olhar mais cuidadoso, incluindo-se mais vigília no decorrer da noite.

No dia seguinte, o quadro persistiu e a geriatra foi acionada, que constatou um quadro viral, com medicamentos para o mesmo. Observação e cuidados mais constantes têm ocorrido, pois sabemos que no idoso o risco de uma pneumonia sempre existe. Sem mais, registro agora sobre mais um instante de aprendizado em mais um dia de desafio e crescimento. Aliás, possibilidade, aprendizado e crescimento constituem-se um tripé vivo da nossa vida.

09.02.12

A institucionalização do portador de Alzheimer - extensão dos cuidados dos responsáveis - fico inquieta e pensativa quando assisto à reação de alívio por parte dos familiares no ato da institucionalização do portador. Tal observação, de ordem pessoal, resulta do meu percurso como cuidadora da minha mãe querida. Que no tempo possível permaneceu no seu domicílio. Institucionalizá-la foi o último recurso diante de motivos derivados da dinâmica e possibilidades que dispúnhamos. Essa atitude é decorrente de questões e necessidades de cada família. Não obstante, o ato de cuidar deve e precisa se estender por motivos diversos, ainda que num novo contexto e relação.

Insisto sobre isso, porque o portador necessita da presença daqueles que lhe são familiares, independentemente do local em que vive. E na medida em que os estágios da patologia evoluem, manter os vínculos possíveis é vital para os envolvidos na situação, sobremaneira para o portador, cada dia mais frágil e vulnerável.

Nos últimos dias, minha mãe encontra-se num quadro viral, no qual a minha presença tem colaborado junto às outras pessoas que dispensam os cuidados necessários para ela. Sentir minha presença ao seu lado, dentre outras investidas, proporciona mais segurança e tranquilidade para ela. Então, me certifico que, na medida do possível, vale a pena a proximidade que menciono nesse recorte.

(6)

23.02.12

A queixa do portador de Alzheimer: escuta atenta! - há quase uma semana minha mãe vem enfrentando uma crise de hipertensão, que nunca havia sentido no decorrer da sua vida. Medidas e procedimentos têm sido tomados e novamente me deparo com uma situação inédita, a qual busco compreender para colaborar no processo. Inclusive, de controlar a minha ansiedade, na intenção de prover e me fazer presente, dentre outras realizações voltadas para minha mãe amada.

Não obstante, como já afirmei, há um fluxo natural da vida que acontece na sua plenitude no qual atuamos como observadores. Frente à irreversibilidade, o autocontrole e a aceitação precisam ser vivenciados para o benefício de todos os que integram o universo da minha mãe.

Nesse contexto, ouvir o portador também é medida de cuidados para encaminhamentos mais precisos. Insisto nisto porque ainda que com um vocabulário cada dia mais reduzido, minha mãe sugeriu pistas sobre os seus sintomas, já que o alerta dela sobre a dor de cabeça sempre esteve e se faz presente. Fato que, levado em consideração, colaborou muito para que buscássemos os meios rumo a um fim único: diagnosticar e promover melhorias possíveis na saúde da minha mãe! Então, que a voz do portador seja sempre valorizada, com ou sem comprometimento! Despeço-me deixando um abraço caloroso e a minha gratidão terna para aqueles que caminham no mesmo trajeto que eu... Meu neto completa 12 anos de vida hoje: bálsamo e força para que a vida sempre seja celebrada.

27.02.12

Portador doente: riscos e aprendizado - o problema da hipertensão na minha mãe continua. E com ele, os riscos que tal sintoma predispõe. Procedimentos corretos e coerentes com as instruções médicas, seguidos dos cuidados de todos os que promovem qualidade de vida para ela têm sido realizados. O calor tem sido intenso, clamando por hidratação contínua, com ingestão de líquidos incessantemente. E para isso, nossa criatividade tem sido testada a todo o momento, pois ingerir água há tempos não consta das predileções e necessidades da minha mãe, que no processo do envelhecimento diminui bastante.

Contudo, temos que dar o devido peso e valor diante do que vivenciamos. Temos que agir com responsabilidade, sem valorizarmos excessivamente o fato, deixando nos abater e silenciar sobre as possibilidades que dispomos. A vida segue e demonstra a sua essência. Então, é preciso que prossigamos naquilo que possuímos e surte efeito e nos estimula a realizar com minha mãe. Exemplo disso: cantar as músicas que ela aprecia, ler textos curtos extraídos do material que dispomos, rezar as orações que ela profere dia a dia e conversar sobre o que considera bonito e atraente, como passear pelos

(7)

espaços e comentar sobre o jardim e as flores que o adorna. E relatarmos sobre os fatos de um tempo presente na memória dela, que escuta com muita atenção e alegria. Entendo que diante do que temos, podemos e devemos nos apegar àquilo que dá sentido e dinamismo à nossa vida, sempre vida, dentro das limitações que a mesma nos apresenta.

14.03.12

Alzheimer: estágios, obstáculos e os bálsamos do dia a dia - no desenrolar da doença, alguns sintomas são contidos e outros vão surgindo a nos lembrar daquilo que não podemos deter, que faz parte do fluxo natural da vida. Num quadro de Alzheimer, percepções se escancaram devido ao que a perda da memória demonstra no portador. Ser forte, alegre e criativo são características vitais aos que integram esse universo.

Confesso que nestes dias últimos tenho me flagrado irritada, cansada e emotiva. Administrar a estrutura exigida pelo e para o portador requer vigor e um estado vigilante às relações que perpassam essa estrutura, destacando-se as que se referem às pessoas envolvidas diretamente com o portador. Pois bem, é assim que me encontro neste momento.

Mas como denominei este meu texto, há trégua marcada por gestos de carinho que superam e promovem ternura, encorajando-me a prosseguir. Hoje mesmo, ao chegar ao lugar que minha mãe se encontra, eu declarei a ela o meu amor e obtive como resposta igualmente terna, algo assim: eu também te amo e fica

comigo! Abraçamo-nos em silêncio, dispensando mais palavras, pois o gesto

fala por si, tão carregado de energia positiva e de força.

Um beijo e que eu tenha conseguido traduzir a sensação vivida.

27.03.12

Um sorriso: estímulo na dura travessia - com o passar dos dias, os sintomas vão surgindo e se instalando na minha mãe querida. Que mesmo cuidados não impedem o curso da doença. Nessa direção, muitas vezes me vejo ausente do sentimento que sempre me moveu: a esperança! E me preocupo com isso, pois a mesma é fundamental para o percurso que temos que trilhar. Em meio a tantos desafios permeados de buscas variadas, recebo gestos que me impulsionam a seguir positivamente. Por exemplo: um sorriso lindo, aquele olhar sereno permeado de carinho e profundidade, palavras proferidas em voz baixa que ficam volumosas diante da força e intenção que carregam: não vai

embora, fica comigo, volta logo, Deus te abençoe, dentre outras. Sem contar a

pseudotatuagem que levo comigo a cada despedida traduzida pelo beijo que recebo marcado em tom rosa na minha face.

Isso basta para, mesmo em lágrimas, gerar vigor e energia para que amanhã a gente se encontre novamente.

(8)

02.04.12

Dependência crescente e novas medidas - tenho vivenciado parte das leituras que fiz e realizo sobre o tema Alzheimer. As reações são inúmeras e nem sempre se manifestam na sua totalidade, felizmente. Pois para cada sintoma precisamos buscar atitudes que proporcionem alívio e conforto para o portador, estendendo-se para o cuidador, já que a angústia é recíproca, diante do novo. E entre acertos e desacertos valem a vontade e o propósito de integrar a equipe colaboradora, garantindo melhor qualidade de vida a todas as partes.

Em meio disso, tenho me flagrado em busca de alternativas viáveis para as fases que minha mãe querida tem vivenciado. Dentre elas, a melhor maneira de prosseguir levando-a à missa no local em que reside, inclusive para comungar, já que este hábito vem de muito tempo, cuja permanência tem sido positiva na rotina diária da minha mãe. Entretanto, ela tem manifestado dificuldade para engolir a hóstia, tossindo e dando a impressão que vai se engasgar. Decidimos então levar a água para, em seguida da comunhão, ela ingerir alguns goles e assim facilitar o ato de engolir. Verificaremos a eficácia da medida para darmos ou não seguimento ao costume vivenciado por toda uma vida. Por hoje é só, na certeza de que as forças necessárias a esta travessia surgem no tempo e medida exatos.

11.04.12

Mudanças necessárias - o rio corre sozinho e há alguns fluxos do mesmo que não conseguimos deter. Mas há sempre alternativas, das quais nos valemos diante do imutável. No caso da minha mãe querida, percebemos depois de muito observar que não há mais como ela se alimentar ingerindo alimentos sólidos, pois tem encontrado muita dificuldade, e muitas vezes notamos que ela se esqueceu do ato de mastigar, ainda que o tempo todo fiquemos mostrando como o mesmo se processa. Os riscos dessa postura incidem no engasgo, na condução equivocada do alimento, gerando comprometimentos os quais precisamos evitar.

A solução encontrada consistiu na mudança do estado e apresentação dos alimentos a serem servidos às refeições. De agora em diante, tudo será pastoso, para garantir que a refeição se efetive com sucesso. E que as cuidadoras prossigam com muita paciência e vigilância no momento das refeições, já que agora são elas que oferecem, pois minha mãe não tem mais forças e coordenação suficientes para alimentar-se sozinha. Sobretudo, que como equipe, façamos a nossa parte para o novo ciclo que se inaugura.

Diante da mudança, que a perseverança e a esperança prevaleçam suficientemente para cada dia e sempre! Beijos e grata pelo espaço de escuta afetiva. E contem comigo para colaborar dentro do que sei e posso fazer por aqueles que vivenciam situações similares.

(9)

19.04.12

A necessidade da escuta atenta e sensível ao portador - na terça-feira, dia 17, minha mãe queixou-se de dor de dente por várias vezes. Diante da queixa recorrente, a profissional responsável pelo lugar que minha mãe reside solicitou um dentista para verificar o que acontecia. Observou-se que um dente estava quebrado e mole, sendo recomendada a sua retirada. Concordamos com o profissional, que havia nos alertado sobre a possibilidade do dente ao lado ter que ser extraído. Isso ocorreu.

No local, todos os procedimentos foram efetuados com calma, serenidade e recursos adequados. O comportamento da minha mãe foi impecável, revelando bastante colaboração no decorrer do evento. E mais uma vez percebemos que é prudente e recomendável atentar às reclamações dos portadores, independentemente dos estágios que se encontram, já que nesse caso a minha mãe foi uma integrante ativa na equipe que trabalha pelo seu bem-estar e dignidade! Por hoje é só.

24.04.12

Sensações, sentimentos e reações decorrentes da visita para a vovó -domingo último, meu filho, que reside numa outra cidade, visitou a minha mãe, com minha nora e netos. Todos ansiosos e saudosos para verem a bisa. Com bolachinhas para ela e muita alegria, chegaram ao local onde minha mãe vive. Meu filho, que tem uma forte ligação com ela, não conteve as lágrimas, e por várias vezes teve que se distanciar a fim de se acalmar e prosseguir nas conversas possíveis. Diante do fato, com características de alegria e tristeza, creio ainda que, quando possível, situações como essas devem acontecer. Ficou visível a satisfação da bisa olhando amorosamente para o bisneto e a bisneta, inclusive comentando no tom de voz baixinho, ou seja, o que ela consegue emitir sobre como estavam crescidos e bonitos... Instantes valiosos de ternura que com certeza se eternizaram.

08.05.12

Tempo, saudade, ausência e sorriso – estive viajando por uns dias. Ausentei-me por oito dias. Neles, soube da minha mãe pelas pessoas que estiveram com ela. No caso, a minha filha e quatro amigas muito presentes na nossa vida. Ao rever minha mãe amada, tive a sensação de que se passara muito tempo, bem mais que o mencionado. Abracei-a e beijei-a muito! Que me olhava com um semblante fechado, muito sério e distante. Meu desapontamento durou pouco, pois sei que essas alterações fazem parte do quadro, além das águas do rio que seguem invariavelmente...

(10)

Tenho que me contentar com esse formato de relação afetiva, que é o possível. Ontem estive com ela novamente, que me recebeu com aquele sorriso que alimenta e gera forças para prosseguirmos nos amando da forma permitida. Fico feliz com o instante vivido, transformado num grande e único momento..

11.05.12

Dia das Mães: minha mãe e eu - ainda que eu a tenha calada, cadeirante, dependente e distante, em alguns dias me reconhecendo e noutros indagando quem sou eu, eu tenho a quem chamar de mãe A cada dia que passa o luto aumenta e com ele a vontade de estar e ficar com ela, tecendo nossas lembranças, esperando o seu sorriso enquanto rememoro os fatos engraçados de um passado presente e muito próximo dela. E o olhar penetrante irradiando felicidade é de um valor sem precedentes.

Assistir à continuidade da elegância no vestir-se, no falar, nos gestos de partilha que permanecem me estimula sobremaneira a um amor sem peso e medida: entranhas de mãe e filha. A cada chegada e partida: o beijo selado, o batom marcado e o sorriso em aceno de adeus breve, para amanhã nos vermos e amarmos mais uma vez. Então eu penso: feliz de mim que tenho a quem chamar de mãe!

17.05.12

Entre as mãos que fazem e os braços que se cruzam - o limiar que existe entre a potência e a impotência se entrecruza... Explicando: minha mãe adoeceu. Sei que no idoso qualquer situação fora da normalidade gera abatimento rápido. Isso muda de significado quando a teoria acontece naqueles que amamos e nos ligamos muito. Tenho sempre feito o que julgo ser referente à minha parte. Difícil é segurar e conviver em clima de aceitação com aquilo que não dominamos, porque sinaliza para a nossa fragilidade limitação e impotência.

Nesse cenário, forma-se uma rede de ações de sujeitos e papéis diferentes, nas quais prosseguir atuando é o que nos cabe, pode e deve ser feito. Muitos anjos que colaboram com gratuidade despontam nesse fazer diário e incessante, fazendo-nos agradecer cada dia mais e mais a tudo e a todos! Questionei o que redigi no Dia das Mães, avaliando se não fui egoísta no meu amor de filha para com aquela que amo e devo tanto... Tantas questões, que em minuto algum me impediram de enfrentar os desafios, ora mais forte, noutras mais enfraquecida, com forças minguadas e exauridas, mas implicada sempre!

O foco no Alzheimer incide na memória! E sobre ela, leio algo escrito pelo célebre Saramago, que assim nos diz: somos a memória que temos e a responsabilidade que assumimos. Sem memória, não existimos com plenitude e atuação, mas sem responsabilidade talvez não mereçamos existir! Espero encontrar energia suficiente para que nesse percurso de cuidadora da minha

(11)

mãe, hoje sem domínio da sua memória, eu priorize a minha memória no sentido de nunca me esquecer de que à minha mãe eu devo a minha vida, sem culpa, com leveza e compaixão!

08.06.12

Um presente no presente: exemplo valoroso! - no dia 29 de maio último, meu irmão fez aniversário. Ele reside numa cidade que se localiza num raio de 290 quilômetros de distância da cidade em que resido. Lembrando, é onde nossa mãe vive institucionalizada. Eu estava viajando. E ele decidiu passar esse dia ao lado da nossa mãe. O dia estava bonito, ensolarado e, segundo relatos, minha mãe alegrou-se muito ao vê-lo, recordou-se de um dos nomes dele, que o deixou muito feliz.

Confesso que o gesto do meu irmão me comoveu, não só a mim, como a todos os que participaram desse evento. Compartilho com vocês tal experiência porque vejo nessa atitude um exemplo a ser seguido, independentemente do estágio que o portador se encontra. Nunca sabemos as reações do mesmo, mas como no caso do meu irmão, um sorriso, um olhar, uma palavra proferida, um carinho e um silêncio significativo pouco custam, mas criam muitas possibilidades das quais, precisam e devem ser aproveitadas no tempo e hora que a vida nos propuser. Sem muitas reflexões, mas com decisões que priorizem a vida, enquanto existir vida!

19.06.12

A importância da valorização das emoções do portador em todos os estágios - dias atrás minha mãe sofreu uma queda, tendo ferido a sua cabeça. Felizmente não teve consequências mais desastrosas. Cheguei quase imediatamente ao incidente, que exigiu a presença de um médico, para direcionar os procedimentos a serem efetuados. Minha mãe sempre se mostra colaboradora nesses momentos, com frequência extrai comentários positivos dos profissionais da saúde acerca do seu comportamento.

Como já mencionei, o estágio em que ela se encontra insere-se num processo de dependência cada vez mais contínuo e constante. No entanto, preciso relatar que depois da queda ela mostrou-se muito assustada, manifestando um semblante atemorizado e enrijecido o tempo todo. Que persiste até hoje (quatro dias depois), com algumas manifestações físicas, tais como rigidez notória na musculatura dos ombros, pescoço e face, em forma de nódulos, que estão sendo cuidados. Interessante notar o medo instalado com sintomas, mas também por intermédio de palavras como: cuidado, eu vou cair!

O que pude observar até a presente data é que devemos e precisamos levar em consideração as emoções do portador, independentemente das fases que se encontra, pois minha mãe externou esta necessidade nestes dias últimos que julgo pertinente compartilhar com os meus leitores, no sentido de alertá-los sobre a seriedade de questões que surgem quando em eventos como esse que relatei aqui e agora. Com carinho e gratidão, me despeço por hoje. Entendo

(12)

que como tudo na nossa vida, não temos certeza de nada. Também na relação: portador, cuidador e familiares temos que acreditar na força e energia que nos serão disponibilizadas um dia de cada vez e sempre!

09.07.12

Lições de vida em vida - sempre que posso me disponho a ficar com minha mãe. Isso acontece quase diariamente. O abatimento e fragilidade dela se intensificam a olhos vistos. Aceitar o imutável e proporcionar qualidade em todos os segmentos possíveis prossegue dentro da estrutura que dispomos. Dia desses, passeava com ela, empurrando a sua cadeira de rodas. Dialoguei e cantei o diálogo e sons possíveis. Silenciei o silêncio afetuoso e cúmplice, entendendo os sinais emitidos, bem conhecidos na nossa relação. E num determinado momento deixou de caminhar e paramos num local comum e coletivo das senhoras do local.

Observei minha mãe com carinho, também com o objetivo de avaliar se ela estava confortável e segura. O dia estava frio e chuvoso. Verifiquei que ela estava suficientemente protegida pela roupa que usava. O sentimento despertado foi de tranquilidade e de um despojar de qualquer tipo de culpa. Subitamente, lembrei-me do jeito de ser da minha mãe, que raramente se queixava ou lamentava, ainda que com muitos motivos para fazê-lo. Sempre disposta, alegre, disponível aos que dela necessitassem, muito fiel ao que lhe relatavam, angariando com isso o afeto de todos. Com isso, frequentemente era convidada para eventos diversos, já que a sua presença era desejada e esperada.

Naquele relance - fração do tempo - constatei que ela sempre se agarrou ao que a vida lhe ofereceu e compreendi que aprender com o seu exemplo consiste na melhor lição e tarefa que posso levar comigo. E assim sigo eu, num caminhar e ritmo de um tempo que me sugere muita reflexão, aceitação, paciência e paz! Sobretudo, muita fé!

20.07.12

Desafios e gotas de alegria - o estado geral de saúde da minha mãe passa por uma fase de fragilização. O abatimento é consequência da situação. E com isso, uma série de medidas é tomada. Questões novas vão surgindo, tais como: melhor o uso da sonda? Quais os caminhos e entraves burocráticos a

serem seguidos e surgidos de acordo com a cobertura que o convênio disponibiliza? Alternativas despontam e meus passos são dirigidos para elas,

algumas com sucesso e outras não. Diante das negativas e evidências, prossigo na busca de substitutos. Junto a isso, procuro me fazer presente ao lado da minha mãe querida, já que sou a única referência de mundo, sobretudo do afetivo que minha mãe possui e se norteia. É prazeroso assistir ao seu olhar me acompanhando com aqueles lindos olhos verdes, ora mais límpidos e noutras mais opacos.

(13)

A capacidade de ela verbalizar palavras e constituir frases com sons nítidos diminui dia a dia. É preciso ficar bem próximo dela para escutar o que fala, sempre com respostas coerentes e contextualizadas, encontrando as palavras certas no momento certo. São frases bem curtas às vezes formadas por duas palavras, mas pertinentes ao que se indaga. O som emitido surge com tonalidade diferente, mais grosso e entrecortado, talvez pela rigidez muscular que se aloja também nos músculos faciais.

Vale mencionar e compartilhar o ocorrido num desses dias em que ficamos no quarto dela, só nós duas. Comuniquei para ela que cantaria as canções que ela cantava quando eu era criança. No caso: Índia, Maringá, O grão de areia, A Estrela Dalva e outras. Justifico que nem sei se estes são os nomes verdadeiros das músicas. Depois, cantei a canção da minha mãe: O bêbado e a equilibrista. E me emocionei quando ela movimentava os lábios, proferindo sons possíveis a me acompanhar...

Preferi não continuar porque ela está com uma tosse muito forte e com o esforço gerado começou a tossir. E como se encontra com dificuldade de deglutição, percebi que o mais prudente era finalizar aquele momento repleto de encanto e sensibilidade. Abracei-a muito e despedi-me dela tomando a sua benção, que ela me concedeu com esforço visível, mas presente! Esses instantes proporcionam vigor e força para os caminhos que vamos caminhar com alegria, aceitação, ação constante e fé permanente!

01.08.12

Entre ciclos: a vida! Os sintomas decorrentes das sequelas instaladas no quadro da minha mãe se intensificaram nestes últimos 20 dias do mês de julho. Diante da baixa capacidade de movimentação, a tosse aumentou, a deglutição ficou mais comprometida, e com isso o ato de babar também se intensificou, requerendo medidas e cuidados mais apurados. Afirmo que houve dias em que assisti minha mãe muito abatida, sem forças e vivacidade, levando-me a uma preocupação muito grande, acompanhada de uma fragilidade que, em alguns momentos, não conseguia me recuperar. O que surpreende é a vida acontecendo na sua inexorabilidade e surpresas desafiadoras ao nosso entendimento.

Explicando: mesmo nos dias em que minha mãe não conseguia proferir nenhuma palavra, os seus olhos verdes moviam-se a me acompanhar, mostrando que embora sem falar se fazia presente e em entendimento com o movimento do olhar. Percebi que mesmo com este silêncio imposto pelas circunstâncias, era preciso comentar sobre o seu estado longe dela; já que embora com o vocabulário diminuído significativamente, era preciso nos precaver.

Hoje, posso dizer que a minha intuição foi procedente, porque, com a sua melhora, as respostas curtas e breves sobre algumas questões dirigidas a ela voltaram, revelando coerência, a sinalizar para que assuntos relacionados ao

(14)

estado do portador devem e precisam ser realizados distante dele! Prudência sempre!

13.08.12

Entre belas e surpreendentes surpresas - de fato, podemos acreditar que no exaurir das nossas forças, desafiadas até limites desconhecidos, surgem fatos que nos desbancam e deixam atônitos. Explicando melhor: tenho compartilhado passo a passo com meus amigos leitores o caminho realizado com minha mãe, no enfrentamento diário com o Alzheimer e o Parkinson. A fase do momento tem sido mais leve, proveitosa e entendível, proporcionando um diálogo vigoroso dentro dos limites que possuímos.

E nesse fluxo da vida, a data do aniversário da minha mãe se aproxima e com ela potencializo indagações sobre o evento. Salvo um dia em que não se recordou, todos os outros, quando menciono não me lembrar de quem é o aniversário do dia 21 de setembro, ouço a seguinte resposta: é o meu!

Reajo com atitude de surpresa e agradecimento por ter sido lembrada e afirmo que é preciso fazer um bolo. Ela acena positiva e alegremente, esbanjando um sorriso matreiro e feliz. Esboço dúvidas sobre o sabor do bolo: fubá ou chocolate? Rapidamente, ouço a seguinte escolha: chocolate! Persisto questionando: com ou sem cobertura? Sem pestanejar ela me diz: com

cobertura!

Então, me comprazo nos intervalos que o processo da doença nos concede. Com alegria, ternura e certa inquietude me preparo para um novo dia, sem certeza alguma, mas com muita curiosidade, fonte geradora das minhas ações e cuidados filiais. Um alerta: nunca subestime as conexões neuronais de um portador de Alzheimer, pois as surpresas ocorridas no dia a dia quebram certezas e todos os pontos finais! Cautela, prudência e aceitação incessantes consistem na prática nossa de cada dia!

28.08.12

Quando o pouco é muito - diariamente subo a escada do local onde minha mãe reside a me questionar acerca do estado dela. A oscilação é constante e previsível em todos os sentidos. Nesses últimos dias, tenho me valido de algumas evocações pontuais no diálogo possível com minha mãe. Depois das saudações iniciais, percebo que ela se recolhe e se aquieta. E manter a oralidade é fator essencial, com ganhos diversos. É neste momento que recorro ao passado, que para minha mãe é o seu tempo presente, que se constitui no repertório que possui e dispõe.

Então eu digo para ela: mãe, sabe quem telefonou hoje para a senhora? E ela sempre indaga: quem? Respondo verbalizando o nome de uma ou duas das suas irmãs. Pois mais do que isso, ela não processa e nem retém no pouco tempo da sua capacidade de registrar e elaborar uma resposta lógica.

(15)

Resposta constantemente verbalizada com palavras pertinentes à pergunta efetuada. Mais ainda: com expressão facial visivelmente alegre. No mesmo foco, elaboro mais uma ou duas questões curtas, que ela responde coerente e prazerosamente. Saio de lá com a certeza que nos mobilizamos positivamente, atitudes estas que, como bálsamo de ternura, me incentivam a prosseguir e prosseguir todos os dias, um pouquinho de cada vez e sempre!

06.09.12

Receita para um sorriso - como tenho postado, a memória da minha mãe cada dia se aloja em fases correspondentes ao estágio e avanço da doença. Ultimamente, nossas conversas têm girado em torno da sua infância e de alguns personagens. Refiro-me especificamente à sua irmã caçula, a querida e saudosa Dorinha. Que para ela encontra-se viva. Para que ela movimente a musculatura facial, falar é importante e essencial. Portanto, é sobre a Dorinha que conversamos. E o diálogo flui melhor quando o enunciado do mesmo é curto e objetivo, possibilitando a compreensão e resposta àquilo que relato ou pergunto. Por exemplo: Mãe, sabe quem ligou para a senhora hoje? E ela indaga: quem? Eu digo: a Dorinha!

Sorrindo muito e demonstrando emoção, ela verbaliza: ah, aquela

pequenininha, tadinha! Eu insisto: tadinha por quê? Resposta: ela é tão novinha ainda... Prossigo: puxa, mãe, eu me esqueci da idade dela! Ouço

então: uns três ou quatro anos! Constato que, de maneira breve e objetiva, nos alegramos e atingimos o objetivo maior, ao lado de tantos outros que naturalmente vão surgindo. Receita de sucesso, com resultados benéficos para ela e para mim, que, de forma privilegiada, desfruto de um tempo precioso, inesquecível, principalmente pela leveza e sensação de bem-estar que nos são proporcionados. Despeço-me dela, com alegria e vontade de aproveitar ao máximo o tempo que dispomos.

24.09.12

Minha mãe: 89 anos de vida, algumas impressões - dia 21 último minha mãe completou 89 anos de vida. Atualmente, ela necessita do auxílio do outro para todas as atividades e necessidades diárias. A dependência é total. Limitações impostas dia a dia. Entretanto, sempre existe um caminho quando se tem boa vontade. Refiro-me à forma que celebramos o aniversário dela. Amigos disponíveis ao horário permitido no local onde ela vive lá estiveram, levando abraços e carinho. E do jeitinho dela, ela agradeceu a todos, inclusive àqueles que levaram uma lembrança materializada pela data.

Os bisnetos se encarregaram de gerar gotas de alegria e estimular sorrisos e olhares para minha mãe, que os acompanhava nas atividades que desempenhavam. E com uma velinha acesa, simulamos um bolo e entoamos o parabéns para você. Um sentimento de ternura inundou o meu coração, quando percebi que, no som possível, ela também cantou. Em seguida, notamos no seu semblante os sinais de cansaço e exaustão, que entendemos

(16)

e atendemos prontamente, conversando menos e diminuindo o tom das palavras que pronunciávamos.

Aos poucos nos retiramos a fim de que ela prosseguisse na rotina do lugar no qual se encontra plenamente adaptada. No retorno para a minha casa, refleti sobre o tempo. E verifiquei que o meu conceito sobre o mesmo sofreu alterações profundas, já que a cronologia dos dias vividos ou a serem vivenciados não me preocupa. O que de fato importa é o tempo presente e os seus instantes nos quais nos relacionamos que se fazem longos e intensos. Ganhos e percepções de quem alegremente opta por simplesmente viver! Escolhas perenes, inundadas de gratidão e bem querer.

06/10/12

Caminhos, descaminhos, perdas e ganhos - o local onde minha mãe reside outras senhoras escolheram como morada. Como vou até lá diariamente, conheço todas as pensionistas que possuem os seus aposentos no mesmo andar que minha mãe habita. Nossos laços afetivos se apertam e afrouxam simultaneamente. Pois há uma maioria delas que é portadora de Alzheimer e, como tal, me cumprimentam como se todos os dias fosse a primeira vez. E eu me comporto com atitudes que também fazem-nas pensar que me veem pela primeira vez.

A energia é sempre muito boa, levando-me a pensar que me encontro numa situação privilegiada, porque observo e presencio situações repletas de ternura e encantamento, nas quais aprendo lições que nenhuma literatura menciona, já que as mesmas derivam de relações inéditas e nem sempre repetidas. Sorrisos, solicitações diversas, acenos de mão, envio de beijos e despedidas delicadas compõem o quadro de algumas ações que vivencio com frequência. Além disso, conto com as canções entoadas, que me reavivam lembranças felizes, as poesias declamadas por uma senhora para outra colega em dias de comemorações. Sem dúvida, são emoções que me tocam imensamente. Esses instantes me alimentam e renovam, sobretudo em períodos que me deparo com desafios desencadeados pelas pessoas que cuidam da minha mãe e que por questões pessoais se atritam, requerendo minha intervenção, com o objetivo de esclarecer e dialogar a fim de garantir um cotidiano harmonioso para minha mãe amada. Portanto, benditas senhorinhas que me acalmam e impulsionam a seguir adiante!

18.10.12

Observações cotidianas: algumas impressões - conforme mencionado dias atrás, no local onde minha mãe mora há senhoras que são portadoras de alguma doença que afeta a memória. Consequentemente, as atitudes delas são decorrentes da perda neuronal. Entretanto, há aquelas que lá residem por opção própria, ou como decisão familiar decorrente de necessidades diversas. Estas não possuem comprometimento ligado à memória, portanto, “situam-se” adequadamente no dia a dia, atentas aos acontecimentos de maneira lúcida. Sobre estes universos diferentes, me inquieto a refletir se elas têm ganhos com

(17)

o contato, na medida em que nem sempre se relacionam com os seus pares. Ou seja, muitas vezes “conversam” uma conversa inócua, estéril, sem eco, na medida em que muito pouco do conteúdo dessas falas têm coerência suficiente para o bate-papo prosseguir naturalmente. Como decorrência dessa frustração surge o silêncio, e isso não é saudável!

Na contrapartida, vivencio e desfruto de outros momentos ímpares, oferecidos àqueles que conseguem sentir a magnitude dos mesmos. Um desses momentos é a hora da missa; reunidas quase diariamente, se solidarizam diante do que esse evento pode suscitar em cada uma delas. Assisti-las cantando, orando em silêncio ou em preces faladas, é um convite para que eu me faça presente sempre que puder. Inclusive, por verificar que velhos hábitos permanecem atuais nos gestos da minha mãe, que com dificuldade os executa, revivendo um passado sempre presente enquanto possível! E assim vamos nós: um dia de cada vez e sempre!

31.10.12

Os dois F da minha mãe - somos parte do tempo que é infinito. Nele, passamos e imprimimos nossas marcas. Também temos e fazemos o nosso tempo, dentro das possibilidades que nos são oferecidas, nas quais nos identificamos. No caso da minha mãe querida, como digo sempre, há um fluxo, filho desse tempo que não controlamos e que nos permite assistir à construção de cada um no percurso da sua vida. A referência do tempo também se altera na velhice. Sinto que há momentos em que um dia equivale a um ano. Fato que nos permite viver com intensidade os instantes de cada dia.

Sobre isso, viajei por cinco dias, ficando sem ver minha mãe nesse período. E os dois F, mencionados no título desta escrita, se mostram cada vez mais. No que consistem os mesmos? Em Frágil e Forte! Não resta dúvida que a vida que minha mãe teve ocasiona a fortaleza que existe nela. Com raros eventos de doença em toda a sua trajetória, ela tem se mostrado muito forte, portadora de duas patologias que a consomem: o Alzheimer e o Parkinson.

Mas não resta dúvida que a fragilidade caminha a passos largos, fazendo sintomas no seu corpo forte. Ontem, saí de lá com a sensação de que ficara um ano sem vê-la, tamanha a diferença que estes cinco dias geraram nela. Irritada, cansada, me pedindo para dormir a todo o momento. Muito calor, desconforto e impotência mediante este calvário que minha “mãe-força”, tem vivido. Tempo de desejar o melhor para ela, porque sei que a providência cuida de nós!

09.11.12

Entre nós duas: um caminho, o caminho! - minha mãe e eu, cada qual no seu tempo, papel e função que ocupamos nas nossas vidas, cumprimos a nossa missão. E entre nós há um ponto convergente que denomino de CAMINHO. No dela, aceitar e deixar-se ser cuidada. No meu, disponibilizar espaços para o papel ativo de cuidadora. Não há muita flexibilidade para

(18)

respeitar as limitações de sofrimento e dor, pois ações diárias têm que ser tomadas, já que atualmente minha mãe depende de todos para toda e qualquer atividade de vida diária. Nos nossos encontros, a esterilidade se acentua, pois nesse caminho no qual minha mãe percorre os seus passos inexiste uma dinâmica de relação. A mim compete o fazer amando, no qual a máxima de nada esperar constitui-se na única realidade palpável. O caminho é esse! Nesse jogo nos enveredamos, ganhamos e perdemos, mas seguimos com energia no caminhar possível!

19.11.12

Um toque, um aceno, uma escuta, um sorriso e um beijo: pouco e muito! -tudo nesta vida depende do “lugar” em que nos encontramos. Nessa linha, -tudo é relativo, inclusive o olhar diante dos fatos vivenciados. Toco nesse ponto porque no lugar onde minha mãe passa os seus dias, percebo a importância das ações contidas no título desse relato. No corre-corre dessa vida insana, sorrir, abraçar, tocar carinhosamente uma pessoa que cruzamos pelas ruas e calçadas talvez signifique um obstáculo às respostas dos compromissos prévia e urgentemente agendados.

Talvez cause estranheza, posto que atitudes carinhosas externadas possam gerar indagações diversas na aridez à qual que somos submetidos, inundados por conceitos e teorias diversas. Fato é que permitir-se tocar, oferecer um gesto de adeus, mandar um beijo, ouvir sempre as mesmas histórias das senhorinhas que convivem com minha mãe geram em mim uma sensação gostosa e única. Com minha mãe amada, vivencio situação semelhante ao filme O Feitiço do Tempo, quando todos os dias o despertador sinalizava para as mesmas e repetidas cenas! Em compensação, recebo sorrisos, olhares de ternura, dos quais posso dizer que este pouco representa muito!

26.11.2012

A cadeira de rodas: arranjos e cuidados - naquele Natal decidimos nos unir e colaborar para a compra da cadeira de rodas, instrumento evitado ao máximo, mas necessário a partir de então. Passados alguns anos, mamãe não esboça mais reação adversa a sentar-se nela. Até porque hoje é o meio que utilizamos para levá-la aos locais que transita. No caso: refeitório, banheiro, sala das orações diárias, lugar onde assiste à missa diariamente e para os passeios no entorno do lugar que habita, destacadamente os jardins floridos ou não, que ela admira muito.

Adereços foram introduzidos na cadeira, tais como: um encosto adaptado ao tamanho dela, com uma almofadinha semelhante a um ossinho, colocada para sustentação da cervical. Assim, conseguimos controlar o pescoço, que pendia muito, inclusive nos momentos das refeições, correndo-se o risco de engolir errado, gerar engasgo e todas as complicações derivadas. Depois, almofadamos no local onde coloca os braços e as pernas, a fim de evitar batidas e o surgimento de hematomas, muito frequentes devido à fina

(19)

espessura da pele. Também, porque não tem mais controle sobre os seus membros, cabendo a nós, cuidadores, ficar atentos aos movimentos e posições.

A composição das cores novas na cadeira ficou singela e delicada, relacionada com as preferências que sempre defendeu. Hoje, quando olho para essa cadeira, visualizo toda uma história percorrida até a presente data. Nela, quem se assenta hoje é um pedacinho daquela mãe ativa que eu sempre tive, com seus caquinhos perdidos pelo tempo... E avisto também a beleza de um trajeto de força, vitalidade e valentia: características dessa senhora amada que é a minha mãe!

22.12.2012

Há vida: muito pode e deve ser feito! - a doença da minha mãe avança dia a dia. A criatividade precisa ser exercida! Novos sintomas, com as limitações impostas por eles. Nisso, o que importa são os movimentos e a possibilidade de rumos diferentes. Por exemplo: na minha chegada ao local onde minha mãe vive realizo os cumprimentos rotineiros com o beijo e o abraço. Em troca, recebo um sorriso impregnado de ternura e o famoso Deus te abençoe, depois de tomada a benção diária.

Mas é preciso continuar a fim de extrair mobilidade muscular da face e outros membros. Então, anuncio a novidade de um telefonema dirigido para ela, sempre com o mesmo conteúdo. Menciono sobre a irmã mais nova (já falecida), desejosa de saber notícias. A resposta vem em forma de mais sorriso e um diálogo entrecortado por sons às vezes inaudíveis que, mesclados àquilo que é compreensível, mobilizam os seus músculos faciais e geram uma energia alegre, de leveza.

Atualmente, ela se encontra hospitalizada em decorrência de uma pneumonia e alterações na sua taxa de sódio. Mas em meio a todo o ambiente hospitalar que lhe é muito hostil e assustador; ao anunciar sobre o telefonema que recebi (o mesmo já citado), o semblante de alegria surge para amenizar tanta dureza que tenho assistido decorrente do estágio em que minha mãe se encontra. Insisto na possibilidade de proporcionar mudanças e transformações nos embates e desafios que o momento nos impõe! Finalizo com o título desse recorte: há vida: muito pode e deve ser feito!

Data de recebimento: 12/10/2013; Data de aceite: 22/08/2013.

____________________________

Vera Helena Zaitune - Graduada em História, Mestre em Educação, Cuidadora

Referências

Documentos relacionados

- Deliberação CEE 183/2020 - Fixa normas quanto às atividades do Conselho Estadual de Educação e prorroga os prazos dos atos regulatórios das instituições de

Por esta razão, objetivamos analisar a política de expansão da Igreja Católica na Bahia, na década de 1950, e sua correlação com a criação do Primeiro Bispado em Vitória

O analfabeto político é aquele que tem a mesma opinião que a maioria das outras pessoas e não procura saber se ela está correta ou não, muito menos

Você não deve ingerir bebidas alcoólicas ou medicamentos que contenham álcool em sua formulação durante e no mínimo 1 dia após o tratamento com metronidazol, devido à

2 REVISÂO BIBLIOGRÁFICA 2.1 CONSUMO DE ENERGIA E EMISSÃO DE POLUENTES PARA MATERIAIS DE CONSTRUÇÃO Ao buscar determinar o consumo de energia e a emissão de gases do efeito estufa

Depois da abordagem teórica e empírica à problemática da utilização das Novas Tecnologias de Informação e Comunicação em contexto de sala de aula, pelos professores do

Bom, eu penso que no contexto do livro ele traz muito do que é viver essa vida no sertão, e ele traz isso com muitos detalhes, que tanto as pessoas se juntam ao grupo para