• Nenhum resultado encontrado

Escola e privação de liberdade: um diálogo em construção

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Escola e privação de liberdade: um diálogo em construção"

Copied!
17
0
0

Texto

(1)

Escola e privação de liberdade: um diálogo em

construção

RESUMO

Este trabalho tem como objetivo apresentar a educação escolar de adolescentes que cumprem medida socioeducativa de privação de liberdade em um Centro de Atendimento (CA), enfatizando a construção do Planejamento Pedagógico (PP) perante o cenário de controle, poder e vigilância. A pesquisa é de cunho qualitativo e utilizou como instrumento para coleta de dados a pesquisa bibliográfica e conversas com professores. São apresentadas evidências de que, apesar da utilização do currículo da Secretaria Estadual de Educação de São Paulo (SEE/SP) e do Projeto de Reorganização da Trajetória Escolar, são poucos os adolescentes que significam a prática social escolar como relevante, enquanto outros participam somente para constar como algo positivo em seu relatório técnico encaminhado periodicamente ao Poder Judiciário. Os resultados obtidos apontam um avanço após parceria com Secretaria Estadual de Educação, mas ainda há necessidade de desenvolver ações para a valorização da participação discente, a formação contínua de professores e de profissionais que atuam e interferem na dinâmica escolar.

Palavras-chave: Escola. Privação de Liberdade. Ensino Formal.

Adolescentes. Planejamento Pedagógico.

School and deprivation of liberty: building dialogues

Abstract

This work aims to present the education of adolescents who abide by social deprivation of freedom in a detention center, emphasizing the construction of Pedagogical Planning (PP) against the background of control, power and surveillance. The research is a qualitative study and used as a tool for data collection bibliographic research and conversations with teachers. Evidence that, despite the use of the curriculum of the State Department of Education of São Paulo, and the Project for the Reorganization of School Trajectory, few teens that mean the school social practice as relevant are displayed, while others

C o n ce ão , W . L. o lb u q u erqu e et al

Willian Lazaretti da Conceição1

1 Mestre em Educação pela

Universidade Federal de São Carlos. Doutorando em Educação pela Universidade Estadual de Campinas. Professor da Universidade do Estado da Bahia – Departamento de Educação-Campus XII.

(2)

participate only appear as something positive in his technical report submitted periodically to the Judiciary. The results show an improvement after partnering with the State Department of Education, but there is still need to develop actions for the recovery of student participation, training of teachers and professionals working in the school dynamics and interfere.

Keywords: School. Deprivation of Liberty. Formal Education.

Adolescence. Educational Planning.

Introdução

A educação escolar para jovens em situação de cumprimento de medida socioeducativa de internação sempre foi repleta de entraves relacionados ao distanciamento dos adolescentes com a escola, defasagem de conhecimentos escolares, relação entre professor e aluno-problema, posicionamento de gestores (direção, coordenação pedagógica) frente a estes jovens, família pouco participativa, falta de currículo específico que atenda ao jovem em privação de liberdade dentre alguns outros que podemos vislumbrar nos trabalhos de Gallo e Williams (2005; 2008), Lopes (2006), Calado (2010), Oliveira (2010), Souza (2010) e Zanella (2010).

Diante destes e de outros trabalhos que serão mencionados no decorrer do texto, tenho como proposta estabelecer um diálogo com estes autores, considerando a minha formação acadêmica e trajetória profissional, trabalhando no setor pedagógico desenvolvendo ações

com e para estes adolescentes excluídos, marginalizados e infratores.

Tendo em vista que os trabalhos de Lopes (2006), Teixeira (2009), Oliveira (2010), Lima (2010) e Souza (2011) trazem com riqueza de detalhes a trajetória histórica e política do trato ao adolescente em conflito com a lei, partirei diretamente para o foco deste estudo, sem desconsiderar os avanços já elucidados em trabalhos anteriores.

(3)

O texto elaborado é fruto da experiência de construção do Planejamento Pedagógico (PP) para a escola que funciona dentro de um CA para adolescentes do sexo masculino. Para tanto, são considerados diálogos com professores e professoras realizados no ano de 2012 para a elaboração do PP referente a um semestre letivo, tendo em vista a rotatividade de jovens no cumprimento da medida e também na própria dinâmica do Centro em questão, pois pode haver diferença no período de cumprimento da medida entre os Centros tendo em vista a população atendida e dinâmica de trabalho dos servidores.

Escola: estrutura e funcionamento

Inicio tratando a questão da educação escolar, tendo-a como um direito assegurado, conforme artigo sexto da Constituição brasileira, são direitos sociais: a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados. Não obstante, o Estatuto da Criança e do Adolescente (BRASIL, 2008) no artigo 124, reitera que receber escolarização está entre os direitos do adolescente em situação de privação de liberdade.

A lei do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (BRASIL, 2012), em seu artigo oitavo, presume que os Planos de Atendimento Socioeducativo deverão, obrigatoriamente, prever ações articuladas nas áreas de educação, saúde, assistência social, cultura, capacitação para o trabalho e esporte, para os adolescentes. Além de estabelecer como este procedimento deve acontecer. Sendo assim, as Secretarias Estaduais de Educação (SEE) são responsáveis pela execução da educação escolar dos adolescentes em situação de privação de liberdade, aspecto este que alguns estados já desenvolviam, dentre estes o Estado de São Paulo. As circunstâncias em que a escolarização é ofertada merece uma atenção especial. A escola dentro dos Centros de Atendimentos funciona em parceria com a SEE-SP, que por meio da Diretoria de

(4)

Ensino realiza os trâmites de atribuição de aulas por uma escola chamada vinculadora, pois subsidia as ações burocráticas das classes que funcionam dentro do CA.

O processo de atribuição de aulas é realizado junto com o CA, ou seja, a coordenação pedagógica participa do processo seletivo em conjunto com o supervisor da Diretoria de Ensino, e buscam identificar os professores que apresentam perfil1 condizente com as especificidades do trabalho docente no contexto da privação de liberdade.

A abertura e fechamento de classes no sistema escolar podem ser realizados a qualquer época do ano, e variam de acordo com a demanda de adolescentes, sua faixa etária e nível de ensino em que se encontram. Esta situação é recorrente no Ensino Fundamental I, pois poucos adolescentes estão classificados nas séries iniciais, mesmo apresentando defasagem. Desse modo, se houver apenas um aluno na classe e este for desinternado, há necessidade de fechar a classe e o professor perderá as aulas atribuídas, por isso não podem ser professores efetivos, podendo participar do processo somente professores cadastrados nas demais categorias.

A escola dentro do sistema de privação de liberdade funciona em parceria com a Secretaria Estadual de Educação desde janeiro de 2003, mudança que possibilitou definir o processo de escolarização dos internos como a base de sua atuação (LOPES, 2006). A oferta de escolarização era realizada por meio de cursos regulares, supletivos e telessalas, buscando atender todos os adolescentes. No final do mesmo ano, a Resolução 142, estabelece uma organização curricular, viabilizando a correção da defasagem idade/série dos adolescentes, pelo programa de classes de aceleração, curso regular e Educação de Jovens e Adultos – EJA (OLIVEIRA, 2010).

Em 2005, a Resolução SE 46 de 13 de julho, e a Portaria CENP de 14 de julho, estabeleceram organização da escolarização pela modalidade

1 Há necessidade de discussão acerca do perfil traçado, tornando-se tema para outra

(5)

EJA, a partir das matrizes curriculares do Exame Nacional para Certificação de Competências de Jovens e Adultos – ENCCEJA. Esta organização se deu pelo Projeto de Reorganização da Trajetória Escolar (PRTE).

A organização didática está vinculada ao PRTE, instituído pela Resolução SE Nº 15/2010 e alterado pela Resolução SE Nº 06/2011 nas classes de ensino fundamental e médio em funcionamento nos Centros de Atendimento (CA), que veio substituir o modelo da Educação de Jovens e Adultos (EJA), adotado pela instituição nos anos anteriores que tinha como objetivo preparar o aluno para a realização do ENCCEJA.

Na maioria dos CA, as classes são formadas por alunos de séries diferentes e o planejamento é elaborado com base no Currículo do Estado de São Paulo. Isto significa que os professores têm de lecionar para alunos de séries distintas e adequar os conteúdos dos cadernos do aluno e do professor à realidade de uma Instituição Total (GOFFMAN, 2010), considerando a defasagem escolar de grande parte dos adolescentes e as diferentes realidades de cada Centro.

O ensino formal deve ser oferecido a todos os adolescentes, sendo a participação obrigatória. As salas são multisseriadas por nível, sendo estruturadas em Nível I – 1ª à 4ª série do Ensino Fundamental; Nível II – 5ª a 8ª série do Ensino Fundamental e Nível III – 1ª, 2ª e 3ª série do Ensino Médio. Diante das mudanças no cenário da educação escolar, e conforme as resoluções, vão surgindo situações sem que a base seja consultada e incorrem no que Souza (2011) menciona no trecho a seguir:

P.R.T.E. (Projeto Revitalizando a Trajetória Escolar) - que rege o ensino formal da Fundação CASA; e conhecida a Proposta Curricular do Estado de São Paulo – matriz que norteia o processo de escolarização também dentro de Unidades de Internação. No entanto, esta tríade não apresentava o suporte necessário para o trabalho dentro da Fundação CASA. A realidade do dia-a-dia dentro de uma Unidade pedia respostas urgentes. A dúvida

(6)

inquietante, de como trabalhar o PRTE e o Currículo oficial do Estado de São Paulo dentro da Fundação CASA ainda não havia encontrado respostas. Queria eu também um modelo pronto? (SOUZA, 2011, p. 91).

É possível identificar que realmente havia algo que não apresentava sentido, como realidades tão distintas poderiam se aglutinar, mesmo tentando realizar um recuo epistemológico, buscando caminhos que pudessem aproximar as práticas, trata-se de uma atividade complexa e distante da realidade da educação em privação de liberdade.

O currículo oferecido através da escolarização, nas unidades da Fundação CASA, não está inserido na proposta pedagógica da unidade, acontecendo desta maneira, duas propostas que não se completam de forma a agregar todos os aspectos e sujeitos envolvidos na educação e escolarização, em busca de um objetivo comum, que é o desenvolvimento do adolescente (OLIVEIRA, 2010, p.18).

Podemos refletir sobre quais são as aproximações e distanciamentos da escola externa a privação. Como pensar o ensino regular para alunos de distintas séries em uma mesma classe, principalmente quando se possui um Currículo Estadual de Educação com o objetivo de desenvolver os mesmos conteúdos encontrados nas demais unidades escolares? Temos de considerar ainda, as múltiplas defasagens que alunos das séries avançadas possuem, muitas vezes decorrentes da progressão continuada.

O currículo previsto para a instituição apresenta como seus princípios centrais: ― a escola que aprende, o currículo como espaço de cultura, as competências como eixo de aprendizagem, a prioridade da competência de leitura e de escrita, a articulação das competências para aprender e a contextualização no mundo do trabalho (SEE/SP, 2008). Oliveira (2010) teve como hipótese em sua dissertação que o currículo oferecido aos adolescentes não contempla temas que estivessem voltados à construção de valores e atitudes que contribuíssem na

(7)

formação integral do adolescente ou para o que a autora chama de

ressocialização, conceito polissêmico e repleto de controvérsias que,

neste ensaio, não será debatido, ainda que mereça uma atenção especial. Dentre os trabalhos estudados, somente este apresenta que os adolescentes não se sentem vinculados afetivamente aos professores, e que isto impossibilita a construção de conhecimentos que colabore no projeto de vida do jovem. O objetivo de utilizar este trecho não é desqualificar o trabalho, mas evidenciar as diferenças e especificidades de cada Centro de Atendimento, de cada corpo docente, para que possamos refletir sobre quais distanciamentos e aproximações na formação destes professores, alcançam melhores resultados, o aprendizado do adolescente, transcendendo o conteudismo.

Uma possibilidade seria caminhar pela interdisciplinaridade, segundo Souza (2011):

Surge também a necessidade de repensar o currículo numa perspectiva interdisciplinar, em que não busca renunciar as disciplinas, mas repensá-las sobre uma outra ótica. Dessa forma, sala de aula não é lugar de transmissão e, sim, de construção, em que o desenvolvimento de competências emerge de um trabalho sistemático com problemas e com projetos - uma pedagogia ativa e cooperativa (SOUZA, 2011, p.96).

Esta se configura como uma possibilidade e ultrapassa reclamações e apontamentos de falhas governamentais, indicando uma maneira, que a meu ver pode amenizar as angustias vivenciadas cotidianamente pelos profissionais da educação que atuam no CA.

Espaço, poder e vigilância: mapeando o cenário para a elaboração do Planejamento pedagógico

O processo de atribuição de aulas acontece considerando a divisão de áreas, a saber: Linguagens e códigos e suas tecnologias, Ciência da

(8)

Natureza e Matemática e suas tecnologias, Ciências Humanas e sua tecnologias. Devido à falta de professores da Rede Estadual, somada a dificuldade no acesso aos Centros, haja vista que muitos estão distantes do centro da cidade, os professores lecionam disciplinas que muitas vezes sequer dominam.

Muitos professores permanecem ano após ano e são substituídos somente se apresentarem alguma demanda que prejudique o trabalho socioeducativo, passando a conhecer de perto as dinâmicas que envolvem os processos educativos em ambientes de controle, restrição e privação de liberdade. Ainda que poucos adolescentes permaneçam por mais de sete2 meses nos Centros de Internação, salvo os casos mais complexos com ato infracional muito grave, aliados à “desorganização” familiar ou falta de local seguro para o qual o jovem possa ser direcionado, isso inclui, infelizmente os abrigos.

Para iniciarmos a elaboração do Planejamento Pedagógico, consideramos que a medida de internação consiste em princípios que são complementares e se fundamentam na premissa de que o processo educativo no cumprimento da medida tem de considerar a brevidade como uma condição imprescindível.

O adolescente não deve permanecer por tempo prolongado no CA, tendo em vista que o ambiente se constitui como perigoso, pois as práticas e os procedimentos de segurança da rotina multiprofissional confirmam um “perigo iminente”, para os servidores e também para os adolescentes, que vivenciam um processo conflituoso de tentar se proteger diante das relações de poder, que geram tensão devido à relação entre jovens pertencentes a uma instituição destinada a indivíduos que oferecem risco a sociedade (ALMEIDA, 2010). Conforme menciona Almeida (2010), existe uma concepção pedagógica ou recuperadora, que possui legitimidade partindo da condição de pessoa em desenvolvimento, pois considera os objetivos

2 Período variável considerando a dinâmica do Centro de Atendimento, população

(9)

oficiais e efeitos intencionados dos Centros de Internação, direcionando para uma transformação ou para a construção de uma nova história de vida tendo como base a elaboração e desenvolvimento do Plano Individual de Atendimento (PIA), que diz respeito às metas que os adolescentes devem cumprir durante e após a internação, sem desconsiderar as experiências anteriores, interferência e atuação da família.

Um dos aspectos que contemplam a sistematização do PIA é a análise de como o adolescente significa o contexto escolar, buscando subsídios desde o ingresso no ambiente escolar ainda na infância, se o adolescente apresenta histórico de repetência, bem como quais os possíveis motivos. Durante a entrevista, busca-se conhecer se o jovem possui afinidade com algum componente curricular e quais detinham mais dificuldade. Estes dados compõem uma parte da elaboração do PIA do adolescente, juntamente com Avaliação de Leitura e Escrita, instrumental que envolve questões de leitura, escrita e matemática, ao qual o adolescente deve ser submetido ainda nos primeiros dez dias de internação, tendo por objetivo identificar o domínio da competência de leitura e escrita, a capacidade de efetuar cálculos e resolver problemas. A partir dessa avaliação, os professores poderão saber em que nível cada adolescente se encontra quanto a essas habilidades, facilitando a aprendizagem individual dos alunos (CONCEIÇÃO, 2012).

De acordo com estudo realizado por Gallo e Williams (2008), grande parte dos adolescentes em conflito com a lei não frequentavam a escola, cujo motivo alegado era o desinteresse causado pelas dificuldades que as escolas apresentam para manter tais alunos nas salas de aula. As demais justificativas estavam associadas ao uso de drogas, mudança de cidade, trabalho, gravidez e doença.

Gallo e Williams (2008) afirmam não ser fácil desenvolver atividades pedagógicas com os adolescentes devido à grande defasagem escolar. Podemos observar este aspecto na pesquisa de Conceição (2010), ao concluir que, apesar de a maioria dos adolescentes chegarem ao CA cursando o Ensino Fundamental II, após a avaliação diagnóstica

(10)

sugerida pela Rede Estadual de Educação e a aplicação dos formulários propostos pela própria instituição, é possível detectar que os adolescentes passaram de série/ano sem as condições necessárias para tal progressão.

Lopes (2006) pesquisou a prática social escolar de adolescentes em situação de privação de liberdade, identificando que a escola regular de um Centro de Atendimento tem suas limitações aumentadas, tendo em vista a somatização das regras da própria instituição, além de possuir estrutura rígida e caráter violento. A pesquisadora identificou que, nessa conjuntura, o professor está inserido num ambiente de disputa de forças, de um lado os que prendem e, do outro, os que querem a liberdade, e o docente acaba por atender as normas do Centro, que tem por objetivo o controle e a disciplina. A autora ressalta que, além dos adolescentes, os professores também são vigiados pelos funcionários da segurança, necessitam ainda conviver com diversas equipes, com objetivos e ideais distintos. Não obstante, os alunos também trazem consigo os conflitos que se iniciaram anteriormente ao ingresso na instituição e externos à realidade escolar, mas que interferem negativamente no processo educativo.

Cecchia (2006) em sua pesquisa acerca da versão de jovens alunos das classes populares sobre a experiência escolar na adolescência aponta que alguns estudos não consideram a condição adolescente dos alunos. Os adolescentes entrevistados mencionaram a necessidade de melhorar a comunicação e o diálogo entre professores e alunos, evidenciando situações de desrespeito, humilhação, em que a indisciplina é considerada como vandalismo e seus atores como marginais e fontes de ameaça e medo quando, na verdade, a situação opressora por vezes é a causa dessas condutas tidas como inadequadas.

Em meio a essa rotina de disciplina, conflitos, tensão, existe uma tentativa de se promover espaços de educação escolar em privação de liberdade. Tendo início na elaboração do Planejamento Pedagógico, contando com um levantamento feito conjuntamente aos professores e professoras acerca dos aspectos que dificultam o trabalho docente,

(11)

importante ressaltar que os docentes já possuíam experiência de outros anos trabalhando nesse contexto.

Após tal procedimento, elencamos os temas a que pertencem cada um dos problemas apontados, e formamos quatro categorias, a saber: 1) Dificuldades pedagógicas dos alunos; 2) Condutas dos alunos; 3) Condutas dos Profissionais; 4) Recursos. Diante destas categorias foi proposto que cada docente elaborasse proposições para avançar e superar os entraves que vivenciam para, em seguida, discutirmos sobre, e fazer alguns encaminhamentos para o semestre.

Dificuldades pedagógicas – realizar a separação pelo grau de

dificuldades, propor um curso de alfabetização para docentes que não sejam pedagogos; pleitear materiais específicos para alfabetização; focar em estratégias lúdicas para ensino.

A segregação por nível de conhecimento foi um dos caminhos propostos pelos professores que, cientes das separações entre escolas externas e instituição, julgaram ser um bom caminho. Então, trouxemos ao debate a possibilidade de um adolescente aprender com o outro, mas foi logo descartada pela cópia que um fazia do outro, deixando de lado a vontade de aprender, presente inclusive nos discursos dos jovens. Sentiam também a necessidade de aprender a alfabetizar os jovens, pois tinham a intenção de ensinar os adolescentes a ler e escrever utilizando temas relacionados às próprias disciplinas, tentando não fugir das especificidades de cada área utilizando estratégias lúdicas como recurso. Esse discurso denota a insatisfação dos próprios professores quanto às estratégias limitadas que possuíam dado o contexto de aula.

Condutas dos alunos – Apresentação das normas sociais; que tenham

profissionais como exemplo de conduta; alunos que ficam fora da sala; desvio causado por interferência externa (seguranças, educadores, psicossocial) no decorrer das aulas.

Os combinados ou contratos serviriam para facilitar as ações dos professores em sala, dado o cenário de “liberdade” que os adolescentes tinham em relação a circular entre salas, idas e vindas ao banheiro, saídas para atendimentos de saúde. E, sobretudo para diminuir as

(12)

brincadeiras uns com os outros que interferiam na aula e esporadicamente geravam brigas e agressões verbais e físicas.

Condutas dos profissionais – relacionamento conflituoso entre

docentes; condutas de servidores que interrompem a aula sem pedir licença; conversas nos corredores; posturas inadequadas quanto às regras que os adolescentes deveriam seguir.

Este tópico foi o que mais motivou a participação dos docentes e também um dos mais problemáticos. Como promover um trabalho interdisciplinar com uma equipe que apresenta suas divergências de pensamentos, o que é comum e aceitável, mas que não sabem separar os pensamentos das ações? Após tenso debate, os pontos divergentes foram apresentados e conseguiram caminhar em uma mesma direção - o aprendizado do adolescente. Destarte, como os profissionais poderiam ser pessoas de boa referência se não adotavam práticas simples, como pedir licença ao chamar um adolescente, apoiar os pés nas paredes ou ficar conversando na porta da sala atrapalhando o desenvolvimento da aula? Fez-se necessário discutir que quanto mais humano for o trabalho destes seguranças, menores seriam as implicações de poder e de resistência dos jovens, e maior o espaço para exercerem e exporem seus saberes, pensamentos e ações, inclusive repreendendo-os por quebra de regras.

Recursos – Necessidade de mais mesas para diversificar estratégias;

cadeiras universitárias de acordo com o número de adolescentes e de melhor qualidade; materiais que apresentam pouca qualidade como lápis de cor e canetinhas; bem como necessidade de aquisição de mais materiais para dinamizar as aulas.

Esta demanda é sempre problemática, pois a instituição tem de prever recursos para um longo período, e mesmo contando com empecilhos e deterioração por conta do tempo, às vezes sempre faltava recursos básicos, como mesa para apoiar e escrever. No contexto de poucos materiais e limitações na quantidade de uso (por exemplo, tesouras) os professores se viam sempre repetindo as estratégias, e diversificando muito pouco, o que de fato aumentava o desinteresse dos adolescentes

(13)

em assistir às aulas. Mesmo com recursos financeiros, o processo era de uma morosidade inenarrável, o que contribuía para o desânimo dos docentes, refletindo no processo de ensino e de aprendizagem.

O planejamento realizado com uma aproximação da pedagogia dialógica de Freire (1985, 1996, 2005), possibilitou uma compreensão das reais situações que permeiam os processos educativos de modo que as dificuldades apontadas superam o eixo pedagógico, direcionando para a incompletude institucional e burocratização administrativa, uma vez que necessita de recursos físicos que demoram a ser supridos. A fundamentação teórica de Paulo Freire, procura dar ao ser humano a oportunidade de redescobrir-se/readmirar-se por meio da retomada reflexiva do próprio processo em que vai se descobrindo/admirando, manifestando e configurando método de conscientização (FREIRE, 1996). Desse modo, é possível propiciar espaços de reflexão na e sobre a ação docente.

Considerações finais

No ambiente da educação escolar, nesse contexto, existem algumas peculiaridades, como o número reduzido de alunos por classe, enquanto nas escolas públicas externas as classes somam uma média de quarenta alunos. As classes dentro do Centro dificilmente ultrapassam dezesseis alunos, aspecto que contribui para que o adolescente tenha maior facilidade de ser atendido pelo(a) professor(a) quando solicitado. Mesmo diante do cenário de classes multisseriadas, os adolescentes são agrupados pelos níveis atingidos na avaliação diagnóstica, e assim a ação docente fica mais viável, considerando a pouca “heterogeneidade” da classe.

Ao analisar as categorias formadas, podemos verificar que existem mais demandas externas do que propriamente pedagógicas. A falta de recursos físicos e de formação continuada para os profissionais que atuam com estes jovens refletem a desorganização das ações na área

(14)

escolar. Dificuldades com condutas de profissionais, falta de carteiras e mesas são implicações que transcendem a dificuldade dos adolescentes em ler e escrever. Entretanto, como conseguir ensinar estes jovens diante deste cenário conturbado, imbricado por relações de poder em que o docente está cada vez mais marginalizado perante aos demais profissionais?

Segundo Leme (2012), qualquer “barulho” diferente na unidade prisional de adultos serve como fundamento para a suspensão das atividades executadas na área da educação. Para os adolescentes, esta realidade é diferente, pois mesmo após rebeliões e tumultos, os adolescentes possuem suas atividades pedagógicas asseguradas, os espaços deteriorados são rapidamente reconstruídos para que as atividades sejam efetivadas, pois a participação na prática social escolar se caracteriza como um dos critérios que compõem as metas do plano individual de atendimento do adolescente, sendo a área escolar uma das principais para a elaboração dos relatórios que são encaminhados ao Poder Judiciário.

Os docentes (tanto homens quanto mulheres) que conseguem estabelecer um vínculo com os adolescentes são extremamente respeitados e, quando em dado momento, algum adolescente apresenta conduta que falte com o respeito, os próprios adolescentes já o repelem, “chamando na ideia” e explicando que, o/a professor/a está ali para ensinar e eles para aprender.

O vínculo estabelecido entre professor e aluno promove um espaço para o diálogo, o qual não se dá de um sobre o outro, mas com o outro, sendo necessário exercitar a humildade e estar livre de relação de opressão. Não deve haver um detentor da sabedoria absoluta (FREIRE, 2005). Esta estratégia defende a ideia de se estabelecer um diálogo com os adolescentes e demais envolvidos no processo educativo dentro do contexto da privação de liberdade.

Destarte, o educador não é aquele que transmite a realidade, mas o que leva o educando a descobri-la por si mesmo e, para tanto, deve valer-se de estratégias pedagógicas que transcendam a realidade da privação, de

(15)

forma que o adolescente se reconheça como participante da sociedade que o excluiu, mas que agora, a partir da oportunidade educativa propiciada pela escola, que oferece a possibilidade de (re)integrar-se a ela, que esse jovem busque transformá-la (SCARFÓ, 2003).

REFERÊNCIAS

ALMEIDA, Bruna G. M. de; A experiência da internação entre

adolescentes: práticas punitivas e rotinas institucionais. Dissertação

(Mestrado em Sociologia). Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2010. Disponível em:

http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8132/tde-08022011-144629/pt-br.php Acesso em: 06 de mai. de 2012.

BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente (1990). 6ª ed. Brasília: Câmara dos Deputados, Coordenação de Publicações, 2008. ______. Lei nº 12.594, de 18 de Janeiro de 2012. Esta Lei institui o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase) e regulamenta a execução das medidas destinadas a adolescente que pratique ato infracional. Disponível em:

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2012/Lei/L12594.htm acesso em 25/03/2012.

CALADO, Vânia A. Escolarização, gênero e conflito com a lei: um estudo de registros de atendimento a adolescentes em medida socioeducativa. Dissertação (Mestrado em Psicologia). Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2010.Disponível em: http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/47/47131/tde-30072010-105519/es.php Acesso em: 20 de jul. de 2012.

CHECCHIA, Ana K. A. O que jovens alunos de classes populares

têm a dizer sobre a experiência escolar na adolescência. Dissertação

(Mestrado em Psicologia da Educação). Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2006. Disponível em: http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/47/47131/tde-03082006-212144/pt-br.php Acesso em: 25 de ago. de 2012.

CONCEICAO, Willian L da. Aulas de Educação Física com adolescentes em conflito com a lei. In: III CONGRESSO INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA SOCIAL, 3., 2010, São Paulo.

Proceedings online... Associação Brasileira de Educadores Sociais

(ABES), Disponível em :

<http://www.proceedings.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid= MSC0000000092010000100028&lng=en&nrm=abn>. Acesso em: 03 Mar. de 2013.

(16)

______, Willian L. da. Lazer e adolescentes em privação de

liberdade: um diálogo possível? Dissertação (Mestrado em

Educação). São Paulo: Universidade Federal de São Carlos, 2012. p.152

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: Saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.

______. Educação como prática da liberdade. 16ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985.

______. Pedagogia do oprimido. 40ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005.

GALLO, Alex E.; WILLIAMS, Lúcia C. A.. A escola como fator de proteção à conduta infracional de adolescentes. Cad. Pesqui., São Paulo , v. 38, n. 133, abr. 2008 . Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0100-15742008000100003&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em 19 out. 2012. http://dx.doi.org/10.1590/S0100-15742008000100003.

_______. Adolescentes em conflito com a lei: uma revisão dos fatores de risco para a conduta infracional. Psicol. teor. prat., São Paulo , v. 7, n. 1, jun. 2005 . Disponível em http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-36872005000100007&lng=es&nrm=iso>. Acesso em 29 out. 2012. LEME, José A. G. Analisando a “grade” da “cela de aula”. In: ONOFRE, Elenice M. C.; LOURENÇO, Arlindo S. O espaço da

prisão e suas práticas educativas: enfoques e perspectivas. São

Carlos: Edufscar, 2011.

LIMA, Cauê Nogueira de. O fim da Era FEBEM: novas perspectivas para o atendimento socioeducativo no estado de São Paulo. Dissertação (Mestrado em Educação) Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2010. Disponivel em: http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/48/48134/tde-09032010-151702/pt-br.php Acesso em: 26 de set. de 2012.

LOPES, Juliana S. A escola na FEBEM-SP: em busca do significado. Dissertação (Mestrado em Psicologia Escolar). Instituto de Psicologia: Universidade de São Paulo, 2006. Disponivel em: http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/47/47131/tde-09042007-153821/pt-br.php Acesso em: 04 de jul. de 2012.

(17)

OLIVEIRA, Andréa S. A Fundação Casa e o trabalho educativo

escolar. Dissertação (Mestrado em Educação) Programa de

Pós-Graduação em Educação, Universidade Cidade de São Paulo, São

Paulo, 2010. Disponível em:

http://www.unicid.br/old/mestrado_educacao/dissertacoes/2010/andre a_dos_santos_oliveira.pdf Acesso em: 10 de ago. de 2012.

SCARFÓ, Francisco J. El derecho a la educación em las cárceles como garantia de la educación em derechos humanos. (EDH). Revista IIDH, San José, Costa Rica, v.36, p.1-35, jul.-dez. 2003. Disponível em: http://www.corteidh.or.cr/tablas/r06835-11.pdf Acesso em: 01 de nov. de 2012

SEE/SP. Secretaria de Estado da Educação de São Paulo. Proposta

Curricular do Estado de São Paulo. São Paulo: SEE. 2008.

Disponivel em:

http://www.educacao.sp.gov.br/portal/projetos/curriculo-do-estado-de-sao-paulo Acesso em: 10 de out. de 2012

SOUZA, Roberta V. P. A. O ensino formal da Fundação CASA e a

Interdisciplinaridade como busca de sentido para um novo Currículo. Dissertação (mestrado em Educação: Currículo). São Paulo:

Pontifícia Universidade Católica, 2011. Disponivel em:

http://www.pucsp.br/gepi/downloads/2012-DISS-%20ROBERTA%20ARANHA%20-080212.pdf Acesso em: 18 de set. de 2012.

TEIXEIRA, Joana D. . O Sistema Socio-Educativo de internação

para jovens autores de ato infracional do Estado de São Paulo.

Dissertação (Mestrado em Educação). Centro de Educação e Ciências Humanas, Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, 2009. ZANELLA, Maria N. Adolescente em conflito com a lei e escola: uma

relação possível? Rev. Bras. Adolescência e Conflitualidade, (3):

4-22, 2010. Disponível em

http://periodicos.homologa.uniban.br/index.php/RBAC/article/view/1 69/128 Acesso em: 17 out. de 2012.

Referências

Documentos relacionados

Por lo tanto, RD no solo debe reconocer su nacionalidad dominicana para disminuir su vulnerabilidad (CIDH, 2005, párr. 25)), pero también restituirlos por el daño inmaterial

Diante do relato do Professor 1, percebe-se que a escola oferece uma sala de recursos com variedade de matérias pedagógicos, como jogos e livros. Contudo, o espaço e o número de

Então são coisas que a gente vai fazendo, mas vai conversando também, sobre a importância, a gente sempre tem conversas com o grupo, quando a gente sempre faz

Atualmente, sua principal função é atuar, em conjunto com o Conselho de Escola, na gestão da unidade escolar, participando das decisões relativas à organização

Diante do que foi apontado pelas entrevistadas, este Plano de Ação foi construído de forma a possibilitar novas estratégias a serem usadas com a coordenação

Pensar a formação continuada como uma das possibilidades de desenvolvimento profissional e pessoal é refletir também sobre a diversidade encontrada diante

Declaro que fiz a correção linguística de Português da dissertação de Romualdo Portella Neto, intitulada A Percepção dos Gestores sobre a Gestão de Resíduos da Suinocultura:

O gráfico nº11 relativo às agências e à escola representa qual a percentagem que as agências tiveram no envio de alunos para a escola Camino Barcelona e ainda, qual a percentagem de