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Novos manuscritos hebraicos

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Academic year: 2021

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Didaskalia

adquiriu lugar de prestígio entre as revistas portugue-sas pelo nível científico dos trabalhos que tem publicado e pela temática preferida. Entre as matérias tratadas, há uma em que esta revista ocupa lugar ímpar: o estudo de manuscritos hebraicos inéditos existentes em Portugal e influências do hebraico na língua portuguesa. Dentro desta temática, publicaram-se: "Línguas Orientais num Manuscrito Português do século XVI", vol. III (1973); "Influências do Hebraico na Língua Portuguesa" vol. IV (1974); "Palavras Hebraicas e Hebraísmos na Língua Portuguesa", vol. VI (1976); "Manuscrito Hebraico e Aramaico em Lisboa", vol. VIII (1978); "Manuscritos Hebraicos na Torre do Tombo", vol. XI (1982).

A publicação destes trabalhos integrava-se de forma natural no projecto de investigação pessoal em que se empenhava o distinto Director de

Didaskalia,

Prof. Doutor Joaquim de Oliveira Bragança, incansável e prestigiado investigador de fontes litúrgicas e outras.

Ao colaborarmos de bom grado neste volume de homenagem a quem marcou indelevelmente, com o seu estilo e exigência, a revista

Didaskalia

parece oportuno, na sequência dos artigos citados, trazer a estas páginas mais uma notícia de um achado de manuscritos que a comunidade judaica deixou em Portugal.

O primeiro signatário destas linhas faz-se acompanhar agora de um especialista em paleografia hebraica, o Dr. Dov Cohen, Rabino da Comunidade Israelita de Lisboa.

O n ú m e r o de manuscritos hebraicos existentes e m Portugal está longe de corresponder à importância que teve a comunidade judaica n o nosso país, antes da expulsão decretada p o r D . Manuel, e m 1496. O desaparecimento quase total da documentação escrita que os judeus pos-suíam na sua própria língua deve-se certamente a esse decreto real e à actividade vigilante e repressiva da Inquisição.

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Perante esta situação de carência de tal documentação, reveste-se sempre de importância o achado de qualquer manuscrito hebraico, i n d e p e n d e n t e m e n t e do seu conteúdo. Considera-se por isso útil dar c o n h e c i m e n t o dos novos manuscritos recentemente descobertos em Viseu, que valem não só p o r serem hebraicos mas fundamentalmente pelo seu c o n t e ú d o .

Circunstâncias do achado

Foram encontrados pelo R v d o . P a d r e j o s é Fernandes Vieira, chefe de redacção do Jornal da Beira. E m busca de antigos números do seu jornal, teve acesso ao espólio bibliográfico que u m antigo director da referida publicação deixara na sua casa e m Sequeiros, C o u t o de C i m a — Viseu, ao ausentar-se para Lisboa, e m 1 9 2 1 E n t r e os papéis e livros antigos que os seus herdeiros confiaram ao referido investigador, foi este deparar c o m o nos informa, c o m " u m exemplar de Ordenações Filipinas, c o m u m arrazoado inicial e m espanhol datado de Lisboa, e m 3 de Janeiro de 1604; c o m diversos imprimatur de J u n h o de 1603 e c o m u m Prólogo ao Lector, este e m português".

O título completo da obra e m questão é o seguinte: " R E P E R T Ó R I O

DAS ORDENAÇÕES NOVAS DE PORTUGAL COM A

CONCORDIA DAS LEYS DE PARTIDA DE CASTELA E

REMISSÕES dos doutores do Reyno que as declarão, per modo

d e A l f a b e t o " . Acrescente-se que a obra t e m o texto completo, embora lhe falte n o frontispício a efígie do Filipe respectivo. Esta c o m o outras obras que ostentavam a figura dos Filipes foram frequentemente mutiladas, após a R e v o l u ç ã o de 1640. Mas para o nosso objectivo o que importa é a encadernação "almofadada" c o m os manuscritos hebraicos, caso semelhante ao que tivemos ocasião de observar, quando demos a conhecer uma série de folhas escritas e m hebraico, que se encontravam n o impaste da capa de u m livro da Sé de Lamego, localizada na T o r r e do T o m b o2.

Estes manuscritos de Viseu estão unidos c o m uma cola farinácea que terá de ser removida para se conseguir o estudo adequado que se impõe,

' Trata-se do C ó n . Dr. José de Almeida Correia, falecido e m 1957.

2 A . N . T . T . , Sé de Lamego n.° 175; A. A. T A V A R E S , Manuscritos Hebraicos na

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mas a descolagem e restauro exigem cuidados e técnicas que nos ultra-passam.

Poderão eventualmente demorar m u i t o t e m p o , se é que alguma vez se realizam. Assim sendo, e antes que se perca o rasto a estes manuscritos, c o m o terá acontecido a outros, parece conveniente dar-se a presente notícia, sem que seja descurado o seu estudo completo q u a n d o as cir-cunstâncias o permitirem.

Aspecto Geral do Manuscrito

Os Manuscritos

Trata-se de três fragmentos distintos, tanto pelo conteúdo, c o m o pela escrita e u m deles até m e s m o pelo idioma:

1. Fragmento da obra filosófica e m hebraico, atribuída ao R A B I M O S H E N A R B O N I , comentário à obra filosófica de Maimónides, G u i a d o s P e r p l e x o s (segundo identificação feita pelo Instituto de Microfilmes de Manuscritos Hebraicos, emjerusalém). Conhecem-se outros manuscritos similares. A obra já foi impressa, primeiramente e m Berlim, e m 1791, e posteriormente e m Viena, e m 1852.

Entre outros, são mencionados neste fragmento Aristo, Ibn Rashad, IbnSina, etc. N u m a passagem, o texto principia c o m a s palavrasilüG "iDft,

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(amar M o s h ê = disse Moisés) introdução às palavras do próprio autor, M o s h ê Narboni3.

O fragmento é composto p o r 14 folhas, escritas na frente e n o verso, entre as quais aparecem as indicações de início dos capítulos 10, 69 e outros.

2. Fragmento de u m comentário ou homilia sobre u m texto bíblico. O autor é desconhecido. C o n h e c e m - s e vários comentadores judeus, aliás b e m famosos, mas o nosso texto não é de n e n h u m desses. Será de algum j u d e u peninsular?

Vejamos à maneira de exemplo u m texto bíblico c o m o respectivo comentário do nosso autor:

" Q u a n d o entrardes na terra que vos vou dar e fizerdes a ceifa, apresentareis ao sacerdote o primeiro feixe de espigas da vossa colheita". (Lev. 23, 10).

O nosso comentador explica:

t a r n i s n i t m a t o m . b N i w y i m w T ü p n n í ó n * a m v n )»NTO i n n b

i n n ^ n w y - i > a n>n> « b m u n n -i>xp o D I O T v s p N i n - c s p n n m

. n r n

Tradução: "Ensina-nos que a oferta tinha de ser da Terra de Israel. E isso

explica-se por causa da época do ano, pois essa colheita é de cevada, visto que a colheita de trigo não se obteria em Israel nessa época do ano".

C o m o vemos, trata-se da oferta das primícias à maneira de sacrifício que se praticava desde o t e m p o da viagem pelo deserto, do Egipto para a Terra Prometida4.

O fragmento c o n t é m 2 folhas escritas e m hebraico, frente e verso. 3. Fragmento de u m tratado de medicina popular que c o n t é m "receitas" para curar diversos males ou doenças. Eis uma dessas receitas que selecionamos p o r nos parecer curiosa:

3 Nascido e m P e r p i g n a n n o final d o século XIII, R a b i M o s h ê N a r b o n i actuou e m

cidades da França, t e n d o depois m i g r a d o para a Espanha v i v e n d o nas cidades de Cervera, Barcelona, Soria, T o l e d o , e finalmente m o r r e n d o e m Burgos e m 1362. Filosofo, físico e m é d i c o , foi autor de cerca de 20 obras filosóficas judaicas, e t a m b é m de vários comentários sobre textos filosóficos islâmicos (A. L. I V R Y , EncyclopaediaJudaica, Jerusalém 1971, vol. X I I , pp. 4 2 2 - 4 2 4 ) .

4 O v o c á b u l o h e b r a i c o "101? o m e r q u e traduzimos p o r "feixe de espigas", para m e l h o r se e n t e n d e r , não é traduzido p o r vários autores, q u e p r e f e r e m transliterar a palavra original.

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TH NQIÜ r w a n a >N W I : » N w i n vh N T O I W N I J I > N

'n p o w n >p >p 103NÜ 'orr hnun pN impa o i t i d >n üttnq^nj

T I O >N U N O H D>A'B'D ' 1 I N » Í 7 I N N N I O H IN P N P M A N I N p N " b N T N W l ^ N l TH 'H 1>N1£) >N - I N J I W N N

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Transcrição:

"Enguento para engrossar as donas magras e é provado. T o m a dez galapados e 'pueros' (?) (põe-nos?) a cozer em água doce, tanto que se desatem e diz-me. Põe em o dito caldo a remolhar 4 selimes (selamins) de trigo e 'puero' (?) (põe ?) a enxugar e põe em 5 gaiolas 10 galinhas e dá a cada galinha meio selime (selamim) do dito trigo, tanto que tornem bem grossas, deixam-as e toma suas enxundas e faz a amolhar untar e se quiser comer a carne, coma-a e maravilhosamente engordará".

Por quanto podemos observar, o texto assemelha-se a u m receituário de "curandeiro" com receitas e mezinhas, o que se integra numa prática de medicina popular bem conhecida por toda a Idade Média e já vem da Antiguidade Clássica e Pré-Clássica, quando uma medicina empírica se misturava com a superstição. Mesmo no Talmud encontramos exemplos de curas populares em expressões como: "estes elementos curam os doentes de seus males: o repolho, o espinafre, o mel e o fígado"5. Este género de tratados são conhecidos em hebraico com o nome de Sefer

Refuot ou também Sefer Segulot.

Este fragmento é composto por 4 folhas escritas em língua portuguesa mas em caracteres hebraicos, na frente e no verso.

Em resumo:

São três os manuscritos, diferentes na caligrafia e no conteúdo. Os dois primeiros têm uma bela caligrafia, tipicamente Sefardí, isto é, de origem ibérica, e própria de u m escriba profissional. D o terceiro já não se pode dizer o mesmo, pois apresenta um hebraico cursivo de carácter mais popular.

Não é possível propor datas, mas como referimos no início, estas folhas foram reutilizadas na capa de u m livro de 1603. São por isso, na pior das hipóteses, do século XVI. Considerando porém o que foi esse período de restrições e perseguições para os judeus, será legítimo pensar que são anteriores ao decreto de expulsão. Esta observação vale principalmente para os dois primeiros manuscritos.

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T a m b é m quase nada podemos dizer dos autores de dois dos nossos manuscritos. Curiosamente identificam-se aqui e acolá alguns nomes próprios, como por exemplo o n o m e Fernando, no terceiro manuscrito, mas não se encontram elementos suficientes sobre quem escreveu, ou a quem pertenceram.

Dos três manuscritos, o último reveste-se de especial interesse pelo seu conteúdo: pela primeira vez se encontrou em Portugal u m texto escrito em hebraico, extraído de u m "tratado" ou "receituário" de medicina popular. O autor foi certamente u m j u d e u português e não castelhano, porque escreve exclusivamente na nossa língua, sem fazer uso de expressões castelhanas, embora usando caracteres hebraicos6. Esta aljamia poderá significar que o autor não sabia utilizar livremente os caracteres latinos e por isso tinha de se servir daqueles que conhecia e que lhe eram familiares, de uso nas suas orações, estudos e práticas religiosas.

Neste último manuscrito o vocabulário é arcaico. Notemos por exemplo o caso de "selamim" que é a 16a parte do alqueire, ou o uso da palavra "enxundas", naturalmente a designar os "miúdos" da galinha, e de outras. Mas não há dúvida quanto ao essencial: propõe-se a cura da ma-greza feminina com a carne de galinha. Caldos de galinha já eram aconselhados na Idade Média e ainda nos nossos tempos, nalgumas regiões, para as parturientes. N ã o haveria na época a preocupação em emagrecer, pois a gordura era sinal de formosura. Hoje, como sabemos, passa-se o contrário.

A . A U G U S T O TAVARES D o v C O H E N

61 . Tishbi, ao descrever u m m a n u s c r i t o hebraico e n c o n t r a d o na Gueniza d o Cairo,

escrito e m Portugal n o ano de 1501, assinala a o r i g e m castelhana d o autor, baseando-se na escrita das palavras ' O s Estaos' n o texto, q u e transcrita d o hebraico se lê 'Los Estaos' (I. T H I S H B Y , Messianism in the Time of the Expulsion from Spain and Portugal, Jerusalém 1985, p. 15). E m alguns manuscritos pertencentes ao s e g u n d o signatário destas linhas, datados d o fim d o século X V I , escritos e m p o r t u g u ê s e m caracteres hebraicos, nota-se curiosamente u m a mescla dos dois idiomas. N o e n t a n t o , na sua m a i o r parte, o idioma p r e d o m i n a n t e é o p o r t u g u ê s , e m b o r a apareçam algumas expressões e m castelhano c o m o 'EL D I O ' , e outras.

E m outra aljamia de 1474, o autor é capaz de, n u m a m e s m a frase, escrever " e m b e n ç ã o de m i n h a madre e e m graça de m i n h a ermanda" ( A . N . T . T . , C o r p o C r o n o l ó g i c o , parte III, m a ç o 1, doe. 7).

Referências

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