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A comunicação do golpe: A consciência e uso de técnicas de comunicação social pelo bloco-histórico modernizante-conservador na construção da hegemonia em torno do golpe de 1964

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A comunicação do golpe:

A consciência e uso de técnicas de comunicação social pelo bloco-histórico

modernizante-conservador na construção da hegemonia em torno do golpe

de 1964.

Communication of the coup: Awareness and use of technical of communications by the block-historic modernizing-conservative in the construction of hegemony around the 1964 coup.

Tiago Eloy Zaidan

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Resumo:

Em meio ao acirramento do embate ideológico entre os blocos-históricos reformista – apoiado pelos movimentos sociais – e o modernizante-conservador – liderado por tecnocratas de interesse multinacional e associado – o último valeu-se de organizações como o Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (IPES) e o Campanha da Mulher pela Democracia (CAMDE) como mediadores para a utilização, com eficiência, de técnicas de comunicação no intento de desarticular a sustentação de Jango na presidência e pavimentar um golpe de direita no país. A mesma consciência da importância do uso da comunicação pela intelectualidade orgânica burguesa, que a aproximou de profissionais da mídia, levou os intelectuais orgânicos da burguesia a ações de pressão e perseguição, engendrada contra aqueles profissionais da comunicação que não compartilhavam, ao menos no tanto que o IPES ansiava, com a causa antirreformista e anticomunista.

Palavras-chave: Processos sociais da comunicação, Disputa de hegemonia na mídia, Golpe de Classe.

Abstract:

Amid the worsening of the ideological confrontation between the reformist groups, supported by social movements - and modernizing-conservative - led by technocrats with interest multinational and associated - the latter had the support of organizations like the Institute for Research and Social Studies (IPES) and the Women's Campaign for Democracy (CAMDE) as mediators for use, with efficiency, techniques of communication in the attempt to disarticulate Jango of the presidency and pave a conservative coup in the country. The same awareness of the importance of communication that brought the bourgeoisie to the media professionals, too has led the organic intellectuals of the bourgeoisie the actions of pressure and harassment, made against those professional communication that not agreed, as wanted the IPES, with the cause of opposition to communism and the reforms.

Keywords: Social processes of communication, Dispute hegemony in the media, Coup of class.

Introdução

1 Tiago Eloy Zaidan - mestre em Comunicação Social pela Universidade Federal de Pernambuco e

professor titular dos cursos de Publicidade e Propaganda e Administração da Escola Superior de Marketing ESM / FAMA (Recife – Pernambuco)

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O objeto central do presente estudo é a participação dos meios de comunicação social, através de esforços propugnadores, na formação de um consenso em torno da articulação e da legitimação do golpe de Estado de 1964.

O ano de 1964 marcou, no Brasil, o acirramento definitivo do embate ideológico entre blocos-históricos antagônicos. De um lado, o bloco reformista de Leonel Brizola e Miguel Arraes, apoiado pelos movimentos sociais. Do outro, o bloco modernizante-conservador, liderado por tecnocratas de interesse multinacional e associado.

Na primeira metade da década de 1960, aparatos de divulgação visaram o fortalecimento do movimento golpista que viria a desestabilizar o governo de Goulart, a essa altura já considerado comunista (BRANDÃO, 2001, p.41). O Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais (IPES), lançado oficialmente no dia 29 de novembro de 1961 (DREIFUSS, 1986, p.163), foi uma das principais organizações geridas pela ala intelectual modernizante-conservadora a utilizar, com eficiência, técnicas científicas de comunicação no intento de desarticular a sustentação de Jango na presidência e pavimentar um golpe de direita no país.

A expressão “hegemonia” (ou “consenso”), utilizado neste trabalho, é explicada por Coutinho (1992) – que por sua vez, baseia-se na teoria gramsciana – como “recurso principal da ação política”, a partir do “aparecimento na esfera pública de múltiplos interesses organizados” e da ampliação da “teoria do Estado” herdada de Marx, visando “dar conta de novos fenômenos que a socialização da política – ou seja, o processo de democratização – introduzira na vida social” (COUTINHO, 1992, p.26).

É apropriado frisar a importância da conquista do consenso como pressuposto necessário à ascensão de uma determinada classe – desejosa do posto de classe dominante – e a igual pertinência da batalha das idéias com vistas à manutenção da hegemonia para as classes que já ascenderam ao posto de grupo dominante. A obtenção de tal consenso passa por uma paciente disputa de posições que envolvem aspectos culturais, transmissão de idéias e educação.

A exposição da mídia como protagonista e a análise de tal fenômeno, a partir do recorte do objeto da pesquisa, contribui com o aprendizado e com a percepção dos indivíduos do “modo como a cultura da mídia transmite representações opressivas de classe (...) capazes de influenciar pensamentos e comportamentos”, tornando-os capacitados para “manter uma distância crítica em relação às obras da cultura da mídia e, assim, adquirir poder sobre a cultura em que vivem”, o que ajudará “a induzir os

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indivíduos a participarem de movimentos políticos radicais que lutem pela transformação social” (KELLNER, 2001, p.83).

Consciência da importância da Comunicação

A consciência por parte de membros da intelectualidade orgânica burguesa, da importância do uso da comunicação social como instrumento de disputa de hegemonia pode ser verificada já na primeira metade da década de 1950, quando o tecnocrata e empresário anticomunista Paulo Ayres Filho agiu, de forma vanguardista na defesa dos interesses de sua classe. Na ocasião, Ayres Filho, motivado pelo preocupante movimento de democratização fundamental, inspirou-se na Foundation of Economic

Education, de Nova York, para iniciar uma embrionária distribuição de panfletos entre

amigos, que pregavam tópicos de seu interesse, como a restrição da participação do Estado na economia. Paulo Ayres Filho, que havia ocupado o posto de diretor do Banco do Brasil na gestão Jânio Quadros, dava-se, inclusive, ao trabalho de traduzir tais impressos confeccionados pela instituição nova-iorquina, antes da distribuição (DREIFUSS, 1986, p.162-163).

Também Brandão (2001, p.40) revela que, “desde a metade da década de 50, as forças de direita buscaram nas técnicas e na dominação de Relações Públicas uma forma de divulgação mais persuasiva e menos explícita do que a conhecida ‘propaganda política’...”.

Mais tarde, com o advento do Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais (IPES), um de seus líderes, o afamado escritor José Rubens Fonseca, militante do bloco modernizante-conservador, sintetizou a importância da utilização de técnicas de comunicação social e de grupos de mídia, especialmente os impressos, para os intentos do IPES, apontando-os como instrumentos para a ocupação do cerne da discussão ideológica e política (DREIFUSS, 1986, p.234).

O IPES, propugnador das causas intelectuais orgânicas às classes dominantes, lançado oficialmente no dia 29 de novembro de 1961 (DREIFUSS, 1986, p.163), foi uma das principais organizações geridas pela ala intelectual conservadora a utilizar, com eficiência, técnicas científicas de comunicação no intento de desarticular a sustentação de Jango na presidência e pavimentar um golpe de direita no país.

Outros membros dos quadros da burguesia modernizante-conservadora, da mesma forma, citaram a comunicação como necessária. É o caso do intelectual orgânico Arlindo Correia, citado pro Dreifuss, que sagrava a comunicação, mais precisamente a

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publicidade, como elemento basal na conquista de estratos da classe média na lida contra “o avanço comunista”. No ensejo, Corrêa chegou a comemorar o fato de que “a classe média não fica totalmente infensa às emoções sócio-políticas, se elas contiverem um elemento de aparente racionalismo” (CORREIA, 1962, p.3-4 apud DREIFUSS, 1986, p.292). Correia propugnou, ainda, a utilização da mídia, a distribuição de panfletos e, em um estágio posterior, a organização de comícios públicos.

Na mesma linha, em um dos filmes de curta metragem divulgados pelo IPES, intitulado Conceito de empresa, é recomendado: “utilize as armas do inimigo. Lance mão de palestras de esclarecimento, gravações, o rádio, a televisão e a força mais eficiente e direta de propaganda moderna: o cinema” (ASSIS, 2001, p.26).

A conseqüência natural da consciência da importância do uso da comunicação pela intelectualidade orgânica burguesa foi a aproximação de militantes do bloco modernizante-conservador com profissionais da mídia, especialmente da televisão, como produtores, atores e diretores. Por outro lado, a mesma consciência levou os intelectuais orgânicos da burguesia a ações de pressão e perseguição, engendrada contra aqueles profissionais da comunicação que não compartilhavam, ao menos no tanto que o IPES ansiava, com a causa antirreformista e anticomunista do estrato burguês hegemônico. Inserto nesse bojo, esteve o colunista humorístico conhecido por Arapuã, que assinava materiais, considerados inadequados pelo IPES, no jornal Última Hora. O posicionamento do profissional acarretou na sua saída do jornal, em 1962 (DREIFUSS, 1986, p.248-249). O próprio jornal Última Hora foi vítima de boicote, chegando, por isso, “... a circular naqueles tempos com minguadas quatro páginas” (ASSIS, 2001, p.60).

As pressões não se restringiam aos profissionais da imprensa, estendendo-se aos próprios veículos de comunicação. Aqueles que não se posicionavam da forma como qual aguardava os intelectuais orgânicos da elite, minoravam comercialmente, fruto de pressões exercidas sobre os anunciantes (DREIFUSS, 1986, p.297); pressões essas engendradas, de maneira especial, pelo Instituto Brasileiro de Ação Democrática (IBAD) e pela Campanha da Mulher pela Democracia (CAMDE) – entidade criada em 1962 e considerada o braço feminino do IPES –, prejudicando, sobremaneira, os veículos pró-reforma e de orientação esquerdista, desequilibrando, terminantemente, a disputa por hegemonia na mídia. Tal ação estratégica engendrada pela burguesia leva ao extremo a assertiva de Domenico Losurdo (2006, p.246) de que “A difusão em massa da

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teoria revolucionária, ou melhor, de uma teoria crítica da sociedade, é obstaculizada de vários modos pela classe dominante”.

Somadas a tais pressões no campo da comunicação, ações também foram concebidas contra empresas e entidades que, da mesma forma, não se alinhavam aos intelectuais burgueses hegemônicos, que, por seus turnos, valeram-se da mídia para exercer várias de suas campanhas de direcionamento da opinião pública contra os não agrupados em torno do bloco-histórico liderado pelo estrato multinacional e associado da burguesia.

Por sua atuação, convergente com interesses multinacionais e associados, diretoras da CAMDE foram convidadas pelos partidos Republicano e Democrata a conhecerem os Estados Unidos e algumas das suas instituições. Ainda foram protagonistas de uma edição especial da revista Reader’s Digest (ASSIS, 2001, p.60), tradicional aliada da política exterior estadunidense.

Os objetivos basais do composto de atividades ideológicas empreendidas pelos intelectuais orgânicos hegemônicos do bloco modernizante-conservador eram, dentre outros: “... causar um impacto ideológico em públicos selecionados e no aparelho do Estado”, “... infundir ou fortalecer atitudes e pontos de vista tradicionais de direita...”, incitar “... percepções negativas do bloco popular nacional-reformista” (DREIFUSS, 1986, p.231) e influenciar e agregar os diversos estratos das classes dominantes e até mesmo de outros grupos, como a classe média, obtendo um consenso em torno do bloco modernizante-conservador, sob a sua liderança. A assimilação de grupelhos contendores, interiores à própria classe dominante, e de frações das camadas subalternas eram imprescindíveis à formação de um consenso mínimo, sem o qual se tornava inviável a manutenção do poder de Estado em longo prazo, pois, valendo-se de coerção, somente, não era possível a manutenção da posição pela classe que almejava a hegemonia.

Constava ainda, assinalado como “em curto prazo”, o objetivo da destituição do presidente da república, João Goulart, e o refreamento das mobilizações populares acarretadas pelo processo denominado por Paulo Freire de “democratização fundamental”.

Já os discursos capitais adotados pelos intelectuais orgânicos hegemônicos do bloco modernizante-conservador abrangiam: ataques à oligarquia rural, ao comunismo, ao socialismo e à corrupção do populismo – no caso dos três últimos, apresentados em conjunto, acabavam relacionados entre si, perante a opinião pública – e a defesa do

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argumento que arrolava a relativa prosperidade do Brasil e as melhorias nos padrões de vida da população à iniciativa privada, em detrimento dos métodos socialistas e de intervenção estatal (DREIFUSS, 1986, p.231-232).

Uso de técnicas de Comunicação

A gama de artifícios empregada pelos intelectuais orgânicos modernizante-conservadores era ampla e extrapolava as técnicas de comunicação social propriamente dita. Dentre os iniciativas e canais mais utilizados na lida pela conquista de um mínimo de hegemonia necessário para a pavimentação do golpe de Estado de abril de 1964 estiveram: a publicação e divulgação de livros, panfletos, jornais, revistas e folhetos; a realização de palestras, simpósios, conferência através da imprensa e debates públicos; o emprego de filmes, peças teatrais, desenhos animados e programas e propagandas em emissoras de rádio e televisão; e, finalmente, as publicações de artigos e informações de interesse em jornais (DREIFUSS, 1986, p.232), que, unidos, representavam grande circulação.

Em tais empreendimentos, diretamente relacionados à mídia ou não, os intelectuais orgânicos da elite valeram-se do apoio e / ou acordo com diversas editoras – que em muitos casos contribuíram com o acolhimento de trabalhos oriundos de entidades propugnais de classe, como o IPES –; artistas de cinema, televisão e de teatro; literatos, dentre os quais José Rubens Fonseca, como já visto, Raquel de Queiroz e Nélida Piñon (DREIFUSS, 1986, p.234); e profissionais e especialistas das mais variadas habilitações da comunicação social, como relações públicas, jornalistas, publicitários e cineastas, além de agências publicitárias multinacionais de grande porte.

Uma das atividades exercidas por literatos e intelectuais, como Raquel de Queiroz, constituía no trabalho de adaptação da linguagem de materiais destinados a empresários e políticos a um público mais vasto; atividade essa que contou ainda com o apoio de jornalistas como Wilson Figueiredo, do Jornal do Brasil (DREIFUSS, 1986, p.234).

Na parceria com as editoras, por sua vez, o IPES valeu-se, com relativa freqüência, da estratégia da compra de lotes de impressos cujos conteúdos eram propugnais à causa do bloco modernizante-conservador, viabilizando-o, assim, comercialmente. Esse foi o caso da obra Pluralismo e liberdade, de autoria do empresário e jurista Miguel Reale, lançado em 1963 pela editora Saraiva (DREIFUSS,

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1986, p.237). As compras eram feitas direta ou indiretamente – por meio de outras entidades integradas por membros do IPES – e possibilitavam, em alguns casos, o advento de livros que, sem apoio, possivelmente representariam prejuízos imódicos às casas editoriais.

Marcante foi a publicação do notabilizado livro UNE - Instrumento de

subversão, de Sônia Saganfredo, publicado em São Paulo, pela G.R.D. editora, sob

subvenção do IPES e, até mesmo, ajuda americana, o que possibilitou um preço de capa modesto, de modo a contribuir para a popularização da obra (DREIFUSS, 1986, p.289-290). Seu conteúdo, fortemente permeado por deferimentos ao movimento estudantil, integrou o bojo da campanha intelectual orgânica burguesa contra as mobilizações nacional-reformistas empreendidas por estudantes, principalmente o segmento universitário.

Contam entre os títulos divulgados pelo IPES, os exemplos citados por Denise de Assis (2001, p.23): Continuísmo e comunismo, de Glycon de Paiva; Como os

vermelhos preparam uma arruaça, de Eugene H. Metherin; As defesas da democracia,

de Gustavo Corção, e o clássico 1984, de George Orwell.

Ainda no campo editorial, a intelectualidade orgânica à burguesia agia por meio do Instituto Universitário do Livro (IUL), criado em 1962 pelo IPES com vistas a atuar na distribuição de livros a um baixo custo, e a publicação e divulgação de obras – livros folhetos e apostilas – coerentes com a política ideológica do IPES.

Imbuídos nos propósitos do bloco modernizante-conservador, os grupos de mídia, mormente, também desempenharam papéis fundamentais, conferindo visibilidade às causas da intelectualidade orgânica à elite e, em certa medida, amplificando – com as suas coberturas – as mobilizações dos estratos da classe média alinhados e aparelhados pelo complexo IPES/IBAD. Mantinham, diretamente ou por intermédio de algum membro diretor, relacionamento com o complexo, grupo importantes como os Diários Associados – do magnata Assis Chateaubriand, proprietário de rádios, jornais e emissoras de televisão –, a Folha de São Paulo – cujo gestor, Octavio Frias, era associado ao IPES –, O Estado de São Paulo – Membro de um grupo que detinha ainda o Jornal da Tarde e a rádio Eldorado de São Paulo –, O Globo – de propriedade do grupo de Roberto Marinho, que possuía ainda a rádio Globo, de alcance e influência amplificada –, o Jornal do Brasil, a Tribuna da Imprensa – o qual um dos sócios era o político conservador Carlos Lacerda –, o Correio do Povo, do Rio Grande do Sul, e as emissoras de televisão Record e Paulista (DREIFUSS, 1986, p.233).

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O impresso O Globo distinguiu-se dentre os demais veículos midiáticos brasileiros em sua relação “harmoniosa” com a organização Campanha da Mulher pela Democracia (CAMDE), promovendo-a e dando visibilidade às suas causas e ações. Foi, inclusive, no auditório do jornal O Globo, no Rio de Janeiro, que se engendrou a primeira reunião da CAMDE.

Em O Globo, ainda, eram produzidas e publicadas, como notícias, matérias sem qualquer indicação de fonte, ao passo em que na Tribuna da Imprensa as páginas do periódico foram disponibilizadas ao IPES para a publicação, sem atribuição de autoria, inclusive, de artigos (DREIFUSS, 1986, p.233).

Já os jornais paulistas O Estado de São Paulo e Folha de São Paulo, no ensejo do XXIII Congresso Anual da União Nacional dos Estudantes (UNE), realizado entre 22 e 28 de julho de 1963, em Santo André (SP), agiram com especial hostilidade, destacando-se inclusive, dentre os veículos, que, de forma geral, também reagiram negativamente, publicando conteúdos adversos ao movimento dos estudantes e a mobilização de Santo André (DREIFUSS, 1986, p.285).

A “Marcha da Família com Deus Pela Liberdade” foi observada com entusiasmo pelo jornal Folha de São Paulo, em cuja manchete de capa do dia 20 de março de 1964 anunciou: “São Paulo parou ontem para defender o regime”. Ato contínuo à chamada, lê-se:

A disposição de São Paulo e dos brasileiros de todos os recantos da pátria para defender a constituição e os princípios democráticos, dentro do mesmo espírito que ditou a revolução de 32, originou ontem o maior movimento cívico já observado em nosso Estado: a ‘Marcha da Família com Deus, pela Liberdade’ (PRIMEIRA PÁGINA, 1985, p.59).

É sabido que após a renúncia de Quadros o país assistiu a intensas movimentações contrárias e favoráveis à posse do vice-presidente eleito. A despeito disso, o tradicional Jornal do Commercio, lançado em 1827 no Rio de Janeiro, anunciou – em 30 de agosto – em editorial: “Notícias dignas de crédito, procedentes de todo o país, informam que está assegurada a ordem pública sem necessidade de adoção de providências extraordinárias. (...). Só há um homem neste país que procura criar um clima diferente: o governador...” (SANDRONI, 2007, p.478). A crítica do jornal é destinada ao gestor gaúcho Leonel Brizola, líder da “rede da legalidade”.

No mesmo editorial é afirmado ainda: “as Forças Armadas mantêm-se vigilantes e com um único propósito: assegurar a ordem interna, o respeito à propriedade privada e a tranqüilidade da família brasileira neste transe difícil” (SANDRONI, 2007, p.479).

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O Jornal do Commercio, em sua edição de 14 de março de 1964, também desfere críticas a posição de Goulart durante o comício da Central do Brasil, realizado no dia anterior. Postura diferente da adotada diante da manifestação do bloco modernizante-conservador, a “Marcha da Família com Deus pela Liberdade”, empreendida em 19 de março. Dois dias após a Marcha, esta ainda é louvada pela publicação:

Anteontem, em São Paulo, uma das mais populosas cidades do mundo, todo um povo saiu às ruas em nome de Deus e da liberdade. A passeata, sob a égide do apóstolo do Brasil, José de Anchieta, foi um movimento coletivo que incluirá o 19 de março, dia de São José, no calendário cívico do Brasil. Mais adiante é dito:

O povo paulista não saiu às ruas para fazer uma revolução, mas precisamente, para demonstrar, por simples ato de presença, que o governo jamais poderá impunemente fazê-la, pois a força popular, o sentimento nacional mobilizar-se-á contra a arruaça com a mesma facilidade com que armou aquela passeata pacífica (SANDRONI, 2007, p.482).

Após o evento ocorrido entre os dias 31 de março e 1º de abril de 1964, quando o governo Goulart é derrubado, o Jornal do Commercio segue a linha golpista, ao afirmar, em primeira página, no editorial “Primeiro limpar”, no dia 2 de abril: “Livrou-se o país de uma era de pesadelo. É preciso consolidar es“Livrou-se triunfo” (SANDRONI, 2007, p.485). Tal consolidação viria em 9 de abril, com a decretação de um Ato Institucional, episódio também gabado pelo jornal:

O Ato Institucional ontem firmado pelos três ministros militares é um mal necessário. Nenhum democrata acolhe com entusiasmo providências drásticas, limitativas dos direitos e garantias individuais. Mas o que ora ocorre neste país é o resultado de três anos de caos onde a incompetência disputou a com [sic] cupidez um campeonato trágico (SANDRONI, 2007, p.486).

Da mesma forma, o Jornal do Commercio apoiou a escolha do General Humberto de Alencar Castelo Branco para presidente do país, em meio ao novo regime. É mister frisar que desde 1959 tal veterana publicação integrava as organizações Diários Associados, do magnata Francisco de Assis Chateaubriand Bandeira de Mello.

Chateaubriand e seus impressos e emissoras cumpriram – especialmente a partir de 1963 – importante papel no desequilíbrio da disputa de hegemonia entre os blocos-históricos articulados na época. O proprietário dos Associados, segundo publicação institucional editada pela própria Fundação Assis Chateaubriand, “... preparava a

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opinião pública – através de seus artigos diários e da atuação dos Diários Associados –, para a necessidade de um basta à radicalização pregada por Brizola e pelos chamados ‘Generais do povo’” (CARNEIRO, 1999, p.432).

A popular revista O Cruzeiro, importante mídia controlada pelo grupo, colaborou com os esforços contra João Goulart veiculando uma série de artigos de autoria de David Nasser denunciando “atos antidemocráticos do regime janguista” e reportagens de Glauco Carneiro, direto do nordeste, desferindo críticas às Ligas Camponesas de Francisco Julião e até mesmo a Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (Sudene), responsabilizando-as pelo “... clima de intranqüilidade instaurado na região...” (CARNEIRO, 1999, p.432).

Em 1963, o repórter de O Cruzeiro, Glauco Carneiro, participou de dois concursos de monografias realizadas pelo Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (IPES), obtendo o primeiro lugar na categoria “Jornalista”, e o segundo na categoria “Universitário” (CARNEIRO, 1999, p.432).

Não havia dúvidas quanto às convicções do controlador da revista O Cruzeiro e do Jornal do Commercio. Ainda segundo o livro editado pela Fundação Assis Chateaubriand, “Se havia personalidade no Brasil que jamais poderia ser acusada de anti-americana era Chateaubriand, que desde os anos 20 era apontado como elemento a serviço daqueles interesses” (CARNEIRO, 1999, p.434).

O apoio do magnata das comunicações seguiu-se mesmo após o êxito do movimento articulado pelo bloco modernizante-conservador, culminando com a Campanha do Ouro para o bem do Brasil, em que os Associados convocaram os brasileiros a doarem jóias para o governo militar, sob a pecha de, assim, auxiliar no pagamento da dívida externa. As sedes dos jornais e emissoras da organização serviram de postos de recolhimento da campanha (CARNEIRO, 1999, p.432-433).

Mais tarde, ironicamente, Chateaubriand e João Calmon – quadro de confiança do empresário e presidente da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (ABERT) –, tornaram-se avessos ao novo regime por se julgarem prejudicados pela política modernizante-conservadora, ligada aos interesses dos conglomerados de comunicação norte-americanos. É desta época o ilegal acordo entre a TV Globo das organizações Roberto Marinho e a estadunidense Time-Life, denunciada por João Calmon, sem, todavia, resultados concretos. A questão remete a 1962, data do acordo obscuro entre Roberto Marinho e o grupo Time-Life. A legislação do Brasil não permitia a entrada de capital estrangeiro nos meios de comunicação. Por esse motivo, o

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investimento do grupo estadunidense se fez de modo indireto. O grupo Abril, de Victor Civita também foi acusado de manter associação ilegal com a Time-Life; contravenções estas, supostamente acobertadas pelo regime golpista, sabidamente pró-Estado Unidos.

Em 30 de julho de 1967, Assis Chateaubriand desabafaria: “... em março de 1964, O Cruzeiro havia perdido 70 % da sua publicidade estrangeira. Victor Civita, que se fez neutro, recebera quase tudo para ele. Ficou sendo o grande beneficiário da revolução...” (CARNEIRO, 1999, p.438).

Dreifuss (1986, p.233 - 234) cita ainda os jornais: Diário de Pernambuco – de Recife, que publicava a coluna anticomunista Periscópio, de autoria de Paulo Malta – e os paranaenses: Diário do Paraná e Imprensa Nova.

Embora fosse considerado relativamente liberal e se proclamasse partidário da reforma agrária, o jornal Correio da Manhã, matutino carioca fundado em 1901, por seu turno, em seu editorial do dia 14 de março de 1964 não se furtou a proferir críticas aos atos de João Goulart durante o comício da Central do Brasil, realizado no dia anterior: “... acrescentamos o desejo de que o comício de ontem fique sendo o último dessa espécie. Pois o país precisa de trabalho e de segurança e não de comícios que só fazem contribuir para a intranqüilidade geral” (ANDRADE, 1991, p.15).

Antes, em 8 de março de 1964, o mesmo jornal havia publicado, também em editorial:

Ainda se continuam ampliando os setores radicais da esquerda e da direita, com o fim quase confessado de eliminar o centro, isto é, amordaçar todos aqueles que não rezam pela cartilha revolucionária nem pela cartilha fascista. Querem fazer desaparecer as forças do equilíbrio. Querem obrigar o país a desabar por um lado ou por outro lado (ANDRADE, 1991, p.17).

As vésperas do golpe, a postura vacilante do Correio da Manhã foi substituída por uma oposição aberta ao presidente, como demonstra os editoriais “Basta!” e “Fora!”, veiculados, respectivamente, em 31 de março e 1º de abril de 1964, “ambos refletindo praticamente a posição de toda a imprensa brasileira, que, (...) estava contra Jango” (ANDRADE, 1991, p.24).

Aqui, Goulart é acusado de levar a cabo uma política que estaria “perturbando uma nação em desenvolvimento, e ameaçando de levá-la a guerra civil”. O desfecho do editorial “Basta!” é inequívoco: “O Brasil já sofreu demasiado com o governo atual. Agora, basta!”. Incisivo da mesma forma é o primeiro parágrafo do editorial “Fora!”: “A nação não mais suporta a permanência do sr. João Goulart à frente do governo. (...). Só há uma coisa a dizer ao sr. João Goulart: saia”(ANDRADE, 1991, p.25).

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No Estado do Ceará, Márcia Vidal (1994, p.56) faz saber que o periódico O Povo, o mais influente órgão da imprensa local em meados da década de 1960, envolvia-se ativamente na política, tomando partido por facções, especialmente as convergentes com os interesses da agremiação conservadora União Democrática Nacional (UDN). A autora chega a citar que tal posicionamento político aberto, em períodos eleitorais, prejudicava financeiramente o jornal, pois, em conseqüência da insatisfação dos aliados a outros partidos, a circulação de O Povo sofria redução, o que refletia nas precárias condições de trabalho a qual eram submetidos os seus funcionários, profissionais da comunicação.

Os baixos salários impingiam aos jornalistas a busca por fontes suplementares de renda. “Muitos enveredavam pelo ramo das relações públicas que estava na moda à época, embora a maioria não soubesse direito em que consistiam as relações públicas”(VIDAL, 1994, p.56).

Em depoimento a José Antonio Pinheiro Machado, o herdeiro e diretor da Companhia Jornalística Caldas Júnior – que controlava a rádio Guaíba e o jornal Correio do Povo, ambos gaúchos –, o jornalista Breno Caldas (1987, p.79) afirma ter tido boa relação com os presidentes militares; e vai além:

A revolução de 1964, de um certo modo, contou com a nossa participação, ou pelo menos com a nossa simpatia. O pessoal que foi ao poder em 1964... não é que fosse ligado a nós – nós não tínhamos ligações políticas com ninguém –, mas eram pessoas afinadas conosco, estávamos no mesmo caminho (CALDAS e MACHADO, 1987, p.78).

Anos antes, em 1961, a rádio Guaíba foi protagonista do episódio da “rede da legalidade” liderada pelo então governador do Rio Grande do Sul Leonel Brizola, que encampou a emissora, ainda que sob protestos de Breno Caldas, como parte dos esforços em propugnação à posse de João Goulart, após a renúncia de Jânio Quadros.

Em São Paulo, agregou-se à lida doutrinadora do IPES o recém-criado jornal

Notícias Populares, lançado pelo empresário Herbert Levy, ligado ao IPES e a

agremiação conservadora União Democrática Nacional (UDN). Voltado para o nicho de leitores de baixa renda e de classe média baixa, o Notícias Populares propôs-se a batalhar por posições, com vistas ao consenso em torno do bloco burguês, no interior do grupo à qual destinava-se, o de consumidores de mídias populares.

Somado a uma vasta de rede mídias, especialmente impressas, de portes distintos, espalhados pelo Brasil, o IPES contava, da mesma forma, com o apoio de agências de notícias, fundamentais da disseminação dos materiais da intelectualidade

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orgânica burguesa pelos meios de comunicação dos confins do país; chegou, até mesmo, a administrar uma agência, a Planalto, que fornecia, gratuitamente, conteúdo para impressionantes 800 jornais e emissoras de rádio pelo Brasil (DREIFUSS, 1986, p.235). O IPES, ao mesmo tempo, produzia, editava e publicava materiais impressos próprios, bem como financiava, traduzia e distribuía o que lhe fosse de interesse. Muitas das publicações da intelectualidade orgânica da elite não eram identificadas como vinculada ao IPES, visando preservá-lo. Apenas aquelas harmônicas a um instituto de pesquisa configuravam a exceção a não identificação. No portfolio da entidade, livros, livretos, cartilhas, revistas, folhetos e panfletos exibiam mensagens ideológicas pertinentes à causa do estrato dominante hegemônico no bloco burguês, ora por meio de conteúdos deturpados, ora por meio de “... mentiras declaradas ou ficção” (DREIFUSS, 1986, p.236).

Da mesma forma, a CAMDE, além de contribuir na distribuição dos materiais oriundos do complexo IPES / IBAD, igualmente produzia os seus próprios impressos; estes, destinados especialmente às cônjuges de militares, de servidores públicos e de integrantes de entidades sindicais orientadas pelo trabalhismo.

A organização Campanha da Mulher pela Democracia, aliás, incumbia-se da exibição de faixas com dizeres anticomunistas e competentes pôsteres de apelo emocional, dentre os quais, um em que é visualizada uma criança “... conclamando os cidadãos a votarem ‘em um Democrata para que amanhã eu possa ainda ser livre’” (DREIFUSS, 1986, p.297), além de contribuírem com conferências e reuniões públicas doutrinadoras.

Entre os exemplos de materiais impressos produzidos ou subsidiados, em, ao menos, uma das etapas da cadeia de produção, pelo complexo IPES / IBAD, esteve: a

Cartilha para o Progresso – com tiragem de mais de um milhão de cópias, distribuídas

como encarte na edição dominical de diversos jornais brasileiros e como suplemento de revista, versando positivamente sobre a Aliança para o Progresso –, e revistas de aparência acadêmica – como a Cadernos Brasileiros, Convivium e Síntese, destinada a públicos julgados como relativamente intelectualizado. Em contraposição, destinado ao dilatado segmento da população com habilidade de leitura limitada, as mensagens propugnais aos valores da iniciativa privada e de oposição ao comunismo do complexo IPES / IBAD eram adaptadas em cartuns e charges.

Crianças e adolescentes de classe média também eram visadas pelo IPES, que as distinguiam como possíveis condutoras de mensagens ideológicas aos pais. Foi imbuído

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desse propósito que o IPES de São Paulo viabilizou a distribuição na rede escolar do impresso Uma escola social, de Dom Emílio Jordan, dentre outros materiais (DREIFUSS, 1986, p.288).

As diversas modalidades de mídias impressas, de maneira especial os jornais, também possibilitaram, sobretudo entre 1962 e 1964, o escoamento de inúmeros manifestos – maiormente assinados por entidades de classes profissionais – apoiados e patrocinados pelos intelectuais do bloco modernizante-conservador. Dentre os manifestos, Dreifuss (1986, p.235) menciona: o Manifesto à nação (1963) – oriundo do Centro Democrático de Engenheiros, em São Paulo –, o Manifesto das enfermeiras às forças armadas (1963) – onde as forças armadas chegam a ser convocadas a intervir contra o governo de João Goulart –, o Manifesto dos estudantes de direito da universidade Mackenzie (1963) – articulado em um meio considerado um dos focos de resistência da direita à mobilização esquerdista no movimento universitário –, e o extenso manifesto Para o Brasil, para o seu progresso e para a felicidade de seu povo,

contra a desordem, a irresponsabilidade e a demagogia – ajeitado por associações

empresariais, sindicatos patronais, federações e pelo Lyons Clube. Houve ainda o

Manifesto das classes produtoras e o Manifesto e carta de princípios democráticos do Paraná, dentre outros.

Na mídia televisiva o complexo IPES / IBAD valeu-se do apoio das emissoras, que retransmitiam os programas produzidos pela intelectualidade orgânica burguesa no Rio de Janeiro e em São Paulo. No ofício da distribuição dos programas, foi de grande valia o suporte logístico fornecido pelas agências aéreas aliadas.

A TV Cultura, por exemplo, exibiu uma série de programas de entrevistas que contemplou uma miríade de convidados, concatenados com as causas do bloco modernizante-conservador, oriundos de setores variados da sociedade, ao passo que, na região sul do Brasil, a TV Paraná destacou-se por dois programas políticos considerados basais, tutelados pelo IBAD (DREIFUSS, 1986, p.247-248).

Bem aceitos no meio urbano e altamente eficientes perante espectadores analfabetos das áreas menos favorecidas do país, os filmes de curta metragem difundidos pelo IPÊS também somaram forças às atividades de mobilização de setores da classe média e da burguesia e de doutrinação no seio dos demais segmentos sociais.

Seus qualificados roteiros, atribuídos ao escritor José Rubem Fonseca tinham como tônica a defesa do engajamento do empresariado e da modernização das empresas

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e a crítica ao comunismo e aos comunistas – os quais, aliados aos movimentos sociais, supostamente prejudicavam os investimentos no país, impedindo a “evolução da nação”. Segundo José Louzeiro, o conteúdo dos curtas – permeados por conselhos e ameaças –, teriam ainda como objetivo: “... fazer cabeças, despolitizar. Induzir os mais humildes (...) a entender que não é nada difícil passar do estado de miséria ao estágio das riquezas, desde que os infelizes tenham sorte, ganhem na loteria ou consigam bons casamentos” (LOUZEIRO, 2001, p.31).

Bem produzidos, com “... imagens que são de bom nível ainda hoje” (LOUZEIRO, 2001, p.34), os filmetes de 8 a 10 minutos e meio contaram com a assinatura do reputado cineasta e fotografo Jean Manzon e de Carlinhos Niemayer, embora este último tenha negado o seu envolvimento com o IPES (ASSIS, 2002, p.25).

Tão notável quanto a qualidade da incursão dos intelectuais modernizantes-conservadores ao cinema foi o alcance da exibição dos curtas, que contou com o suporte de caminhões adaptados para projetar as produções de Jean Manzon em favelas e bairros de periferia e grêmios estudantis. Sessões de exibição foram organizadas por empresários, para seus funcionários, com o fulcro da Mesbla S.A., doadoras dos equipamentos de projeção necessários. A divulgação dos filmetes contou ainda com o empenho do SESI e do SENAC, além dos demais integrantes do sistema “5S”, que visavam alunos e trabalhadores. Espaços mais sofisticados também foram contemplados com a projeção dos curtas, possibilitando a audiência das classes mais providas. Aqui figuram os clubes de serviços como Lyons e Rotary e clubes sociais, como o Monte Líbano, situado em São Paulo (ASSIS, 2001, p.42-43).

Os títulos produzidos pela Jean Manzon Films S.A. para o IPES foram: O Brasil

precisa de você; Nordeste, problema Nº 1; História de um maquinista; A vida marítima; Depende de mim; A boa empresa; Uma economia estrangulada; O IPES é o seguinte; Portos paralíticos; O que é o IPES?; Criando homens livres; Deixem o estudante estudar; Que é a democracia? e Conceito de empresa (LOUZEIRO, 2001, p.36-39).

A mídia rádio também foi priorizada como veículo de doutrinação. Tratava-se, especialmente na época, de uma opção popular que alcançava as massas sem acesso à televisão. Aqui, como na TV, o IPES agiu profusamente por meio de patrocínio a programas pertinentes à linha editorial propugnada pela intelectualidade orgânica da elite, sem, todavia, expor-se. Foi o caso de conteúdos transmitidos pela rádio Tupi, de São Paulo – notadamente anticomunistas e destinados às classes trabalhadoras (DREIFUSS, 1986, p.249).

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A expansão de transmissões doutrinadoras no rádio deu-se ágil e progressivamente através dos anos. Já em 1961 o IBAD ofertava programas de radiodifusão em 34 cidades importantes; em 1962 o IBAD possuía 51 programas em horário nobre, somente durante a semana – número que se dilataria, em seu auge, a mais de 80 exposições semanais, para todo o país. Dois programas da intelectualidade orgânica à burguesia, o Congresso em revista e A semana em revista, chegaram a ser transmitidos por 82 estações radiodifusoras. Também uma alternativa a Cadeia da

democracia – movimento engendrado por Leonel Brizola, importante político aliado ao

reformismo e identificado com a esquerda – foi compreendida pela estratégia do bloco modernizante-conservador – a partir de outubro de 1963 – que, para tal, contou com mais de 100 estações de rádio de todo o país (DREIFUSS, 1986, p.249).

As eleições legislativas de outubro de 1962 – consideradas, no ensejo, uma prioridade para o bloco burguês – fornecem subsídios para um estudo de caso a respeito da utilização de recursos de propagação ideológica por parte do bloco modernizante-conservador, diligência essa que seria mantida e intensificada até o golpe de abril de 1964.

Na ocasião, grande soma de aporte financeiro foi despendido em meio à estratégia midiática do complexo liderado pelo IPES que contou com um sem número de programas, muitos dos quais para a televisão, permeados pela preocupação em fazerem-se entendíveis para o grande público, através de uma linguagem acessível. Dentre as personalidades, participantes dos programas, destacaram-se o deputado udenista Pedro Aleixo – que versou sobre as eleições e a crise de autoridade –, a escritora Raquel de Queiroz – que considerou o tema “falso nacionalismo” –, e Leda Collor de Mello, esposa do político alagoano Arnon de Mello, proprietário do grupo midiático da qual integra o jornal Gazeta de Alagoas, e mãe do futuro presidente da república Fernando Collor de Mello, – que abordou a “cooperação da empresa privada na previdência social” (DREIFUSS, 1986, p.247).

O alcance das mensagens modernizantes-conservadoras, às vésperas das eleições de 1962, foi notável. Somente os programas patrocinados pela Promotion S.A., braço do complexo IPES / IBAD, entre julho e setembro daquele ano, foram transmitidos e retransmitidos em mais de 300 emissoras de rádio e televisão espalhadas pelo país (DREIFUSS, 1986, p.248).

O fato é que, mesmo após o golpe, já na fase de consolidação e legitimação que os militares visavam para o movimento, as práticas, genericamente denominadas pelos

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militares como de relações públicas, fortaleceram-se e se institucionalizaram. O Coronel Hernani d’Aguiar, integrante da equipe do General Costa e Silva, que em breve sucederia Castello Branco no poder, chegou a cursar Relações Públicas em 1966 e, segundo Brandão (2001, p.42), “se apaixonara pelo tema”.

Considerações Finais

Reconhece-se que a classe dominante é geralmente – ao menos no modo de produção capitalista – a emissora das idéias dominantes, sobretudo por disporem dos meios de comunicação massa privados. Marx e Engels (2004, p.78) vão além ao afirmarem que, necessariamente, “As idéias [gedanken] da classe dominante são, em todas as épocas, as idéias dominantes...”. Contudo, o fato é que as idéias, tornadas hegemônicas, contribuíram para que seus emissores tornassem-se a classe dominante.

O Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (IPES), entidade imanente ao bloco modernizante-conservador, foi saudado por importantes veículos de comunicação impressa - como o Jornal do Brasil, O Globo, o Correio da Manhã e até mesmo o Última Hora, conforme cita Dreifuss (1986, p.163) – já no momento de sua fundação, em 29 de novembro de 1961.

A ação ideológica de multíplices frentes organizada pela intelectualidade orgânica burguesa, acentuada no período entre 1962 e 1964, “... significou uma mobilização conjuntural para o golpe...” (DREIFUSS, 1986, p.229), que precedeu, racional e estrategicamente, a efetiva intervenção militar – que viria a, de fato, destituir o presidente João Goulart e seria responsável, desde então, pela contenção dos movimentos populares.

A intensa campanha política e ideológica empreendida por setores dominantes da sociedade civil, com vistas à deposição de Goulart e a implantação radicalizada de demandas da elite, conduz a tese de que o golpe de 1964 não é, como generalizadamente costuma-se afirmar, um movimento conspirativo militar, apenas; sendo antes um evento decorrente de uma prévia e laboriosa disputa de hegemonia por segmentos organizados em blocos-históricos distintos. Na ocasião estudada neste trabalho, o bloco vencedor o foi aquele que detinha os meios de produção, inclusive – especialmente – os meios de produção emissores de bens simbólicos, os meios de comunicação social.

Referência bibliográfica:

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BRANDÃO, Elizabeth. O desafio das relações públicas no Brasil. In: BARROS, Antônio; DUARTE, Jorge; MARTINEZ, Regina. Comunicação: discursos, práticas e tendências. São Paulo: Rideel, Brasília: Uniceub, 2001.

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COUTINHO, Carlos Nelson. Democracia e socialismo: questões de princípio e contexto brasileiro. São Paulo: Cortez; Autores Associados (Polêmicas de nosso tempo), 1992.

DREIFUSS, René Armand. 1964 – A conquista do Estado: ação política, poder e golpe de classe. 4ª edição. Petrópolis: Vozes, 1986.

KELLNER, Douglas. A cultura da mídia – estudos culturais: identidade e política entre o moderno e o pós-moderno. Tradução: Ivone Castilho Benedetti. Bauru: EDUSC (Verbum), 2001.

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Referências

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