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VAZ, ARMINDO DOSSANTOS– Em vez da «história de Adão e Eva», O sentido último da vida projectado nas origens, Edições Carmelo, Marco de Canaveses, 2011 – ISBN 978-972-940126-1, 478 pp.

Armindo Vaz teve uma intuição poderosa: e se a exegese de Gn 2-3 não partisse do exame rigoroso do texto bíblico, naturalmente no original hebraico, para os paralelos do Próximo Oriente antigo que lhe completassem o sentido, mas, ao invés, mergulhasse de chofre no espólio mitológico dessas literaturas (em sentido lato)? Transformada em hipótese de investigação aturada e profunda, diria mesmo colossal, deu a tese de dou-toramento, defendida em 1995 na Universidade Gregoriana de Roma: A visão das origens em Gn 2, 4b-3, 24. Coerência temática e unidade literária (Fundamenta, 14; Edições Didaskalia – Edições Carmelo 1996). A Obra em apreço é a reformulação do trabalho académico para um público mais vasto, «refundindo e actualizando o material» (p. 7).

Que se trata de outro público, vê-se logo na capa e contracapa. Antes de mais pelas reproduções de belíssimas pinturas renascentistas: «Expulsão do paraíso» (1597), de Giuseppe Cesare (Cavaliere d’Arpino), no Museu do Louvre, Paris (capa); «Expulsão do paraíso» de Miguel Ângelo, na Capela Sistina de Roma (contracapa). Em obra estri-tamente científica, dispensavam-se as gravuras; para o grande público são apropriadas e bem-vindas.

Igualmente bem-vinda é a adaptação do título. Adeus «história de Adão e Eva». Gn 2-3 não relata nenhuma «história»; projecta nas origens «o sentido último da vida», em narrativa mitológica. Para o especialista, nada de novo; para o grande público uma revolução coperniciana.

Apresentada por Gian Luigi Prato, a Obra desdobra-se em Introdução (pp. 23-37) dez capítulos (pp. 39-410) e Conclusão (pp. 411-416), e é rematada com elencos de Siglas, Bibliografia geral citada, Índice de citações bíblicas, Índice de palavras hebraicas, Índice de nomes do antigo Próximo Oriente e da Grécia, Índice da autores citados (pp. 417-478). Chamo desde já a atenção para a mole de autores citados (trinta e quatro páginas!), grande parte com várias obras, denunciando o ingente trabalho de investi-gação. É obra. Que não se trata de enfeite para académico ver, é patente nas citações dos autores nas próprias línguas (inglês, francês, alemão, italiano) e nas abundantes e compactas notas de rodapé, seguindo sempre traduções credenciadas e dando as referências aos originais sumérios, acádicos, egípcios e gregos, estes até citados no original, com alguma extensão. Estudo mais exaustivo dir-se-ia impossível.

A Introdução arruma (não de vez) a teoria das fontes e a crítica literária (sem apa-rentemente distinguir uma da outra) em página e meia, porque «produzem cada vez mais o mesmo» (p. 23), «encerrando a investigação na conclusão de que Gn 2,4b-3,24 não é unitário» (24). Desse modo, o texto seria «uma manta de retalhos que um alfaiate desastrado coseu o melhor que soube… um mosaico de peças originalmente avulsas ou um montão de ruínas que um construtor teria reordenado, deixando visíveis os sinais das junturas…» (25). Não podia ser mais claro o pensamento do Autor sobre a exegese diacrónica. Mais fecundo seria o método que preconiza: «enquadrar Gn 2,4b-3,24 no

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seu contexto e ilustrar os seus temas… com a iluminação intertextual dos motivos literários do ambiente em que nasceu» (31).

A definição de conceitos (mito, mito de criação, mito de origem), que alguém esperaria na Introdução ou no c. I, é remetida para o c. IX: «A unidade de Gn 2,4b-3,24 como mito de origem. Mito de origem e sentido último da vida.» O tratamento do mito de origem, em que o Autor inclui com R. Pettazzoni o mito de criação, é exaustivo e no todo convincente.

Os vários capítulos, como se vê pela amostra, são antes pequenos tratados temáticos que análises exegéticas do texto, mais exíguas ou mais desenvolvidas segundo os casos. No capítulo I – «Da vida actual ao momento original» (pp. 39-76) – sem faltar de todo a exegese filológica (cf. pp. 56-58; 67-68), o prato forte são citações de textos sumérios, acádicos e egípcios, referidos aos originais e em traduções de especialistas, tirando qualquer possibilidade de distorção das versões – um trabalho meticuloso e metodo-logicamente impecável.

Atrasasis/Atramhasis, Enuma eliˇs, Textos das Pirâmides têm a mesma fórmula intro-dutória de 2,4b: «quando…» corresponde ao hebraico

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«no dia (em que)». No contexto mesopotâmico

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 (‘ed) só pode ser uma realidade negativa, uma inundação sem nada a ver com a irrigação e a agricultura (pp. 66-67). Na exclusão da irrigação e agricultura não haverá problema de maior. Na oposição a outras propostas de tradução puramente filológicas do termo hebraico já pode haver. Vasculhados os abundantes textos paralelos, pode concluir-se: «Esta articulação temática é uma perspectiva completamente nova para a exegese, que tradicionalmente desfaz Gn 2 em pedacinhos» (p. 71). Como resultado, «o confronto do início de Gn 2,4b-3,24 com o início de tantos mitos de origem mesopotâmicos deveria ser suficiente para explicar o texto bíblico integral, sem as propostas correcções da ‘crítica literária’» (p. 74).

O capítulo II – «Sentido da existência humana dual» (pp. 77-118) – é também ancorado nos mitos de origem mesopotâmicos, Atramhasis à cabeça, discutindo o significado do termo acádico etemmu para o que chama o apoio de um assiriólogo da craveira de W. von Soden. Prolonga-se a linha até às Βαβιλόνικαde Beroso, citado dos Fragmente griechischer Historiker, III, 680, de F. Jacoby. A descrição da criação do homem é apresentada com um termo (διαπλάσααι) equivalente ao bíblico

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(pp. 79-80; cf. pp. 77-81).

Frisa-se que o «pó» de que Deus formou o homem não é «pó seco». O Autor opta por «humo (do solo)» (p. 81). O homem «plasmado por Deus» remete para o Atramhasis e as imagens de Khnum moldando ao torno de oleiro os kas de homens e animais, bem como para o célebre cap. 25 da Instrução de Amenemope: «O homem é barro e palha e Deus o seu construtor…» Os paralelos egípcios podiam vir à cabeça. Mas os textos mesopotâmicos são mais explícitos e por isso se desenvolvem os relatos da criação do homem no Atramhasis e no Enuma eliˇs, este em duas fases: lullu, homem primitivo, e awelu, homem propriamente dito. Aduzem-se mitos sumérios de origem, com o homem a provir da terra mãe, e mitos gregos da criação do homem, especialmente Prometeu.

A maior parte do capítulo trata da criação da mulher, com que se atinge «o ser humano completo: homem e mulher» (107-115). Para a criação da mulher não há paralelo, embora o Atramhasis refira um casal humano, pouco de pois da criação do homem e uma lacuna. Comenta-se o casal homem e mulher como «comunidade, ou tecido de relações recíprocas, vivas, complementares, mutuamente beneficiadoras, em suma, portadoras de ‘felicidade’» (p. 93).

O capítulo III – «’Paraíso de delícias’ ou ‘pomar da várzea’?» (pp. 119-156) – introduz uma novidade: não enceta com o exame exaustivo dos textos paralelos do Próximo Oriente antigo, mas com não menos exaustivo tratamento filológico dos termos hebraicos

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(‘eden), pp. 119-124. Continua com a história da interpretação, a da versão grega dos LXX, que introduziu o «paraíso» (παράδεισος), a Vetus Latina, que manteve o «paraíso (paradisus in Eden) «com o sentido geral de hortus e como correspondente ao hortus de outros códices (p. 128), chegando finalmente ao «alvorecer da concepção de ‘paraíso de delícias’ cristão» (pp. 129-135). Só depois aparece a influência das culturas circunvizinhas (pp. 136-139) e de Ezequiel 28 (pp. 140-143). O «paraíso de delícias» cristão tem antecedentes nos contextos proféticos de esperança escatológica e sobretudo nos escritos judaicos intertestamentários (entre os quais os de Qumran), Novo Testamento e Padres da Igreja. Nada disto está em Gn 2,8-15, mas sim um «’pomar da várzea’ concebido mítica e simbolicamente como o lugar normal de trabalho fácil para o homem primordial» (p. 142). O ambiente é «reconhecivelmente mítico» (p. 149). Há três sítios concretos no trecho dos rios do paraíso (Assur, Tigre e Eufrates), mas a fonte comum dos dois grandes rios «não corresponde a nenhum sítio que se possa encontrar à face da terra» (148).

O capítulo IV – «Origens do conhecimento e da civilização humana» (pp. 157 211) – parte de mitos sumérios e acádicos. Os mitos mesopotâmicos de origem atribuem aos deuses os bens da civilização. De igual modo, Fenícios e Gregos fizeram remontar a sua civilização às origens, bem como os povos (ditos) primitivos (p. 163). Dos primeiros sobressai a História Fenícia de Sanchuniaton, de que restam fragmentos da versão grega de Fílon de Biblos, transmitidos por Eusébio de Cesareia (Praeparatio evangélica, I, 9-10). Desenvolve-se a origem do conhecimento e o seu fundo mítico com recurso à Epopeia de Gilgameˇs, e aos mitos sumero-acádicos. Grande relevo tem a interpreta-ção sexual da nudez e da sua cobertura, do comer da árvore do conhecimento e das figuras «mulher» e «serpente» (pp. 200-207), interpretação negada com argumentação filológica e com o paralelismo da passagem de Enkidu de primitivo a civilizado. Como de costume, encerra o capítulo com a unidade literário de Gn 2,4b-3,24 e com a des-valorização da «crítica das fontes» por não ter em consideração o «contexto mítico que lhe (ao texto) vai servindo de fundo» (p. 209).

O capítulo V – «Transgressão e sentido das penas da vida» (pp. 213-234) – não foge à regra de considerar essencial «sondar as culturas vizinhas do texto bíblico» (p. 213). Desfilam os mitos de Anzu, de Lugal-e e de Adapa, bem como as epopeias mitológicas de Atramhasis, Enuma eliš e Erra. Rejeita-se a terminologia de «pecado» e «queda», porque o pecado é uma realidade do mundo histórico, não dos tempos primordiais. Por isso, «o valor desta transgressão é metafórico» (p. 225). Tanto a «transgressão» como a «serpente» estão carregadas de ambiguidade.

O capítulo VI – «Punição e sentido das penas humanas» (pp. 235-276) – depois de invocar mitos de origem do Próximo Oriente antigo, conclui que, como alguns exegetas observaram – «com razão – o texto não explica a origem do mal moral, ‘das Böse» (237).

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é de traduzir por «voz» (de Deus), não «som», «rumor» do passear divino pela brisa da tarde ( p. 238). Esta «voz» leva os transgressores a esconderem-se, tentativa de «explicar etiologicamente o medo/temor de Deus» (p. 239). Também «o redimensiona-mento dos transgressores» tem antecedentes nos mitos de origem da Antiguidade Oriental e até em Platão e Hesíodo (Trabalhos e Dias). As condições actuais da vida humana são projectadas etiologicamente nas origens. «A etiologia, longe de ser a afirmação duma causalidade histórica ou metafísica, funciona como ratificação da ordem presente… (p. 251). Como na Maldição de Agade, na maldição de Ereškigal, na Descida de Innana aos Infernos e na Tabuinha dos Destinos, as maldições de Gn 3, 14-19 limitam o «excesso» humano à sua natural condição. Apenas se pretendem explicar as actuais condições da vida humana. Relaciona-se o trabalho com a «expulsão» do pomar em conveniente tratamento filológico do texto hebraico.

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O capítulo VII – «O sentido do trabalho humano» (pp. 277-290) – pode resumir-se numa frase: «Os mitos de origem sumérios e acádicos… dizem invariavelmente que ele (o homem) foi criado e destinado pelos deuses para o trabalho» (p. 277). Assim em Gn 2-3. Interessante o relacionamento do trabalho com a «expulsão» do pomar, ligando e analisando vocábulos hebraicos em conveniente tratamento filológico.

O capítulo VIII – «Sentido último da morte humana» 291-356) – questiona a «árvore da vida» no contexto da história das religiões (assemelha-se, sem se confundir com a «árvore cósmica» e a «planta da vida») e no contexto da iconografia mesopotâmica. Como na Epopeia de Gilgame? e no Mito de Adapa a morte surge como imposição dos deuses aos humanos para que não excedam a sua medida, assim e Gn 2-3: Deus decreta a morte, porque o casal primordial quis exceder as suas medidas e ser como Deus, comendo da «árvore da vida». A imortalidade «é prerrogativa exclusivamente divina». «Indagar se o homem primitivo era originalmente – antes da ‘queda’ – mortal ou imortal é falhar a intencionalidade das ‘narrações de origem’, esquecendo que Gn 2,4b-3,24 é uma delas» (p. 310). O «veredicto divino de Gn 3,14-19 é hermenêutica do presente…» (p. 312). Há densas páginas de antropologia e teologia da morte humana sem culpa original (318-326). «Como em Gilgameš e em Adapa, também em Gn 2,4b-3,24 a tentativa de o ser humano se ultrapassar a si próprio e se tornar como deuses/Deus é posto em conexão com a aquisição d conhecimento…» (p. 335).

Não podia faltar a condenação da «crítica literária». A repartição das duas árvores (do «centro do pomar» e do «conhecimento») assenta em «correcções gratuitas» (p 351) e em problemas «metodologicamente preconcebidos» (p. 353).

O capítulo IX – «A unidade de Gn 2,4b-3,24 como ‘mito de origem’. Mito de origem e sentido último da vida» (pp. 357-392) – sintetiza o estudo feito até aqui e define os conceitos de mito e de mito de origem, enquadrando neste Gn 2-3 e negando rupturas, repetições ou duplicados detectados pela «crítica das fontes». O trecho bíblico é «unitário e coeso» (p. 383).

No capítulo X, o Autor critica os numerosos exegetas citados no princípio do capítulo e defende a unidade literária de Gn 2,4b-3,24, com a seguinte distribuição: 2,4b-25 – situação primordial do ser humano, imaginado como primeira fase da criação; 3,16 – transgressão primordial humana; 3,7-24 – consequências da transgressão como segunda fase da criação correspondente à situação actual do ser humano (pp. 401-402).

A Conclusão (pp. 411-416) reconhece finalmente uma vantagem dos «métodos histórico-críticos – especialmente da ‘história da tradição’… (que é) corroborar a conclusão de que o texto não nasceu do nada, mas tem um vasto fundo literário atrás de si…» (p. 411). Saúda-se a libertação de categorias teológicas (p. 415).

Sem fazer primariamente exegese do texto original, Armindo Vaz ficará como nome maior da exegese veterotestamentária de fins do séc. XX – princípios do séc. XXI. De facto, projectou não feixes, mas autênticos caudais de luz sobre Gn 2-3, a que juntou desenvolvida exploração da dimensão antropológica da narrativa bíblica. A chave da interpretação (mito de origens) revelou-se correcta e profunda. O que O. Keel fizera com imagens (Die Welt der altorientalischen Bildsymbolik und das Alte Testament. Am Beispiel der Psalmen, Göttingen 51966) faz o Autor com textos. Armindo Vaz está

«na série de Foreiro e outros ilustres portugueses» (Luís Alonso Schökel), como Jerónimo da Azambuja (Oleastro), autor de cinco eruditos comentários ao Pentateuco (Lisboa 1556-1558) e dos conimbricenses Heitor Pinto (comentários a Isaías, 1561, Ezequiel, 1568, Daniel, 1569 etc.) e Luís de Sotomaior, que, à maneira de Armindo Vaz, procurou iluminar o Cântico dos Cânticos com o material literário exógeno que tinha à mão, sobretudo de Platão (Cantici Canticorum Salomonis interpretatio, I-II, Lisboa 1599--1601).

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Com toda a excelência do tratamento do conteúdo, fica algo a saber a pouco, nomea-damente a abertura aos problemas literários de Gn 2-3, que não se resolvem com acumulação de temas paralelos. Seria útil distinguir mito de origem (primeiro apareci-mento de alguma coisa sem intervenção divina) de mito de criação (quando a pessoa ou o objecto surgiu por acto de Deus ou dos deuses). Mesmo o invocado R. Pettazzoni os define como «aparentados» («akin», p. 359). Diria que em Gn 2-3 há duas narrativas mitológicas, não propriamente mitos que só existem na fase oral do rito – uma de criação (Gn 2,4b-24) e outra de origem (Gn 2,25-3,24).

Sem entrar no debate, Armindo Vaz está do lado da exegese sincrónica, muito em voga nos Estados Unidos da América. Sejamos claros: O texto actual («canónico») é o ponto de partida e de chegada de toda a interpretação. A questão é saber se se pode ficar por aí, sem atender à sua história. Ora a maioria dos textos do Antigo Testamento hebraico tem uma história. Gn 2-3 não foge à regra: não nasceu de jacto, exclusiva-mente da pena do autor/redactor final. E os problemas não desaparecem com um juízo leve. Só a crítica literária e a exegese diacrónica iluminam o caminho da redacção, indispensável à interpretação.

Poder-se-ia burilar o estilo, omitindo considerações pouco abonatórias de quem segue outro método. Classificar o crítico literário como «alfaiate desastrado», criador problemas «preconcebidos» e «correcções gratuitas», não faz jus à seriedade do debate científico. A hipótese (só isto) documentária (J, E. D, P) foi inquestionável (à parte a escola escandinava) entre fins do séc. XIX e meados da década de 70 do século passado e prestou bons serviços à exegese (dela recebeu o Autor a separação de Gn 2,4b-3,24 do anterior relato da criação do mundo). O largo consenso sobre a teoria «clássica» das fontes, definida por A. Kuenen e J. Wellhausen, terminou. Mas a hipótese não deixou de ser reformulada (C. Westermann, H. Seebass, R. Albertz, J. Vermeylen, E. Zenger, F. M. Cross) e até mantida (K. Berge, W. H. Schmidt); e a crítica literária nada sofreu com isso. Continua viva, não só na Alemanha mas em toda a Europa e nos Estados Unidos, em prestigiadas universidades públicas e privadas. Seria porventura mais ajustado ignorar supostos adversários e seguir calmamente caminho traçado.

Reconhecendo a grande validade dos conteúdos míticos, não parece provada a unidade literária de Gn 2-3 e das suas partes com trechos maiores ou menores de línguas tão diversas como o sumério, o acádico ou o egípcio. Nem o Autor recorre a eles para mostrar a estrutura literária do trecho (pp. 401-402). Conteúdos não dirimem formas. Que o todo tenha alguma unidade literária é óbvio, a menos que o seu autor fosse totalmente desprovido de senso. Mas poucos ficarão convencidos de que, para apontar dois exemplos, Gn 2,10-14 tenha sempre pertencido à narrativa e que a junção de dois relatos, cada um com arco narrativo próprio – criação homem completo (homem e mulher) e origem das dissonâncias da actual existência humana – não se deva a engenhosa combinação.

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COSTA, ANTÓNIOMARTINS DACOSTA– O pensamento Filosófico Português Contem -porâneo. A recepção de Kant em Leonardo Coimbra (Porto, Universidade Católica Editora, 2012) 521 p.

Estamos perante um importante trabalho a acrescentar à já importante bibliografia sobre o pensador nortenho e que se debruça sobre um aspeto fundamental da sua obra, a saber a recepção de Kant.

De facto é por esta recepção que Leonardo é muito mais do que alguns, conside-rados sob a designação, algo ambígua, de pensadores portugueses, não passando de publi cistas, mas se situa no movimento da filosofia universal, criticando e acrescen-tando ao pensamento herdado, como verdadeiro mestre. De forma crítica ou não, é com Kant que Leonardo se vai haver.

A obra dividese em três partes: uma primeira sobre a teoria criacionista do conheci -mento, uma segunda dedicada à moral e à ontologia e uma terceira dedicada ao problema religioso sob o prisma, não gnóstico, mas de busca do absoluto. Segue-se uma conclusão e uma bibliografia activa e passiva exaustivas.

Este texto foi integrado na coleção Biblioteca de Investigação do Centro Regional do Porto da UCP, e a justo título, dado tratar-se duma tese de doutoramento dirigida pelo professor José Gama, da Faculdade de Filosofia de Braga da UCP.

Na primeira parte, o autor revela-se um bom conhecedor da filosofia kantiana e da apreciação de Leonardo no que toca àquilo que se poderia chamar teoria do conheci -mento: para o pensador da Lixa, o pensamento, contrariamente ao que ensina Kant, não é constituído apenas por puras ideias, mas é realidade activa, em busca de harmonia e fraternidade, ou seja constitui um sistema de noções em marcha dialética para um conhecimento cada vez mais profundo.

Na segunda parte, o autor estuda a forma como Leornardo se situa relativamente aos princípios da Moral kantiana, nomeadamente quanto à questão fulcral da autonomia em dois capítulos: num primeiro momento, o dever e a sua raiz metafísica e transcen-dental e num segundo, a ontologia antropológica na discussão entre Leonardo e Kant. Situando o fulcro do problema na maneira que cada autor tem de encarar a transcen-dência, acaba por concluir o autor que a visão criacionista conduziria Leonardo à abertura a um transcen dentalismo teísta que mais tarde se aproxima e adopta a posição católica do homem como natureza no horizonte da graça.

A terceira parte intitula-se: O problema religioso, a busca do absoluto. Desde o título que o tema é muito bem encaminhado. O tema do absoluto está, de facto, em Leonardo desde O Criacionismo e abre a Alegria, a Dor e a Graça: Leonardo era uma alma verídica. Não conhecia esboços de alma, ou seja tentações, mais ou menos, lato sensu, gnósticas, ou derivas místico-políticas. Por isso a questão religiosa para ele tinha de facto a ver com o Absoluto.

Kant ajudou-o, sem dúvida, a colocar a questão da fé e da razão, e por isso foi muito positivo, mas não ajudou a resolver a questão fé/razão, que para Leonardo não podia, em razão de seus pressupostos cair no dualismo. Leonardo pensa, fora do dualismo, que também a religião está dentro do pensamento e deve ser pensada. Neste apartado, há um pequeno capítulo sobre a questão do mal que sem dúvida também divide Leonardo e Kant. Cremos que não leva suficientemente em conta a crítica ao gnosticismo que faz na obra sobre Junqueiro nem a antropologia já assimilada que encontramos na primeira parte de A Rússia de hoje e o homem de sempre.

Estamos perante uma obra muito importante, como dissemos, no panorama biblio-gráfico sobre Leonardo Coimbra, dada a importância que Kant tem na Filosofia con-temporânea nomeadamente na Filosofia moral e na Filosofia da religião.

Talvez devesse exprimir um pequeno reparo: embora os Cahiers de J. Maréchal se encontrem citados no final, não parece que tenham tido um suficiente tratamento ao longo do trabalho. Ora a crítica mais profunda e irrefutável a Kant, provém, cremos,

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de Maréchal. Por outro lado, os quatro volumes desta obra que se encontram na Univer -sidade Católica, Porto, e que foram posse de Leonardo, estão muito sublinhados e anotados, sinal de que Leonardo os leu com muita atenção. Provavelmente ter-lhe-ão sido dados pelo seu amigo António Magalhães, SJ.

Resta-nos felicitar o autor e o orientador por este imprescindível trabalho na biblio-grafia leonardina.

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MEIRINHOS, JOSÉFRANCISCO– Metafísica do Homem. Conhecimento e vontade nas obras de psicologia atribuídas a Pedro Hispano (século XII), Edições Afrontamento, Porto, 2011, 253 pgs.

José Francisco Meirinhos, um dos mais destacados medievalistas portugueses contemporâneos, acaba de publicar mais uma obra, esta sobre as dimensões antropo -lógica e a gnoseo-lógica em Pedro Hispano.

Estas estão essencialmente condensadas em duas obras: o tratado Ciência do livro da alma e o Comentário sobre o De Anima de Aristóteles.

São obras que se situam no século XIII, um dos períodos mais significativos da História da Filosofia e do Pensamento Cristão. No início desse século em cidades como Paris ou Bolonha a partir das escolas-catedrais surgem as universidades, onde através do estudo e da discussão técnica e precisa das obras, que viria a designar-se escolástica, se foi erigindo o prelúdio das ciências modernas.

Neste contexto, Aristóteles era o autor clássico de referência mais estudado e comentado e entre as suas obras de Física, Metafísica, Ética e Política, também era amplamente estudado o De anima. Esta versando o conhecimento da alma enquanto causa e princípio explicativo da vida, da sensação e do conhecimento, bases de todo o conhecimento antropológico e gnoseológico. O título grego da obra aristotélica Peri psyches viria aliás a ser origem etimológica e mesmo conceptual da designação moderna, Psicologia.

A tradução desse tratado no século XII, enquadrada na grande fase das traduções da obra aristotélica, viria a ser essencial para o surgimento dos estudos comentários e discussões que o século XIII propiciaria sobre o tema sensível da relação entre a alma e as diferentes faculdades humanas, e entre eles, a obra de Pedro Hispano, uma das mais divulgadas e conhecidas na época.Pedro Hispano, que viria a tornar-se papa, é por muitos considerado o mais importante pensador português da Idade Média, para o que muito contribuiu a sua obra sobre Lógica, e estas agora versadas.

O Ciência do livro da alma e o Comentário sobre o De anima de Aristoteles são obras diferentes quer no modo de exposição quer nos conteúdos tratados oferecendo ambas uma perspectiva multifacetada sobre a Metafísica do Homem, sugestivo título desta obra que sinteticamente exprime as concepções antropológicas da época.

Particularmente no Ciência do livro da alma, talvez a mais original entre as duas obras, é amplamente estudada a possibilidade de constituir uma ciência da alma, articulando-se com os diversos mecanismos da sensação, enquanto base do conheci-mento, do livre-arbítrio e da finalidade da vida humana, abrindo-se à dimensão metafísica e à transcendência.

A obra do Professor José Meirinhos divide-se em três capítulos: “Capítulo I – Ciência da alma racional, ciência do homem; Capítulo II – A natureza humana; Capítulo III – O homem microcosmo no Scientia libri de anima: uma antropologia situada”, enqua -drados por uma introdução, uma conclusão e uma exaustiva bibliografia de fontes e estudos.

Elaborado com erudição e rigor, não se coibindo da apresentação de esquemas elucidativos, quando necessário, é também apoiado por um excelente aparato crítico. De particular relevo do ponto de vista hermenêutico é o último capítulo onde o autor interpreta a antropologia de Pedro Hispano como uma antropologia situada, distin-guindo-se por essa via doutras propostas filosóficas da época.

Neste sentido lê-se na página 228: “Na Scientia, Pedro procura construir uma antro-pologia unitária a partir do dinamismo e da hierarquia das faculdades da alma, cuja unidade e eminência como ciência resulta também da própria superioridade ontológica da faculdade humana, o intelecto, que integra todas as faculdades que lhe são inferiores, através das quais rege ou impera sobre o próprio corpo que lhe é conexo e que não é

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senão o seu instrumento. Da mais básica e humilde das funções corporais à realização da máxima felicidade, eis o compendioso percurso de Pedro Hispano na sua Scientia libri de anima, onde nos propõe uma teoria do homem, ou seja do intelecto, simultâ -neamente agostiniana, aristotélica e aviceniana, naturalística e religiosa, acolhendo todos estes contributos, e muitos outros, numa espécie de novo peripatetismo sem futuro”.

Por tudo o que foi aludido este livro apresenta-se como uma obra de referência inquestionável sobre o tema nele rigorosamente estudado.

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ARMANDPUIG ITÀRRECH(a cura de), Pau, Fundador del Cristianisme?, [= Scripta Biblica 12], Abadia de Montserrat – Associació Bíblica de Catalunya 2012, 200 pp, ISBN 9788498834772.

A Associação Bíblica da Catalunha, sediada em Tarragona, publicou com o contributo da abadia de Montserrat mais este volume da sua colecção, volume este que contém três áreas principais da teologia paulina: a interpretação de Paulo, a sua teologia, e a relação entre Paulo e Jesus. Os diferentes contributos são devedores das recentes inves-tigações sobre a judaicidade de Paulo tal como a começou a desenvolver a New Perspective. Das várias conclusões que são transversais aos diferentes contributos destaca-se o facto de que em Paulo mantém-se uma continuidade entre o Jesus da história e o Cristo da fé, sendo a cristologia o núcleo central do pensamento do apóstolo. O título deste volume retoma a velha questão da teologia protestante liberal no que diz respeito a Paulo ao tratá-lo apenas do ponto de vista histórico, se bem que essa não foi a orientação destes oito contributos. É apenas um título provocativo. Todos os contributos estão redigidos em catalão. A apresentação surge traduzida em várias línguas e o índice final aparece também traduzido em inglês, língua em que surge um pequeno sumário no fim de cada um dos contributos. Muito útil para o leitor constitui o índice bíblico e de autores no fim da obra.

Os dois primeiros artigos vão directamente à questão central da relação entre Paulo e a lei a partir da New Perspective (pp.11-33) e para tal há que contextualizar na judaicidade do seu mundo e da sua cultura, como faz o segundo contributo de Jordí Cervera i Valls sobre la matriu jueva de Pau (pp.35-54). Agustí Borrell aborda o coneixement de Jesucrist bé suprem (Flp 3,8) (pp.55-67), Enric Cortés avalia els ‘principats i potestas’ i els‘elements del món’ en Pau (pp.69-82), Armand Puig i Tàrrech aborda o tema clássico do lloc del Jesús de la història i de la història de Jesús en l’Evangeli de Pau (pp.83-116), Begonya Palau, dentro desta linha, concretiza a sua abordagem ao debruçar-se sobre as llei alimentàries en Jesús i en Pau (pp.117-144), Jenny Read--Heimerdinger tenta fazer uma contextualização histórica à volta do tema Pau i la collecta (pp.145-162), terminando o livro com a reflexão mais breve do conhecido exegeta Josep Rius-Camps sobre Profecia versus apologia: les repetides apologies de Pau contras-tades ambs el lòguion de Jesús de Lc 12,11-12 i 21,14-15 (pp.163-174).

O volume tentou apresentar uma sequência, desenvolver uma lógica. Começou por contextualizar Paulo no seu mundo judaico (Cervera i Valls) depois de o fazer ao nível da lei (se bem que Xavier Alegre não tenha privilegiado a terceira secção da carta aos Romanos especificamente dedicada a tal). Para mostrar a centralidade cristoló-gica no pensamento paulino considerou-se esta centralidade a partir de Flp 3,8. O lugar central de Cristo na vida de Paulo levou-o a olhar para o Cristo cósmico senhor dos elementos do mundo (cf. Gal 4,3) (p.77). A relação ao Jesus histórico foi vista no seu conjunto por Armand Puig i Tàrrech e no caso particular das leis alimentares, tema que tem ocupado sobretudo os últimos estudos da investigação histórica à volta dos evangelhos sinópticos. Por último, a missionação de Paulo, a colecta, a sua figura nos Actos são colocadas em confronto com um lógion de Jesus citado duplamente em Lc 12 e Lc 21.

A questão central da lei em Paulo começou por ser tratada por Xavier Alegre à luz da New Perspecitve, da qual reconhece os benefícios (p.32), face à anterior Old Perspective representada pela teologia da justificação de Lutero. Xavier Alegre tentou recuperar o contributo da Old Perspective no respeito teológico que estabelece do universalismo da salvação em Cristo. Dito de outro modo, Xavier Alegre considera que a Old Perspective não simplifica tanto a reflexão de Paulo sobre a lei como o faz a New Perspective. Ora, é precisamente isto que está em causa, pois mesmo citando Rom 7 nas pp.18-19.27, Xavier Alegre não chega a considerar aí que a reflexão paulina eleva

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a lei a um registo de discussão filosófica. É verdade que aí não reduz a lei à torah que separa judeus de não judeus, mas Paulo não separa essa lei de toda e qualquer lei (como o próprio Sanders), sendo assim a torah uma formulação da grande lei universal inscrita e compaginável com o coração humano. Nesse sentido, Xavier Alegre concentra a New Perspective demasiado no seu pai fundador – Sanders (p.14). Ora, ela é mais complexa do que ele a apresenta. Xavier Alegre critica acertadamente a New Perspective por reduzir a concepção da lei à lei que separa judeus de não judeus (muito influen-ciado mais uma vez por Sanders), e por isso identifica a lei da New Perspective como uma lei externa (p.20). Ora, é isso que precisamente é colocado em causa no grande registo retórico de Rom 7,14-23, e que numa certa contradição acaba por reconhecer na p.27 quando aceita que Paulo acaba por tratar da lei na sua globalidade. Afinal, aqui, sete páginas depois, a lei já não é externa, é global, logo pode também ser interna, universal, filosófica. Na verdade, há que respeitar aquele que é talvez o conceito mais antanáclico de todos no epistolário paulino – o conceito de “nomos” (lei). Se há traço que marca, entre outros, a exegese paulina contemporânea é o da desluteranização da fé e da teologia paulina. Pelo que, não podemos acompanhar Xavier Alegre quando afirma na p.33 que Lutero acabou por compreender melhor Paulo do que a New Perspective (“… una profunditat que Luter sí que va ser capaç de comprendre millor”). Ou não fosse Lutero o semeador de um processo hermenêutico que vai desembocar na problemática da exegese protestante liberal no final do séc. XIX, cujas clivagens permitiram precisamente o título tão ambíguo quanto provocante desta obra.

Se Xavier Alegre tenta recuperar a Old Perspective para os estudos teológico sobre Paulo, a seguir Jordí Cervera i Valls tenta recuperar a New Perspective, sobretudo na sua forma mais extrema a que chama com outros autores, sobretudo Eisenbaum, a New Perspective Radical. No fundo, não se dá por vencido com o encontro a caminho de Damasco acontecido ao apóstolo das gentes, e dentro de uma moda que pervade muito a exegese atual considera que é tudo judaico, mesmo a teologia paulina. Ou seja, Jordí Cervera i Valls nem sequer se imiscui na complexa questão da hermenêu-tica tipológica do período patrístico e assume como princípio interpretativo a judaicidade de Paulo, a continuidade com o judaísmo. Pretende ser “sobretot més dialogants amb el judaisme” (p.37), e sem nunca o dizer, na prática assume o cristianismo como um midrash do judaísmo. Neste sentido, levanta a eterna questão do judeo-cristianismo, e sem nunca o citar deixa-nos nas pistas da obra de DANJAFFÉ, El Talmud y los orígenes judíos del cristianismo Jesús, Pablo y los judeo-cristianos en la literatura talmúdica, Bilbao, Desclée de Brouwer 2009, da qual e para a qual reenviamos na nossa recensão já publicada aqui na nossa revista Humanística e Teologia 31 / 1 (2010) 269-271. Jordí Cervera i Valls não tem em devida conta a crux interpretum de Rom 10,4 nem a carta aos Gálatas, para a sua problemática.

No respeito pela diversidade e pluralidade nas quais a ABC editou esta obra, é sugestivo que um novo confronto se depare a seguir, pois de entre outras passagens (e são tantas), Agustí Borrell vem contrapor Flp 3,8-10 à tese judaizante de Paulo proposta pelo autor anterior Cervera i Valls, e vai mostrar que “a visió soteriológica de Pau és més participacionista que forense, més mística que jurídica” (p.66).

Enric Cortés contribui com outra área para a reflexão ao concluir na p.81 que “és difícil de precisar el que Pau ha pres i relativitzat de l’apocalíptica jueva” devido à difícil datação dos textos apócrifos e às variantes dos mesmos. Ele próprio acaba por reconhecer a dificuldade.

De todos os contributos, aquele do organizador da obra consideramos o mais emblemático e imprescindível, pois toca a questão dos fundamentos da própria exegese e hermenêutica da teologia paulina – a relação entre o Jesus da história e o Cristo de Paulo. Armand Puig i Tàrrech acaba por mostrar que não há contradição entre um e outro, pois o Jesus da história é o próprio evangelho de Paulo, Paulo anuncia o Jesus histórico, o real e encarnado, não um qualquer efabulado ou inventado. Por isso, “a

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história de Jesus é o evangelho de Paulo” (p.113) considerando aqui Jesus no seu todo (na pré-existência, na pró-existência e na meta-existência). Para tal, o autor mostra como Paulo não deixa de citar ditos, temas e ideias de Jesus, tal como se pode ver em quatro ditos atribuíveis ao próprio Jesus e que Paulo preserva (cf. 1 Tes 4,14-15; 1 Cor 7,10-11; 9,14; 11,23-26), acompanhados de alusões aos ensinamentos de Jesus (cf. 1 Cor 4,11-13; 13,2; Gal 5,14; Rom 12,14-21; 13,8-19) nas quais diz o que Jesus ensinou por outras palavras (p.114). Não podemos, todavia, deixar de discordar com a informação da nota 55 na p.110 onde o autor propõe uma data de cinco anos de distância entre a Páscoa de Jesus e o primeiro encontro a caminho de Damasco, o que vai à revelia dos dados da arqueologia do Novo Testamento e da biografia paulina.

Begonya Palau concretiza o evangelho de Paulo na história de Jesus no caso particular das leis alimentares. Recorre ao carácter redactorial (bastante discutido e não evidente) do texto de Mc 7,14-15 para justificar que Paulo tal como Jesus relativiza as prescrições alimentares judaicas (p.128). Ainda que Jesus não desmonte sem mais o sistema judaico das práticas alimentares, é verdade que os relativiza, o que aproxima Paulo desta prática. Com efeito, as leis de impureza não dividem Jesus de Paulo ou Paulo de Jesus, porque Jesus também não se interessou muito por elas, e Paulo percebeu isso muito bem. Há, no entanto, um detalhe que causou perplexidade: como é que sabe que os cristãos de Roma aos quais Paulo escreve a carta aos Romanos tinham dificuldades em obter carnes kosher? (p.129). Afinal os cristãos de Roma estavam preocupados com a alimentação ou com a dúvida sobre a sinagoga e o lugar que poderia ainda continuar a ocupar na emergente fé e liturgia cristã?

Por tudo isto, por toda esta riqueza e variedade saudamos mais este volume da ABC, o que demonstra as suas vitalidade e capacidades. Esta obra mostra-nos mais uma vez o que de bom e sério se vai fazendo ao nível da exegese paulina lá pela Catalunha, ainda que seja pouco conhecido.

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