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Questões linguístico-culturais na tradução de termos políticos chineses para português europeu

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UNIVERSIDADE DE LISBOA

FACULDADE DE LETRAS

Questões Linguístico-Culturais

na Tradução de Termos Políticos Chineses para Português Europeu

José António Freixo de Oliveira

Mestrado em Tradução

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UNIVERSIDADE DE LISBOA

FACULDADE DE LETRAS

Questões Linguístico-Culturais

na Tradução de Termos Políticos Chineses para Português Europeu

José António Freixo de Oliveira

Mestrado em Tradução

2014

Orientadora: Professora Doutora Maria Clotilde Almeida Co-Orientaddora: Professora Doutora Ellisabeta Colla

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Agradecimentos

Este trabalho é o culminar dos meus estudos no âmbito do Mestrado em Tradução. É, por isso, devedor, antes de mais, dos ensinamentos que me foram transmitidos ao longo deste percurso. Os meus primeiros agradecimentos são, como tal, dirigidos aos professores, do nosso Departamento, de que tive a felicidade de ser aluno. Com todos eles aprendi a pensar e a compreender os problemas do trabalho de tradução, todos eles me transmitiram ferramentas úteis para lidar com esses problemas.

De mais profunda influência no modo como aprendi a pensar a tarefa tradutória, foi o seminário de Língua, Cultura e Tradução, leccionado pela minha orientadora, a Professora Doutora Maria Clotilde Almeida, que me introduziu no mundo da Linguística Cognitiva, e no decurso do qual começaram a germinar as ideias que se concretizaram neste trabalho.

Tive ainda o privilégio de receber os frutíferos comentários, sugestões e conhecimento da co-orientadora deste trabalho, Professora Doutora Ellisabetta Colla.

Às duas devo especiais agradecimentos, pelo que me ensinaram e pela sua paciência.

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Resumo

O tema deste trabalho é o estudo de quatro casos tradutórios, mediante a análise semântica das expressões chinesas a traduzir, e a problematização de traduções já existentes para língua inglesa (também algumas traduções para francês e espanhol), tendo em vista a determinação das melhores soluções tradutórias para português europeu.. São estes casos três termos e uma passagem, onde é comunicado implicitamente um quarto termo, que pertencem ao corpus do discurso político chinês dos séculos XX e XXI.

As problemáticas emergentes do nosso confronto, numa perspectiva tradutória, com estes casos derivam do facto de estas expressões veicularem mais do que aquilo que possamos considerar ser o seu sentido estrito e essencial, tal como o podemos achar numa definição de dicionário. A compreensão do seu carácter problemático exigirá a introdução de uma abordagem teórica que nos permita possuir uma compreensão mais ampla do seu sentido. Esta compreensão é aquela que emerge de uma Semântica Cognitiva, enquanto disciplina central da Linguística Cognitiva, que nos fornece as ferramentas conceptuais com que empreenderemos a nossa análise.

PALAVRAS-CHAVE: Linguística Cognitiva, Semântica Cognitiva, compreensão enciclopédica do sentido linguístico, frame.

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Abstract

The theme of this work is the study of four translation cases, through the semantic analysis of the Chinese expressions, and the problematization of already existing English translations (also some French and Spanish cases), with the goal of finding the best European Portuguese translation. These cases are three terms and a passage, where a fourth term is implicitly communicated, which belong to the corpus of the 20th and 21st centuries Chinese political discourse.

The problems that emerge of our confrontation with these cases, from a translational perspective, derive from the fact that these expressions convey more than what we could consider as being its strict and essential meaning, as we might find on a dictionary definition. To understand problematic nature of these cases, we will need to introduce a theoretical approach that will allow us to have a more comprehensive understanding of its meaning. This is the understanding of the linguistic meaning that emerges from the studies in Cognitive Semantics, which provide us with the conceptual tools we will use on our analysis.

KEYWORDS: Cognitive Linguistics, Cognitive Semantics, encyclopedic understanding of meaning, frame.

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Índice

Agradecimentos...4 Resumo………...5 Abstract………...6 Índice...7 Introdução...9

Parte I: Enquadramento Teórico...15

Capítulo I: A Linguística Cognitiva: definição de uma perspectiva investigatória. Linguagem, cognição, conceptualização, sentido e experiência...16

Capítulo II: Compreensão enciclopédica do sentido linguístico...22

Capítulo III: Semântica de frame: modelo de caracterização da estrutura conceptual associada ao sentido das unidades linguísticas...33

Capítulo IV: Conceitos, frames, cultura e ideologia......38

Capítulo V: Conceitos, frames, conhecimento e interpretação......43

Parte II: Análise do Sentido dos Termos e Problematização da sua Tradução…...48

Capítulo VI: Introdução geral à análise do sentido dos termos e sua tradução: vida e discurso de Deng Xiaoping como fio condutor...49

Capítulo VII “Jiefang sixiang 解放思想” (“Emancipate the mind”) ...57

Capítulo VIII “Liang ge fanshi 两个凡是” ......68

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Capítulo IX

“Xiaokang 小康” e “datong 大同”: introdução......71

Capítulo X O sentido dos termos componentes de “xiaokang 小康”: “xiao 小” e “kang 康” ......72

Capítulo XI O sentido dos termos componentes de “datong 大同”: “da 大 e tong 同” ......77

Capítulo XII “Xiaokang 小康” no Clássico da Poesia (Shijing 诗经) ....81

Capítulo XIII “Xiaokang 小康” e “datong 大同” no Registo dos Ritos (Liji 礼记) ...85

Capítulo XIV “Datong 大同” no discurso político da China moderna: Kang Youwei...88

Capítulo XV “Datong 大同” no discurso político da China moderna: Sun Yat-sen...94

Capítulo XVI “Datong 大同” no discurso político da China moderna: Mao Zedong...108

Capítulo XVII “Xiaokang 小康” enquanto qualificador da situação económica...113

Capítulo XVIII “Xiaokang 小康” nos textos de Deng Xiaoping...118

Capítulo XIX “Datong 大同” e “xiaokang 小康”: sentidos e traduções...126

Conclusão...138

Bibliografia...146

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Introdução

Este trabalho visa a análise semântica de certos termos políticos chineses em confronto com a sua tradução para inglês (serão ainda consideradas algumas traduções para espanhol e francês), e tendo em vista a determinação das melhores soluções tradutórias para português europeu. Há que considerar os termos políticos no evento da sua ocorrência, ou seja, tomar em linha de conta que foram proferidos em circunstâncias particulares, tendo também em linha de conta a sua dimensão histórica.

Os termos em análise são enumerados abaixo:

1º, a expressão “jiefang sixiang 解放思想”1 (tradução inglesa: “emancipate the mind”), tal como aparece no artigo “Jiefang sixiang, shishiqiushi, tuanjieyizhi xiangqian kan 解放思想,实事求是,团结一致向前看” (título inglês: “Emancipate the mind, seek truth from facts, and unite as one in looking to the future”), transcrição do discurso proferido por Deng Xiaoping durante a sessão de encerramento da Conferência de Trabalho do Comité Central do Partido Comunista da China, a 13 de Dezembro de 1978.

2º, a expressão “liang ge fanshi 两个凡是”, geralmente traduzida para inglês

como “two whatevers”. O que será problematizado é a tradução da passagem do texto histórico “Xuehao wenjian zhuazhu gang 学好文件抓住纲” (traduções inglesas: “Study documents well and grasp key link” e “Maintain the theme of studying thoroughly”) que dá origem a esta expressão. Embora não se trate aqui de traduzir um termo que aparece explícito no corpo de um texto, trata-se ainda assim de traduzir uma passagem em que, como veremos, um determinado termo aparece de forma implícita numa leitura contemporânea dessa passagem, pelo que a sua tradução deve, como será argumentado, manter a presença implícita desse termo. A problemática do modo como “liang ge

fanshi” aparece implícito no texto chinês, e de como essa implícitação deve aparecer na

tradução, relaciona-se intimamente com os temas que abordarei na análise da tradução dos outros termos, o que permitirá reforçar os fundamentos da minha argumentação.

3º, o termo “xiaokang 小康”, tal como usado por Deng Xiaoping em diversos dos seus textos reunidos nas suas Obras Escolhidas (Deng Xiaoping wenxuan邓小平文

1

Será inserida romanização pinyin ao longo desta obra antes de termos, expressões e citações em chinês. Serão excepção a esta prática todas as citações cujo texto chinês exceda as duas linhas.

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选, edição em língua inglesa: Selected works of Deng Xiaoping), e na perspectiva da sua relação com usos anteriores, e ainda com o termo “datong 大同”, a seguir apresentado.

4º, a problematização da tradução de “xiaokang 小康” levar-nos-á a considerar um outro termo, “datong 大同”, tal como este ocorre, num primeiro momento, em contraposição com “xiaokang 小康”, numa passagem do clássico confucionista Registo dos Ritos (Liji 礼记) e, posteriormente, nos textos de Kang Youwei, Sun Yat-sen2 e, sobretudo, Mao Zedong.

Porquê estes termos e qual a pertinência de os tomar por objecto de uma investigação no âmbito dos estudos de tradução?

Primeiramente, porque todos estes são termos políticos (ou, num dos casos, uma passagem em que o termo aparece implícito) que se afiguram problemáticos em ambiente tradutório. No entanto, este, como qualquer trabalho académico, na medida em que se oferece à apreciação por especialistas, deverá, obviamente, alertar para os problemas de tradução, e as análises e possíveis soluções apresentadas, deverão servir não só o interesse particular de quem o redige, mas também de quem eventualmente o irá ler.

Como tal, a análise confrontativa destes termos com as respectivas traduções deve ser aqui tomada como forma de abordar uma série de temas e problemas relativos a situações recorrentes no trabalho de tradução.

Trata-se de dar corpo a situações em que o tradutor não encontra uma tradução já estabelecida para um termo do texto de partida que ele considere capaz de abarcar todo o sentido desse termo, e é obrigado a debater-se com o(s) seu(s) sentido(s), confrontando-o com uma série de soluções na língua de chegada.

No âmbito desta situação-tipo podemos pensar em vários sub-tipos, que podem ou não conviver numa mesma situação concreta. Entre estes, revelam-se no presente trabalho, pelo menos, os seguintes:

− O tradutor depara-se com um termo político no texto de partida que apresenta uma complexidade polissémica que os termos que encontra de imediato no léxico da língua de chegada parecem não conseguir veicular, tendo de reflectir até que ponto é relevante preservar essa polissemia, e de que modo tal será

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Usou-se ao longo deste trabalho os nomes de pessoas, terras, instiuições, etc. segundo sua romanização em pinyin, por exemplo: Mao Zedong, Beijing, Guomindang. As duas excepções são os nomes de Sun Yat-sen e Chiang Kai-shek, por continuarem a ser largamente chamados por esta romanização dos seus nomes cantoneses.

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possível.

− O termo de partida conota um quadro alargado de realidade (por exemplo, um contexto político particular a que está associado) para o qual o tradutor não encontra, à primeira vista, um termo na língua de chegada capaz de o veicular. − O tradutor depara-se com um termo que diz um conceito para o qual não

encontra uma tradução já consagrada, e para o qual terá de criar uma forma de o dizer na língua de chegada.

− O tradutor confronta-se com um equivalente estabelecido para um termo da língua de partida que ele sente que não transmite da melhor maneira possível o conceito dito por este termo, e tem de equacionar se usa o equivalente consagrado, ou se apresenta uma nova tradução.

− O tradutor depara-se com um termo que não possui uma tradução única estabelecida, mas várias traduções possíveis, sendo que tem de considerar como lidar com esta multiplicidade, ou seja, procurar determinar qual a melhor tradução entre as soluções disponiveis ou, eventualmente, procurar uma outra tradução.

Quanto mais distante culturalmente – na dimensão semântica – e etimologicamente – na dimensão formal, fonética e gráfica (ela própria necessariamente veiculadora de cultura e sentido) – estiverem os termos a traduzir relativamente às soluções que possamos ter na língua de chegada, tanto maior é a probabilidade de ocorrência deste tipo de problemas.

Definindo as etapas do confronto com um problema de tradução terminológica, a primeira etapa acontece necessariamente antes de qualquer problematização, é a condição sine qua non para que se produza uma reflexão sobre um problema, qualquer problema: a consciência de algo como sendo problemático.

Poderia, de facto, deparar-me com a necessidade de traduzir estes termos sem que os tomasse como problemáticos, possuindo já o conhecimento de um termo estabelecido como seu equivalente na língua de chegada que eu aceitasse como sendo válido. Ou mesmo não possuindo ainda esse conhecimento, se eu tenho à mão ferramentas, como dicionários ou textos a que posso aceder onde este termo está já traduzido, que me permitem obter facilmente uma equivalência, se eu aceito essa equivalência como válida, o seu carácter problemático esgota-se no exigir de mim este esforço mínimo de procura da equivalência. Uma vez esta identificada e aceite como

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válida, o seu carácter problemático desaparece.

A primeira etapa deste trabalho será, assim, alertar para o carácter problemático destes termos e de suas traduções apresentadas.

Possuir a consciência de um problema, conduz-nos à procura de saber a razão de ser desse problema. É inerente a este acto, quando bem sucedido, o indicar-nos desde logo o que devemos fazer para que o problema deixe de o ser. Perceber a razão de algo ser problemático significa perceber como esse algo deveria ser para deixar de ser problema.

Por exemplo, se tenho consciência de que os equivalentes que tenho ao meu dispor não dizem todo o sentido do termo a traduzir, compreendo que a solução para o problema seria ter um termo que veiculasse todo esse sentido.

Ao pensarmos num problema, procurando a sua razão de ser problema, esta por vezes surge-nos de forma imediata e muito clara. Mas, por vezes, acontece precisamente o contrário: temos a intuição de que estamos diante de um problema, mas não somos capazes de fixar no pensamento, de formular a razão de ele ser problema, por vezes porque não a conseguimos captar, ou por vezes porque nos faltam termos para dizer o seu conceito.

Por exemplo, pode acontecer que sinta que a tradução de um termo que aparece num dicionário é problemática, mas faltam-me os conceitos e os termos necessários para fixar uma explicação para o seu carácter problemático.

A segunda etapa deste trabalho será assim apresentar ferramentas conceptuais que permitam pensar e explicar o carácter problemático destes termos e suas traduções apresentadas.

A terceira etapa deste trabalho será, necessariamente, passar da teoria ao acto, usar essas ferramentas conceptuais no apuramento da razão de estes casos tradutórios serem problemáticos

Só assim, passando da intuição do problema, à sua formulação racional e à sua análise concreta, poderemos também estabelecer o seu carácter exemplar, e mostrar como as observações feitas a seu propósito e as ferramentas conceptuais usadas nessas observações se podem aplicar à reflexão sobre outros casos particulares.

Passamos, por fim, à última etapa do confronto com um problema de tradução terminológica, que coincide com a última tarefa deste trabalho: a reflexão sobre que equivalente escolher para traduzir o termo de partida.

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ideal desse problema. No entanto, na prática verificamos, muitas vezes, que a solução ideal não é viável, e temos de nos conformar com uma solução de compromisso, ou de recurso, ou um remendo. Assim acontece também no acto de tradução.

Ainda assim, se conseguirmos formular racionalmente o que constitui o carácter problemático de uma tradução particular, tal permitir-nos-á, no futuro, ter logo à mão regras e princípios de determinação das melhores soluções tradutórias noutras situações concretas da actividade tradutória, e ainda ferramentas conceptuais com as quais operar novas problematizações e aprofundar o nosso conceito das possibilidades de execução concreta dos casos ideais de tradução.

É este, enfim, o objectivo primeiro que este trabalho se propõe a concretizar. As problemáticas emergentes do nosso confronto, numa perspectiva tradutória, com os termos já apresentados derivam, como veremos, do facto de estes serem termos que dizem mais do que aquilo que possamos considerar ser o seu sentido estrito e essencial, tal como o podemos achar numa definição de dicionário. De facto, se aquilo que é expresso por esses termos se esgotasse neste sentido estrito e essencial, as traduções que deles encontrámos poderiam ser todas consideradas como correctas e não problemáticas.

Para considerar o seu carácter problemático, precisamos de uma abordagem teórica que nos permita entender a dimensão semântica dos termos políticos, e que dê conta da compreensão mais ampla da sua significação. Essa perspectiva é aquela em que se situa a Semântica Cognitiva, enquanto disciplina central da Linguística Cognitiva.

A Linguística Cognitiva permite-nos equacionar o espectro semântico dos termos políticos em estudo, ao caracterizar a forma e a estrutura da dimensão semântica da linguagem. Como tal, os dados fornecidos pela investigação nesta área, e os conceitos constituídos no âmbito da explicação desses dados, serão ferramentas muito úteis na análise das problemáticas tradutórias que nos ocuparão neste trabalho.

A perspectiva a partir da qual olharemos a linguagem e a problemática da tradução dos termos com que nos confrontaremos é, portanto, a da Semântica Cognitiva. A primeira parte deste trabalho visa a apresentação do enquadramento teórico em apreço, à luz dos conceitos de base que explicam e caracterizam o fenómeno linguístico. Esta primeira apresentação fornecer-nos-á, desde logo, as ferramentas conceptuais que serão usadas na análise das problemáticas tradutórias.

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respectivas traduções, procurando identificar os problemas tradutórios, bem como a melhor forma de os resolver.

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Parte I

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Capítulo I

A Linguística Cognitiva: definição de uma perspectiva investigatória.

Linguagem, cognição, conceptualização, sentido e experiência

Como o nome indica, “Linguística Cognitiva” refere a prática e constituição de uma ciência da linguagem a partir de uma perspectiva determinada, dita pelo termo “Cognitiva”. Compreender o que seja esta perspectiva pressupõe adquirir o sentido deste termo que a especifica.

“Cognitiva” refere, antes de mais, a filiação desta linguística no projeto mais alargado da Ciência Cognitiva. O carácter cognitivo que qualifica a nossa linguística será, como tal, derivado daquele que qualifica a Ciência Cognitiva.

“Cognitiva” identifica aqui a “cognição” como o objecto de estudo. Teremos então de ver o que se compreende, no domínio desta ciência e desta linguística, por “cognição”3.

Comecemos por consultar um dicionário geral que nos dê, antes das compreensões de especialidade, o que possa ser uma compreensão comum deste termo. O Houaiss: Dicionário da Língua Portuguesa (Houaiss, Villar et al. 2002: 978) diz-nos que “cognição” designa o «processo ou faculdade de adquirir um conhecimento» e, por extensão de sentido, o resultado ou conteúdo desse processo ou faculdade, «percepção, conhecimento».

Podemos, assim, começar por identificar o objecto de estudo da Ciência Cognitiva como sendo as faculdades ligadas à capacidade de aquisição de conhecimento (e por extensão a dimensão dos seus conteúdos susceptível de constituir ciência, i.e, as características gerais e regulares do seu acontecimento e organização). Estas faculdades são também chamadas, no âmbito do discurso em Ciência Cognitiva, “faculdades mentais” (identificando a mente como sendo o seu lugar), ou “inteligência”.

“Conhecimento”, no sentido de “cognição”, é de facto um termo muito usado no âmbito do discurso em Ciência Cognitiva, referindo-se ao conteúdo da cognição como faculdade e processo. A compreensão do seu sentido neste contexto é, no entanto, problemática, o que exige que digamos algo mais a seu respeito. “Conhecimento” pode

3

A presente apresentação parte das definições de “cognição” e do objecto de estudo da Ciência Cognitiva expostas nas seguintes obras: Bechtel 1999; Bly & Rumelhart 1999 (sobretudo p. xv); Harré 2002 (sobretudo pp. 5-8); Osherson 1995 (sobretudo p. xi); Strickland 2001: 131-132; Thagard 2012.

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ser compreendido (e será talvez predominantemente assim compreendido) como sendo os dados na mente que permitem afirmar com verdade o modo como os factos são ou não são. Neste sentido de conhecimento, não entram no seu âmbito, por exemplo, meras opiniões, conjecturas, dados perceptivos ilusórios, ou outras produções mentais, como o planeamento do dia de amanhã, ou realidades ideais e imaginárias.

Pelo contrário, no âmbito da Ciência Cognitiva, “conhecimento” designa toda a informação recebida, processada e construída pela mente – «mental representations and computations», nos termos de Bly e Rumelhart (1999: xv), referindo-se ao objecto de estudo da Ciência Cognitiva –, i.e., tudo aquilo que deste modo se constitui como dado na mente, independentemente do seu valor de verdade. É deste modo que deve ser, então, compreendido o conceito de “conhecimento” tal como usado ao longo deste trabalho.

Completando, então, a definição do objecto de estudo da Ciência Cognitiva, diremos que se trata de todas as faculdades da mente enquanto sistema de recepção, processamento, organização e construção de informação, entre elas: a percepção, a atenção, a memória, a imaginação, o pensamento, a decisão, o juízo, a conceptualização, etc.

Dito isto, em que sentido é então “cognitiva” a Linguística Cognitiva, de que forma se liga ela com o projecto mais geral de uma Ciência Cognitiva, ou dito ainda de outra forma, de que modo aparece a cognição na perspectiva investigatória da Linguística Cognitiva?

A Linguística Cognitiva é cognitiva no sentido em que estuda a linguagem na sua «função cognitiva» (Geeraerts & Cuyckens 2007: 5). Mas que função cognitiva é essa? De que modo se enquadra ela no sistema geral da cognição humana?

Langacker (1987: 57-58) caracteriza a gramática “interna”, a «representação psicológica de um sistema linguístico», como sendo constituída a partir de «unidades linguísticas» (p. 57, tradução minha), as quais são «a structure that a speaker has mastered quite thoroughly to the extent that he can employ it in a largely automatic fashion, without having to focus his attention specifically on its individual parts or their arrangement» (ibidem). Langacker identifica três tipos de unidades linguísticas: unidades fonológicas (ou a sua representação gráfica, no caso da língua escrita), unidades semânticas e unidades simbólicas.

As unidades fonológicas são os sons de uma língua a que um falante nativo recorre sem dificuldade e de forma automática no uso dessa língua, ao contrário de um

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falante estrangeiro que tem de aprender a pronunciar esses sons mediante uma esforço reflexivo sobre o modo como eles são produzidos. Entre as unidades fonológicas incluem-se não só os sons básicos de uma língua, mas também sílabas, palavras, expressões familiares e mesmo frases mais longas.

As unidades semânticas são os conceitos estabelecidos de um determinado contexto linguístico. Tal como com a aprendizagem de sons, a aprendizagem de um novo conceito exige um «esforço construtivo» por parte do aprendente:

«In learning what an unicorn is, for example, a person pays explicit attention to its horselike character, to the fact that it has just a single horn, and to the location of this horn on its head. Once the notion has the status of a unit, he evokes these specifications as a familiar gestalt, and need not attend to them individually» (p. 58).

Por fim temos a unidade simbólica, a qual é constituída pela relação convencionalizada entre uma unidade fonológica, que possui o valor de símbolo, e uma unidade semântica, a ideia simbolizada e expressa por aquele símbolo, e que se constitui como o seu sentido.

A partir desta formulação, que aqui tomamos como modelo abrangente geral da estrutura da linguagem no quadro da Linguística Cognitiva, podemos identificar as seguinte teses e compreensões gerais desta perspectiva investigatória:

Nela se identifica, em primeiro lugar, a função simbólica como sendo a função primeira da linguagem, na medida em que ela é constituída em unidades simbólicas formadas na relação convencional entre unidades fonológicas, como dimensão formal e simbolizante, e unidades semânticas, como dimensão de conteúdo e sentido.

Esta é a função essencial da linguagem, e está por isso subjacente, como condição de possibilidade, a todas as outras funções que atribuímos à linguagem no seu uso, como seja a comunicação, o pensamento racional, a organização do pensamento e do conhecimento, etc.

Em segundo lugar, é imanente a esta formulação a tese de que aquilo que é simbolizado pela dimensão formal da linguagem (as unidades fonológicas) são as representações das realidades construídas pela nossa mente. Ou seja, a estrutura semântica da linguagem (o sentido das unidades linguísticas) é identificada com a estrutura conceptual na nossa mente. Deste modo, Talmy (2000: 4) afirma que:

«The word “semantic” simply refers to the specifically linguistic form of the more generic notion “conceptual.” Thus, general conception (…) includes linguistic

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meaning within its greater compass. And while linguistic meaning (…) apparently involves a selection from or constraints on general conception, it is qualitatively of a piece with it».

Não se trata aqui de afirmar que tudo aquilo que pode ser por nós pensado é limitado pela possibilidade de esse pensamento ou conceptualização ser formulado linguisticamente. Pelo contrário, a tese dominante no âmbito da Linguística Cognitiva afirma que possuímos muitos mais conceitos do que aqueles que são expressos na linguagem – i.e., os sentidos associados à unidades linguísticas –, e que estes constituem apenas um sub-conjunto dos conceitos que possuímos e podemos produzir (Evans, Bergen & Zinken 2007: 10).

Langacker (1987: 60) dá o exemplo da área entre a base do nariz e o lábio superior onde cresce o bigode da qual temos um conceito, mas para a qual não temos uma palavra. Podemos ainda considerar como prova deste facto, fenómenos como a falta de palavras que sentimos por vezes para expressar alguma ideia, ou a necessidade de inovação linguística que permita nomear um certo conceito para o qual não existe ainda expressão, como tantas vezes acontece, por exemplo, no processo de inovação científica.

Estamos agora em condições de compreender qual o lugar da linguagem entre as funções cognitivas do homem, e o que se entende por «função cognitiva» da linguagem, enquanto objecto de estudo da Linguística Cognitiva: a simbolização e expressão daquilo que é conceptualizado na mente, i.e., dos conceitos. Ao identificar a estrutura semântica da linguagem com a estrutura conceptual na mente, a Linguística Cognitiva compreende a linguagem como sendo uma via de acesso a essa estrutura, e procura descrevê-la tal como aparece e é organizada na linguagem (Evans & Green 2006: 5, 15-16; Langacker 2007: 31; Talmy 2000: 2, 4).

Assim se compreende que a Linguística Cognitiva dê primazia à dimensão semântica da linguagem – «meaning is everything» é, no dizer de Geeraerts (2006: 3), o ponto fundacional da Linguística Cognitiva. A morfologia e a sintaxe são compreendidas como inseparáveis da semântica, e como devendo ser estudadas a partir da forma como veiculam sentido:

«Grammatical structures do not constitute an autonomous formal system or level of representation: they are claimed instead to be inherently symbolic, providing for the structuring and conventional symbolization of conceptual content. Lexicon, morphology, and syntax form a continuum of symbolic units, divided only arbitrarily

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into separate components; it is ultimately as pointless to analyze grammatical units without reference to their semantic value as to write a dictionary which omits the meanings of its lexical items» (Langacker 2007: 29).

A primazia da semântica decorre, portanto, da própria perspectiva cognitiva: se a função primeira da linguagem é a simbolização e expressão dos conteúdos conceptuais, e constituindo estes a dimensão semântica da linguagem, este deverá ser o objecto de estudo primeiro de uma linguística.

Recapitulando, iniciámos a nossa exposição da especificidade da perspectiva linguística cognitiva, enquanto modo particular de pensar a linguagem, pela verificação de que no termo “Linguística Cognitiva” é o determinante “cognitiva” que diz a especificidade desta perspectiva, e procurámos, a partir daí, verificar o porquê de esta linguística ser dita “cognitiva”.

Identificámos como primeira razão o facto de a Linguística Cognitiva estar filiada no projecto mais geral da Ciência Cognitiva, razão pela qual o sentido do determinante “cognitiva”, tal como aplicado àquela linguística, é necessariamente derivado do sentido que ele tem na determinação desta ciência.

Verificámos que “cognitiva” refere a cognição como sendo o objecto de estudo da Ciência Cognitiva. Após a definição do que se entende por cognição no contexto desta ciência, procurámos mostrar em que sentido é cognitiva a Linguística Cognitiva, de que forma se liga com o projecto mais geral de uma Ciência Cognitiva, ou ainda, de que modo a cognição aparece nesta perspectiva investigatória.

Começámos por afirmar que a Linguística Cognitiva é “cognitiva” no sentido em que estuda a linguagem na sua função cognitiva, e identificámos esta função com aquilo que chamámos de função simbólica da linguagem, descrita como sendo a função primária e constituinte da linguagem enquanto tal, e como acontecendo mediante a simbolização dos conteúdos semânticos da linguagem (as unidades semânticas) pelas suas entidades formais (as unidades fonológicas).

A identificação da função cognitiva da linguagem com a sua função simbólica assenta, como mostrámos, na identificação da estrutura semântica da linguagem com a estrutura conceptual na mente. Deste modo, concluímos que, ao tomar a função cognitiva da linguagem como tema de investigação, a Linguística Cognitiva procura estudar a estrutura conceptual na mente mediante o modo como esta aparece e é organizada na linguagem, e que tal significa tomar a dimensão semântica da linguagem como cerne das suas investigações.

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Sendo o sentido das unidades linguísticas (ou o modo como os conceitos aparecem na expressão linguística) o cerne da investigação em Linguística Cognitiva, passamos agora a apresentar a noção que define a compreensão geral do sentido linguístico nesta disciplina, a “compreensão enciclopédica do sentido linguístico”, apresentando depois algumas noções que explicitam características específicas já contidas nessa compreensão geral. A nossa exposição concentrar-se-á na caracterização da estrutura semântica das unidades lexicais, por ser este o objecto de estudo central do nosso trabalho.

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Capítulo II

Compreensão enciclopédica do sentido linguístico

1º, o sentido linguístico é enciclopédico4.

A compreensão enciclopédica do sentido (encyclopaedic view of meaning) opõe-se à compreensão “dicionárica” do opõe-sentido (dictionary view of meaning). Esta compreensão “dicionárica” do sentido relaciona-se com a tese da autonomia da linguagem, fundamento dos dois paradigmas que antecedem a Linguística Cognitiva: estruturalismo e generativismo. Silva (1997) caracteriza do seguinte modo a forma que esta tese assume na fundação da empresa de ambos os paradigmas:

«O estruturalismo linguístico, nas suas diferentes formas, entende e estuda a linguagem como um sistema que se basta a si mesmo (com a sua própria estrutura, os seus próprios princípios constitutivos, a sua própria dinâmica) e, por conseguinte, o mundo que ela representa e o modo como através dela o percebemos e conceptualizamos considera-os como aspectos “extra-linguísticos”. Por seu lado, a gramática gerativa (de Chomsky e seus discípulos) defende que a faculdade da linguagem é uma componente autónoma da mente, específica e, em princípio, independente de outras faculdades mentais; por conseguinte, o conhecimento da linguagem é independente de outros tipos de conhecimento».

Os pressupostos desta tese são os mesmos que estão inerentes à compreensão tradicional em teoria semântica que diz que nós possuímos um conhecimento propriamente linguístico, relativo ao sentido das unidades lexicais, que corresponde à definição pelas características essenciais das entidades referidas pelas unidades, tal como aparece nos dicionários, e que é este conhecimento o tema próprio da semântica lexical. Esta identificação do conhecimento semântico, relativo ao sentido das unidades lexicais, com o modo como eles são definidos no dicionário leva a que se fale do léxico como sendo um dicionário mental, e a denominar este conhecimento propriamente linguístico de “conhecimento dicionárico” (dictionary knowledge) (Evans & Green 2006: 207-208)5.

4

A apresentação das características do sentido linguístico que se segue baseia-se, sobretudo, nas exposições de Geeraerts 2006: 4–6 e Evans & Green 2006: 206–222.

5

Para uma panorâmica das perspectivas linguísticas decorrentes desta compreensão do sentido linguístico (centrando-se na semântica lexical) que antecedem ou co-ocorrem com a Linguística Cognitiva, e o modo

(23)

A determinação do que constitui este conhecimento propriamente linguístico, ou “dicionárico”, passa por o demarcar relativamente a todo o “conhecimento do mundo”, ou “conhecimento enciclopédico” – o conhecimento cultural e social (que advém da nossa experiência de e interacção com os outros) e o conhecimento físico (que advém da nossa experiência de e interacção com o mundo) –, que inclui o conjunto de associações factuais, emotivas e valorativas (pessoais e colectivas) que entram na nossa conceptualização dos fenómenos e que são evocadas pelas unidades lexicais (ibidem: 206 e 210).

Em oposição à compreensão “dicionárica” do sentido, a Linguística Cognitiva apoia-se na ideia da natureza enciclopédica do sentido. Evans e Green (ibidem: 206, tradução minha) apresentam esta tese dividindo-a em duas sub-teses:

1º, as «estruturas semânticas (o sentido associado a unidades linguísticas, como palavras) fornecem acesso a um vasto inventário de conhecimento estruturado (o sistema conceptual). De acordo com esta visão, o sentido das palavras não pode ser compreendido independentemente de um vasto repositório de conhecimento enciclopédico ao qual estão ligadas».

2º, «este conhecimento enciclopédico está fundado na interacção humana com o outro (a experiência social) e com o mundo à nossa volta (a experiência física)».

Deve-se ainda enfatizar que, enquanto a compreensão dicionárica do sentido funda uma teorização acerca do sentido linguístico, a compreensão enciclopédica do sentido funda uma teorização do sistema de conhecimento conceptual (constituído pelo exercício de diversas faculdades cognitivas, não só a linguística), subjacente ao sentido linguístico, e do sentido linguístico enquanto enquadrado nesse sistema (ibidem: 215).

Embora não negue que na nossa compreensão dos fenómenos há características que estão mais salientes e podem constituir uma definição (mais) essencial desses fenómenos, a Linguística Cognitiva afirma que é artificial qualquer corte estrito entre características essenciais e secundárias, e que existe antes um contínuo de fronteiras indefinidas entre o sentido nuclear e o periférico.

Deste modo, a Linguística Cognitiva procura evidenciar que não existe um conhecimento propriamente linguístico relativo ao sentido das unidades linguísticas, distinto de outro tipo de conhecimento que possa ser evocado por estas unidades, mas como esta procura superar uma série de problemáticas decorrentes da teorização elaborada no âmbito daquelas perspectivas, veja-se Geeraerts 2010.

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que todo o sentido linguístico é de natureza conceptual, emergente da nossa experiência individual e colectiva do mundo, e que as conceptualizações evocadas pelas unidades lexicais se constituem como um vasta rede de conhecimento enciclopédico (ibidem: 221), pelo que «não existe nenhuma distinção entre conhecimento dicionárico e conhecimento enciclopédico: existe somente conhecimento enciclopédico, o qual subsume aquilo que possamos considerar ser conhecimento dicionárico» (ibidem: 216; tradução minha).

Aceitar esta compreensão do sentido linguístico significa, portanto, aceitar que todo o conhecimento que eu tenho relativamente, por exemplo, aos gatos, todos os dados advindos da minha experiência que entram no meu conceito dessa realidade – sobre as suas formas, as suas manifestações sonoras, o seu comportamento habitual, conhecimento mais especializado sobre a sua anatomia ou fisiologia, mas também conhecimento acerca de modo como certas culturas compreendem a espécie, que algumas pessoas são alérgicas a eles, ou ainda vários dados da minha experiência individual, como seja a memória afectiva relativamente a algum gato de estimação, etc. – pertence ao sentido que para mim tem a palavra “gato”.

No entanto, verifica-se que estes dados que constituem o meu conhecimento enciclopédico relativamente à realidade que são os gatos, não possuem todos igual relevância na minha conceptualização dessa realidade e, consequentemente, na minha compreensão do sentido da palavra “gato”, mas que, pelo contrário, alguns de entre estes aparecem mais salientes na minha conceptualização e compreensão linguística. Langaker (1987: 159) designa este fenómeno de “centralidade”, a propósito do qual nos diz:

«I do not specifically claim that all facets of our knowledge of an entity have equal status, linguistically or otherwise – quite the contrary. The multitude of specifications that figure in our encyclopedic conception of an entity clearly form a gradation in terms of their centrality. Some are so central that they can hardly be omitted from even the sketchiest characterization, whereas others are so peripheral that they hold little significance even for the most exhaustive description».

Acrescentando depois:

«The centrality of a particular specification within the encyclopedic characterization of an expression is a matter of relative entrenchment and likelihood of activation in the context of that expression».

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Langacker (1987: 158-161) identifica, então, quatro factores que determinam o grau de saliência ou centralidade dos elementos que constituem o conhecimento associado à conceptualização de um dado ente ou categoria de entes e ao sentido da unidade linguística que os denomina, nomeadamente o carácter mais ou menos convencional, genérico, intrínseco e característico desses elementos6.

Os elementos que constituem o conhecimento associado ao sentido de uma palavra podem, assim, ser classificados segundo quatro parâmetros que explicam a razão pela qual esses elementos apresentam diferentes graus de saliência ou centralidade na nossa compreensão dessa palavra. De acordo com estes parâmetros este conhecimento pode ser, então, classificado, em diferentes graus, como sendo: (1) convencional/não-convencional (em último grau, conhecimento individual), (2) genérico/específico, (3) intrínseco/extrínseco, (4) característico/não-característico.

Entre estes parâmetros de qualificação do conhecimento, o primeiro (convencional/não-convencional) refere-se ao nível de partilha do conhecimento entre uma comunidade linguística, enquanto os outros três têm por base a natureza dos factos conhecidos enquanto atributos das realidades conceptualizadas.

(1) O conhecimento associado a determinada palavra é considerado mais ou menos convencional de acordo com o grau em que é partilhado por uma comunidade linguística. O conhecimento convencional é, como tal, a informação relativa a uma dado ente conceptualizado que é amplamente conhecida e partilhada por uma comunidade.

Seguindo o exemplo da “banana” apresentado por Evans e Green (2006: 217), entre o conhecimento evocado por esta palavra considera-se convencional aquele relativo à sua forma, cor e sabor habituais, a sua pertença à categoria de “fruta”, etc. Será não-convencional, por exemplo, o conhecimento de que a banana que comi pela manhã me causou uma indigestão. Num grau intermédio estará o conhecimento de que a minha irmã não gosta de bananas, ou que as bananas são ricas em potássio (que será, ainda, mais convencional que este último, mas menos convencional que o primeiro).

Sendo um conhecimento partilhado pela generalidade dos membros de uma comunidade linguística, o conhecimento convencional tem maior probabilidade de ser central na conceptualização de uma dada realidade.

6

A apresentação desta teoria de Langacker baseia-se não só na exposição do próprio autor, mas ainda na de Evans & Green 2006: 216 e 220.

(26)

(2) O carácter mais genérico ou mais específico de determinado conhecimento é relativo ao grau de maior ou menor generalidade com que a característica objecto de conhecimento se aplica à classe de entes conceptualizada. Por exemplo, que as vacas deem leite é um conhecimento genérico, que uma certa vaca sofra de encefalopatia espongiforme bovina é um conhecimento específico.

Sendo que é relativo a aspectos partilhados pela generalidade dos entes de uma categoria possivel objecto de conhecimento, o conhecimento genérico tem uma maior probabilidade de se tornar conhecimento convencional. No entanto, é possível que conhecimento específico se torne convencional, como é o caso do conhecimento relativo a um dado aspecto particular de certo ente individual que é conhecido pela generalidade dos membros de uma comunidade linguística: por exemplo, que Mário Soares foi Presidente da República.

Também pode acontecer que certo conhecimento genérico não se constitua como conhecimento convencional, como é o caso do conhecimento relativo a aspectos que qualificam a generalidade dos entes pertencentes a uma dada categoria, mas que é objecto de conhecimento especializado: por exemplo, o conhecimento relativo à estrutura dos átomos.

(3) O conhecimento é considerado intrínseco quando é relativo às propriedades internas de um ente, e considerado extrínseco quando é referente à sua relação com factos externos.

Por exemplo, é conhecimento intrínseco relativo à banana saber que é comestível, que tem cor amarela quando madura, e uma forma geralmente curva; é conhecimento extrínseco relativo à banana saber que aparece em quadros de naturezas-mortas, que são o fruto favorito do Manuel, ou que eram usadas por Carmen Miranda como parte dos seus adereços.

Sendo que o conhecimento intrínseco é geralmente genérico, tem grandes probabilidades de se tornar convencional. No entanto, certos factos intrínsecos aos entes conhecidos, não sendo imediatamente identificáveis, não se constituem como objecto de conhecimento convencional. Por exemplo, o conhecimento do valor nutricional das bananas.

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ser mais ou menos característico de acordo com o grau em que o aspecto da categoria nomeada pela palavra que é objecto de conhecimento é mais específico dos entes dessa categoria ou mais partilhado com outras categorias de entes.

Por exemplo, o conhecimento relativo ao facto de o Homem ser dotado de razão é um conhecimento característico, pois é um conhecimento referente a uma qualidade atribuida unicamente ao homem entre os seres conhecidos. Por outro lado, o conhecimento relativo ao facto de o Homem ser um animal é pouco característico, pois é referente a uma qualidade do ser humano que é partilhada por várias outras categorias de entes.

Resumindo, de que modo é que estas características do conhecimento enciclopédico contribuem para a centralidade de certos aspectos de um ente na sua conceptualização e no sentido das palavras que nomeiam essa conceptualização?

Considerando as definições e exemplos apresentados podemos verificar que quanto mais convencional for o conhecimento do aspecto do entidade ou categoria de entidades objecto de conhecimento, e quanto mais genérico, intrínseco e característico for esse aspecto relativamente à entidade ou categoria de entidades enquanto objecto de conhecimento, maior a probabilidade do conhecimento desse aspecto se constituir como central no sentido da unidade lexical correspondente.

Concluo esta exposição com o exemplo apresentado por Evans e Green (2006: 220) que resume o modo como as quatro características do conhecimento aparecem na compreensão do sentido da palavra “banana”:

«For example, for Joe Bloggs, the knowledge that bananas have a distinctive curved shape is conventional, generic, intrinsic and characteristic, and is therefore highly salient and therefore central to his knowledge about bananas and to the meaning of the lexical concept BANANA.The knowledge that Joe Bloggs has that he once peeled a banana and found a maggot inside is non-conventional, specific, extrinsic and non-characteristic, and hence is much less salient and less central to his knowledge about bananas».

Concluída esta apresentação introdutória do que se entende por “compreensão enciclopédica do sentido linguístico”, passamos agora a especificar mais algumas suas características.

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2º, o sentido linguístico constitui-se na experiência.

Como vimos, o sentido das unidades linguísticas corresponde às conceptualizações que essas unidades evocam, e os conceitos na mente constituem-se a partir do exercício das diversas faculdades cognitivas na experiência do mundo.

Já identificámos anteriormente, a partir de Evans e Green (2006: 206), duas formas dessa experiência, ao definir o conhecimento enciclopédico como estando fundado, por um lado, na experiência física do mundo, por outro, na experiência social de interacção com o outro.

Na ideia da experiência física do mundo como determinante da conceptualização (e, consequentemente, do sentido linguístico) está compreendida a tese, fundadora da perspectiva cognitiva, do fundamento corpóreo da conceptualização: a nossa conceptualização possível é determinada (condicionada) pela natureza do nosso corpo, incluindo a nossa arquitectura neuro-anatómica, pelas possibilidades (limitadas) experienciais que a nossa corporeidade (embodiment) nos abre (ver Evans & Green 2006: 44-48; Evans, Bergen & Zinken 2007: 7).

Por exemplo, a nossa experiência e conceptualização do espectro de cores é condicionado pelos órgãos visuais que possuímos, e que diferem dos de outros animais, como a cascavel, que consegue ver os infravermelhos (Evans, Bergen & Zinken 2007: 7). Quer isto dizer que a conceptualização primária é aquela que se constitui a partir da experiência física do mundo, e toda a conceptualização constituída a partir do exercício das faculdades cognitivas superiores – como sejam o pensamento reflexivo a imaginação, a idealização, as faculdades de conjecturar, planear, etc. – é fundada nos e derivada dos dados daquela conceptualização primária, a qual determina os limites e as possibilidades desta conceptualização segunda.

A partilha, não só, de uma essencialmente mesma arquitectura neuro-anatómica (apesar das pequenas diferenças idiossincráticas), mas também, quando inseridos numa comunidade, de um mesmo meio físico conduz, desde logo, a que a nossa experiência do mundo seja, em grande medida, comum com os outros membros dessa comunidade, determinando a constituição de conceptualizações partilhadas das realidades.

No entanto, a experiência humana não se resume à experiência corporizada do mundo físico, pois sobre esta realidade material, o homem constrói uma complexa arquitetura de sistemas simbólicos (entre estes a linguagem), aquilo a que chamamos de cultura.

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não só um contexto físico, mas ainda um contexto cultural, também ele determinante do modo como compreendemos (conceptualizamos) as realidades. A experiência social cultural (na qual se inclui a experiência da língua) determina a aquisição, por parte dos indivíduos, de uma série de compreensões colectivas das realidades.

A cultura, na sua dimensão de sistema de conceptualizações convencionalizadas partilhadas por uma comunidade – no qual se incluem sistemas de valores, sistemas de interpretação do mundo, etc. –, influencia, então, o modo como individualmente nos comportamos e compreendemos as realidades. Geeraerts (2006: 5) dá o exemplo do modo como a categoria “pássaros” pode ser pensada:

«Again, think of birds. The encyclopedic nature of language implies that we have to take into account the actual familiarity that people have with birds: it is not just the general definition of bird that counts, but also what we know about sparrows and penguins and ostriches etc. But these experiences will differ from culture to culture: the typical, most familiar birds in one culture will be different from those in another, and that will affect the knowledge people associate with a category like ‘bird’».

Outro exemplo é a diferença no modo como um português e um indiano pensarão a vaca, na medida em que esta possui valor religioso na cultura hindu, enquanto no nosso contexto cultural este valor está ausente.

A linguagem é uma das principais ferramentas que permite esta convencionalização dos conceitos que constituem determinado sistema cultural, na medida em que esta possibilita a fixação, partilha e propagação dos diversos sistemas de interpretação do mundo, como sejam, por exemplo, sistemas de valores, ou sistemas de organização do conhecimento (e.g., as taxonomias).

Para além disso, a própria língua que falamos pertence ao âmbito dos determinantes culturais da nossa experiência do mundo e, consequentemente, da nossa conceptualização do mundo experienciado. Consideremos, por exemplo, o modo como a designação comum da espécie bovina na nossa língua condiciona o modo como comummente conceptualizamos esta espécie: o facto de designarmos esta espécie pelo nome do membro feminino da espécie, “a vaca”, pode condicionar-nos a pensar primeiramente a espécie a partir da imagem do seu membro feminino7.

Se agora nos centrámos nos elementos que determinam a partilha de

7

Para uma exposição mais aprofundada do modo como presença de marcadores de género nas unidades lexicais de certas línguas pode condicionar a conceptualização das entidades nomeadas por essas unidades, veja-se Boroditsky, Schmidt & Phillips (2003).

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conceptualizações, é importante verificar que toda a conceptualização acontece a partir da experiência individual, pelo que as conceptualizações que os indivíduos possuem na sua mente possuem sempre informação singular, porque derivada de uma experiência singular (recupera-se aqui a ideia de experiência corporizada). A minha compreensão de “pássaros” é enformada tanto pelo conhecimento comunicado pelos outros acerca das compreensões partilhadas dentro da nossa comunidade cultural e linguística quanto ao que são “pássaros”, como pela minha experiência individual e singular de relacionamento com pássaros.

Mesmo falando de aspectos da conceptualização que são partilhados por uma mesma comunidade cultural, ou sociedade, podemos verificar que, dentro deste grupo alargado, diferentes sub-grupos, ao terem um vivência comum diferente da de outros grupos, possuirão conceptualizações partilhadas específicas constituidas a partir da sua experiência comum particular.

Deste modo, um agricultor, um veterinário, um zoólogo, um comum habitante urbano, ou alguém que tenha uma vaca por animal de estimação (apela-se aqui à imaginação do leitor), que poderemos considerar que habitam todos uma mesma comunidade cultural alargada, conceptualizam todos de modo diferente a “vaca”, pois seguem hábitos de vivência das vacas que são específicos do seu grupo social. No entanto, mesmo entre os agricultores, os zoólogos, os veterinários, os comuns habitantes urbanos e donos de vacas de estimação, cada indivíduo possuirá uma conceptualização singular da “vaca” constituida na sua experiência individual das vacas.

3º, o sentido linguístico é perspectivizante.

A ideia do carácter perspectivizante da conceptualização e do sentido linguístico refere-se à forma de acesso à realidade a partir da qual o indivíduo física e culturalmente situado experiencia e conceptualiza a realidade.

As conceptualizações são perspectivizantes, na medida em que se produzem a partir de uma experiência que não é nunca das realidades em si mesmas, mas que é determinada por condicionantes biológicas e contextuais. Não conceptualizamos a realidade a partir de uma perspectiva omnisciente que nos permita aceder a totalidade do ser das coisas, ao seu ser em si mesmo, mas a partir da nossa experiência enquanto sujeitos individuais corporizados, condicionados pelas nossas características neuro-anatómicas e pela nossa localização num contexto físico e cultural específico, a partir do qual compreendemos o mundo.

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Geeraerts (2006: 4) dá um exemplo que demonstra o modo como a expressão linguística reflecte o carácter perspectivizante da nossa conceptualização, mais especificamente, neste caso, a forma como a perspectiva espacial aparece na expressão linguística. Imaginemo-nos nas traseiras de uma casa, querendo dizer que deixámos a bicicleta junto à porta de entrada de casa. Neste caso, tanto posso dizer que a bicicleta está «atrás da casa», como «em frente à casa». No primeiro caso, a expressão diz a nossa conceptualização da localização da bicicleta a partir da sua posição relativamente a nós, considerando a casa como estando entre nós e a bicicleta. No segundo caso, exprimimo-nos a partir da compreensão convencional e perspectivada da casa, constituída na nossa experiência física comum das casas, que leva a que as conceptualizemos como possuindo uma frente (por onde geralmente entramos, o que geralmente está diante de nós).

4º, o sentido linguístico é dinâmico e flexível.

Na medida em que as realidades experienciadas pelos indivíduos, e a sua própria experiência das realidades, são dinâmicas, a conceptualização das mesmas e o sentido das unidades linguísticas que as representam estão necessariamente sujeitos a mudanças, pelo que são necessariamente flexíveis: «novas experiências e mudanças no nosso ambiente requerem que adaptemos as nossas categorias semânticas às transformações das circunstâncias, e que deixemos espaço para nuances e casos ligeiramente desviantes» (Geeraerts 2006: 4, tradução minha).

Novas experiências de um fenómeno implicam que o meu conceito desse fenómeno se altere. Por exemplo, se eu passasse a ter uma vaca de estimação, teria necessariamente uma outra compreensão da espécie, não só porque passaria a saber mais acerca do seu comportamento, como entraria na minha compreensão um novo elemento afectivo. Do mesmo modo, a minha compreensão de uma categoria, por exemplo da categoria “pássaro” é modificada pelo meu conhecimento de uma nova espécie, ou pelo novo conhecimento de uma característica que distingue os animais dessa categoria, etc.

A flexibilidade do sentido linguístico apresenta-se ainda na abertura às «nuances e casos ligeiramente desviantes». Considere-se o exemplo apresentado por Geeraerts (ibid., tradução minha) do caso da categoria “pássaro”: «não existe um conjunto único, rígido de características definitórias que se apliquem a todos os pássaros e só a pássaros», por exemplo, conseguirem voar, «mas temos uma estrutura de semelhança

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familiar flexível capaz de lidar com casos marginais», como seja o caso do pinguim ou da avestruz. Do mesmo modo, frequentemente testemunhamos a ocorrência de entidades fora do comum que somos capazes de reconhecer como pertencendo a uma categoria, apesar de apresentarem características que violam a caraterização convencional dos entes dessa categoria: por exemplo um fruto com forma invulgar, ou um animal que nasce com um membro a menos, etc.

5º, o sentido linguístico é baseado no uso contextualizado da linguagem. Tal como afirma Geeraerts (2006: 5 e 6, tradução minha), «a natureza experiencial do conhecimento linguístico pode ser especificada ainda de outro modo, apontando para a importância do uso linguístico para o nosso conhecimento da linguagem». Assim se considera que «a experiência linguística é uma experiência de uso efectivo da linguagem, não de palavras como as encontraríamos num dicionário ou de padrões frásicos como encontraríamos numa gramática».

Trata-se de afirmar aqui, mais uma vez, a base experiencial do sentido linguístico, bem como a sua natureza conceptual e enciclopédica. Não existe qualquer tipo de autonomia do sentido linguístico, um sentido essencial e independente da experiência de uso contextualizado da própria língua, mas é o próprio uso que legisla as possibilidades de sentido das unidades linguísticas, da sua compreensão e comunicação.

(33)

Capítulo III

Semântica de frame : modelo de caracterização

da estrutura conceptual associada ao sentido das unidades linguísticas

São vários os modelos apresentados, no contexto da teorização em Semântica Cognitiva, de caracterização da estrutura que o conhecimento enciclopédico assume na nossa conceptualização das realidades e da estrutura que a conceptualização apresenta na expressão linguística como seu sentido. Aquele que será aqui apresentado, e que será usado como ferramenta conceptual na análise dos termos e das traduções de que nos ocuparemos, é a teoria de frame, introduzida nos estudos em Semântica Cognitiva por Charles J. Fillmore. O próprio autor apresenta este conceito, no seu artigo de 1982 “Frame Semantics” (Fillmore 2006), como pretendendo abarcar aquilo que é compreendido por uma série de conceitos explicativos do fenómeno semântico já antes apresentados por outros investigadores: «‘schema’, ‘script’, ‘scenario’, ‘ideational scaffolding’, ‘cognitive model’, or ‘folk theory’» (p. 373).

Comecemos por considerar o seguinte exemplo, baseado no que é proposto por Fillmore no seu artigo “Frames and the semantics of understanding” (1985: 223). Consideremos, então, os seguintes grupos de palavras:

– segunda-feira, terça-feira, quarta-feira, quinta-feira, sexta-feira, sábado, domingo;

– dia, noite, tarde, meia-noite, manhã, madrugada; – mãe, pai, avô, avó, filho, filha, irmão, irmã; – comprar, vender, pagar, gastar, receber, preço.

Qualquer leitor reconhecerá que estas palavras formam conjuntos lexicais com as outras palavras com que se acham aqui agrupadas. Tal acontece porque cada uma das palavras desses conjuntos é um representante lexical «de uma certa esquematização coerente singular de experiência ou conhecimento» (ibidem, tradução minha). Significa isto que a compreensão de um dos itens desses conjuntos implica, em certa medida, compreender todos os outros; isto é, significa que a compreensão do conceito veiculado por cada um desses itens pressupõe a sua inscrição numa conceptualização mais ampla, o seu frame, de que eles são compreendidos como elementos constituintes; mais ainda, os conceitos veiculados por cada item lexical só são compreensíveis se pensados como integrando esta conceptualização mais ampla.

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Frame pode assim ser definido como sendo «qualquer sistema de conceitos relacionados de tal modo que para compreender qualquer um deles é necessário compreender a totalidade da estrutura em que ele se insere», de maneira que «quando uma das coisas em tal estrutura é introduzida num texto, ou numa conversa, todas as outras são automaticamente tornadas disponíveis» (Fillmore 2006: 373; tradução minha).

Fillmore recorre à linguagem da psicologia da gestalt (a distinção clássica entre figura e fundo) para identificar o frame de um dado campo lexical como sendo o «fundo comum» relativamente à «figura», que é representável por qualquer uma das palavras individuais desse campo lexical (1985: 224; tradução minha).

Consideremos agora o modo como compreendemos a palavra “segunda-feira”. A sua compreensão implica que enquadremos o conceito evocado por essa palavra num «frame interpretativo singular formado pela compreensão de»:

(1) «o ciclo natural criado pelas aparentes viagens diárias do sol»,

(2) «os meios convencionalizados [standard] de reconhecimento de quando acaba um ciclo diário e começa outro»,

(3) «o ciclo calendárico mais amplo de sete dias»,

(4) «a prática na nossa cultura de atribuir diferentes porções do ciclo semanal ao trabalho e não-trabalho» (ibidem, tradução minha).

Acrescenta Fillmore:

«Uma consciência implícita desta organização particular do nosso mundo físico e social fornece a base conceptual para um corpo bastante amplo de material lexical, incluindo nomes como “semana” e “dia”, os seus derivativos adjectivais, os nomes individuais dos dias da semana, e categorias especiais como “semana” e “quinzena”» (ibidem, tradução minha).

Registe-se ainda que, por um lado, o frame associado a um conceito é um elemento dessa conceptualização, por outro, o frame é ele próprio um conceito mais amplo no qual o conceito mais elementar se insere. Pense-se, por exemplo, na conceptualização associada ao termo “mãe”: a realidade nomeada é conceptualizada, necessariamente, como estando inserida no frame “família”, sendo que este frame aparece necessariamente nesta conceptualização. Por outro lado, “família” é também um conceito, que é pensado necessariamente como tendo “mãe” como elemento.

A fim de tornar mais claro o sentido do conceito de frame e as vias de análise semântica que ele nos abre, passarei a apresentar alguns dos modos como o frame,

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enquanto estrutura da nossa representação conceptual, aparece no uso da linguagem, partindo da exposição sistemática realizada por Kövecses (2006: 67-69; a tradução das citações é minha), sendo que farei acrescentos a esta exposição sempre que considerar que tal é necessário para completar o quadro conceptual que servirá de base às nossas análises e considerações. Passemos, então, à exposição destas características.

1ª, «os frames são evocados por sentidos particulares das palavras» (p.67). Kövecses dá o exemplo da frase «The teacher called John to answer the question», em que a palavra “teacher” evoca o frame “escola”.

Podemos ainda acrescentar que uma mesma palavra designando uma mesma realidade pode evocar frames diferentes. É o caso, por exemplo, da palavra “machado”, a qual pode evocar, pelo menos, dois frames: ao ser compreendido como instrumento de agressão, o “machado” evoca o frame da guerra ou do combate; ao ser compreendido como instrumento para cortar madeira, o frame evocado será o deste mesmo acto, ou do trabalho de lenhador.

2ª, «elementos particulares dos frames podem ser focados» (p. 67).

Por exemplo, «quando usamos as palavras professor ou estudante são destacados elementos particulares do frame escola».

3ª, «os frames impõem, frequentemente, uma certa perspetiva sobre uma situação» (p. 67).

Noutros termos, o locutor pode, frequentemente, escolher uma perspetiva particular para falar de uma situação, e então o ouvinte é confrontado com essa perspetiva ao compreender a situação». Para ilustrar esta caraterística, o autor cita um exemplo fornecido por Fillmore. Considere-se as duas frases seguintes:

a. John spent four hours on land. b. John spent four hours on the ground.

Enquanto a primeira «fornece uma conceptualização da situação da perspetiva da viagem marítima», na segunda a situação é conceptualizada a partir da perspetiva da viagem aérea. Em ambos os casos podemos pensar numa mesma situação, em que um mesmo personagem (John) passou quatro horas num mesmo sítio a fazer as mesmas coisas; no entanto, as expressões «on land», na primeira frase, e «on the ground», na segunda, evocam diferentes frames que determinam diferentes compreensões quanto ao

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