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Reflexão acerca da possibilidade de valoração em agência de julgamento das declarações do arguido prestadas em fases anteriores

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Academic year: 2021

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(1)

UNIVERSIDADE CATÓLICA PORTUGUESA

FACULDADE DE DIREITO DE LISBOA

REFLEXÃO ACERCA DA POSSIBILIDADE DE VALORAÇÃO EM

AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO DAS DECLARAÇÕES DO ARGUIDO

PRESTADAS EM FASES ANTERIORES

Maria Faria Perestrelo

Dissertação realizada no âmbito do Mestrado Forense Sob orientação do Doutor Henrique Salinas

(2)

1

O meu profundo agradecimento:

Ao Professor Doutor Henrique Salinas pela sua disponibilidade, dedicação e partilha de saber na orientação da dissertação;

À minha família, pais, irmãos e avó, pela inquestionável ajuda e incentivo constante, proporcionando-me as ferramentas essenciais para a concretização de todos os meus objetivos, incluindo a realização deste trabalho;

Ao Pedro pelo seu apoio, sua presença permanente e compreensão, determinantes para esta etapa da minha vida;

A todos os meus amigos, em especial à Ana Mendonça Lopes, Luísa Pinto Soares e Pedro Vaz de Almada, pela grande amizade e espírito de entre-ajuda que foram fundamentais para a realização de este tão ansiado momento;

À família Cunha Ferreira pela sua amizade e inestimável ajuda.

(3)

2

DECLARAÇÃO DE COMPROMISSO ANTI-PLÁGIO

“Declaro por minha honra que o trabalho que apresento é original que

todas as citações estão correctamente identificadas. Tenho consciência de

que a utilização de elementos alheios não identificados constitui grave falta

ética e disciplinar”.

(4)

3

ABREVIATURAS

ASJP

Associação Sindical dos Juízes Portugueses

CPP

Código de Processo Penal

CRP

Constituição da República Portuguesa

LEC

Ley de Enjuiciamiento Criminal

MP

Ministério Público

OPC

Órgãos de polícia criminal

SMMP

Sindicato dos Magistrados do Ministério Público

STJ

Supremo Tribunal de Justiça

(5)

4

ÍNDICE

DECLARAÇÃO DE COMPROMISSO ANTI-PLÁGIO... 2

ABREVIATURAS ... 3

ÍNDICE ... 4

CONSIDERAÇÕES INICIAIS ... 5

SOLUÇÃO LEGAL VIGENTE... 7

Princípio da imediação ... 7

Alínea a) do artigo 357.º do CPP ... 8

Alínea b) do artigo 357.º do CPP ... 11

RAZÃO DE SER DA NORMA EM VIGOR ... 13

Enquadramento histórico ... 13

Direito ao silêncio ... 15

Princípio da imediação ... 16

Princípio da não auto-incriminação ... 17

Princípio do contraditório ... 18

Princípio da oralidade ... 20

PROPOSTA DE LEI n.º 77/XII ... 22

REFERÊNCIA A OUTROS ORDENAMENTOS JURÍDICOS ... 26

Brasil ... 26

Itália ... 30

Espanha ... 31

ANÁLISE CRÍTICA ... 34

Reflexão acerca dos princípios estruturantes do processo penal ... 38

O alcance das declarações valoráveis do arguido ... 43

POSIÇÃO DEFENDIDA ... 46

(6)

5

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Como sabemos, o Processo Penal limita, frequentemente, direitos e garantias inerentes ao indivíduo. Ora, quando se discute acerca da finalidade última do Processo Penal, a primeira questão que surge é sempre a da descoberta da verdade e, consequente, realização da justiça. Segundo JORGE FIGUEIREDO DIAS, o princípio da verdade material traduz-se na investigação pelo tribunal dos factos sujeitos a julgamento, “(…) independentemente das contribuições

dadas pelas partes (…) ”1. A descoberta da verdade é primordial para uma decisão final de condenação ou absolvição.

Contudo, a prossecução deste princípio é sempre condicionada a dois fatores determinantes, designadamente, ao respeito pelas garantias de defesa do arguido e às proibições de prova. A temática que nos propomos aqui analisar – proibição de leitura de declarações em audiência de julgamento prestadas pelo arguido em fase de inquérito ou instrução – trata, então, de um dos limites impostos pelo legislador português à obtenção da verdade material.

Pretendemos, assim, ao longo da nossa dissertação avaliar a relação entre, por um lado, a necessidade de proteger o arguido através dos limites às provas e, por outro, a procura da verdade material.

O objeto da nossa dissertação incide, especificamente, sobre o artigo 357.º do Código de Processo Penal. A relevância desta matéria manifesta-se pelo facto de esta não ter sido objeto de muitas análises aprofundadas. Assim, uma vez que os estudos acerca deste assunto são bastante escassos, não se pode dizer que exista uma posição doutrinária dominante.

Cumpre, agora, mencionar a estrutura utilizada para a redação da nossa dissertação.

Iniciaremos com uma abordagem descritiva do regime atual da leitura das declarações do arguido.

No capítulo seguinte iremos expor a ratio desta solução legal, analisando, para o efeito, alguns princípios basilares do Processo Penal.

Feito o enquadramento legal, sem prejuízo do risco que sabemos correr, ousamos fazer uma análise crítica ao sistema atualmente em vigor. Avaliaremos, ainda, a proposta de reforma ao Código de Processo Penal, e mais especificamente, a solução prevista para a norma em questão 2.

1

V. JORGE DE FIGUEIREDO DIAS, Direito Processual Penal, 1ª Edição, Coimbra, Coimbra Editora, 2004, p. 188.

2 A Proposta de Lei n.º 77/XII foi aprovada pelo Conselho de Ministros no dia 21 de junho de 2012, e posteriormente, submetida à apreciação da Assembleia da República.

(7)

6 Por fim, no último capítulo, estaremos em condições de apresentar a posição que defendemos, nomeadamente, a solução legislativa, que, a nosso ver, mais se coaduna com a sociedade em que vivemos. De forma a reforçar a posição por nós defendida, recorreremos a exemplos paradigmáticos que se praticam em outros ordenamentos jurídicos.

(8)

7

SOLUÇÃO LEGAL VIGENTE

Princípio da imediação

A questão da admissibilidade da valoração de declarações prestadas em fases anteriores à audiência de julgamento é um tema que assume extrema relevância no processo penal português e constitui, regra geral, elemento de alguma dificuldade e polémica na sua aplicação prática 3. Estamos, então, perante o problema da admissibilidade da leitura de depoimentos dos intervenientes prestados em fase anterior à do julgamento.

Pela relevância do tema, exige-se o máximo rigor na determinação do seu âmbito. Assim, o Código de Processo Penal (doravante designado abreviadamente de “CPP”) regula, através de normas claras e precisas – nomeadamente nos seus artigos 355.º, 356.º e 357.º - o regime de leitura das declarações prestadas em fases preliminares à audiência de julgamento 4.

O Direito português não admite, em princípio, que as declarações do arguido (em fase anterior) sejam, em sede de audiência de julgamento, objeto de reprodução e valoração 5. Deste modo, proíbe-se a utilização de quaisquer provas que não tenham sido produzidas ou examinadas em audiência para o efeito de formação da convicção do tribunal. Esta conclusão decorre do princípio geral consagrado no artigo 355.º do CPP. Tal como se escreve no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 22 de abril de 2009, “o principio da

imediação diz-nos que deve existir uma relação de contacto directo, pessoal, entre o julgador e as pessoas cujas declarações irá valorar, e com as coisas e documentos que servirão para fundamentar a decisão da matéria de facto” 6.

Exceções ao princípio da imediação

Neste sentido, apenas são admitidas duas exceções à proibição de reprodução e valoração que, por constituírem a génese do nosso ensaio, importa analisar.

A primeira destas exceções encontra-se consagrada na alínea a) do n.º 1 do artigo 357.º do CPP e determina que a leitura de declarações anteriormente prestadas pelo arguido só é

3 V. JOSÉ DAMIÃO DA CUNHA, “O regime processual de leitura de declarações na audiência de julgamento (arts.356.º e 357.º do CPP)”, Revista de Ciência Criminal 7, 1997, p. 403.

4

V. JOSÉ DAMIÃO DA CUNHA, ob.cit., p. 404.

5

Note- se que o mesmo não ocorre com as declarações extra-processuais do arguido. Não abordaremos, contudo, esta temática uma vez que não é objeto do nosso estudo. V. PAULO DÁ MESQUITA,A Prova do Crime e o que se disse antes do julgamento, Coimbra, Coimbra Editora, 2011, p. 428.

(9)

8 permitida, independentemente da entidade perante a qual foram prestadas, mediante a sua solicitação. Desta forma, no caso de o arguido o requerer, podem ser lidas, visualizadas e ouvidas as declarações prestadas por este diante do órgão da polícia criminal, do Ministério Público ou do juiz 7. Por seu turno, a segunda exceção, contemplada na alínea b) do n.º1 do referido preceito, determina que as declarações prestadas anteriormente pelo arguido, diante do juiz, podem ser lidas, visualizadas e ouvidas se, na audiência, o arguido tiver prestado declarações contraditórias ou discrepantes com aquelas.

Como referimos, o n.º 1 do artigo 357.º constitui o cerne do nosso estudo, pelo que se nos afigura essencial analisar detalhada e rigorosamente cada uma das exceções já mencionadas.

Alínea a) do artigo 357.º do CPP

No que concerne à alínea a) do n.º 1 do artigo 357.º do CPP, importa, em primeiro lugar, referir que da expressão, “a solicitação do arguido”, se conclui, desde logo, que a leitura de declarações do arguido feita em fase anterior não pode, de forma alguma, ocorrer contra a vontade deste. Destarte, se o juiz colocar ao arguido a questão da autorização da leitura das suas anteriores declarações e este responder afirmativamente, mostra-se respeitado o disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 357.º do CPP 8. Contudo, neste caso, como se escreveu no Acórdão do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (adiante, “TEDH”) Kaste e Mathiesen v. Noruega, de 9 de novembro de 2006, a resposta do arguido tem de ser inequívoca.

Importa ainda referir que, no que concerne à solicitação aqui em causa, esta só pode ser realizada pelo arguido ou pelo defensor munido de poderes especiais para esse efeito (cfr., neste sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (adiante abreviadamente “STJ”) de 29 de janeiro de 1992) 9.

A este propósito, DAMIÃO DA CUNHA refere que a leitura das declarações, a solicitação do próprio arguido, deve ser tida como uma das formas do exercício de prestar declarações na audiência de julgamento (artigos 343.º e 345.º do CPP). Assim sendo, entende o referido Autor que, uma vez que “as declarações prestadas em audiência de julgamento estão

7 V. PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da

República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, Lisboa, Universidade Católica, 2011.

8

Neste sentido vide Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça – doravante, “STJ” - de 12 de março de 1992,

utad, MANUEL LOPES MAIA GONÇALVES, Código de Processo Penal anotado e Legislação complementar,

Almedina, 2009.

(10)

9

submetidas à liberdade de declarar do arguido, também o âmbito das declarações prestadas pelo arguido pode ser livremente conformado por ele (…)” 10.

Considera DAMÃO DA CUNHA, que o arguido pode escolher livremente, de entre as declarações que prestou no decurso do processo, a leitura de algumas ou somente parte delas11.

Com o devido respeito, não perfilhamos deste entendimento. Somos em crer que um raciocínio deste tipo põe em causa a descoberta da verdade material e a boa decisão da causa, princípio básico do direito processual português. Como esclarece o STJ de 19 de dezembro de 2006, “a qualidade processual de um sistema de justiça avalia-se pela capacidade de

aproximar a sua verdade da verdade real” 12. Ora, o Direito Processual Penal tem como finalidades primárias a realização da justiça e a descoberta da verdade material. Em virtude deste princípio, deve o tribunal, na audiência de julgamento, para além dos meios de prova oferecidos em tempo oportuno pelas partes, proceder oficiosamente à produção da prova necessária à descoberta da verdade, nos termos estabelecidos no artigo 340.º do CPP.

Note-se, no entanto, que o nosso entendimento não pretende, de forma alguma, desconsiderar o carácter acusatório do Direito Processual Penal Português.

Importa, neste âmbito, abrir um parêntesis no nosso estudo para referir que a estrutura acusatória se traduz na separação entre a entidade que acusa e a entidade que julga. Ao arguido, enquanto sujeito processual, é concedida liberdade de atuação para exercer a sua defesa face à acusação 13.

A este modelo contrapõe-se o modelo de estrutura inquisitória, segundo o qual o juiz tem a possibilidade de, simultaneamente, inquirir, acusar e julgar. O réu vê, desta forma, a sua defesa restringida, tornando-se quase que um mero objeto de investigação. Por seu turno, o tribunal, tendo como fim último a descoberta da verdade e defesa da sociedade, investiga oficiosamente, em segredo e sem contraditório 14.

10 V. JOSÉ DAMIÃO DA CUNHA, ob.cit., p.421. 11 Ibidem

12 V. ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA, processo n.º 06B4220 de 19 de dezembro de 2006, Bettencourt de Faria.

13

V. GERMANO MARQUES DA SILVA E HENRIQUE SALINAS, “Anotação ao artigo 32.º”, em JORGE MIRANDA E RUI MEDEIROS, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, 2ª Edição, Coimbra, Coimbra Editora, e, pp. 702 e

ss. 14 Ibidem.

(11)

10 Saliente-se que no modelo processual penal atual vigora, como resulta, aliás, do artigo 32.º n.º 5 da Constituição da República Portuguesa (abreviadamente “CRP”), o princípio do acusatório, sendo este, no entanto, mitigado pelo princípio da investigação. Corresponde, assim, a um modelo a que chamamos de modelo misto.

Assim, o que distingue essencialmente o estatuto do arguido no processo de tipo acusatório e no modelo inquisitório é o fato de, no modelo atual, ser inadmissível obter declarações do arguido contra a vontade deste. Consequentemente, a utilização de medidas coativas contra o arguido encontra-se rigorosamente delimitada por lei 15.

Ao negarmos ao arguido o direito de escolher, de entre as declarações que proferiu durante todo processo, aquelas que mais lhe convém, não estamos, de forma alguma, a aproximarmo-nos do modelo inquisitório e, eventualmente, a violar os princípios básicos da estrutura acusatória. Pelo contrário, cremos que só desta forma é possível respeitar a estrutura fundamental do Processo Penal Português.

A este respeito realçamos que, “o sistema acusatório não é incompatível com momentos ou

fases inspiradas no inquisitório, desde que justificadas pela procura da verdade e sempre submetidas ao dever de lealdade para com o arguido” 16.

Assim, apesar de vigorar entre nós o princípio do acusatório, ao julgador não se deixa de impor a procura da verdade material por meios processuais, naturalmente válidos e respeitadores da dignidade e garantia de defesa do arguido 17.

Caso considerássemos, como DAMIÃO DA CUNHA, que o arguido poderia escolher apenas uma parte das declarações por si prestadas nas fases anteriores do processo, estaríamos não só a contribuir para uma possível descontextualização dos depoimentos prestados por aquele sujeito ao longo de todo o processo, como a permitir que este utilizasse em seu benefício um artifício que impedisse a descoberta da verdade e boa decisão da causa.

Acresce que esta nossa posição não interfere, de forma alguma, com o direito ao silêncio, uma vez que o arguido é livre de optar por não prestar declarações nem solicitar a leitura das declarações.

15

V. JORGE DE FIGUEIREDO DIAS, ob.cit., p. 436.

16

V. JORGE MIRANDA E RUI MEDEIROS, ob.cit. pp. 702 e ss.

17

V. GABINETE DE ESTUDOS E OBSERVATÓRIO DOS TRIBUNAIS DA ASSOCIAÇÃO SINDICAL DOS JUÍZES PORTUGUESES,” Proposta para debate sobre a valoração em audiência das declarações do arguido prestadas em

(12)

11 O que está aqui em causa são os casos em que o arguido pede a leitura das declarações anteriormente prestadas. Aqui julgamos, como já referimos, que não faz sentido permitir que este tenha o livre arbítrio de escolher a leitura da parte das declarações que mais lhe convier.

Alínea b) do artigo 357.º do CPP

Interessa, agora, analisar a segunda exceção à proibição de reprodução e valoração, consagrada na alínea b) do artigo 357.º do CPP.

O mencionado preceito parte do pressuposto de que não existe concordância do arguido. Assim sendo, se o arguido não solicitar a leitura das declarações processuais proferidas antes da audiência, para esta ter lugar é necessário que, cumulativamente, o arguido tenha prestado declarações na audiência; existam contradições e discrepâncias face às declarações passadas; e, ainda, que as declarações anteriores tenham sido produzidas perante o juiz 18.

Para melhor compreendermos esta exceção, importa, antes de mais, distinguir os conceitos de

discrepância e contradição, na medida em que estes são passíveis de criar alguma confusão.

A discrepância consiste, essencialmente, numa variação da descrição dos factos. Já a contradição traduz-se numa incompatibilidade lógica entre duas afirmações, duas negações ou ainda entre uma afirmação e uma negação.

Ora, facilmente se depreende que, no caso de o arguido simplesmente se recusar a prestar declarações em audiência, não se verifica nem uma situação de discrepância, nem uma situação de contradição, face às declarações feitas anteriormente. Contudo, o mesmo já não sucede quando o arguido, nas declarações produzidas em fase anterior, confirma determinados factos, vindo depois negá-los em sede audiência de julgamento. Neste caso, estamos perante uma situação de discrepância 19.

Requisitos

Sem nos querermos debruçar demasiado sobre esta temática, consideramos não ser demais analisar sucintamente os requisitos essenciais da admissibilidade da leitura de declarações do arguido.

Antes de mais, é importante determo-nos sobre a necessidade de o arguido exercer o seu direito a prestar declarações em julgamento.

18

V. PAULO DÁ MESQUITA, A Prova do Crime e o que se disse antes do julgamento, Coimbra Editora, 2011, p.

434, nota de rodapé 222. 19 Ibidem.

(13)

12 Nesta matéria, considerou o legislador português que o silêncio ou a verificação da ausência do arguido em audiência inutilizam todas as anteriores declarações prestadas perante um juiz, quando o arguido não manifeste vontade que estas sejam valoradas.

Exige-se ainda que as declarações tenham sido prestadas por um sujeito na qualidade de arguido, ou seja, por uma pessoa singular após a sua efetiva constituição como arguido, nos termos previstos nos artigos 58.º e 59.º do CPP 20.

Como bem sabemos, a constituição de um sujeito como arguido é dotada de especiais particularidades. É, designadamente, dotada de um formalismo mais complexo e de uma maior garantia face a outros intervenientes processuais.

Podemos, então, afirmar que o estatuto de arguido lhe confere, inevitavelmente, direitos processuais autónomos (entre eles uma participação constitutiva do caso concreto) que têm necessariamente de ser respeitados por todos os restantes participantes processuais 21.

Assim, caso um sujeito preste declarações, sem que tenha havido constituição formal como arguido ou caso se verifique uma omissão das formalidades necessárias, as declarações não podem, de forma alguma, ser valoradas, para efeitos de prova em qualquer fase processual. É, pois, fundamental salvaguardar que o sujeito que presta declarações não tenha dúvidas quanto ao alcance e significado processual que as mesmas podem conter. Daqui se retira que existe, de facto, uma ligação entre, por um lado, a constituição formal do arguido e, por outro, o valor processual das declarações por ele prestadas 22.

Por fim, é também requisito fundamental para a valoração deste tipo de declarações que se verifique a sua leitura. Ora, uma vez que a leitura dos autos constitui produção de prova, não se compreende que não se permita que as declarações sejam lidas em audiência. Mais, esta leitura é absolutamente fundamental para assegurar o debate contraditório.

Do exposto resulta que, caso não se verifique a efetiva leitura das declarações do arguido, a utilização e valoração das mesmas não é admissível. Este facto tem como consequência direta a impossibilidade de reprodução dos autos anexos ao processo 23.

20

V. JOSÉ DAMIÃO DA CUNHA, ob.cit., pp. 420.

21

V. JORGE DE FIGUEIREDO DIAS, ob.cit., pp. 424 e ss.

22 V. JOSÉ DAMIÃO DA CUNHA, ob.cit., p. 422. 23 Ibidem, pp. 441.

(14)

13

RAZÃO DE SER DA NORMA EM VIGOR

Após a análise do regime de leitura das declarações do arguido produzidas em fase anterior à audiência de julgamento, apraz averiguar a ratio do artigo 357.º n.º 1 alínea a) e b) do CPP para podermos abordar, de forma crítica e rigorosa, a Proposta de Lei n.º 77/XII.

Em primeiro lugar, importa ter presente que o Direito Processual Penal pode pôr - e põe frequentemente - em causa direitos individuais dos sujeitos processuais, especialmente do arguido.

Como TERESA PIZARRO BELEZA bem esclarece, “(...) muitas normas do processo penal

situam-se em algum ponto de equilíbrio, por vezes difícil e sempre delicado, entre as necessidades de investigação e repressão dos factos geradores de responsabilidade criminal e a exigência de respeitar os direitos das pessoas: suspeitos, arguidos, vítimas e testemunhas” 24.

Somos em crer que o princípio da não valoração de declarações prestadas anteriormente se encontra, precisamente, na linha que divide, por um lado, a necessidade de assegurar as garantias de defesa do arguido e, por outro, a de salvaguardar os interesses da sociedade. Ora, tanto a fase da investigação, como a fase da audiência de julgamento constituem, inevitavelmente, situações que comportam uma restrição das garantias do arguido.

Torna-se, pois, imprescindível impor limites legais 25.

Para enquadrar a questão central do nosso estudo, importa fazer uma breve resenha histórica. A importância deste sumário reside no facto de todos os limites que a lei processual penal estabelece poderem ser explicados à luz do contexto histórico que lhes deu origem 26.

Enquadramento histórico

Tempos houve – nomeadamente, os séculos XVII e XVIII – em que a estrutura do processo penal, na generalidade das legislações europeias continentais, era do tipo inquisitório. O processo inquisitório dependia claramente da palavra do arguido. Aqui, o silêncio era

24 V. TERESA PIZARRO BELEZA COM A COLABORAÇÃO DE CHARLES BROOKS, DAVID CATANA, ELIANA GERSÃO, RUI SÁ GOMES, JOSÉ SOUTO DE MOURA, JOSÉ NARCISO DA CUNHA RODRIGUES E ELISABETH SOUSA,

Apontamentos de Direito Processual Penal, Vol. II, Edição da Associação Académica, 1993, p.137.

25

V. TERESA PIZARRO BELEZA COM A COLABORAÇÃO DE FREDERICO ISASCA E RUI SÁ GOMES, Apontamentos de

Direito Processual Penal, Edição da Associação Académica, 1993, p.67.

(15)

14 considerado uma ofensa à boa administração da justiça. Neste contexto, as declarações do arguido prestadas ao longo do processo eram, frequentemente, extraídas através do recurso à tortura sendo, posteriormente, utilizadas no julgamento para efeitos de valoração. Valiam, assim, indiscriminadamente as máximas “confessio regima probationum” e “confessus pro

convicto habatur”. A confissão era, como tal, considerada a prova por excelência, a rainha

das provas 27.

Mais recentemente, em Portugal, durante o período da Ditadura Nacional e do Estado Novo, a repressão criminal e os abusos policiais propiciavam a coação do arguido a confessar a prática do crime 28. A confissão era, essencialmente, utilizada de forma a que o arguido reconhecesse a sua culpa e, consequentemente, a razão do Estado.

Deste modo, a lei processual penal portuguesa começou, lentamente, a reagir contra esta visão da confissão como prova definitiva 29. Surgiu, igualmente, da parte da doutrina, a preocupação de criação de elementos que garantissem, efetivamente, a dignidade processual do arguido. Foi, especificamente, a reação a uma cultura judiciária desinteressada pela proteção das fases anteriores ao julgamento e que entendia a confissão como um poder absolutamente desmedido que levou à consagração de um regime de proibição de utilização, em audiência de julgamento, das declarações prestadas em fases anteriores 30.

O modelo inquisitório puro desapareceu, assim, dos ordenamentos jurídicos atuais, sem deixar qualquer rasto.

O CPP atual foi aprovado pelo DL n.º 78/87 de 17 de fevereiro, substituindo o CPP de 1929. Neste contexto, as soluções adotadas no código de 1987 passam a estabelecer um regime que zela, fundamentalmente, pelas garantias individuais dos sujeitos processuais em geral e do arguido em particular. Passou-se, então, a impor como limite para valoração da palavra do arguido a determinação da sua vontade, dando um enorme enfoque à sua liberdade de decisão. É concedida ao arguido a liberdade de falar, liberdade essa que se manifesta particularmente aquando das declarações que presta “(…) decidindo à margem de toda a coerção sobre como

quer pronunciar-se” 31.

27 Ibidem, p.68.

28

PAULO DÁ MESQUITA, ob.cit.,p. 438, nota de rodapé 224. 29

V. TERESA PIZARRO BELEZA COM A COLABORAÇÃO DE FREDERICO ISASCA E RUI SÁ GOMES, Apontamentos de Direito Processual Penal, ob.cit., p.69.

30 V. PAULO DÁ MESQUITA, ob.cit.,p. 426.

(16)

15 Tal como já referimos foi precisamente esta luta contra a confissão prévia que levou a que no atual CPP, mais especificamente na alínea a) do n.º 1 do artigo 357.º do CPP, fosse consagrada a regra geral de proibição das anteriores declarações, no caso de a respetiva leitura, em audiência, não ser solicitada pelo arguido 32. Curiosamente, a solução legal vigente que se traduz num apagamento radical para efeitos probatórios das declarações passadas (sem um ato voluntário do arguido em julgamento que permita recuperá-las) já fora ponderada e rejeitada no século XIX 33.

Podemos concluir, com base nas asserções anteriores, que a proibição de valoração, em audiência de julgamento, das declarações processuais anteriores ao julgamento está historicamente ligada à ideia de uma política preventiva contra táticas manipuladoras e conclusões precipitadas que o tribunal de julgamento pudesse retirar a partir de determinadas afirmações do arguido sobre os factos 34.

Ora, uma vez que o Processo Penal se constrói, em regra, tendo como base os valores inerentes a uma comunidade num determinado período histórico, compreende-se que a história passada e recente tenha sempre um papel de destaque na determinação de qualquer solução legal vigente. De resto, a redação do artigo 357.º do CPP é, desse facto, um bom exemplo.

Trata-se, como vimos, de uma norma que pretende prevenir, através das limitações que impõe ao regime de leitura, um regresso a um regime com características fundamentalmente inquisitórias.

Direito ao silêncio

Grande parte da doutrina entende esta limitação legal como um “reflexo inultrapassável do

direito ao silêncio que imporia manter-se intocável o regime legal vigente” 35.

É, portanto, certo que, com a solução legal vigente, se pretende, igualmente, evitar que o arguido, ao fazer uso da faculdade de permanecer em silêncio, se prejudique. Por outras palavras, não se pode permitir que o facto de o arguido se abster de prestar declarações - em

32

V. PAULO DÁ MESQUITA, ob.cit.,p.435.

33

Ibidem p.436, nota de rodapé n.º 222. 34

Ibidem p.440.

35 V. GABINETE DE ESTUDOS E OBSERVATÓRIO DOS TRIBUNAIS DA ASSOCIAÇÃO SINDICAL DOS JUÍZES PORTUGUESES, ob.cit., p.75.

(17)

16 especial, as que possam de alguma forma incriminá-lo - deva ser considerado um comportamento concludente da sua culpabilidade 36.

A este propósito, há quem defenda que a possibilidade valoração de declarações prestadas pelo arguido em fase de inquérito constitui um entrave ao bom funcionamento da justiça penal, na medida em que o arguido, tendo conhecimento dos efeitos de prestar depoimento, optaria por permanecer calado, e com isso, afetaria a fase de investigação 37.

Aqui chegados, não podemos deixar de nos debruçar acerca dos princípios estruturantes do processo penal, nomeadamente aqueles que tiveram uma influência direta na redação do preceito em análise.

Os princípios do processo penal – nas palavras de JORGE DE FIGUEIREDO DIAS – dão sentido à generalidade das normas e pretendem ser, primordialmente, uma orientação para o legislador38. Assim, não restam dúvidas que um fator que contribui, inevitavelmente, para a proibição da utilização livre das declarações no processo e que, no fundo, está relacionado com a importância atribuída ao estatuto do arguido é o facto de as declarações do arguido estarem diretamente ligadas ao princípio da imediação e à relação comunicacional entre o tribunal e o arguido 39.

Princípio da imediação

Como sabemos, o Processo Penal português estabelece a regra segundo a qual são apenas válidas as provas diretamente examinadas em audiência de julgamento. É o chamado princípio da imediação 40.

Dispõe o n.º 1 do artigo 355º do CPP que "não valem em julgamento, nomeadamente para o

efeito de formação da convicção do tribunal, quaisquer provas que não tiverem sido produzidas ou examinadas em audiência", ressalvando o n.º 2 que “as provas contidas em actos processuais cuja leitura, visualização ou audição em audiência sejam permitidas, nos termos dos artigos seguintes".

36 V. GABINETE DE ESTUDOS E OBSERVATÓRIO DOS TRIBUNAIS DA ASSOCIAÇÃO SINDICAL DOS JUÍZES PORTUGUESES,ob.cit., p.75.

37

Sobre o desenvolvimento desta matéria infra p. 40. 38

V. JORGE DE FIGUEIREDO DIAS, ob.cit., p. 113. 39

V. PAULO DÁ MESQUITA, ob.cit., p.435, nota de rodapé n.º 222.

40 V. TERESA PIZARRO BELEZA com a colaboração de CHARLES BROOKS, DAVID CATANA, ELIANA GERSÃO, RUI SÁ GOMES, JOSÉ SOUTO DE MOURA, JOSÉ NARCISO DA CUNHA RODRIGUES E ELISABETH SOUSa, ob.cit., p.152.

(18)

17 Em primeiro lugar, este princípio implica o respeito por um outro – o princípio da oralidade – que aprofundaremos mais adiante 41. Em oposição a um processo penal submetido predominantemente ao princípio da escrita, o princípio da imediação exige uma relação próxima entre as provas e o juiz, de tal forma que desta relação decorrerá uma perceção material por parte do juiz. Essa perceção estará, naturalmente, na base da sua decisão. Verifica-se, assim, que a consagração do princípio de imediação implica obrigatoriamente a presença do arguido (331.º e seguintes do CPP) 42.

Ora, o regime resultante das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 357.º do CPP visa precisamente salvaguardar as situações que possam, de alguma forma, atingir os princípios processuais penais, como é o caso da imediação. Uma vez que, nestes casos, a prova é produzida em momentos anteriores à audiência, pretendeu-se restringir o âmbito em que as mesmas são reproduzidas e valoradas.

Fê-lo, ao limitar ao acordo do arguido a leitura das declarações prestadas por este em fases anteriores do processo. Esta concordância manifesta-se, quer através da solicitação da leitura das declarações (alínea a)), quer quando o arguido demonstra simplesmente a vontade de prestar declarações (alínea b)). Neste último caso, impõe-se que o arguido tenha aceite e concordado com a prestação de declarações no decurso do julgamento, pois só assim é que se poderá gerar a situação de uma eventual discrepância com declarações que anteriormente tenha prestado.

Princípio da não auto-incriminação

PAULO DÁ MESQUITA alude, ainda, ao princípio do nemo tenetur se ipsum accusare, como justificação para a existência da proibição em causa. Em termos genéricos, o princípio da não auto-incriminação estabelece que ninguém pode ser forçado a prestar qualquer tipo de informação ou declaração que seja apta a direta ou indiretamente incriminar a sua pessoa. O arguido tem assim direito ao silêncio e, caso opte pela palavra, tem o direito a não dizer a verdade, a não confessar e a não apresentar prova contra si mesmo. Adotou-se, assim, uma política preventiva, na qual o respeito pela prerrogativa exerce um papel primordial, designadamente, no combate à atividade das autoridades repressivas 43.

41

Infra, p. 20.

42

Hoje o CPP evita o antigo processo à revelia, criando, assim, a possibilidade de um arguido ser declarado contumaz (335.º, 336.º e 337.º) como forma de o forçar a comparecer.

(19)

18 De facto, não podemos negar que o arguido é, entre todos os sujeitos processuais, o mais vulnerável e que, por essa razão, merece um tratamento jurídico adequado ao seu estatuto. Assim, facilmente se compreende que DAMIÃO DA CUNHA considere que a possibilidade de leitura de declarações prestadas em fase preliminar à da audiência de julgamento tenha, necessariamente, de ser mais limitada do que as dos restantes participantes processuais 44. Pela razão apontada, e tal como tivemos oportunidade de verificar, o arguido, relativamente às suas declarações, goza sempre de um pleno poder de manifestação de vontade na audiência de julgamento, faculdade que é totalmente autónoma do carácter voluntário das declarações prestadas em fase anterior 45.

Tal como PAULO DÁ MESQUITA, entendemos que o legislador português, ao atribuir ao arguido a disposição absoluta sobre as suas declarações, está a abrir, perigosamente, caminho para que este proceda a uma reflexão estratégica dos riscos de prestar declarações. Ora, o arguido, tendo conhecimento de que as declarações, quando reproduzidas em sede de julgamento, podem ser utilizadas em seu desfavor, vai necessariamente medir as palavras que profere e agir com a maior cautela, de forma a proteger o seu interesse.46

Estamos, claramente, na presença de um pleno poder de decisão por parte do arguido relativamente ao que disse durante o processo o que, por sua vez, constitui uma proteção do mesmo contra as declarações que prestou em fase anterior à audiência de julgamento. Encontramo-nos, portanto, perante uma proibição de prova preventiva que limita a liberdade de apreciação do juiz 47.

Mas será que tal solução não se revela um excessivo paternalismo do arguido? Pela sua especial complexidade, procuraremos analisar esta questão à frente com maior detalhe.

Princípio do contraditório

Fator que contribuiu também para a proibição da prova preventiva foi o princípio do contraditório. Este princípio é um dos argumentos fundamentais utilizados para a intransmissibilidade probatória das declarações. Assume, por isso, uma enorme importância na estrutura do processo penal bem como na proteção atribuída ao arguido, plasmada no artigo 357.º do CPP. A relevância deste princípio na audiência de julgamento é notória, na

44

V. PAULO DÁ MESQUITA, ob.cit., p.437, nota de rodapé 224.

45

Ibidem, p. 434

46 Ibidem, p. 444, nota de rodapé 235. 47 Ibidem p. 437.

(20)

19 medida em que estamos perante uma imposição de carácter constitucional. No n.º 5 do artigo 32.º da Lei Fundamental, podemos ler: “o processo criminal tem estrutura acusatória,

estando a audiência de julgamento e os actos instrutórios que a lei determinar subordinados ao princípio do contraditório”.

Considera-se que este princípio constitui a base da garantia de um julgamento justo, na medida em que permite que o arguido seja confrontado de forma imediata e oral com todos os elementos de prova utilizados contra si.

Pela relevância que assume o princípio em análise, este encontra-se, igualmente, consagrado na atual legislação processual penal portuguesa, se bem que sob formas diferentes, consoante a fase do processo em que se encontre. Deste modo, estabelece o artigo 327.º do CPP no seu n.º 1 que “as questões incidentais sobrevindas no decurso da audiência são decididas pelo

tribunal, ouvidos os sujeitos processuais que nelas forem interessados”. Acrescenta o n.º 2

que “os meios de prova apresentados no decurso da audiência são submetidos ao princípio

do contraditório, mesmo que tenham sido oficiosamente produzidos pelo tribunal ” 48.

Note-se que o princípio do contraditório é algo inerente ao direito de defesa. A essência desta faculdade manifesta-se, sobretudo, no debate existente entre a acusação e a defesa de participarem na produção de prova, de contestarem as razões oferecidas por outros sujeitos processuais e de apresentarem a prova relativa aos factos que alegam 49.

Desta forma, o princípio do contraditório apenas se realiza eficazmente quando a acusação e a defesa tenham efetivamente a possibilidade de conhecer as opiniões, argumentos e conclusões da contraparte, manifestando as suas ideias 50.

Só é, portanto, possível uma realização plena do princípio do contraditório com a participação ativa da acusação e da defesa na produção de prova, o que pressupõe, necessariamente, a presença do arguido no julgamento.

Assim, tal como referimos, proíbe-se a condenação do arguido com base em prova que não foi produzida e discutida em audiência de julgamento 51.

Da mesma forma, para que o artigo 357.º do CPP possa ser, efetivamente, aplicado exige-se, nos termos do artigo 332.º do CPP, a presença do arguido na audiência de julgamento, na medida em que, para que as declarações das fases anteriores possam ser valoradas em sede de

48

V. GERMANO MARQUES DA SILVA,Curso de Processo Penal, vol. III, Editora Verbo 2000, p. 219 e ss.

49

V. JORGE MIRANDA E RUI MEDEIROS, ob.cit., pp. 732 e ss.

50 V. GERMANO MARQUES DA SILVA, ob.cit., p. 222. 51 V. JORGE MIRANDA E RUI MEDEIROS, ob.cit., pp. 732 e ss.

(21)

20 julgamento, é necessário que este tenha, efetivamente prestado declarações na audiência ou que, pelo menos, tenha dado o seu acordo para que as declarações fossem lidas ou visualizadas na audiência.

Posto isto, importa perceber se estamos a diminuir a igualdade de armas entre a acusação e a defesa, ao permitirmos a leitura das declarações do arguido no caso de o arguido não estar presente na audiência ou, ainda que o esteja, se remeta ao silêncio. Estaremos, neste caso, a violar o princípio do contraditório?

Considera DAMIÃO DA CUNHA que “a imediação, a oralidade e a contraditoriedade

representam certamente princípios da audiência de julgamento e, portanto, princípios de decisão; mas co- envolvem – em especial o princípio da contraditoriedade – ainda a ideia de igualdade dos sujeitos processuais na audiência de julgamento” 52. Assim, refere o Autor que não poderá, de forma alguma, existir um pleno contraditório quando não seja dada igual oportunidade de o exercer. A este propósito, o Tribunal Constitucional tem entendido que o princípio do contraditório só pode ser plenamente exercido se o sujeito processual teve, durante o decurso da audiência de julgamento, a possibilidade de discutir a prova apresentada em plena igualdade com os outros intervenientes processuais 53.

Princípio da oralidade

Resta-nos fazer uma breve menção ao não menos importante princípio da oralidade, na medida em que este, tal como referido, se relaciona, naturalmente, com os supra expostos princípios da imediação e do contraditório.

Regra geral, a audiência de julgamento está sujeita ao princípio da oralidade. É assim em relação às provas produzidas em sede de julgamento 54. Este princípio tem como finalidade garantir o respeito pela imediação da prova, a espontaneidade das declarações e a publicidade dos atos processuais. Pretende, em primeiro lugar, evitar processos escritos, próprios de um regime inquisitório e zelar pela proteção de arguidos com um nível cultural mais baixo, não só porque compreendem melhor os atos processuais praticados ao longo da audiência, como têm mais facilidade em se defender pela via da oralidade.

Podemos, deste modo, concluir que o legislador português - apesar de estabelecer aqui um regime excecional à valoração da prova, procurou garantir a salvaguarda dos princípios

52

V. JOSÉ DAMIÃO DA CUNHA, ob.cit., p.406.

53 V. JORGE MIRANDA E RUI MEDEIROS, ob.cit., pp. 732 e ss.

(22)

21 processuais penais, como é o caso da oralidade. Apraz-nos considerar que a regra da oralidade exerceu também influência na redação deste preceito. A alínea b) do preceito em análise pressupõe, nitidamente, o exercício do princípio da oralidade, na medida em que só se aceita a leitura das declarações do arguido se em fase anterior, se revelarem contrárias ao produzido em audiência, pressupondo que o arguido use da sua palavra para que as declarações anteriores possam ser valoradas.

Acresce que o princípio da oralidade se manifesta pela leitura efetiva da prova, exigência que se encontra consagrada no preceito em questão.

Assim, face à análise do artigo 357.º do CPP, logramos afirmar que as exceções à produção de prova em audiência de julgamento são pontuais e limitadas e baseadas numa ideia de harmonia com os princípios fundamentais da prova. O legislador procurou garantir que, na tomada das declarações do arguido, ficassem salvaguardados os princípios básicos inerentes à produção de prova 55.

Será que uma solução contrária à redação vigente seria suscetível de pôr em causa o princípio da imediação e, por consequência, o princípio da oralidade e do contraditório?

Procuraremos dar resposta a esta questão ao longo das próximas páginas do nosso ensaio.

(23)

22

PROPOSTA DE LEI n.º 77/XII

No início deste ensaio, referimos muito brevemente em que consistia a Proposta de Lei n.º 77/XII, relativa à vigésima alteração ao Código do Processo Penal de 1987. Cabe, então, neste capítulo analisar extensamente a referida proposta legislativa, e mais concretamente a alteração ao preceito sub judice.

A revisão ao Código do Processo Penal incide, fundamentalmente, “sobre o âmbito do poder

jurisdicional na aplicação medidas de coação 56 e sobre a possibilidade de, salvaguardados os direitos de defesa do arguido, designadamente o direito ao silêncio, as declarações que o arguido presta nas fases preliminares do processo, serem utilizadas na fase de julgamento” 57

.

Tem, ainda, o objetivo de alargar o âmbito de aplicação do processo sumário à generalidade

dos crimes, com exceção da criminalidade organizada, dos crimes contra a segurança do Estado e dos crimes relativos às violações de Direito Internacional Humanitário. Visa, também, delimitar o âmbito de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, preservando a intervenção deste órgão para os casos de maior gravidade.

Pretende-se, então, mais especificamente, proceder a uma alteração aos artigos 64.º (obrigatoriedade de assistência do defensor), 141.º (primeiro interrogatório judicial do arguido detido), 144.º (outros interrogatórios do arguido),58 194.º (audição do arguido e despacho de aplicação de medidas de coação de garantia patrimonial) e 357.º (leitura permitida de declarações do arguido), todos do CPP.

Na exposição de motivos da Proposta justifica-se a revisão ao Código do Processo Penal pela necessidade de adequação entre, por um lado, a celeridade e eficácia no combate ao crime e a defesa da sociedade e, por outro, pela garantia dos direitos de defesa do arguido 59.

56 Propõe-se que o juiz de instrução criminal aplique medidas de coação diversas – quanto à sua natureza, forma de execução e medida - das requeridas pelo MP. Para o efeito impõe-se a existência de fuga (ou perigo de fuga), perigo de continuação da atividade criminosa ou de perturbação da ordem e tranquilidade pública.

57 In www.portugal.gov.pt.

58 Neste preceito cria-se uma exceção à regra de equiparação das formalidades dos interrogatórios realizados pelos órgãos de polícia criminal, eliminando, neste caso, a necessidade de se informar o arguido que as declarações por ele prestadas podem ser valoradas no processo penal. Ora, esta alteração vem em linha de conta com a opção legislativa de não permitir a valoração de declarações prestadas em fases preliminares ao julgamento, perante autoridade diversa do juiz ou Ministério Público.

(24)

23 Com as modificações propostas prevê-se uma alteração do quadro processual penal atual, nomeadamente no que respeita ao estatuto do arguido, mais especificamente, o seu direito ao silêncio e ao princípio da não auto-incriminação.

Relativamente à questão que, aqui, nos interessa, isto é, a alteração ao número 1 alínea b) do 357.º do CPP, propõe o projeto legislativo a admissibilidade, em sede de julgamento, da leitura de declarações da pessoa do arguido prestadas em fase anterior, mesmo que este, em audiência de julgamento, tenha exercido do seu direito ao silêncio. Exige-se para tal, que estas tenham sido feitas perante autoridade judiciária, ou seja, diante do Ministério Público ou do juiz, e sempre com assistência de defensor.

Impõe-se, ainda, que o arguido tenha sido advertido do seu direito ao silêncio e que se abdicar do mesmo, o seu depoimento pode vir a ser utilizado no processo, e, sendo caso disso, em seu desfavor.

Assim, deixa de ser requisito que o arguido demonstre uma manifestação de vontade concordante com a leitura das declarações anteriormente produzidas. Para além deste requisito, elimina-se a condição “contradições e discrepâncias”.

A alteração ao preceito mencionado introduz, ainda, o n.º 2, que determina que “As

declarações anteriormente prestadas pelo arguido e lidas em audiência estão sujeitas à livre apreciação da prova nos termos do artigo 127º” 60.

Importa referir a justificação dada pela Proposta de Lei para a necessidade de alteração do artigo 357.º do CPP. Assim, na sua exposição de motivos podemos ler o seguinte:

“A quase total indisponibilidade de utilização superveniente das declarações do arguido legalmente prestadas nas fases anteriores do processo tem conduzido, em muitos casos, a situações geradoras de indignação social e incompreensão dos cidadãos quanto ao sistema de justiça. Impunha-se, portanto, uma alteração ao nível da disponibilidade, para utilização superveniente, das declarações prestadas pelo arguido nas fases anteriores ao julgamento, devidamente acompanhadas de um reforço das garantias processuais” 61

A Ordem dos Advogados desvaloriza esta “indignação social e incompreensão dos cidadãos

quanto ao sistema de justiça”, por considerar impossível aferir a respetiva credibilidade,

60 V.infra p. 43.

(25)

24 tendo apenas como fontes determinadas notícias que enfatizam reações de alguns manifestantes 62.

Acrescenta, ainda, o Parecer que o argumento invocado na exposição de motivos da Proposta não pode, de forma alguma, servir para legitimar uma restrição a uma garantia de defesa do arguido tão importante como é caso do direito ao silêncio.

Na opinião de Associação Sindical dos Juízes Portugueses – doravante abreviadamente “ASJP”, com a qual estamos de acordo, o debate acerca deste tema não vem apenas da vox

populi, divulgada pelos meios de comunicação social. Também os juristas se interrogam

acerca da solução legal vigente, considerando que este garantismo excessivo é um fator de descredibilização do sistema de justiça penal português 63.

Contudo, não podemos deixar de refletir quando os cidadãos não compreendem determinadas proibições legais, como ocorre, aliás no caso concreto, por considerarem que não faz sentido que um arguido confesse um crime que cometeu perante uma entidade judicial e, posteriormente, não se possam utilizar essas declarações confessórias para o condenar.

Interessa-nos, neste contexto, ponderar se a utilização e valoração, em sede de julgamento, das declarações do arguido produzidas em fases preliminares e que, posteriormente, em audiência de julgamento se remete ao silêncio ou não comparece, se traduz num desrespeito inadmissível aos princípios da imediação, oralidade, contraditório, direito ao silêncio e garantias de defesa do arguido, consagradas constitucionalmente 64.

Resumidamente, a questão que nos interessa analisar é se a solução legal vigente se revela ou não uma visão excessivamente paternalista da lei processual penal portuguesa. Será que numa democracia madura e consolidada, isto é, longe de um estado autoritário, onde se entendiam os receios relativos à investigação e aos próprios juízes, não se deve deixar de dar primazia aos interesses do Estado?

Tendo em conta o panorama atual, isto é, uma democracia baseada nos alicerces do Estado de Direito, não se exigirá mesmo que as declarações do arguido prestadas perante um juiz em

62

V. Parecer da Ordem dos Advogados relativo ao Projecto de proposta de lei de alteração ao Código de

Processo Penal, dezembro de 2011.

63 V. GABINETE DE ESTUDOS E OBSERVATÓRIO DOS TRIBUNAIS, ob.cit., p. 75. 64 Ibidem p. 84.

(26)

25 fases anteriores sejam valoradas, mesmo que este se remeta ao silêncio ou esteja ausente, sem com isso atingir as suas garantias de defesa e desequilibrar os valores em jogo? 65

65

V. Gabinete DE ESTUDOS E OBSERVATÓRIO DOS TRIBUNAIS, “Proposta para debate sobre a valoração em audiência das declarações do arguido prestadas em fase anterior”, Mudar a Justiça Penal - Linhas de Reforma

(27)

26

REFERÊNCIA A OUTROS ORDENAMENTOS JURÍDICOS

Com o propósito de encontrarmos a solução mais adequada para aplicar no nosso sistema processual penal, considerámos relevante proceder, a priori, a uma análise sumária comparativa das soluções legais vigentes em outros ordenamentos jurídicos.

Note-se que não se pretende, aqui, estudar aprofundadamente cada regime, uma vez que não é esse o objetivo de uma dissertação desta natureza.

Assim, daremos uma perspetiva geral acerca de alguns países que permitem a valoração em julgamento das declarações antes prestadas pelo arguido, como são os casas de Itália, Espanha e Brasil.

Brasil

Ora, iniciando a nossa “viagem” pelo Brasil, importa, desde já, averiguar o regime da confissão. Confessar - no âmbito do processo penal - é, segundo GUILHERME DE SOUSA NUZZI

“(…)admitir contra si, por quem seja suspeito ou acusado de um crime, tendo pleno discernimento, voluntária, expressa e pessoalmente, diante da autoridade competente, em ato solene e público, reduzido a termo, a prática de algum fato criminoso” 66.

Nos termos do artigo 190.º do Código de Processo Penal brasileiro, o momento próprio da confissão é, em regra, o interrogatório judicial do arguido, e quando assim é, o juiz deverá indagá-lo sobre os motivos e circunstâncias do fato incriminatório e se outras pessoas concorreram para a infração.

Se, pelo contrário, a confissão ocorrer fora do interrogatório, estabelece o artigo 199.º do mencionado diploma, que esta deverá ser tomada por termo, de forma a assegurar o registo solene deste ato. A confissão extrajudicial, uma vez que não assegura as garantias constitucionais inerentes ao processo penal - especialmente o contraditório e a ampla defesa - trata-se apenas de um meio de prova indireto.

Necessita, então, de ser confrontada com outras provas e confirmada pelas provas produzidas em juízo, não sendo suficiente uma mera probabilidade de veracidade da declaração confessória, para haver condenação.

Contrariamente, a confissão judicial, uma vez que é produzida diante entidade judicial, encontra-se, naturalmente, sob o manto protetor de ampla defesa, e é, por esta razão, meio de

(28)

27 prova direto. Porém, não deixa, por isso, de ter de ser confrontada com outros elementos probatórios e por eles corroborada.

Interessante posição foi a adotada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, relativamente à confissão produzida perante órgão de polícia criminal. Aqui argumentou-se o seguinte: “na

verdade, a confissão policial, por si só, nada significa. Se o juiz na sentença leva em conta a confissão porque ´corroborada por outras provas`, cremos que está considerando ´as outras provas´, pouco tendo em validade, senão nenhuma, a confissão policial. Esta, obtida sem o contraditório, acreditamos ser um nada em matéria probatória. Quando muito, serve de elemento de convicção de acusador para o indício da ação penal” 67.

Assim sendo, relativamente ao valor probatório da confissão, podemos desde já afirmar que este não é absoluto. É, então, por esta razão que o referido Código prevê expressamente no seu artigo 197.º a necessidade de se realizar a efetiva produção de prova, no sentido de se apurar a veracidade das declarações produzidas pelo arguido. Estabelece, assim, o referido artigo que “O valor da confissão se aferirá pelos critérios adotados para os outros elementos

de prova, e para a sua apreciação o juiz deverá confrontá-la com as demais provas do processo, verificando se entre ela e estas existe compatibilidade ou concordância” 68.

Em relação aos pressupostos intrínsecos e extrínsecos para se considerar a confissão como meio de prova, considerando, em primeiro lugar, os intrínsecos, temos a sua verossimilhança, isto é, a probabilidade do facto ter ocorrido tal como foi declarado pelo arguido. Para se preencher este primeiro requisito é, então, essencial que a confissão contenha uma determinada narrativa lógica dos factos.

Necessário é, ainda, que haja certeza da parte da pessoa do arguido quando este confessa o crime, ou seja, quando o arguido confessa os factos tem de ter, verdadeiramente, conhecimento dos mesmos. Assim, os factos narrados pelo arguido devem-se bastar a si próprios, sem carecerem de outros elementos de prova para a sua corroboração. Impõe-se, também, que haja persistência na confissão. Este requisito determina que quando o arguido narra os fatos, deve fazê-lo sempre com a mesma versão, de forma a garantir uma certa coerência narrativa.

67

V. GUILHERME DE SOUZA NUCCI, Código de Processo Penal Comentado,11.ª edição, Editora Afiliada,

fevereiro 2012, p.454.

68 V. ALEXANDRE CABRIAN ARAÚJO REIS, VICTOR EDUARDO RIOS GONÇALVES E EDUARDO SARAIVA, COORDENADOR: PEDRO LENZA, Direito Processual Penal, fevereiro 2012, p.282.

(29)

28 Exige-se, igualmente, que haja coincidência entre a confissão e as restantes provas que constam do processo.

Por último, mas não menos relevante, cumpre referir que o conteúdo da confissão deve estar relacionado com a pessoa do arguido, devendo este assumir a sua autoria. Assim, quando este, por exemplo, aquando da confissão mencionar um terceiro, não se pode considerar a declaração como confissão, mas apenas como testemunho ou delação 69.

Passando agora à menção dos requisitos extrínsecos, devemos referir que a confissão tem de ser sempre pessoal, isto é, só é válida se feita pelo próprio acusado. Encontra-se, assim, vedada a possibilidade de o acusado, aquando das declarações confessórias, se substituir por procurador ou por advogado 70. Exige-se, ainda, que seja expressa e reduzida a termo.

Deve, também, ser livre, espontânea e prestada por pessoa capaz. Por fim, exige-se que seja produzida perante um juiz competente para o efeito.

A relevância destes pressupostos é, especialmente, notória através da consequência da sua violação, que não poderia deixar de ser a invalidade da confissão.

Cumpre a este propósito referir que segundo o artigo 200.º do CPP brasileiro, a confissão é valorada em julgamento, não enquanto prova plena, mas sujeita à livre apreciação do juiz. Determina o referido preceito que: “A confissão será divisível e retratável, sem prejuízo do

livre convencimento do juiz, fundado no exame das provas em conjunto”.

Pelo exposto, podemos verificar que a lei processual penal brasileira admite, claramente, a divisibilidade e retratação da confissão. Isto significa que a confissão, conjugada com os demais elementos de prova, pode ser aceite apenas em parte (divisível) e pode o arguido, após ter confessado o crime, negar a sua declaração no todo ou um segmento dela (retratação) 71. A divisibilidade decorre, assim, da possibilidade de o juiz tomar como verdadeira apenas uma parte da confissão, desconsiderando outra parte. Recorre-se, aqui, ao exemplo de TOURINHO FILHO: “se o réu confirma ter praticado um homicídio e alega que o fez em legítima defesa, o

juiz pode aceitar como verdadeira apenas a admissão de autoria, quando realçada por outros elementos, desprezando a justificação apresentada sem amparo em outras provas” 72.

Por sua vez, a retratação consiste na faculdade de o acusado “desdizer-se, ou seja, de apresentar nova versão, negando a imputação que havia, anteriormente, confessado. Note-se

69

V. GABINETE DE ESTUDOS E OBSERVATÓRIO DOS TRIBUNAIS, ob.cit., p. 79, nota de rodapé 84. 70

V. ALEXANDRE CABRIAN ARAÚJO REIS, VICTOR EDUARDO RIOS GONÇALVES E EDUARDO SARAIVA. COORDENADOR: PEDRO LENZA, ob.cit., p.281.

71 V. GABINETE DE ESTUDOS E OBSERVATÓRIO DOS TRIBUNAIS, ob.cit., p. 79, nota de rodapé 84. 72 V. FERNANDO DA COSTA TOURINHO FILHO, Processo Penal, 33.º Edição, V. III., p.326.

(30)

29 que, admitida a possibilidade de retratação, esta não vincula, todavia, o juiz que, fundado no exame global das provas recolhidas durante a instrução, poderá decidir pela veracidade ou não da confissão retratada 73.

Como já verificámos, não é adequado dar o mesmo valor às confissões extrajudicial e judicial. A primeira é somente um indício de culpa, que necessita de ser confirmada em juízo pelas demais provas, enquanto que a segunda se traduz num meio de prova direto, mas também se exige que seja corroborada por outros elementos probatórios. Isto significa que se houver confissão perante autoridade policial (extrajudicial) e, posteriormente, em juízo, o arguido negar o depoimento por ele prestado, este valerá apenas como indício de prova.

O legislador procurou, assim, assegurar os direitos fundamentais do arguido, não admitindo uma valoração da confissão como prova absoluta e irrefutável.

(31)

30

Itália

Cabe, agora, fazer uma “paragem” no sistema processual penal italiano.

Nos termos do artigo 513.º do Código de Processo Penal italiano, admite-se a valoração das declarações do arguido prestadas anteriormente quando este não compareça na audiência de julgamento ou se recuse a um “exame”, isto é, recuse-se a responder a determinadas questões. Tal como na lei processual penal portuguesa, as declarações podem também ser lidas em audiência de julgamento desde que haja contradições com o depoimento anteriormente prestado (503.º n.º 3 do Código de Processo Penal italiano) 74.

Contudo, para que a valoração das declarações seja admissível, são exigidos alguns requisitos, nomeadamente os estabelecidos no artigo 64.º do Código de Processo Penal italiano. Assim, apenas se podem utilizar as declarações produzidas anteriormente pelo arguido, se este for advertido da possibilidade de não responder aos factos incriminatórios que lhe são imputados e de que, caso opte por prestar declarações, estas podem valer contra si 75.

Cumpre referir que as declarações anteriores podem ser prestadas tanto perante o juiz e Ministério Público, como diante do órgão de polícia criminal. Condição essencial é que se verifique sempre a presença do defensor.

No que respeita ao alcance probatório das declarações confessórias, diz Carlo Tonnarelli que “(...) existe quem entenda que as mesmas podem ser suficientes para a sua condenação, desde

que o juiz, ao abrigo do princípio da livre apreciação das provas, (…) acreditar nas mesmas. Outros entendem que as declarações, mesmo que confessórias exigem evidências que confirmem a veracidade, autenticidade e fiabilidade das mesmas” 76.

Tal como no Brasil, a confissão é, no regime processual penal italiano, passível de ser dividida e retratada.

Note-se, por fim, que nos termos no artigo 192.º do referido diploma, estas declarações não têm efeito probatório pleno, ficando sempre sujeitas à livre convicção do tribunal 77.

74

V. SINDICATO DOS MAGISTRADOS DO MINISTÉRIO PÚBLICO, Parecer relativo ao Antrepojecto de Proposta de

Lei de alteração do Código Processo Penal p. 10, disponível em www.smmp.pt.

75

V. GABINETE DE ESTUDOS E OBSERVATÓRIO DOS TRIBUNAIS, ob.cit., p. 80. 76 Ibidem.

(32)

31

Espanha

Não podemos terminar este percurso pelos sistemas processuais penais, sem antes nos debruçarmos sobre o regime da confissão consagrado em Espanha.

Aqui, tal como nos sistemas supra averiguados, são tomadas precauções específicas para a prova por confissão, designadamente, através da prática de determinadas diligências para apurar a sua veracidade (artigo 406.º da Ley de Enjuiciamiento Criminal - doravante abreviadamente “LEC”). Sabemos que a admissão de culpa, por ser algo contrário à essência do ser humano, deve ser avaliada de forma rigorosa e prudente. É, assim, indispensável que o juiz confronte a confissão com as demais provas existentes nos autos, não podendo, de forma alguma aceitar que esta, isoladamente, possa levar à condenação do arguido. De facto, nem poderia ser de outra forma, uma vez que a admissão de culpa envolve direitos fundamentais em que se inserem o processo legal, a ampla defesa, e até mesmo, o direito à liberdade.

Tal como no ordenamento jurídico português, dispõe o artigo 405.º da LEC que, caso o arguido em audiência de julgamento preste declarações contraditórias com as prestadas anteriormente, poderá atender-se a esta prova para efeitos de valoração em julgamento 7879. Importa, agora, averiguar a solução legal espanhola para o caso de o arguido, após ter prestado declarações em sede de interrogatório, remeter-se ao silêncio durante a audiência de julgamento.

De forma a aprofundar esta matéria, interessa estudar, com maior detalhe, o comentário de GONZALEZ TORRES à sentença do Supremo Tribunal de 30 de março de 2010. A referida decisão vem confirmar a jurisprudência assente relativamente ao valor probatório das declarações do arguido prestadas em fase anterior ao julgamento, quando este se remete ao silêncio.

Assinala-se, no mencionado comentário, que o arguido tem, efetivamente, o direito de utilizar do seu silêncio em cada momento processual, contudo este direito não tem eficácia retroativa. Por outras palavras, não se pode permitir que o arguido apague as declarações já produzidas em momentos precedentes. Assim, quando o arguido se remete ao silêncio em julgamento,

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Contrariamente à Lei Portuguesa, no sistema legal espanhol não se estabelece qualquer distinção perante que entidade foram prestadas essas declarações.

Referências

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