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Industrialização brasileira em perspectiva histórica

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Academic year: 2021

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industrialização brasileira

em perspectiva histórica

Wilson S u z i g a n

I n s t i t u t o d e E c o n o m i a d a U N I C A M P

Introdução

Este trabalho, de natureza preliminar e exploratória, procura r e t o m a r a discussão de um tema já amplamente estudado — o desenvolvimento industrial brasileiro — c o m base n u m esquema analítico abrangente. N e s t e sentido, ele deve ser lido mais c o m o um ensaio do q u e c o m o um artigo formal e acabado. Por isso, algumas "liberdades" são tomadas, c o m o , p o r e x e m p l o , a m e n o r p r e o c u p a ç ã o c o m bases d e d a d o s o u d e informações e a dispensa de citações no texto. U m a nota bibliográfica ao final do texto procura registrar as principais referências nas quais o trabalho se apoia.

D a d a sua natureza, o presente trabalho t a m p o u c o pretende ser c o n -clusivo. Talvez ajude mais a fazer perguntas e suscitar dúvidas do q u e a encontrar respostas e dirimir dúvidas. Se assim for, poderá ser encarado t a m b é m c o m o u m a proposta de agenda de pesquisa que trate o t e m a de forma abrangente e na perspectiva histórica.

Seu principal objetivo é ressaltar a complexidade dos fatores que d e t e r m i n a r a m historicamente a industrialização do País, e mostrar a necessidade primordial de levar em conta esses fatores no debate atual sobre a necessidade, ou não, de u m a política de desenvolvimento i n -dustrial. A partir daí é que se colocam questões específicas, tais c o m o : qual seria u m a política industrial factível n u m c o n t e x t o de e c o n o m i a aberta e Estado m í n i m o ? As empresas nacionais devem ser privilegiadas em relação ao capital estrangeiro? A indústria p o d e voltar a ser o " c a r r o -chefe" do crescimento e do emprego? Q u e desenvolvimento tecnológico seria necessário e qual a sua relação c o m o setor produtivo? Q u e inserção internacional seria mais desejável e qual o papel da indústria nesse â m

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-bito? A lista poderia ser ampliada, e talvez n e m sejam essas as perguntas mais relevantes.

O princípio básico proposto é o de q u e há um c o n j u n t o amplo de fatores condicionantes do desenvolvimento industrial, constituindo um sistema c o m p l e x o , articulado e bastante heterogêneo, q u e excede em m u i t o os simples reducionismos baseados em preços relativos e dotação de fatores de produção, mas c o m a óbvia desvantagem de não ser m o d e -lável. C o n t u d o , essa desvantagem precisa ser relativizada. A realidade ainda não está a d e q u a d a m e n t e representada n e m m e s m o nas ciências naturais.

Estes fatores condicionantes são apresentados na segunda seção adiante, e depois aplicados de forma genérica na interpretação de diferentes fases da industrialização brasileira na terceira seção. Antes, p o r é m , resu-me-se c o m propósitos m e r a m e n t e expositivos as características gerais do desenvolvimento industrial do Brasil nas três grandes fases de sua evolução.

As três grandes fases da evolução industrial do Brasil

E n t r e o último quartel do século X I X e o final do século X X , a e v o -lução da indústria no Brasil teve três grandes fases, cada u m a c o m carac-terísticas distintas, embora matizadas em certos aspectos — especialmente na transição para as duas últimas fases. É claro q u e há u m a miríade de fatores condicionantes nesse processo de evolução, cuja discussão será ensaiada na terceira seção adiante. A q u i , busca-se apenas caracterizar em linhas gerais as três fases em t e r m o s estritamente e c o n ô m i c o s e no q u e se refere à orientação da política econômica. Para isso, destacam-se em cada fase: o d e s e m p e n h o da p r o d u ç ã o industrial, comparativamente aos do P I B e da p r o d u ç ã o agrícola; a natureza do desenvolvimento i n -dustrial (induzido ou auto-sustentado), o padrão de desenvolvimento alcançado (estruturalmente restrito ou crescentemente diversificado; tecnologicamente simples ou sofisticado), e a postura da política e c o n ô -mica t e n d o em vista o desenvolvimento industrial.

Primeiramente, em termos das taxas médias de crescimento de l o n g o prazo, apesar das deficiências das estimativas para a primeira fase1, os

Como se sabe, não há estimativas adequadas para os agregados do PIB e da produção industrial para o período anterior a 1900, e, no caso da produção industrial, nem mesmo para os anos da primeira década do século, já que o único índice estimado para aqueles anos inclui apenas tecidos e produtos alimentares.

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dados da Tabela 1 p e r m i t e m fazer u m a clara distinção entre as três fases. Na primeira fase, a produção industrial teve um crescimento significativo, em parte explicado pela base ainda incipiente. A produção agropecuária comandava o crescimento do P I B2. Na segunda fase, o crescimento da p r o d u ç ã o industrial passou a liderar o crescimento do PIB, c o m u m a taxa média anual equivalente a mais do que o dobro daquela da produção agrícola. E, na terceira fase, a p r o d u ç ã o industrial ficou praticamente estagnada, ou m e s m o negativa, em t e r m o s per capita, e n q u a n t o q u e a agropecuária m a n t e v e um d e s e m p e n h o expressivo, voltando a liderar o crescimento do PIB. Entretanto, este cresceu a um r i t m o medíocre, sobretudo q u a n d o descontado o crescimento demográfico.

T a b e l a 1 . Brasil: taxas m é d i a s a n u a i s d e c r e s c i m e n t o d o P I B , d a p r o d u ç ã o i n d u s t r i a l e d a p r o d u ç ã o a g r o p e c u á r i a s e g u n d o g r a n d e s p e r í o d o s , 1 9 0 1 - 1 9 9 8 (%) P e r í o d o s P I B I n d ú s t r i a * A g r o p e c u á r i a 1 9 0 1 - 1 9 2 9 4,5 4 , 3 * * 3,7 1 9 3 3 - 1 9 8 0 6,7 8,7 3,8 1 9 8 1 - 1 9 9 9 1,9 0 , 7 2 , 8

* A t é 1 9 4 6 , incluía s o m e n t e a indústria de t r a n s f o r m a ç ã o ; a p a r t i r de 1 9 4 7 refere-se à indústria e m g e r a l ( t r a n s f o r m a ç ã o m a i s e x t r a t i v a m i n e r a l ) .

* * R e f e r e - s e a p e n a s a 1 9 1 2 - 1 9 2 9 . O ú n i c o í n d i c e d i s p o n í v e l para o s a n o s a n t e r i o r e s foi d e s c o n s i d e r a d o p o r sua escassa r e p r e s e n t a t i v i d a d e .

F o n t e s d o s d a d o s b r u t o s : I B G E , Estatísticas Históricas do Brasil e S i s t e m a de C o n t a s N a c i o n a i s .

C o m o se caracterizou em linhas gerais cada u m a dessas fases? A primeira foi u m a fase de desenvolvimento industrial d e p e n d e n t e da agricultura de exportação, que induzia o crescimento da p r o d u ç ã o i n -dustrial à medida q u e criava mercado, gerava capacidade de i m p o r t a r e estimulava a formação de capital. Seu padrão de desenvolvimento era estruturalmente restrito, centrado nas indústrias tradicionais produtoras de bens de c o n s u m o e alguns insumos m e n o s sofisticados, e m b o r a já estivesse o c o r r e n d o u m a pequena diversificação em direção aos insumos pesados. A política e c o n ô m i c a , e m b o r a suscetível aos pleitos p r o t e -cionistas da classe industrial emergente, era inteiramente dominada pelos interesses da agricultura, os quais d e t i n h a m a h e g e m o n i a política na época.

2 Para percebê-lo, basta aplicar ponderações às taxas de crescimento setoriais. Do

total do valor adicionado pela agricultura e pela indústria em 1919 (conforme o Censo de 1920), a agropecuária respondia por cerca de quatro quintos.

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Na segunda fase, m u d o u a natureza do desenvolvimento industrial. O crescimento da p r o d u ç ã o industrial adquiriu dinamismo p r ó p r i o , impulsionado p r i m e i r o pela substituição de importações (SI) e depois, cada vez mais intensamente, pela expansão do mercado interno (consumo mais investimento) e,por fim, pelas exportações de produtos m a n u f a t u -rados sob forte esquema de promoção, inclusive c o m subsídios. O padrão de desenvolvimento industrial avançou substancialmente em termos estruturais, convergindo para o padrão estrutural e tecnológico das e c o -nomias industrializadas, e m b o r a sem alcançá-lo inteiramente. Por sua vez, a orientação da política e c o n ô m i c a t o r n o u s e francamente i n d u s -trializante, apesar da assistência à agricultura (em crise nos anos trinta) e da persistência de políticas agrícolas c o m alguns subsídios. Estes, no entanto, em alguns períodos, apenas c o m p e n s a r a m outras formas de e x -tração de renda da agricultura em beneficio da indústria e das atividades urbanas em geral.

Finalmente, na terceira fase, o dinamismo da p r o d u ç ã o industrial foi enfraquecido p o r causas estruturais (fim da SI em escala significativa) e por problemas conjunturais (crise macroeconômica). O padrão de desen-v o l desen-v i m e n t o industrial regrediu, e a política e c o n ô m i c a centrou-se na estabilização m a c r o e c o n ô m i c a e em mudanças institucionais lato sensu (liberalização comercial, abertura da e c o n o m i a ao capital estrangeiro, privatizações), a b a n d o n a n d o - s e qualquer orientação política de l o n g o prazo, especialmente q u a n t o ao desenvolvimento i n d u s t r i a l .

Esse p a n o r a m a geral da evolução da indústria no Brasil serve apenas para estabelecer os fatos, de resto já bastante conhecidos. A questão fundamental é c o m o explicar essas diferentes fases e, sobretudo, as suas inflexões. É o que se procura fazer, de um m o d o exploratório e bastante preliminar, nas seções seguintes.

Fatores condicionantes do desenvolvimento industrial

É razoável admitir q u e n e n h u m país p o d e se tornar industrializado a partir do nada. Sempre há um c o n j u n t o de fatores condicionantes q u e a b r a n g e m desde o espaço geográfico até aspectos culturais, passando p o r fatores políticos, e c o n ô m i c o s e de política e c o n ô m i c a , sociais, institucionais, científicos e tecnológicos, e pela forma de inserção na e c o n o m i a m u n d i a l . Em conjunto, esses fatores c o n d i c i o n a m o processo de industrialização, ampliando ou limitando as possibilidades de expansão e de aprofundamento desse processo. C e r t a m e n t e , não há qualquer n o -vidade em cada um destes fatores isoladamente, os quais, em sua maioria

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já foram analisados p o r historiadores e c o n ô m i c o s , sociólogos, cientistas políticos e outros pesquisadores. O que, sim, poderia representar alguma " n o v i d a d e " seria o tratamento conjunto desses fatores (ou t o m a n d o -se cada um individualmente, c o m o p a r t e do conjunto c o m o qual -se inter-relaciona), aplicado ao estudo da industrialização brasileira.

Sem pretender ser exaustivo, e c o r r e n d o vários riscos (superficialidade, erros de classificação, omissões importantes), p r o p o n h o q u e sejam c o n -siderados relevantes os seguintes fatores:

1. Geografia e c o n ô m i c a (tamanho do país,base de recursos naturais, distribuição da p r o d u ç ã o no espaço geográfico) e população (tamanho, distribuição e t c ) .

2. Políticos, a b r a n g e n d o desde a natureza do regime vigente até a existência de " d e t e r m i n a ç ã o política" (political will), t e n d o em vista o desenvolvimento industrial, passando p o r questões c o m o federalismo, regionalismo, ação de g r u p o s de interesse organizados, sindicalismo e outros.

3. Institucionais: organização do Estado, da economia e da sociedade; leis e regulamentações que regem os mercados (concorrência), as relações

de trabalho e o s u p r i m e n t o de bens e serviços públicos.

4. E c o n ô m i c o s : estrutura produtiva prevalecente, estrutura de p o d e r e c o n ô m i c o (grupos nacionais, Estado, capital estrangeiro), sistema fi-nanceiro, infra-estrutura.

5. Pensamento e c o n ô m i c o d o m i n a n t e : liberalismo, nacional-desen-volvimentismo, socialismo, neoliberalismo.

6. Sistema de desenvolvimento científico e tecnológico: ensino e pesquisa de pós-graduação, centros de P & D , institutos de pesquisa, laboratórios de certificação, regulamentação de normas técnicas, padrões de qualidade, articulação do sistema de C & T c o m o setor produtivo.

7. R e l a ç õ e s internacionais: inserção comercial, financeira e nos fluxos de investimento direto de capital estrangeiro, acordos de comércio ou de integração e c o n ô m i c a (regionais, hemisféricos, internacionais), mecanismos de transferência de tecnologias, n o r m a s e regulamentações internacionais específicas (setoriais, ambientais, patentárias e outras).

8. Sociais: demografia (crescimento, imigração, migrações internas), e m p r e g o e relações de trabalho, distribuição da renda, pobreza, previ-dência, saúde, educação e formação de recursos h u m a n o s qualificados.

9. Culturais: patrimonialismo,burocracia estamental, elites rentistas, fraco espírito e m p r e e n d e d o r , captura do Estado p o r interesses privados, ausência de confiança (trust), fraco a s s o c i a t i v i s m o / c o o p e r a t i v i s m o , ausência de solidariedade social.

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É evidente q u e esta lista já e m b u t e juízos de valor e informações específicas. Sua aplicação requereria um a m p l o c o n h e c i m e n t o inter-disciplinar, b e m c o m o um esforço de resenha da literatura e, possivel-m e n t e , a realização de novas pesquisas que, evidentepossivel-mente, estão fora do alcance e das cogitações deste trabalho. O que aqui se pretende, n u n c a é demais repetir, é apenas aplicar g e n e r i c a m e n t e esse esquema n u m esboço de interpretação das três fases do desenvolvimento industrial do Brasil, talvez levantando questões e suscitando dúvidas, mais do q u e p r o p o r novos insights. De qualquer m o d o , se essas questões e dúvidas forem pertinentes, elas p o d e r ã o vir a nortear um esforço de pesquisa (certamente coletivo), visando u m a interpretação em perspectiva his-tórica do desenvolvimento industrial brasileiro segundo esse conjunto de fatores condicionantes. No m í n i m o , isto permitiria ter m u i t o maior clareza sobre os obstáculos e as possibilidades para que o País volte a ter u m a política de desenvolvimento industrial.

Esboço de interpretação das três grandes fases do

desenvolvimento industrial segundo o esquema proposto

É evidente, em primeiro lugar, q u e alguns fatores (ou partes deles) são dados, e n q u a n t o outros precisam ser construídos. Por exemplo, q u a n -to à geografia e c o n ô m i c a , é claro q u e o t a m a n h o do país é um dado, e condiciona a industrialização. Por si só implica m a i o r ou m e n o r grau de desenvolvimento industrial. Países grandes t e n d e m a desenvolver desde logo algumas atividades industriais substitutivas de importações e a aprofundar mais a SI do que países p e q u e n o s em virtude do seu grande m e r c a d o i n t e r n o e da proteção natural dada p o r custos de transportes e outras dificuldades de importação. Portanto, não há dúvida que, p o r esse aspecto, o Brasil teve sempre u m a "vocação natural" para o desenvolvimento industrial em algum grau.

Da mesma forma, a base de recursos naturais é t a m b é m dada e sua exploração implica alguma forma de distribuição da atividade econômica no espaço geográfico, o que naturalmente gera processos de causação cumulativa q u e i n d u z e m graus variados de industrialização regional, c o m m a i o r ou m e n o r sucesso. O caso do café já foi exaustivamente estudado e é, sem dúvida, o mais b e m sucedido. Mas será que outros casos (inclusive m e n o s bem-sucedidos) não seriam historicamente rele-vantes, e porisso merecedores de estudos mais aprofundados? Exemplos: a l g o d ã o / i n d ú s t r i a têxtil a l g o d o e i r a n o N o r d e s t e , p e c u á r i a / c a r n e s industrializadas e produtos de c o u r o no Sul, minérios/indústria m e t a

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-lúrgica no Sudeste, e assim p o r diante, incluindo as fases mais recentes d o desenvolvimento.

T a m b é m são dados, p o r difíceis de mudar, os fatores culturais. É possível que características e heranças culturais t e n h a m responsabilidade e m m u i t o s dos p r o b l e m a s q u e h i s t o r i c a m e n t e a c o m p a n h a r a m o desenvolvimento industrial e, de certa forma, o restringiram, c o m o p o r exemplo a elevada concentração de renda e de poder, o atraso e d u c a cional, a pobreza endêmica, a rigidez da extratificação social, o i n d i v i -dualismo excessivo e sua contrapartida — a resistência atávica a qualquer forma de cooperativismo, o desinteresse pela construção da nação, a desconfiança c o m o princípio nas relações pessoais e entre agentes e c o -n ô m i c o s , e possivelme-nte outros.

D a d o s esses condicionantes de natureza p e r m a n e n t e , ou q u e difi-cilmente p o d e m ser mudados, as três grandes fases da industrialização p o d e m ser interpretadas em linhas gerais c o m base no c o n j u n t o dos demais fatores q u e c o m p õ e m o esquema proposto. O p o n t o de partida, p o r t a n t o , é positivo p o r um lado — o t a m a n h o do país e sua base de recursos naturais — e negativo p o r o u t r o — u m a herança cultural d e s favorável do p o n t o de vista de alguns atributos necessários ao d e s e n -v o l -v i m e n t o i n d u s t r i a l . R e a f i r m o q u e a preocupação do texto não é produzir u m a análise abrangente, c o m remissões à literatura e fun-damentada p o r pesquisas próprias. Ao contrário, busca-se apenas apontar tendências gerais e, q u e m sabe, suscitar um novo interesse pelo tema, sempre que possível e pertinente,levantando dúvidas, questões e p o n t o s q u e m o t i v e m novas pesquisas.

O crescimento industrial induzido pela economia agro-exportadora, 1901-1929 O crescimento industrial induzido pela economia de base agro-expor-tadora já foi bastante estudado, em particular no q u e respeita ao café c o m o principal p r o d u t o de exportação. E n t r e t a n t o , cabe ainda p e r g u n -tar: que indústrias foram induzidas nesse período, por estarem diretamente atreladas às atividades agro-exportadoras? Q u e outras foram indireta-m e n t e induzidas pelo efeito-renda? Q u a l foi a iindireta-mportância relativa dessas indústrias? A partir de q u e m o m e n t o a d e m a n d a p o r bens industrializa-dos passou a ser, em parte, gerada pela própria indústria (insumos, bens intermediários e máquinas), e qual a importância quantitativa dessa demanda? Em t e r m o s regionais, que outros casos de industrialização induzida p o r atividades agropecuárias de exportação foram relevantes? E, de um m o d o geral, c o m o explicar o início da diversificação da p r o

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-dução industrial entre a Primeira G u e r r a M u n d i a l e o final dos anos vinte, fugindo dos padrões "estabelecidos"para um crescimento industrial induzido? E p o r que essa diversificação não avançou mais substancial-mente? Em suma, seria interessante ampliar o objeto de estudo, foca-lizando diversos processos localizados de crescimento industrial (muito já foi feito nesse c a m p o ; é claro que u m a resenha abrangente seria a primeira tarefa), abrindo o leque dos fatores condicionantes i n t e r r e -lacionados a serem estudados.

Até q u e p o n t o h o u v e u m a " c o n s t r u ç ã o " deliberada desses fatores naquela fase? C e r t a m e n t e não h o u v e . O regime político, na transição do I m p é r i o para a R e p ú b l i c a Federativa, c o n t i n u o u sendo d o m i n a d o pelos interesses das oligarquias agrárias. N ã o havia espaço no projeto político para u m a construção deliberada de fatores industrializantes.

A conjugação de interesses políticos agrário-exportadores com: (1) um arranjo institucional voltado para a defesa desses interesses; (2) u m a estrutura produtiva m o n t a d a para atender as necessidades da referida e c o n o m i a ( t r a n s p o r t e s , b a n c o s , m ã o - d e - o b r a escrava ou de imigrantes), em q u e a própria elite agrária investia, j u n t o c o m o Estado e o capital estrangeiro, atraído p o r garantia de juros, auto-reforçando o esquema de p o d e r ; e (3) o p e n s a m e n t o e c o n ô m i c o liberal, d e t e r m i n a v a m a orientação fundamental da política econômica, que, obviamente, pautava-se pelos interespautava-ses dominantes.

Apesar disso, algumas brechas nessa pauta foram criadas p o r grupos de interesse organizados no seio da indústria nascente (Associação Industrial, criada em 1881; sindicatos de trabalhadores de algumas indús-trias; o C e n t r o Industrial do Brasil) para pleitear proteção e estímulos à indústria manufatureira.Até algumas políticas destinadas a atender i n t e resses agrários acabaram favorecendo a indústria — c o m o , p o r e x e m -plo, a imigração, que acabou sendo i m p o r t a n t e fonte de m ã o - d e - o b r a industrial. O m e s m o se daria c o m o capital estrangeiro investido em ferrovias e energia, mas q u e acabou t e n d o efeitos positivos sobre a i n -dustrialização — o primeiro pelas atividades industriais de construção de material ferroviário em oficinas próprias, e o segundo pelas economias externas geradas ao substituir a energia a vapor p o r energia elétrica, facilitando a transição da indústria ao paradigma energético já alcançado nos países líderes do crescimento industrial no início do século X X .3

3 Os efeitos regionais dessa transição ainda não foram suficientemente estudados

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Entretanto, o País não alterou sua forma de inserção no c o m é r c i o i n t e r -nacional, consolidando, pelo contrário, sua posição de supridor m u n d i a l de commodities agrícolas e agro-industriais, c o m alguma diversificação nos anos vinte, e mantevese praticamente à m a r g e m do avanço t e c -n o l ó g i c o - p r o d u t i v o da segu-nda revolução i-ndustrial.

A industrialização acelerada, 1933-1980

C o m a ruptura provocada pela crise do início da década de 1930, iniciou-se um p e r í o d o em que, não obstante as alternâncias políticas e de política e c o n ô m i c a , a industrialização do País avançou em r i t m o acelerado. A dinâmica da p r o d u ç ã o industrial t o r n o u - s e a u t ô n o m a , "descolando-se" da dinâmica da p r o d u ç ã o agropecuária. A taxa m é d i a de crescimento da p r o d u ç ã o industrial entre 1933 e 1980 (8,7% ao ano) fez dobrar o v o l u m e da p r o d u ç ã o a cada oito anos e quatro meses! Isto resultou de um l o n g o processo, marcado p o r avanços e r e c u o s4, de c o n s t r u ç ã o deliberada de consenso político, arranjos institucionais, estrutura e c o n ô m i c a , relações internacionais e relações sociais p r ó -industrialização.

C o m o se t o r n o u viável esse processo? Primordialmente pela mudança do regime político, e, a partir dela, p o r mudanças na orientação da p o -lítica econômica,desencadeando novos arranjos institucionais,mudanças na estrutura produtiva, desenvolvimento da infra-estrutura e do sistema de desenvolvimento científico e tecnológico, e um n o v o padrão de relações internacionais.

A base de p o d e r da oligarquia rural havia sido m i n a d a pela crise do café. A Grande Depressão precipitou a crise e c o n ô m i c a , e a R e v o l u ç ã o de 1930 pôs fim à h e g e m o n i a política da oligarquia. D a í p o r diante, a política econômica, apesar do socorro à agricultura nos anos trinta, passou a ser influenciada p o r um leque mais a m p l o de interesses. A industrialização entrou definitivamente na agenda política e da política

Paulo e do R i o de Janeiro no início do século X X . A indústria nesses Estados ini-ciou a transição para a eletricidade bem antes que a dos Estados do Nordeste, por exemplo. Por causa disso, na época da Primeira Guerra, quando o carvão-vapor importado ficou extremamente caro e escasso, a indústria do Nordeste provavel-mente ficou em forte desvantagem competitiva,perdendo participação no produto industrial a favor da indústria do Sudeste.

4 Esses avanços e recuos ainda merecem estudos mais aprofundados, nos termos

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econômica. E n t r e t a n t o , foi s o m e n t e nos anos cinqüenta e durante o regime militar q u e se c h e g o u a executar u m a deliberada política de desenvolvimento industrial (no sentido de concertação entre Estado e agentes privados, e de c o o r d e n a ç ã o de instrumentos de política), no âmbito dos planos de desenvolvimento e c o n ô m i c o . Forças políticas setoriais e regionais organizaram-se para pleitear políticas específicas, que se consubstanciaram em grandes transferências de recursos (via proteção e subsídios fiscais/creditícios) da sociedade para o capital industrial. O sindicalismo, p o r seu lado, após fortalecer-se entre os anos trinta e cinqüenta, foi sufocado p e l o regime militar. C o m isso, o cres-c i m e n t o acres-celerado da p r o d u ç ã o não se traduziu em ganhos substancres-ciais de salário real, o q u e agravou a tendência à concentração de renda, limitou o t a m a n h o do m e r c a d o i n t e r n o e direcionou a estrutura p r o -dutiva da indústria para bens de luxo.

A m u d a n ç a na orientação da política econômica refletiu as guinadas políticas. Prevaleceram o nacional-desenvolvimentismo e o intervencio-nismo estatal, que amalgamavam forças políticas e objetivos econômicos consubstanciados no projeto industrializante. M e s m o q u a n d o o p e n -samento e c o n ô m i c o liberal se impôs, durante curtos períodos, não lograva alterar substancialmente essa orientação.

H o u v e , c o m isso, u m a c o n t í n u a construção institucional ao l o n g o de t o d o o p e r í o d o . O Estado aparelhou-se em t e r m o s organizacionais para a c o o r d e n a ç ã o e c o n ô m i c a (planos, programas de desenvolvimento industrial e tecnológico, instituições de fomento, financiamento e r e g u -lação); criaram-se n o r m a s , legislações e regulamentações econômicas; foram institucionalizadas políticas setoriais, regionais, de comércio e x -terior e outras; e passou-se a exercer forte regulação em algumas ativi-dades (investimentos setoriais, investimentos de capital estrangeiro) assim c o m o nas relações de trabalho, em mercados concentrados, nos preços e salários, nas tarifas públicas e no acesso a tecnologias. Apesar de seus resultados positivos em t e r m o s de desenvolvimento industrial, esse ar-ranjo institucional (decisão e coordenação centralizadas) tinha c o m o contrapartida u m a limitação do espaço de atuação das forças de mercado, o que t a m b é m limitaria a busca pelos agentes e c o n ô m i c o s de maior eficiência no uso dos fatores produtivos.

M e s m o assim, a estrutura da p r o d u ç ã o industrial diversificou-se, em convergência c o m os padrões das economias mais industrializadas, inclusive do p o n t o de vista tecnológico (nos processos produtivos, mais do que nos produtos). A par da forte participação direta do Estado na indústria, fortaleceram-se g r u p o s e c o n ô m i c o s nacionais e cresceu

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substancialmente a participação do capital estrangeiro p o r investimento direto. C o m p l e m e n t a r m e n t e , o Estado investiu pesadamente na infraestrutura, garantindo o suprimento de energia e de serviços de c o m u n i c a -ções, e p r o m o v e n d o a expansão da malha de transportes, sobretudo os rodoviários. Agentes financeiros públicos fomentaram o desenvolvimento industrial e tecnológico, e a poupança privada, intermediada pelo sistema financeiro, custeou a construção civil, sob um padrão de financiamento q u e "sacava contra o f u t u r o " , gerando e n d i v i d a m e n t o e x t e r n o , déficits públicos, e fundos específicos atuarialmente irrecuperáveis.

A constituição de um sistema nacional de desenvolvimento científico e tecnológico t a m b é m foi iniciada nesse período, abrangendo instituições públicas de apoio à pesquisa e à pós-graduação, centros de P & D nas empresas estatais, institutos públicos de pesquisas, laboratórios de c e r -tificação de qualidade, e regulamentação de n o r m a s técnicas e padrões industriais. Mas, não se logrou articular esse sistema c o m o sistema p r o -dutivo.

Um novo padrão de inserção internacional c o m e ç o u a ser m o l d a d o . O Brasil foi gradativamente deixando de ser um m e r o supridor de commodities agropecuárias e absorvedor de capitais de empréstimo, t o r -n a -n d o - s e cresce-nteme-nte um e x p o r t a d o r de produtos ma-nufaturados e um recebedor de investimentos diretos de capital estrangeiro, e m b o r a ainda continuasse a ser um i m p o r t a n t e t o m a d o r de recursos no mercado financeiro internacional, especialmente durante os anos setenta. A l é m disso, a agenda de relações internacionais t o r n o u - s e ampla, incluindo acordos c o m parceiros comerciais, acordos comerciais multilaterais, n e -gociações c o m agências internacionais de crédito, e acordos de integração e c o n ô m i c a regional. A expansão da e c o n o m i a mundial, principalmente a partir do p ó s - G u e r r a , favoreceu essa m u d a n ç a no padrão de inserção internacional.

Mudanças do p o n t o de vista social t a m b é m foram significativas nesse período, em sentido negativo mais do que positivo. A crescente u r b a -nização associada à industrialização, b e m c o m o a moder-nização da agri-cultura, provocaram intensos m o v i m e n t o s migratórios, q u e levaram a um rápido adensamento populacional das áreas metropolitanas, gerando um excedente de m ã o d e o b r a urbana mal qualificada, q u e não c o n s e -guiria ser absorvida pela indústria apesar do crescimento acelerado da produção. Isso ajudou a pressionar para baixo os salários reais. Foram feitos significativos investimentos em educação e saúde, mas insuficientes e inadequados para as necessidades do setor produtivo, m o r m e n t e na etapa mais avançada da industrialização, ao final dos anos setenta.

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Estagnação da produção e regressão da estrutura industrial, 1 9 8 1 - 1 9 9 8 Por que a indústria perdeu c o m p l e t a m e n t e o dinamismo a partir dos anos oitenta? Por que, apesar de alguns curtos períodos de retomada do crescimento da produção, o desenvolvimento industrial não mais avan-ç o u , e , até pelo contrário, regrediu? É claro que houve causas econômicas, tanto estruturais (por exemplo, a perda de dinamismo da substituição de importações) q u a n t o conjunturais (instabilidade m a c r o e c o n ô m i c a subsequente à crise da dívida). Mas, h o u v e t a m b é m , e principalmente, razões de o r d e m política.

Já no início do último governo da ditadura, ficara claro q u e o nacional-desenvolvimentismo e o intervencionismo estatal haviam perdido espaço. D e i x o u de existir um "projeto nacional" de industrialização5. A crise do início dos anos oitenta sobrepôs objetivos de estabilização m a c r o e c o -n ô m i c a aos objetivos de dese-nvolvime-nto i-ndustrial, ou e c o -n ô m i c o de m o d o geral. Todas as formas a n t e r i o r m e n t e construídas de c o o r d e n a -ção (planos, programas setoriais de investimento e desenvolvimento tecnológico) foram sendo descartadas. Mas, o mercado não p ô d e atuar c o m o mecanismo de coordenação descentralizada, u m a vez que a política e c o n ô m i c a manteve a e c o n o m i a do País rigorosamente fechada ao c o -m é r c i o internacional, a-mpliando os subsídios à exportação e i -m p o n d o severas formas de controle e regulação aos preços, salários e tarifas p ú -blicas, além de restrições ao nível de atividades da e c o n o m i a .

D a í p o r diante, prevaleceu a instabilidade m a c r o e c o n ô m i c a . Políticas industriais chegaram a ser anunciadas, e até regulamentadas. Entretanto, m u i t o p o u c o foi de fato i m p l e m e n t a d o . A razão principal foi a falta de decisão política no sentido de dar continuidade ao desenvolvimento industrial. E, a partir do fator político, todos os demais fatores c o n d i -cionantes do desenvolvimento industrial foram sendo gradualmente "desconstruídos", m e s m o após a conquista da estabilização monetária (mas não da estabilidade m a c r o e c o n ô m i c a ) nos anos noventa.

No quadro político, c o m a crise fiscal-financeira do Estado, este, que já nada coordenava, foi aos poucos saindo de cena. Além das privatizações, o G o v e r n o c o r t o u recursos orçamentários destinados ao financiamento industrial e ao desenvolvimento tecnológico, e reduziu drasticamente a

5 Uma evidência, até curiosa, é o fato de que, apesar de ter sido elaborado um III

P N D (Plano Nacional de Desenvolvimento) no início do governo Figueiredo, esse plano nunca mais foi sequer mencionado, e a sua própria existência até con-tinua sendo ignorada por muitos.

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concessão de incentivos e subsídios fiscais/financeiros a investimentos, P & D , exportação e outros. A instabilidade levou muitas empresas a o p -tarem pelo m e r c a d o financeiro c o m o locus de acumulação, em subs-tituição ao respectivo setor produtivo, e as lideranças empresariais se a c o m o d a r a m à nova situação.

Posteriormente, a abertura da economia do País ao capital estrangeiro, j u n t a m e n t e c o m a abertura do m e r c a d o i n t e r n o ao c o m é r c i o i n t e r n a

-cional, m u d o u radicalmente o ambiente e c o n ô m i c o e levou a processos de desnacionalização, conflitos entre o Estado e as associações empresa-riais, a fortes lobbies setoriais p o r políticas protecionistas (em vários casos atendidos, em desacordo c o m a própria orientação neoliberal, e sem qualquer referência a objetivos mais amplos de desenvolvimento i n d u s -trial), e à crise do federalismo, à medida q u e diversos governos estaduais, na ausência de diretrizes nacionais, buscaram atrair investimentos p r o -dutivos p r o m o v e n d o um verdadeiro leilão de subsídios (guerra fiscal). Por último, o sindicalismo, após renascer nos anos oitenta, voltou a ser enfraquecido na década de 1990 pelo desemprego causado pela recessão, e p o r reestruturações técnico-produtivas das empresas.

Desorganizaram-se e enfraqueceram-se t a m b é m , p e l a perda de p o d e r político e de funções, tanto a organização institucional do Estado c o m o as estruturas institucionais da e c o n o m i a e da sociedade. M o n t a d a s se-g u n d o os parâmetros de um processo histórico de desenvolvimento industrial e tecnológico c o m a n d a d o p e l o Estado, ambas se revelaram p o u c o funcionais q u a n d o esse processo passou a ser c o m a n d a d o pelo m e r c a d o nos anos noventa. Os padrões de relações entre agentes e c o n ô -micos (Governo-empresas, empresas-instituições de pesquisa, sistema financeiro-indústria,capital-trabalho),bem c o m o as estruturas de merca-do e os padrões de c o n c o r r ê n c i a n u n c a se ajustam de imediato. Porisso, as políticas de liberalização comercial, privatização, desregulação e outras, no âmbito de políticas industriais, tecnológicas e de c o m é r c i o exterior, não produziram (ou d e m o r a r a m m u i t o a produzir) os efeitos esperados. A hipótese de histerese institucional já foi sugerida, mas ainda está para ser testada e m p i r i c a m e n t e .

Em conseqüência, a estrutura produtiva regrediu (ou, segundo alguns autores, " d e s i n c h o u " , voltando ao n o r m a l ) . N ã o só a participação da indústria de transformação no PIB p e r d e u alguns p o n t o s percentuais, c o m o t a m b é m cadeias produtivas inteiras foram desarticuladas, e seg-m e n t o s de indústrias de alta tecnologia, q u e estavaseg-m eseg-m iseg-mplantação, foram desativados,levando a u m a estrutura produtiva c o m "especialização regressiva". U m a nova estrutura de poder foi gestada, c o m Estado m í n i m o

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(regulador), capital estrangeiro d o m i n a n t e em grande n ú m e r o de setores, e grupos privados nacionais reestruturados mas c o m limitada capacidade financeira, e sem sinergias produtivas. A l é m disso, os serviços de infra-estrutura sofreram l o n g o processo de d e t e r i o r a ç ã o , c o m cortes de investimentos, políticas tarifárias predatórias e, p o r último, privatizações que não foram precedidas da necessária regulamentação das respectivas agências reguladoras. O resultado foi a geração de deseconomias externas para as empresas usuárias dos serviços de infra-estrutura.

Na mesma linha, o sistema financeiro t a m b é m deixou de ser funcional para o desenvolvimento industrial.As agências públicas de financiamento sofreram severos cortes orçamentários nos anos oitenta e início dos n o venta, depois "especializaramse" c o m o agências de privatização e " h o s -pitais de empresas". Só m u i t o r e c e n t e m e n t e voltaram a desempenhar papel relevante na reestruturação de alguns setores industriais e no fi-nanciamento de exportações. Os agentes financeiros privados,bem c o m o o m e r c a d o de capitais, mantiveram sua posição de m e n o r relevância na mobilização de recursos para o desenvolvimento industrial.

A instabilidade m a c r o e c o n ô m i c a afetou t a m b é m o sistema de d e -senvolvimento científico e tecnológico, que sofreu c o r t e de recursos orçamentários, redução ou fechamento de centros de P & D (principal-m e n t e nas e(principal-mpresas estatais), perda de pessoal técnico, redução dos o r ç a m e n t o s de fundos específicos de f i n a n c i a m e n t o a projetos de desenvolvimento científico e tecnológico, e cortes de bolsas de pesquisa e de pós-graduação.A questão que se coloca é a de q u e desenvolvimento industrial será doravante possível c o m o que resta do sistema de d e s e n -v o l -v i m e n t o científico e tecnológico?

R e l a c i o n a d o a t u d o isso, o padrão de inserção do País no comércio internacional, que havia avançado até 1985, ampliando a participação de produtos manufaturados na pauta de exportação para cerca de 5 5 % , deixou de progredir daí p o r diante. Na verdade, até regrediu se c o n -siderarmos q u e a p r o x i m a d a m e n t e 6 0 % da pauta de exportação são constituídos atualmente p o r p r o d u t o s básicos, semi-manufaturados e commodities industriais (aço, suco de laranja, celulose, açúcar, borracha, produtos de madeira, carnes industrializadas, café solúvel).

Os vínculos comerciais enfrentaram vários contenciosos c o m p a r -ceiros — p o r exemplo, nos campos da informática e das patentes farmacêuticas. Acordos regionais de integração e c o n ô m i c a (Mercosul) e m u l -tilaterais de c o m é r c i o ( O M C ) passaram a restringir o raio de m a n o b r a da política de comércio exterior.Tornou-se crucial a capacitação técnica em defesa comercial e em negociações internacionais. Crescentes fluxos

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de investimento direto estrangeiro passaram a ser dirigidos ao Brasil, atraídos pela abertura da e c o n o m i a , pelas privatizações e pelo processo de fusões/aquisições de empresas, implicando crescentes remessas de r e n d i m e n t o s ao exterior. Os fluxos de capital financeiro t a m b é m se intensificaram, particularmente nos anos noventa, beneficiando-se do diferencial j u r o s / c â m b i o , c o m a contrapartida de maiores riscos para o País em t e r m o s de instabilidade e ameaças de ataques especulativos.

Por fim, a perda de dinamismo e c o n ô m i c o e os efeitos das políticas de ajuste m a c r o e c o n ô m i c o geraram um agravamento da questão s o -cial: desemprego crescente, a u m e n t o da pobreza (atenuado em alguns dos anos mais recentes pela estabilização monetária), piora na distribui-ção de renda, crise previdenciária, crise do sistema de saúde, e p o u c o avanço no sistema educacional, sobretudo em relação ao q u e seria d e sejável n u m a sociedade democrática na era da informação e da c o m u -nicação.

Algumas conclusões

O propósito destas notas foi o de r e t o m a r o debate sobre a i n d u s t r i a -lização brasileira n u m a perspectiva histórica de l o n g o prazo, e c o m base n u m esquema de análise bastante abrangente e interdisciplinar. C o m o foi enfatizado na introdução, a idéia era simplesmente despertar novos interesses de pesquisas, levantar dúvidas mais do que encontrar respostas, e, sobretudo, mostrar a complexidade dos fatores que d e t e r m i n a m o desenvolvimento industrial e, em decorrência, a necessidade da adoção de u m a política de desenvolvimento industrial para q u e a indústria possa recuperar seu dinamismo.

Q u a n t o a novos interesses de pesquisa, várias sugestões foram feitas ao l o n g o do texto, mas sem preocupação de sistematizar. Talvez um primeiro passo seja organizar u m a agenda de pesquisas c o m a abrangência sugerida no texto e em perspectiva histórica. S e m pretender ser exaustivo, essa agenda poderia conter: estudos de períodos específicos, em particular daquele que cobre a transição da segunda para a terceira fase da i n d u s -trialização, marcando o fim do dinamismo da indústria de transformação; u m a avaliação, inclusive em t e r m o s empíricos, da relação entre ins-tituições e desenvolvimento industrial; estudos sobre as inter-relações da geografia econômica c o m o desenvolvimento industrial evidenciando, p o r um lado, processos localizados de causação cumulativa q u e histo-ricamente d e r a m o r i g e m a industrializações regionalmente circunscri-tas e, p o r outro, as tendências recentes de formação de aglomerações

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industriais — concentrações geográficas e setoriais de empresas i n t e r -relacionadas; análises de e c o n o m i a política da política industrial, des-tacando a atuação de grupos de interesse e a influência da corrente h e g e m ô n i c a de pensamento e c o n ô m i c o ; estudos da adequação do siste-ma de C & T ao desenvolvimento de u m a indústria c o m capacidade de inovação, enfatizando s o b r e t u d o as relações entre o sistema de C & T e as empresas industriais; mensuração das deficiências da infra-estrutura e c o n ô m i c a c o m o geradoras de deseconomias externas para as empresas industriais; avaliação dos impactos e das restrições, do p o n t o de vista da política industrial, decorrentes dos acordos internacionais de comércio e de integração econômica; verificação da hipótese de tendência à espe-cialização regressiva da indústria de transformação a partir da abertura ao c o m é r c i o internacional nos anos noventa e, se confirmada, dos meios para reverter essa tendência; estudo dos ingressos de investimento d i reto estrangeiro na indústria e da possível desnacionalização de s e g m e n tos industriais; avaliação das possibilidades da indústria voltar a l i d e -rar o crescimento da e c o n o m i a e ge-rar empregos, diretos e indiretos, e outros temas específicos a setores, regiões ou i n s t r u m e n t o s de política industrial.

N ã o se p r e t e n d e apresentar aqui u m a r e c o m e n d a ç ã o de política. Entretanto, deve ficar claro desde logo que a necessária política de desen-v o l desen-v i m e n t o industrial não p o d e simplesmente replicar as antigas práticas de proteção setorial indiscriminada e subsídios fiscais e financeiros. No atual c o n t e x t o , há limitações impostas p o r restrições internas (institu-cionais, políticas e de política e c o n ô m i c a ) , b e m c o m o p o r regula-mentações e acordos internacionais. Porisso, u m a tarefa prévia seria a de avaliar os limites e as possibilidades de u m a tal política. Mas, a própria r e t o m a d a do debate sobre o d e s e n v o l v i m e n t o industrial, e sobre a o p o r t u n i d a d e d e u m a política nesse sentido, j á seria u m e n o r m e avanço em relação ao status quo atual, em que prevalece u m a postura hands-off no q u e diz respeito ao papel das políticas públicas em relação ao desen-volvimento industrial. Essa postura voluntarista t e m tido custos elevados em vários sentidos: baixo crescimento, perda de empregos, estagnação da renda p e r capita, atraso tecnológico, inserção internacional regressiva em p r o d u t o s p o u c o dinâmicos no comércio m u n d i a l , além das seqüelas sociais decorrentes. A i m p l e m e n t a ç ã o de u m a política de desenvol-v i m e n t o industrial nos dias de hoje constitui um desafio política e t e c n i c a m e n t e m u i t o mais difícil de enfrentar do q u e foi no passado. Mas, o g a n h o potencial obtido a partir dela é e n o r m e .

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Nota Bibliográfica

Por sua natureza, este trabalho apoia-se — implícita ou explicitamente — em ampla bibliografia. Boa parte desta é constituída pelas obras de referência para, c o m o se d i z , " e n t e n d e r o Brasil". Destaco, entre tantas, e sem preocupação q u a n t o a ordem, as seguintes: Os Sertões, de Euclides da C u n h a ; Retrato do Brasil, de Paulo P r a d o ; Casa-Grande e Senzala, de Gilberto Freyre; Raízes do Brasil, de Sérgio B u a r q u e de Holanda; Formação do Brasil Contemporâneo, de Caio Prado J ú n i o r ; Coronelismo, Enxada e Voto, de Vítor N u n e s Leal; Instituições Políticas Brasileiras, de Oliveira Viana, Formação Econômica do Brasil, de Celso Furtado, e Os Donos do Poder, de R a i m u n d o Faoro. U m a coletânea r e c é m editada, c o n t e n d o resenhas comentadas dessas e de outras obras de referência, p o d e ser útil ao leitor, tanto para um primeiro c o n t a t o c o m essa literatura q u a n t o para um releitura rápida.Trata-se de Introdução ao Brasil: um Banquete no Trópico. São Paulo: Ed. S E N A C , 1999. E, c o m o referência mais geral e abrangente, a m o n u m e n t a l História Geral de Civilização Brasileira, sob a direção de Boris Fausto (período republicano) e de Sérgio B u a r q u e de Hollanda, c o m assitência d e Pedro M o a c y r C a m p o s (períodos m o -nárquico e colonial).

Especificamente sobre os fatores condicionantes do desenvolvimento industrial, a presente elaboração baseou-se na observação empírica e, sobretudo, nas obras de referência. Mas, um i m p o r t a n t e artigo serviu de "inspiração" m e t o d o l ó g i c a : H e l e n Shapiro & Lance Taylor, T h e State and Industrial Strategy. World Development, 18 (6), 1990, p. 8 6 1 - 8 7 8 .

Sobre a evolução da indústria no Brasil existe, sabidamente, u m a e n o r m e bibliografia abrangendo aspectos políticos,institucionais, e c o n ô -micos, de política e c o n ô m i c a , tecnológicos, regionais, de financiamento e de relações internacionais. N ã o há espaço aqui para listar toda essa bibliografia. L i m i t o - m e a m e n c i o n a r três obras que de m o d o geral dia-logaram c o m essa bibliografia, realizaram pesquisas adicionais em fontes primárias de dados e informações e quantificaram o crescimento da produção e do investimento na indústria: m e u p r ó p r i o livro (com perdão pela auto-citação) Indústria Brasileira: Origem e Desenvolvimento, São Paulo: H u c i t e c (nova edição, no prelo; a n t e r i o r m e n t e publicado pela Editora Brasiliense, 1986); Pedro S. Malan, R e g i s Bonelli, Marcelo de P. Abreu e José E d u a r d o de Carvalho Pereira, Política Econômica Externa e Indus-trialização no Brasil, 1939/52, R i o de Janeiro: I P E A / I N P E S , 1977; e R e g i s Bonelli, Ensaios sobre Política Econômica e Industrialização no Brasil. R i o d e Janeiro: S E N A I / C I E T , 1995.

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Outros trabalhos têm abordado t a m b é m , m a i s recentemente, aspectos específicos da evolução da indústria no Brasil. S e m qualquer pretensão de abrangência e muito m e n o s de oferecer u m a resenha temática, destaco os que seguem.

Avaliações de âmbito mais geral da estrutura e da competitividade da indústria e n c o n t r a m - s e e m : Estudo da Competitividade da Indústria Brasileira, c o o r d e n a d o p o r Luciano G. C o u t i n h o e J o ã o Carlos Ferraz. Campinas: P a p i r u s / U N I C A M P , 1994; Made in Brazil. Desafios Compe-titivos da Indústria Brasileira, de J o ã o Carlos Ferraz, David Kupfer e Lia H a g u e n a u e r . R i o de Janeiro: C a m p u s , 1995, e Em Busca do Futuro: Competitividade no Brasil, organizado p o r Carlos Anibal N o g u e i r a da Costa e Carlos Alberto A r r u d a . R i o de Janeiro: C a m p u s , 1999. Na mesma linha, p o r é m mais focalizado, está o trabalho de M á r i o L. Possas, C o m p e t i t i v i d a d e : fatores sistêmicos e política industrial. Implicações para o Brasil, in A n t o n i o Barros de Castro e A d r i a n o Proença (Orgs.), Estratégias Empresariais na Indústria Brasileira: discutindo mudanças. R i o de Janeiro: Forense Universitária, 1996. Todos esses trabalhos discutem t a m b é m as políticas industrial e tecnológica, mas estas últimas são mais detalhadamente discutidas em: Fábio S. Erber e José E. Cassiolato, Política industrial: teoria e prática no Brasil e na O C D E . Revista de Economia Política, 17 (2), abril-junho de 1 9 9 7 , p . 3 2 - 4 3 , e W. Suzigan e Annibal V. Villela, Industrial Policy in Brasil. Campinas: Ed. I E / U N I C A M P - F A P E S P ,

1 9 9 7 .

Q u a n t o aos impactos da abertura comercial sobre a indústria, a r e -ferência mais i m p o r t a n t e é o trabalho de M a u r í c i o Mesquita Moreira, A indústria brasileira nos anos 90. O que já se p o d e dizer? In: F. Giambiagi e M. M. M o r e i r a (Orgs.) A Economia Brasileira nos Anos 90. R i o de Ja-nei-ro: B N D E S , 1999. M u d a n ç a s na estrutura produtiva e no padrão de desenvolvimento industrial são avaliadas p o r R e g i s Bonelli e R o b s o n R. Gonçalves, Padrões de desenvolvimento industrial no Brasil: passado e futuro, in C N I , O Futuro da Indústria no Brasil e no Mundo. R i o de Ja-neiro: C a m p u s , 1999 (cap.6) e, nesse m e s m o livro, p o r A n t o n i o Barros de Castro, Esgotamento versus continuidade na indústria brasileira (cap.7). No âmbito dessas mudanças, aspectos relacionados a especialização p r o dutiva e à desnacionalização na indústria, vinculados ao ingresso de i n -vestimento direto estrangeiro, são discutidos p o r Luciano G. C o u t i n h o , A especialização regressiva: um balanço do d e s e m p e n h o industrial p ó s -estabilização, in João Paulo dos R e i s Velloso (Coord.) Brasil: Desafios de um País em Transformação. R i o de Janeiro: J. Olympio, 1997,p. 87-106, e por M a r i a n o Laplane e F e r n a n d o Sarti, N o v o ciclo de investimentos e

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espe-cialização produtiva, in J o ã o Paulo dos R e i s Velloso (Coord.) O Brasil e o Mundo no Limiar do Novo Século, v. II. Rio de Janeiro: J. O l y m p i o , 1998. Sobre os efeitos da privatização na indústria, não há avaliações mais abrangentes. Entretanto, um louvável esforço nesse sentido é constituído pelos trabalhos de M a r c e l o P i n h o e José Maria F.J. da Silveira, P r i -vatização e Estratégias corporativas: u m a análise da experiência brasileira no p e r í o d o 1 9 9 0 - 1 9 9 4 , Nova Economia, 8 (2), d e z e m b r o de 1998, p. 1 0 9 - 1 2 9 , e Os efeitos da privatização sobre a estrutura industrial da si-derurgia brasileira, Economia e Sociedade, 10, j u n h o de 1998, p. 8 1 - 1 0 9 .

T a m b é m no plano institucional há carência de trabalhos c o m carac-terísticas de diagnóstico e avaliação geral das relações entre política (ou desenvolvimento) industrial e instituições em sentido amplo. U m a h o n -rosa exceção é o trabalho pioneiro de N e w t o n P. B u e n o , Um m o d e l o de histerese institucional para a análise da política industrial brasileira. Pesquisa e Planejamento Econômico, 26 (2), agosto de 1996, p. 3 3 3 - 3 4 8 .

A chamada questão regional, do p o n t o de vista da distribuição geográfica da p r o d u ç ã o industrial, v e m m e r e c e n d o crescente atenção m o r m e n t e c o m o a c i r r a m e n t o da guerra fiscal. D e n t r e outros trabalhos importantes destaco os de W i l s o n C a n o , C o n c e n t r a ç ã o e d e s c o n c e n -tração regional no Brasil, 1 9 7 0 - 1 9 9 5 . Economia e Sociedade, 8, j u n h o de 1997; Clélio C a m p o l i n a Diniz, D e s e n v o l v i m e n t o poligonal no Brasil: n e m desconcentração, n e m contínua polarização. Nova Economia, 3 (1), setembro de 1993,p.35-64; Clélio Campolina D i n i z e M a r c o A. Crocco, Reestruturação econômica e impacto regional: o novo mapa da indústria brasileira. Nova Economia, 6 (1), j u l h o de 1996, p. 7 7 - 1 0 3 , e Carlos E. G. Cavalcanti e Sérgio Prado, Aspectos da guerra fiscal no Brasil. São Paulo: F U N D A P , 1997.

Por fim, os impactos das reformas (econômicas e institucionais) sobre emprego, produtividade, relações de trabalho, distribuição de renda e pobreza são discutidos, entre outros, por: M a r c i o P o c h m a n n , O trabalho e as recentes transformações econômicas no Brasil, in Carlos Anibal N o g u e i r a da Costa e Carlos Alberto A r r u d a (Orgs.), Em Busca do Futuro, op. cit., cap. 9; José M á r c i o Camargo, Marcelo N e r i e M a u r í c i o C o r t e z R e i s , E m p r e g o e produtividade no Brasil na década de 1990, in R e n a t o B a u m a n n (Org.), Brasil: uma década em transição. R i o de Janeiro: C a m p u s , 1999, cap.7, e Marcelo N e r i e José Márcio Camargo,Efeitos distributivos das reformas estruturais no Brasil, in B a u m a n n , op. cit., cap. 8.

Referências

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