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Gestos pictórico-ensaísticos : a câmera-pincel de Derek Jarman

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS Instituto de Artes

LUIZ CARLOS ANDREGHETTO

GESTOS PICTÓRICO-ENSAÍSTICOS: A CÂMERA-PINCEL DE DEREK JARMAN

CAMPINAS 2018

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LUIZ CARLOS ANDREGHETTO

GESTOS PICTÓRICO-ENSAÍSTICOS: A CÂMERA-PINCEL DE DEREK JARMAN

Tese apresentada ao Instituto de Artes da Universidade Estadual de Campinas como parte dos requisitos exigidos para a obtenção do título de Doutor em Multimeios.

ORIENTADOR: PROF. DR. FRANCISCO ELINALDO TEIXEIRA.

ESTE TRABALHO CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA TESE DEFENDIDA PELO ALUNO LUIZ CARLOS ANDREGHETTO, E ORIENTADA PELO PROF. DR. FRANCISCO ELINALDO TEIXEIRA.

CAMPINAS 2018

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BANCA EXAMINADORA DA DEFESA DE DOUTORADO

LUIZ CARLOS ANDREGHETTO

ORIENTADOR: PROF. DR. FRANCISCO ELINALDO TEIXEIRA

MEMBROS:

1. PROF. DR. FRANCISCO ELINALDO TEIXEIRA 2. PROF. DR. MAURICIUS MARTINS FARINA 3. PROF. DR. GILBERTO ALEXANDRE SOBRINHO 4. PROF(A). DR(A). CECÍLIA ANTAKLY DE MELLO 5. PROF. DR. CRISTIAN DA SILVA BORGES

Programa de Pós-Graduação em Multimeios do Instituto de Artes da Universidade Estadual de Campinas.

A ata de defesa com as respectivas assinaturas dos membros da Comissão Examinadora encontra-se no SIGA/Sistema de Fluxo de Dissertação/Tese e na Secretaria do Programa da Unidade.

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AGRADECIMENTOS

Em primeiro lugar, agradeço ao meu orientador, prof. Francisco Elinaldo Teixeira, pela inestimável oportunidade de aprendizagem, pela tranquilidade na condução desse longo processo e pela confiança na minha capacidade de realizá-lo.

Aos professores, Gilberto Alexandre Sobrinho e Pedro Maciel Guimãraes, pela participação na banca de qualificação, contribuindo com valiosos comentários que ampliaram minha percepção em relação ao objeto central dessa pesquisa.

Aos professores Mauricius Martins Farina e Marta Strambi, por terem plantado a sementinha dessa pesquisa, iniciada, guardando as devidas proporções, à partir do curso de extensão em Artes Visuais, Intermeios e Educação, no Instituto de Artes dessa instituição.

À todos os meus amigos que, direta ou indiretamente, contribuíram com essa pesquisa, seja de maneira acadêmica ou apenas emocional, em especial Paula Cabral e Fernando de Tacca, por todos os momentos de suporte que me fizeram olhar para algumas certezas quando as dúvidas pareciam me dominar.

Ao produtor James Mackay pela atenção com que se dedicou a responder algumas perguntas sobre o Jarman e pela disponibilização de alguns filmes dele que, até então, eu não tinha acesso.

Ao meu irmão Adriano Andreghetto pela ajuda nas traduções em língua inglesa.

Enfim, agradeço a todos que estiveram presentes nesta jornada e que contribuíram de forma profícua, mesmo que alguns não tenham se dado conta disso, fazendo com que esse processo tenha sido um lugar de encontros, trocas e afetos, acima de tudo.

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RESUMO

Com um estilo visual singular - ao qual misturava passado e presente; teatro, pintura, poesia, artes performáticas e abstrações visuais; sexo e política – o pintor-cineasta Derek Jarman (1942-1994), realizou um cinema de características poéticas-experimentais, com fortes marcas autorais, todo calcado na polêmica e na provocação ao establishment existente na época (Inglaterra, anos de 1980, então governo da primeira ministra Margaret Thatcher).

Percebe-se em Jarman, um contínuo deslocamento do pictórico para o audiovisual e vice-versa. Jarman opera nessas idas e vindas entre esses dois campos, produzindo uma intertextualidade ímpar entre eles. Seu processo criativo se estabelece à partir de uma multiplicidade de gestualidades ao redor dessa relação entre cinema e pintura, uma relação que parte da pintura e vai ao encontro do audiovisual (o Super 8) e retorna à pintura quando essa produção fílmica adentra-se em obras mais experimentais. Suas obras eram frequentemente (re)organizadas, (re)ordenadas e (re)ssignificadas, transformando-se em peças fundamentais para a construção de uma imagética apoiada na autorreflexão e na subjetividade ou, como foi tratado a partir dos anos de 1980, um “cinema do eu” e/ou um “cinema em primeira pessoa”.

Nessa “apreensão de si mesmo” Jarman se insere nesse domínio do ensaísmo através de uma subjetividade pensante, empregando diferentes materiais e recursos (found footage, home movies, intervenções do próprio autor), com um discurso fragmentado, incompleto, pessoal e dinâmico.

Palavras-Chave: Derek Jarman, Experimental, Cinema britânico, Filme-ensaio, Found-footage.

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ABSTRACT

With a unique style – to which it was mixed past and future; theater, painting, performance arts and visual abstraction; sex and politics – the painter-filmmaker Derek Jarman (1942-1994) performed a feature cinema with poetic-experimental characteristics with strong authorial marks, all based on controversy and the provocation of the British establishment of that age (England, 1980’s, then the government of Prime Minister Margaret Thatcher).

One can see in Jarman, a continuous displacement of the pictorial to the audiovisual and vice versa. Jarman operates in these comings and goings between these two fields, producing an odd intertextuality between them. His creative process is based on a multiplicity of gestures around this relationship between cinema and painting, a relationship that starts with the painting and goes to the audiovisual (Super 8) and returns to the painting when this filmic production enters into more experimental works. His works were often (re) organized, (re) ordered and (re) signified, becoming fundamental pieces for the construction of an imagery based on self-reflection and subjectivity or, as treated from the 1980s, a "self cinema" and / or a "cinema in the first person".

In this "self-apprehension" Jarman enters this domain of essayism through a thinking subjectivity, employing different materials and resources (found footage, home movies, the author's own interventions), with a fragmented, incomplete, personal and dynamic discourse.

Key word: Derek Jarman, Experimental, British Cinema, Film-essay, Found-footage.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1: Ford Madox Brown, “The Last of England”, 1885. Tinta a óleo em painel de madeira. 82,5 × 74,9 cm.

Figura 2: Stills do filme “The Last of England”, 1987, direção Derek Jarman.

Figura 3: David Hockney, “The Last of England?”, 1961. Óleo sobre tela com montagem em ouro. 50.5 x 50.5 cm.

Figura 4: David Hockney, “Illustrations for Fourteen Poems from C. P. Cavafy”, 1966. Gravura e aquatinta em papel. 34,5 x 22,3 cm.

Figura 5: Derek Jarman, “Irresistible Grace”, 1982. Óleo sobre tela. 137 x 183 cm. Figura 6: À esquerda – capa de uma edição da revista Physique Pictorial, por volta de 1966. À direita – Derek Jarman, “Untitled (The Archer)”, 1983. Óleo sobre tela. 35,5 x 46,25 cm.

Figura 7: William Blake, “Newton”, 1795-1805. Aquarela e tinta. 46 x 60 cm.

Figura 8: David Hockney - em sentido horário – 1. “Portrait of an artist (Pool with two figures)”, 1972. Acrílico sobre tela. 214 x 305 cm. 2. “A large diver (Paper Pool 27)”, 1978. Polpa de papel colorido e prensado. 198.4 x 458.5 cm. 3. “A Bigger Splash”, 1967. Acrílico sobre tela. 242,5 x 243,9 cm. 4. “Peter getting out of Nick’s Pool”, 1966. Acrílico sobre tela. 152 x 152 cm. 5. “Portrait of Nick Wilder”, 1966. Acrílico sobre tela. 182.9 x 182.9 cm.

Figura 9: Stills do filme “Sebastiane”, 1976, direção Derek Jarman.

Figura 10: À esquerda - Guido Reni, “Saint Sebastian”, 1617-1619. Óleo sobre tela. 170 x 133 cm. À direita: Guido Reni, “Saint Sebastian”, 1616. Óleo sobre tela. 129 x 98 cm.

Figura 11: À esquerda – Yukio Mishima como São Sebastião (autorretrato). À direita – Still do filme “Sebastiane”, 1976, direção Derek Jarman.

Figura 12: Robert Rauschenberg, “Bed”, 1955. Óleo e pincel no travesseiro, colcha e lençol em suporte de madeira. 191,1 x 80 cm.

Figura 13: Derek Jarman, “Bed”. Sem dados.

Figura 14: Derek Jarman, “Black & Gold Paintings”. Primeira fileira – “Work Ethic”, 1986, sem dados. “INRI”, 1988, óleo e mídia mista sobre tela, 31,7 x 27 cm. “Prospect”, 1990, óleo e mídia mista sobre tela, 48,4 x 30,8 cm. Segunda fileira – “Untitled”, sem dados. “Untitled”, sem dados. “Untitled (Wired Glass)”, 1990, óleo e mídia mista sobre tela, 48,4 x 41 cm. Terceira fileira – “Untitled (Legs)”, 1987, óleo e mídia mista sobre tela, 51,2 x 41 cm. “Untitled”, sem dados. “Pinxit”, 1987, óleo e mídia mista sobre tela, 31 x 26 cm.

Figura 15: Derek Jarman, “Black & Gold Paintings”. Primeira fileira – “Untitled”, sem dados. “This instant”, 1987, óleo e mídia mista sobre tela. “T.B. or not T. B. that is the question”, 1990, óleo e mídia mista sobre tela, 46 x 40,75 cm. Segunda fileira – “This precious stone”, 1986, óleo e mídia mista sobre tela. “Those Thoughts”, 1988, mídia mista, 50,2 x 50,2 cm. “The Mistake”, 1987, mídia mista, 25,4 x 30,5 cm. Terceira fileira – “Untitled”, sem dados.

Figura 16: Robert Rauschenberg, “Black Paintings”, 1951-53. Primeira fileira – “Untitled (glossy black four-panel painting)”, 1951, óleo e jornal sobre tela, 221 x 434,3 cm. Segunda fileira – “Untitled (glossy black painting)”, 1951, óleo e papel sobre tela, 181,6 x 134 cm. “Untitled (black painting with portal form)”, 1952-53,

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óleo e jornal sobre tela, 129,9 x 137,8 cm. “Untitled (small vertical black painting)”, 1951, óleo e jornal sobre tela, 61,3 x 45,6 cm. Terceira fileira – “Untitled (matte black painting with Asheville citizen)”, 1952, óleo e jornal em duas telas esticadas e unidas separadamente, 183,5 x 72,4 cm. “Untitled (black painting on paper)”, 1952, tinta, esmalte e guache sobre papel vegetal e jornal no cartão, 68,3 x 53,7 cm. “Untitled (black painting on paper)”, 1952, tinta em ouro, cobre e esmalte e jornal em papel, 55,2 x 42,5 cm.

Figura 17: Robert Rauschenberg, “Gold Paintings”, 1953/1955-56/1965). Primeira fileira – “Untitled (Gold painting)”, 1965, folha de ouro em tecido, colagem de papel em masonite com percevejo em madeira e moldura de vidro, 35,6 x 30,5 cm. “Untitled (Gold painting)”, 1965, folha de ouro em tecido, jornal e cola sobre tela, em moldura de madeira e vidro. 34,9 x 33,7 cm. “Untitled (Gold painting)”, 1953, folha de ouro e prata em tecido, jornal, tinta, madeira, papel, cola e unhas em madeira em moldura de madeira e vidro, 26,7 x 29,2 cm. Segunda fileira – “Gold Painting”, 1953, folha de ouro sobre tela, 27 x 25,7 cm. “Untitled (Gold painting)”, 1953, folha de ouro em tecido, jornal, madeira, papel e cola sobre tela, 50,2 x 50,2 cm. “Untitled (Gold painting)”, 1953, folha de ouro em tecido em cola em masonite em moldura de madeira e vidro, 31,1 x 32,1 cm.

Figura 18: Robert Rauschenberg, “Red Paintings”, 1953-54. Primeira fileira – “Red Painting”, 1954, óleo e colagem sobre tela, 194,3 x 129,5 cm. “Untitled”, 1954, óleo, tecido e jornal sobre tela, 179,7 x 121,6 cm. “Yoicks”, 1954, óleo, tecido e jornal em duas telas, 243,8 x 182,9 cm. Segunda fileira – “Red Import”, 1954, óleo, tecido, jornal e madeira sobre tela, 45,7 x 45,7 cm. “Untitled (Red Painting)”, 1953-54, óleo, tecido, jornal e giz de cera sobre tela e cartão, 37,5 x 29,8 cm. “Untitled (Red Painting)”, 1953, óleo, tecido e jornal sobre tela com madeira, 200,7 x 84,1 cm.

Figura 19: Derek Jarman, “Smashing Times”, 1987. Óleo e mídia mista sobre tela. 30,7 x 30, 7 cm.

Figura 20: Derek Jarman, “Silence”, 1986. Óleo, vidro, lâmpada, etc, sobre tela, 51 x 40,5 cm.

Figura 21: Derek Jarman, “Sleep”, 1987. Óleo e mídia mista sobre tela, 36 x 26,1 cm.

Figura 22: Derek Jarman, “Eyes”, 1986. Óleo e mídia mista sobre tela, 36,3 x 26,7 cm.

Figura 23: Derek Jarman, “Spread the Plague”, 1992. Óleo em fotocópias sobre tela, 149 x 251,5 cm.

Figura 24: Derek Jarman, “Queer”, 1992. Óleo sobre tela, 179 x 251 cm.

Figura 25: Derek Jarman, “Sightless”, 1993. Óleo em fotocópias coloridas sobre tela. 213,5 x 213,5 cm.

Figura 26: Derek Jarman, “Blood”, 1992. Óleo em fotocópias sobre tela.

Figura 27: Derek Jarman, “Infection”, 1993. Óleo em fotocópia sobre tela. 251 x 179 cm.

Figura 28: Derek Jarman, “Fuck me blind”, 1993. Óleo sobre tela. 251 x 179 cm. Figura 29: Derek Jarman, “Ataxia – Aids is Fun”, 1993. Óleo sobre tela. 251 x 179 cm.

Figura 30: Robert Rauschenberg, “Should love come first?”, 1952. Óleo, papel impresso e grafite sobre tela. 61,6 x 76,2 cm.

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Figura 31: Robert Rauschenberg, “Untitled (Hotel Bilbao)”, 1952. Colagem: gravuras, papel impresso, papel, tecido, grafite e cola em papel montado em papelão. 25,7 x 28,3 cm.

Figura 32: Robert Rauschenberg, “Untitled (Pictographs and feathers)”, 1952. Colagem: gravação, papel, tecido cortado, papel de seda, lápis e cola sobre papel montado em papelão, papel dobrado não acoplado com reprodução impressa e cola.

Figura 33: Derek Jarman, “Letter to the Minister”, 1992. Óleo em fotocópias sobre tela. 251,5 x 149 cm.

Figura 34: Derek Jarman, “Morphine”, 1992. Óleo sobre tela. 251,5 x 179 cm. Figura 35: Imagens do livro “Jenny lives with Eric and Martin”, 1983.

Figura 36: Marcel Duchamp, “The Fountain”, 1917. Cerâmica esmaltada. 23,5 x 18 cm.

Figura 37: Robert Rauschenberg, “First Landing Jump”, 1961. Pano, metal, couro, dispositivo elétrico, cabo e tinta a óleo na placa de composição, com pneu de automóvel e prancha de madeira. 226,3 x 182,8 cm.

Figura 38: Marcel Duchamp, “Bicycle Wheel”, 1951. Roda de metal montada em madeira pintada. 129,5 cm x 63,5 x 41,9 cm.

Figura 39: Robert Rauschenberg, “Untitled (Scatole Personali)”, 1952. Tábua de madeira com roda de triciclo, ponta de ferro de pontas quadradas, peças de metal, chave, fio de cobre, fita, corda, unhas, caco de vidro, concha, noz e penas. 73,7 x 35,6 cm.

Figura 40: Robert Rauschenberg, “Untitled (Elemental Sculpture)”, 1953/1959. À esquerda – “Untitled (Elemental Sculpture), 1953, Caixa de madeira com abertura e pedra desimpedida, 9,8 x 45,4 x 14,9 cm. À direita – “Untitled (Elemental Sculpture)”, 1953, Flange articulada de aço, cinta de aço dobrada, parafuso e pedra, 34,6 x 46,4 x 23,2 cm.

Figura 41: Robert Rauschenberg, “Allegory”, 1956/1960. Combine: óleo, papel, tecido, papel impresso, madeira e guarda-chuva sobre tela e metal, areia e cola no painel espelhado. 182,9 x 304,8 cm.

Figura 42: Jackson Pollack, “Convergence”, 1952. Óleo sobre tela. 393,7 x 237,5 cm.

Figura 43: Robert Rauschenberg, “Night Blooming”, 1951. Da esquerda para à direita: “Untitled (Night Blooming)”, 1951, óleo, asfalto e cascalho sobre tela, 222,9 x 65,4 cm. “Untitled (Night Blooming)”, 1951, óleo, asfalto e cascalho sobre tela, 158,1 x 80 cm. “Untitled (Night Blooming)”, 1951, óleo, asfalto e cascalho sobre tela, 209,6 x 97,5 cm.

Figura 44: Derek Jarman, “Do Lalley”, 1993. Óleo sobre tela. 213,5 x 213,5 cm. Figura 45: Derek Jarman, “Dipsy do (Sinister)”, 1993. Óleo sobre tela. 213,5 x 213,5 cm.

Figura 46: Yves Klein, “Untitled (Blue Monochrome)”, 1957. Pigmento azul seco sobre tela. 78 x 55 cm.

Figura 47: Still do filme “Blue”, 1993, direção Derek Jarman.

Figura 48: Yves Klein, “Saut dans le vide (Salto no Vazio)”, 1960, fotografia de Harry Shunk.

Figura 49: À direita - Stills do filme “Caravaggio”, 1986, direção Derek Jarman. À esquerda, de cima para baixo, obras de Michelangelo Merisi da Caravaggio: “São

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João Batista”, 1605, óleo sobre tela, 159 x 124,5 cm. “São Jerônimo”, 1605-06, óleo sobre tela, 112 x 157 cm. “O concerto”, 1594-95, óleo sobre tela, 92,1 x 118,4 cm.

Figura 50: Michelangelo Merisi da Caravaggio, “Amor Vitorioso (Amor Vincit Omnia)”, 1602. Óleo sobre tela, 156 x 113 cm.

Figura 51: Stills do filme “Caravaggio”, 1986, direção Derek Jarman.

Figura 52: Michelangelo Merisi da Caravaggio, “São Mateus e o anjo”, 1602. Óleo sobre tela. 223 x 183 cm.

Figura 53: Stills do filme “Caravaggio”, 1986, direção Derek Jarman. Figura 54: Stills do filme “Caravaggio”, 1986, direção Derek Jarman. Figura 55: Stills do filme “Caravaggio”, 1986, direção Derek Jarman. Figura 56: Stills do filme “Caravaggio”, 1986, direção Derek Jarman. Figura 57: Derek Jarman, “The Caravaggio Suite”, 1986. Sem dados.

Figura 58: Michelangelo Merisi da Caravaggio, “O Martírio de São Mateus”, 1599-1600. Óleo sobre tela. 323 x 343 cm.

Figura 59: Michelangelo Merisi da Caravaggio, “David com a cabeça de Golias”, 1610. Óleo sobre tela. 125 x 101 cm.

Figura 60: Still de Derek Jarman no filme “The Last of England”, 1987, direção Derek Jarman.

Figura 61: Still de Derek Jarman no filme “The Garden”, 1990, direção Derek Jarman.

Figura 62: Stills do filme “Studio Bankside”, 1972, direção Derek Jarman.

Figura 63: Stills do filme “Sloane Square – a room of one’s own”, 1979, direção Derek Jarman e Guy Ford.

Figura 64: Andrew Logan no “Alternative Miss World” de 1972.

Figura 65: Stills do filme “A Bigger Splash”, 1973, direção Jack Hazan.

Figura 66: À esquerda – Derek Jarman como Miss Crêpe Suzette, 1975. À direita – Marcel Duchamp como Rrose Sélavy, 1920.

Figura 67: Prospect Cottage, Dungeness, Inglaterra.

Figura 68: Stills do filme “Jordan’s Dance”, 1977, direção Derek Jarman. Figura 69: Stills do filme “Pirate Tape”, 1982, direção Derek Jarman.

Figura 70: Stills do filme “Journey to Avebury”, 1973, direção Derek Jarman.

Figura 71: Robert Smithson, “Spiral Jetty”, 1970. Escultura em espiral feito de pedras basálticas e terra que adentra o mar. 4,6 x 460 m.

Figura 72: Michael Heizer, “Duplo Negativo”, 1969. Arenito e riólito. 15 x 9 x 457 m.

Figura 73: Richard Long, “A line made by walking”, 1967. Fotografia, impressão em gelatina em papel e grafite.

Figura 74: Didier Morin, “Carnac”, 1981-1989. Série de 27 fotografias. Figura 75: Derek Jarman, “Untitled Drawing”, 1962. Carvão. 76,2 x 55,9 cm.

Figura 76: Derek Jarman, “Cool Waters”, 1966-1967. Óleo sobre tela com torneira e toalheiro. 245 x 183,5 cm.

Figura 77: Derek Jarman, “Landscape with a blue pool”, 1967. Óleo sobre tela. 151,8 x 202,6 cm.

Figura 78: Derek Jarman, pintura não identificada, possivelmente “The Shore”, 1968. Óleo e colagem sobre tela.

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Figura 80: Derek Jarman, “Landscape II”, sem dados.

Figura 81: Paul Nash, “Equivalents for the Megaliths”, 1935. Óleo sobre tela. 45,7 x 66 cm.

Figura 82: Derek Jarman, “Archeologies”, 1977. Ardósia gravada. 19 x 13,75 cm. Figura 83: Derek Jarman, “Avebury Series”, sem dados.

Figura 84: Thomas Gainsborough, “Wooded landscape with a peasant resting”, 1747. Óleo sobre tela.

Figura 85: John Constable, “Hampstead Heath with bathers”, 1821-22. Óleo sobre tela. 24,4 x 39,1 cm.

Figura 86: Joseph Mallord Wiilliam Turner, “Tempestade de neve: vapor ao largo do porto”, 1842. Óleo sobre tela. 91 x 122 cm.

Figura 87: Stills do filme “Ashden’s walk on Mon”, 1973, direção Derek Jarman. Figura 88: Stills do filme “Imagining October”, 1984, direção Derek Jarman. Figura 89: Stills do filme “Garden of Luxor”, 1973, direção Derek Jarman. Figura 90: Stills do filme “The art of mirror”, 1973, direção Derek Jarman.

Figura 91: À esquerda – Michelangelo Merisi da Caravaggio, “Narciso”, 1594-1596, óleo sobre tela, 110 x 94 cm. À direita – Still do filme “Sebastiane”, 1975, direção Derek Jarman.

Figura 92: Stills do filme “In the shadow of the sun”, 1981, direção Derek Jarman. Figura 93: Stills do filme “Tarot (The Magician)”, 1973, direção Derek Jarman. Figura 94: Stills do filme “Fire Island”, 1974, direção Derek Jarman.

Figura 95: Stills do filme “Glitterbug”, 1994, direção Derek Jarman.

Figura 96: Stills do filme “The Last of England”, 1987, direção Derek Jarman. Figura 97: Stills do filme “The Last of England”, 1987, direção Derek Jarman. Figura 98: Stills do filme “The Last of England”, 1987, direção Derek Jarman. Figura 99: Stills do filme “The Last of England”, 1987, direção Derek Jarman. Figura 100: Stills do filme “The Last of England”, 1987, direção Derek Jarman. Figura 101: Stills do filme “The Last of England”, 1987, direção Derek Jarman. Figura 102: Stills do filme “The Last of England”, 1987, direção Derek Jarman. Figura 103: Stills do filme “The Last of England”, 1987, direção Derek Jarman. Figura 104: Stills do filme “The Last of England”, 1987, direção Derek Jarman. Figura 105: Stills do filme “The Last of England”, 1987, direção Derek Jarman. Figura 106: Stills do filme “The Last of England”, 1987, direção Derek Jarman. Figura 107: Stills do filme “The Last of England”, 1987, direção Derek Jarman. Figura 108: Stills do filme “The Last of England”, 1987, direção Derek Jarman. Figura 109: Stills do filme “The Last of England”, 1987, direção Derek Jarman. Figura 110: Stills do filme “The Last of England”, 1987, direção Derek Jarman. Figura 111: Stills do filme “The Last of England”, 1987, direção Derek Jarman. Figura 112: Stills do filme “The Last of England”, 1987, direção Derek Jarman. Figura 113: Stills do videoclipe “Dance Hall Days”, 1983, direção Derek Jarman. Figura 114: Stills do videoclipe “Every time we say goodbye”, 1990, direção de Ed Lachlan.

Figura 115: Pablo Picasso, “Dora Maar au chat”, 1941. Óleo sobre tela. 128 x 95 cm.

Figura 116: Andy Warhol, “Marilyn Monroe”, 1967. Serigrafia sobre papel. 91 x 91 cm.

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Figura 117: Cindy Sherman, “Untitled Film Still #21”, 1978. Impressão. 19,1 x 24,1 cm.

Figura 118: Francis Bacon, “Three Studies for a Self-Portrait”, 1979-1980. Óleo sobre tela. 37,5 x 31,8 cm.

Figura 119: Christian Boltanski, “The 62 members of the Mickey Mouse Club”, 1972. Sem dados.

Figura 120: Thomas Gainsborough, “The Blue Boy”, 1779. Óleo sobre tela. 177,8 x 112,1 cm.

Figura 121: Stills do filme “A paixão de JL”, 2015, direção Carlos Nader.

Figura 122: Stills da videoarte “Prelúdio de uma morte anunciada”, 1991, direção de Rafael França.

Figura 123: Exibição do filme “Blue”, 1993, na Tate Galley.

Figura 124: “Derek Jarman: Brutal Beauty”, 2008, Serpentine Gallery, Londres, Inglaterra.

Figura 125: “Derek Jarman: Super 8”, 2010-2011, Julia Stoschek Foundation, Düsseldorf, Alemanha.

Figura 126: “The Last of England: Derek Jarman”, 2017, Wilkinson Gallery, Londres, Inglaterra.

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SUMÁRIO INTRODUÇÃO...17 1. UM PINTOR-CINEASTA E A CÂMERA-PINCEL...22 1.1. David Hockney...26 1.2. Robert Rauschenberg...36 1.3. Yves Klein...47

1.4. Michelangelo Merisi da Caravaggio...51

2. DA PINTURA PARA O SUPER 8: UM PERCURSO AO CINEMA EXPERIMENTAL...116

2.1. Super 8: um suporte de experimentações...121

2.2. Home movies: uma “festa” entre amigos...127

2.2.1. Filme-diário...137

2.2.2. Retratos...146

2.3. Jarman no cinema experimental britânico ou avant-garde britânica...152

3. DO SUPER 8 PARA A PINTURA: UM RETORNO À PAISAGEM...168

3.1. Paisagem Inglesa...169

3.2. Paisagem de Viagem...187

3.3. Paisagem mística dos rituais alquímicos...195

4. IMAGENS RECICLADAS...219

4.1. O found footage em In the Shadow of the Sun...230

4.2. A imagem arquivo em Glitterbug...236

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5. BLUE: UM AUTORRETRATO ENSAÍSTICO E/OU UM ANTIRRETRATO

PICTÓRICO...265

5.1. Ensaio em uma imagem única………..271

5.2. Deambular de uma imagem-pensamento………287

5.3. O azul entre a caixa preta e o cubo branco……….321

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS...339

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...343

FILMOGRAFIA...358

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INTRODUÇÃO

Com um estilo visual singular - ao qual misturava passado e presente; teatro, pintura, poesia, artes performáticas e abstrações visuais; sexo e política – o pintor-cineasta Derek Jarman (1942-1994), realizou um cinema de características poética-experimentais, com fortes marcas autorais, todo calcado na polêmica e na provocação ao establishment existente na época (Inglaterra, anos de 1980, então governo da primeira ministra Margaret Thatcher). “Su estilo se podría caracterizar, a grandes rasgos, como una combinación de experimentación formal y rechazo del sistema narrativo clásico, y las referencias a la tradición cultural británica” (KESKA, 2007) que incluem William Shakespeare (1564-1616), Christopher Marlowe (1564-1593), John Dee (1527-1608), William Blake (1757-1827), Ford Maddox Brown (1821-1893), Benjamin Britten (1913-1976), entre outros.

Vários autores partem da conexão entre sexo e sexualidade com dados biográficos de Jarman para uma leitura do seu trabalho, na maioria das vezes associados a uma perspectiva do que se convencionou chamar, pós anos de 1990, de uma teoria queer1 e do New Queer Cinema2, o que não é o caso dessa

tese. Ainda que alguns autores que discutem os filmes de Jarman sob essa ótica

1 Queer: gíria inglesa que significa “estranho”, começou a ser usada pelos homossexuais ingleses em uma

sobreposição com a palavra “queen” (rainha), para designar homossexuais masculinos bem afeminados. Teoria queer é uma teoria que analisa as diferenças de gênero (masculino x feminino), aprofundando os estudos em relação às minorias sexuais (gays, lésbicas, transgêneros), especificamente em relação à orientação e identidade sexual. “No longer an issue of sexual orientation, object-choices, lacking desires and

gender combinations, one dares to think body and (homo)sexuality essentially: that is, by defining their being through their capacity for becoming, in terms of a productive desire (…)” (CHRYSANTHI, STORR (Ed) in

Deleuze and queer theory, 2009, p. 6). De acordo com Deleuze, queer é sempre uma resposta a uma matriz heterossexual dominante: uma força reativa de re-significações, “desrespeitando” o poder das normas “a force

(that) denies all that it is not and makes this negation its own essence and the principle of its existence”. Para Deleuze não existe uma identidade homossexual. Como é o caso de outras minorias, essa “identidade gay” é estabelecida em conexão com a maioria, tentando estabilizar o que tem que ser radicalmente desestabilizado. “Queer then is conceived of as solely a transformation from within, as the parody of the two genders without

which, however, we fail to be/do queer” (idem, p. 9).

2 New Queer Cinema é um termo criado pela crítica de cinema e feminista norte-america B. Ruby Rich, em

um artigo publicado em 1992 na revista britânica Sight & Sound, no qual propunha um “mapeamento” de uma temática gay em produções cinematográficas que surgiram no cinema independente a partir dos anos de 1990. Alguns dos filmes que marcaram presença nesta nova configuração foram Young Soul Rebels (1991, Isaac Julien – que posteriormente seria o diretor do documentário Derek, uma biografia sobre a “persona” pública e privada de Jarman), Veneno (1990, Todd Haynes), Eduardo II (1992, Derek Jarman) e Swoon

Colapso do Desejo (1992, Tom Kalin). Esses filmes tratavam abertamente e, algumas vezes, agressivamente

a questão da identidade sexual, problematizando a relação entre corpo e gênero. Filmes e diretores inseridos nesse NQC apresentavam sexualidades que não eram fixas e nem convencionais, desafiando o status quo da heteronormativa e promovendo imagens positivas dos gays e lésbicas, que vinham sendo defendidas pelo movimento de liberação gay desde os anos 70. Para Robert Stam, em Introdução à teoria do cinema (2000, p. 289), isso foi possível pois, ao final dos anos 70 e inícios dos anos 80, “o campo dos estudos de gênero

(gender studies), surgido juntamente com os estudos feministas (women’s studies), também abriu caminho para os estudos gay e lésbicos (posteriormente, “estudos queer”).

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político-sexual ou de identidade sexual, como Niall Richardson, Rowland Wymer, Jim Ellis, Martin Quinn-Meyler, David Gardner, possam ser utilizados, o intuito é sempre colocar a reflexão em torno dos aspectos formais que, por diversas vezes, foram preteridos em relação às controvérsias nas quais Jarman estava envolvido. Michael O’Pray, alguns textos de Roland Wymer, Chris Lippard & Guy Johnson, Lawrence Driscoll, David Hawkes, Peter Wollen, Steve Dillon, Martin Frey, Tony Peake, Michael Charlesworth, entre outros, são autores que se utilizam de elementos biográficos para entender algumas escolhas estéticas de Jarman, mas sem dar uma ênfase maior na teoria queer ou em identidades sexuais, sendo, portanto, com essas reflexões estéticas e formais do material fílmico de Jarman que essa tese mais se aproxima.

Percebe-se, em Jarman, uma trajetória que privilegia, desde seus primeiros curtas-metragens realizados em Super 8, o domínio do cine-ensaio, sendo que podemos considerar essa produção superoitista, repleta de experimentações formais e visuais, como os proto-ensaios3 do que viria a se desenvolver na mise

en scene jarmaniana. Tudo o que acontece em suas obras de longas-metragens já havia acontecido nos seus curtas em Super 8, que eram frequentemente (re)organizados, (re)ordenados e (re)ssignificados, transformando-se em peças fundamentais para a construção de uma imagética apoiada na autorreflexão e na subjetividade ou, como foi tratado a partir dos anos de 1980, um “cinema do eu” e/ou um “cinema em primeira pessoa”. “Para Jarman, vida e obra representava uma unidade indivisível que imediatamente se manifestou diretamente em todas as áreas de sua obra como artista, por meio de elementos autobiográficos e pontos de referência” (FREY, 2016, p.10)4.

Nessa “apreensão de si mesmo” Jarman se insere nesse domínio do ensaísmo através de uma subjetividade pensante, empregando diferentes materiais e recursos (found footage, home movies, intervenções do próprio autor),

3 Tal ambivalência, tão inerente aos movimentos e processos de pensamento e, portanto, constituindo uma

linha mestra de formas de arrazoamento do ensaio fílmico, também pode reter e sintetizar um pouco do que foi a relação do cinema moderno com o ensaio. Daí a proposição de tomá-lo como um momento de formação de um “proto-ensaio”, de uma primeira manifestação dele, [...]. (TEIXEIRA, 2015, p. 195)

4 For Jarman, life and work represented an indivisible unity that immediately and directly manifested itself in

every area of his work as an artist, by way of autobiographical elements and points of reference. Tradução do autor.

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“una búsqueda que tiene como objetivo descobrir lo que uno piensa sobre algo” (LOPATE, 2007, p. 67), com um discurso fragmentado, incompleto, pessoal e dinâmico.

Portanto, pretende-se nessa tese, uma arguição do processo criativo de Jarman e como a posterior produção, que passa por esse processo, muitas vezes mais próximo de um artista visual do que propriamente de um diretor cinematográfico, está intrinsicamente ligada dentro das proposições pictórico-ensaísticas. Seus primeiros trabalhos em Super 8, que são iniciados através dos “filmes caseiros” (home movie), passando para um universo amador e experimental, que poderíamos chamar de proto-ensaísticos, possuem características que serão constantemente esmiuçadas em sua filmografia de longas-mestragens. Jarman adere a uma produção imagética que ultrapassa, mistura e borra as fronteiras que separam documentário e ficção, experimental e mainstream, narrativo e não-narrativo, autobiografia e autorretrato, etc.

A presente tese está dividida em cinco capítulos que possibilitam uma melhor apreensão do universo da produção pictórico-ensaística do cineasta britânico, propondo com isso um percurso de sua imagética amparada nessa relação que perpassa o cinema experimental e ensaístico.

O primeiro capítulo aborda uma reflexão do por que chamo (assim como alguns outros teóricos) Jarman de um pintor-cineasta e não o contrário, um cineasta-pintor. Esse capítulo se dedica a buscar as relações de Jarman com o pictórico e como essa relação é dada com suas principais referências do universo da pintura (Hockney, Rauschenberg, Klein e Caravaggio), que são desenvolvidas durante seu processo criativo, tanto na pintura quanto na imagem audiovisual.

O segundo capítulo faz o percurso que Jarman empreende quando sente um esvaziamento no seu processo criativo na pintura e começa a utilizar uma câmera Super 8 para dar continuidade a esse processo, através da imagem em movimento. Jarman se aproxima da imagem audiovisual fazendo pequenos curtas em Super 8 dos acontecimentos aparentemente “banais” que o rodeiam (amigos, festas, seu dia-a-dia, etc), que remontam a uma produção de filmes caseiros (os home movies), com os quais Jarman havia crescido em uma relação de grande

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proximidade: os home movies de seu avô (feito nos anos de 1920) e os home movies de seu pai (feitos em torno dos anos de 1940), que “documentam” um período significativo da infância de Jarman e imagens de sua mãe quando criança. O capítulo três trata de um “retorno” de Jarman, de forma mais contundente, às indagações advindas da pintura, levando-as cada vez mais para o seu processo cinematográfico, fazendo com que ele transforme sua câmera em uma extensão do seu pincel e dos seus procedimentos pictóricos, com diversas experimentações formais e visuais com a imagem cinematográfica (sobreposições, filtros, slow down, single frame, etc). A paisagem, sendo aqui uma paisagem do imaginário britânico e toda a gama de referências de uma longa tradição na história da arte das paisagem inglesas, sempre fora uma preocupação constante nas pinturas de Jarman, que saem desse universo do pictórico e vão ao encontro de proposições cada vez mais próximas à um cinema experimental-ensaístico.

No capítulo quatro será discutida a aproximação que Jarman faz com a (re)utilização de imagens próprias e de terceiros (seu pai e seu avô), dentro de um expediente próximo ao cinema experimental e/ou avant-garde: o found footage, filmes feitos a partir de imagens “encontradas” que são retiradas do seu contexto inicial e inseridas em outras obras; ora mantendo suas características e significados, ora transformando-os completamente.

Para finalizar, o capítulo cinco constrói uma aproximação maior entre a questão do cinema ensaístico e do autorretrato ou antirretrato pictórico, inserindo essa imagética “jarmaniana” nos domínios do filme-ensaio, que adentra o contemporâneo com uma força avassaladora, assim como o cinema produzido por ele. Ainda que gravemente debilitado pela doença que o haveria de acometer em 1994, a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (Aids), Jarman realiza o filme Blue, deixando com ele seu “testamento” cinematográfico, mantendo sempre acesa a controvérsia em sua obra, pelos tabus que paulatinamente ia desconstruindo frente a uma sociedade inglesa repressora e preconceituosa. Em Jarman, a fronteira que separa vida pública e vida privada é extremamente tênue,

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uma não se desvencilha da outra, mas corrobora suas práticas artísticas e/ou ensaísticas.

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1. UM PINTOR-CINEASTA E A CÂMERA-PINCEL.

Típico membro da geração do pós-guerra britânico, Derek Jarman atingiu a maioridade nos libertários anos de 1960, tornando-se uma testemunha do posterior processo do colapso inglês – o liberalismo falido como conjunto de valores e a instabilidade econômica – o que veio a permear seus filmes de um agudo senso de nostalgia e, paradoxalmente, um desejo urgente de inovar e chocar, assim “Jarman criou uma visão poética que expressa essa crise de identidade”5. (O’PRAY, 1996, p. 8)

Mesmo sendo essa figura tão controversa, establishment e anti-canônica, paradoxalmente, Jarman era imbuído de um enorme apego às antigas tradiçoes britânicas, sempre em busca das grandes paisagens românticas inglesas de outrora e de figuras que servissem para referenciar e reverenciar esse passado mítico inglês. Para Lawrence Driscoll essa imagem de controverso não era por sua iconoclastia pelos valores e pelas sagradas instituições britânicas:

[...] mas porque ele escolheu falar por uma tradição britânica muito antiga, colocando sua fé em valores culturais que são principalmente estéticos e históricos. Jarman é percebido como radical porque trabalhou em um ambiente no qual essa tradição britânica em particular foi corroída tanto pela Esquerda quanto pela Direita. (DRISCOLL, 1996, p. 65)6.

Portanto, o intuito do projeto de Jarman era:

[…] proporcionar à Grã-Bretanha uma oportunidade de restabelecer um senso de comunidade, história e cultura, Jarman retorna a uma tradição mais antiga, alinhando-se com uma linha de crítica cultural evidente na literatura medieval, bem como em Shakespeare, Blake, Ruskin e Larkin. Jarman esforçou-se por recriar uma base cultural viável que moveria a Grã-Bretanha para além do impasse cultural, social e político que o país enfrentava. (DRISCOLL, 1996, p. 65)7.

5 Jarman created a poetic vision which expressed that crisis of identity. Tradução do autor.

6 […] but because he has chosen to speak for a very old British tradition, placing his faith in cultural values that

are primarily aesthetic and historical. Jarman is perceived as radical because he worked in an environment in which this particular British tradition has been eroded both by the Left and by the Right. Tradução do autor.

7 […] provide Britain with an opportunity to re-establish a sense of community, history and culture, he returns to

an older tradition, aligning himself with a strain of cultural criticism evident in medieval literature, as well as in Shakespeare, Blake, Ruskin and Larkin. Jarman strove to re-created a viable cultural base which would move Britain beyond the cultural, social and political impasse which the country confronted. . Tradução do autor.

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Os filmes de Jarman nunca foram reconstruções históricas precisas do período a que pertenciam, seu olhar estava mais preocupado com uma reflexão particular sobre um determinado período e de como esse período trazia suas idiossincrasias para o tempo atual, transportando seus significados para o presente, através de um discurso histórico imbuído de uma crítica feroz à política cultural e social do governo Thatcher. Esse senso político e ativista fortemente demarcado, fez com que Jarman fosse um dos primeiros diretores europeus a se proclamar publicamente pelos direitos dos homossexuais, em filmes com grande carga homoerótica, principalmente como pode ser visto em sua estréia nos longa-metragens com Sebastiane (1976). Sexo e morte, misturados à política e a arte, dão a tônica de alguns temas dominantes na filmografia de Jarman, assim como autorretrar-se sempre fora um dos principais leitmotiv de suas produções, “autobiografia serve para ele como um material de origem ou um ponto de partida para certas explorações, nunca realmente como o objeto de interesse em si”

(ELLIS, 2009, p. 26)8.

Para Jarman, filmar sempre foi uma continuidade do seu processo artístico-pictórico. Quando percebeu um esvaziamento criativo em relação a este processo, sentiu-se impelido a prolongar suas experimentações artísticas em um outro suporte, principalmente ao ganhar uma câmera Super 8, ampliando assim temas que, até então, só faziam parte das suas pinturas. Ao tentar libertar-se de algumas convenções impostas pela pintura, é nessa câmera de fácil manuseio que Jarman encontra um aliado para que não haja obstrução em seu processo criativo.

Assim, as imagens de seus primeiros filmes em Super 8 deslocaram as superfícies impessoais e geométricas de suas pinturas. Sua câmera (uma Nizo S480) tornou-se seu pincel, a luz tomou o lugar da tinta e a tela foi substituída pelo material do filme Super 8. Jarman começou rigorosamente o desenvolvimento dessa estética do olhar privado inerente à imagem do Super 8, testando técnicas de filmagem não convencionais, o uso deliberado do processo de preparação e pós-produção [...]. (FREY, 2016, p. 122)9.

8 Autobiography serves for him as a source material or a strating point for certain explorations, never really as

the object of interest itself. Tradução do autor.

9 Thus the images of his first Super 8 films displaced the impersonal, geometrical surfaces of his paintings. His

camera (a Nizo S 480) became his brush, light took the place of paint and the canvas was replaced by the Super 8 film material. Jarman began to rigorously continue his development of that aesthetic of the private

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Martin Frey, em Derek Jarman: Moving Pictures of a Painter (2016), afirma que Jarman nunca viu a si mesmo como um cineasta e um pintor; primeiramente sempre foi um pintor que filmava, utilizando sua câmera como um pincel: “Jarman já via a câmera como um pincel durante seu trabalho com o Super 8” (FREY, 2016, p. 82)10.

James Mackay, produtor de vários filmes do Jarman, é enfático ao afirmar: “Derek era um pintor que usava uma câmera”11. E completa, quando perguntado

sobre os curtas-metragens em Super 8 de Jarman: “Derek não fez “curtas-metragens”; como um pintor não diferencia a pintura pelo tamanho da tela, um cineasta como Derek não dividiu seus filmes em curtas-metragens e longas-metragens”12.

Por isso, a importância do pintor que sempre precede o cineasta em suas obras fílmicas, um pintor-cineasta e não o contrário, pois é através da pintura que Jarman impõe suas referências e práticas discursivas nas imagens captadas em uma câmera Super 8 (posteriormente também filmaria com 16mm, 35mm e vídeo, mas o Super 8 sempre foi uma constante em suas produções, tanto de curta quanto de longa-metragem, ainda que Mackay não goste dessa divisão ao se referir à obra de Jarman).

A pintura era seu meio de expressão mais importante e direto, seu “modo de viver”. Enquanto ele se tornava conhecido para um público mais amplo, sobretudo através do meio cinematográfico, nunca viu a si mesmo como um cineasta e pintor, mas sempre, principalmente, como um pintor (FREY, 2016, p. 40)13.

Em 1963, Jarman iniciou seus estudos na Slade School of Fine Arts, University College of London (UCL), prosseguindo seu envolvimento com a pintura

gaze inherent to the Super 8 image by trying out unconventional shooting techniques, the deliberate use of staging and post-production processing [...]. Tradução do autor.

10 Jarman had already viewed the camera as a brush during his work with Super 8. Tradução do autor. 11 Derek was a painter who used a camera. Tradução do autor. (Entrevista concedida em janeiro de 2018 para

essa tese).

12 Derek didn’t make ‘shorts’ as a painter doesn’t differentiate between painting through the size of the canvas

a film-maker such as Derek who didn’t divide his films up shorts and features. Tradução do autor. (Entrevista concedida em janeiro de 2018 para essa tese).

13 Painting was his most important and direct medium of expression, his “lifeline”. While he would later become

known to a broader public above all through the medium of film, he nonetheless never saw himself as both a film-maker and also a painter, but instead always as primarily a painter. Tradução do autor.

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ao mesmo tempo em que realizava diversos trabalhos como set designer para o teatro, culminando em sua estréia no cinema com o cineasta Ken Russell, em 1971, no filme The Devils14. É em sua passagem pela Slade que Jarman se

envolve no movimento da contracultura e adentra na cena artística através das amizades com os pintores Patrick Procktor15 e David Hockney16 e o fashion

designer Ossie Clarke.

Sua predileção por um tema que remonta a grande tradição britânica, a paisagem, lentamente cedeu espaço para algumas influências contemporâneas, principalmente com as obras de Robert Rauschenberg, artista com passagem pela Pop-art. Esse movimento estilístico, até então, era criticado por Jarman, especialmente após seu desapontamento com a mudança de Hockney para os Estados Unidos e sua dependência do mercado artístico (JARMAN, 1991, p. 12), sendo que Hockney era um dos grandes expoentes da Pop-art em solo inglês.

Eu estava pintando paisagens, nos prados, perto da terra vermelha do norte de Somerset, as flores, as borboletas. Minhas influências? Os tachos e panelas de William Scott, Paul Nash e os megalíticos. Era Impossível pintar essas paisagens na Slade em 1964; todos tinham uma inclinação pela pop art, estávamos focados em Manhattan. A “nova” arte era uma arte urbana, a arte da mesa de café de vidro com arranjos de flores em cima, as histórias em quadrinhos, o cartaz: um se mediu contra isso. Havia outras “vertentes”: as grandes abstrações coloridas, Morris Louis, Richard Smith. Adorei as obras de Ron Kitaj, mas sua grave preocupação foi invadida. [...] Eu não podia suportar essas piadas dos anos 60, essa cumplicidade com o lixo, mas achei que eu mesmo era mais do que adepto desse jogo de lixo. (JARMAN, 1996, p. 41)17.

14 The Devils (Os Demônios, 1971), Direção: Ken Russell, 1h51min. Produção: Roy Baird, Ken Russell e

Robert H. Solo.

15 Em 1987 Jarman faz uma pequena ponta no filme O amor não tem sexo (Prick up your ears), de Stephen

Frears, baseado na peça de Joe Orton, interpretando Procktor.

16 Jarman aparece de relance no filme feito por Hockney, A Bigger Splash (1973), dirigido por Jack Hazan.

Jarman está travestido de mulher em um dos concursos de Andrew Logan, o Alternative Miss World, no qual, naquele ano, Hockney havia participado como jurado.

17 I was painting landscapes, close to the red earth of north Somerset, the flowers, butterflies, in the meadows.

My influences? William Scott’s pots and pans, Paul Nash and the megaliths. It was impossible to paint these landscapes at the Slade in 1964; everyone was falling over themselves for pop-art, we were focussed on Manhattan. The “new” art was an urban art, the art of the glass-topped coffee table with the flower arrangement on it, the comic, the poster: one measured oneself against that. There were other “strands”: the large coloured abstracts, Morris Louis, Richard Smith. I loved Ron Kitaj’s work, but his serious concern was invaded. [...] I couldn’t stomach the jokiness of the ‘60s, that complicity with rubbish, but i found that i myself was more than adept at this rubbish game. Tradução do autor.

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Nesse contexto das artes visuais Jarman tem todo um repertório de influências das primeiras vanguardas do século XX (principalmente o Surrealismo, o Cubismo, o Dadaísmo e o Futurismo), com o Expressionismo abstrato e a Action painting, sem nunca ter se associado a um movimento específico. Em seus trabalhos, ainda que pese essa urgência da arte contemporânea, Jarman é paradoxal ao mergulhar suas obras em um clima extremamente romântico, renascentista e barroco (por mais que tudo isso possa parecer um pouco contraditório). Em relação à forma das suas obras, nelas consiste a apreensão de técnicas da arte vanguardista, enquanto o conteúdo delas emerge de (re)leituras de autores (teatrólogos, pintores, alquimistas, escritores, músicos, etc) que remontam à grande tradição britânica. Individualmente, essas influências, conforme percebidas por Martin Frey, podem ser associadas a David Hockney (1937), Robert Rauschenberg (1925-2008) e Yven Klein (1928-1962). Frey, traz um capítulo muito bem articulado no qual explora as conexões entre Jarman e os três artistas-pintores acima citados, mas deixa de lado, em sua análise, um artista extremamente importante para se entender muito da produção da estética jarmaniana, o pintor do barroco italiano Michelangelo Merisi da Caravaggio (1571-1610), o qual acrescento a essa análise, não obstante da omissão de Frey.

1.1. David Hockney

Para Frey, a aproximação de Jarman com Hockney se dá mais em um nível de influências pessoais, pois ambos faziam parte do mesmo círculo de amigos e eram próximos, do que propriamente em relação às técnicas artísticas empreendidas por Hockney.

O foco principal nas obras de Hockney não é em relação ao seu estilo e técnicas de trabalho, mas sobre sua vida e seu estilo de vida, que estão repetidamente presentes em seu trabalho, ocupam o centro das atenções e também apareceram para Jarman como algo não insignificante de importância. As declarações de Hockney, que eram extraordinariamente corajosas naquela época, fornecem um modelo para uma geração inteira (FREY, 2016, p. 70)18.

18 The primary focus in Hockney’s work is not on styles and techniques of working but on his life and lifestyle,

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Ao ingressar na Slade School, com a influência desse grupo de amigos, Hockney, Procktor, Clarke, entre outros, Jarman experimenta uma liberdade que, até então, parecia inalcançável, assumindo sua homossexualidade e afirmando o quanto Hockney foi o catalisador dessas escolhas. Claro que o contexto cultural da urgência e das experimentações dos anos de 1960 e o início da contracultura contribuem para essa pequena abertura na quebra de alguns padrões sexuais, fazendo com que Jarman sinta-se mais à vontade para exercer sua sexualidade.

Jarman repetidamente aponta para o poder libertador e a influência que o estilo de vida aberto de Hockney e suas obras exerceram muito além dos domínios da arte, estendendo-se até o surgimento do Movimento de Libertação Gay no final dos anos 60 (FREY, 2016, p. 70)19.

A maneira com que Hockney coloca os temas de suas obras diretamente ligados à sua vida, à sua sexualidade e ao espaço da sua privacidade, causa em Jarman uma grande vontade de exercer a sua sexualidade e a sua arte da mesma forma. Hockney, “[...] ignorou deliberadamente os tabus tradicionais e criou trabalhos de corporalidade e sexualidade gay de forma gradual e cada vez mais imediata e direta” (FREY, 2016, p. 71)20.

Talvez, para Jarman, isso não venha de forma tão direta e imediata, mas com o decorrer do tempo e do seu envolvimento em questões políticas favoráveis às minorias sexuais. Percebe-se em Jarman essa ruptura das fronteiras entre a vida pública e a vida privada, na qual uma não se desvencilha da outra, mas corrobora suas práticas artísticas.

Um exemplo dessa relação de Jarman e Hockney, que surgirá anos depois de forma quase inconsciente, será a utilização da obra The Last of England (1855), de Ford Madox Brown (Figura 1), da qual Jarman se apropria do tema e do

sometthing of not insignificant importance. Hockney’s statements, which were extraordinarily courageous at that time, provide a model for a whole generation. Tradução do autor.

19 Jarman repeatedly points to the liberating power and the influence that Hockney’s open lifestyle and his

works exercised far beyond the boundaries of the realm of art, extending all the way to the emergence of the Gay Liberation Movement in the late sixties. Tradução do autor.

20 […] deliberately ignired traditional taboos and thematised corporality and gay sexuality in his works in a way

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título no seu filme The Last of England21, de 1987 (Figura 2). Hockney, em um projeto estudantil de 1961, refez a pintura de Brown, mantendo a forma circular e colocando ao seu redor uma espécie de moldura amarelo-dourada, utilizando um código onde associava as letras do alfabeto com números (A=1, B=2, em diante) para inserir mensagens na tela. Colocou uma interrogação no título, The Last of England? (Figura 3), ressignificando a forma poética do título original, assinando sua obra como uma transcrição (transcribed) e não “cópia” da obra original. Para Jarman, a pintura de Brown era algo que sempre estave ligada a ele e ao filme que estava fazendo, mas apenas se deu conta disso no final das filmagens, quando procurava um título para a obra, conforme descreve em Kicking the pricks:

Ford Madox Brown veio tardiamente. Eu, originalmente, chamei o filme de “Valores Vitorianos”, mas foi-me dito que havia um excesso de jogos com o título. Então veio “O Mar Morto” sugerindo Boeclin atravessando as águas para a Ilha dos Mortos; nós decidimos que isso era muito poético. [...] De repente, um dia eu me lembrei da pintura dos emigrantes deixando as falésias brancas para trás para uma vida no novo mundo. Meus bisavôs haviam feito isso. Deixaram sua fazenda em Middle Combe, Uplowman, Devon, para ir para a Nova Zelândia. Eu tenho uma fotografia extraordinária deles feita na época de 1850. Eu decidi por The last of England(JARMAN, 1996, p. 190)22.

E continua afirmando que mesmo o título vindo depois das filmagens, estranhas coincidências estão “[...] na sequência com os refugiados no cais. Há uma garota com lenço xadrez que ressoa na menina com um xale na foto. [...] a couve-flor que ressoa nas couves da pintura” (JARMAN, 1996, p. 193)23, entre

outros. Os figurinos em The Last também não deixam evidente em que época da história nos encontramos, podendo tanto ser um passado distante quanto um futuro que se aproxima.

21 Utilizarei nessa tese todos os títulos dos filmes de Jarman, aqui comentados, em sua forma original, na

língua inglesa, sem recorrer à tradução que alguns deles receberam no Brasil.

22 Ford Madox Brown came late. I originally called the film “Victorian Values”, but i was told there was a glut of

plays with the title. Then came “The Dead Sea” suggesting Boeclin crossing the Waters to the Isle of the Dead; we decided this was too poetic [...] Suddenly one day I remembered the painting of the emigrants leaving the White cliffs behind for a life in the new world. My great-grandparents had done that. Left their farm in Middle Combe, Uplowman, Devon, to go to New Zealand. I have an extraordinary Picture of them taken in the 1850s. I decided on The Last of England. Tradução do autor.

23 [...] in the sequence with the refugees at the quayside. There is a girl with a plaid scarf who echoes the girl

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Jarman se surpreende muito com a maneira com que Hockney mostra a nudez do corpo masculino, sem nenhum tipo de idealização. Nas gravuras da série intitulada Cavafy (Figura 4), que ilustram os poemas do escritor grego Constantine P. Cavafy, “[...] visualiza as impressões pessoais e extremamente íntimas de Hockney em um naturalismo que foi diretamente provocador na época: em seu desinteresse estético, não procura mais embelezar, esconder ou eufemizar nada.” (FREY, 2016, p. 71)24. Nessa não-idealização, Jarman pressente

o quão diferente das figuras idealizadas de Jean Cocteau (um dos grandes cineastas admirados por ele) estavam presentes nessa produção de Hockney (FREY, 2016). Essa “influência”, associada às fotografias e desenhos publicados nos anos de 1950 e de 1960 na revista americana Physique Pictorial25, que reproduzia imagens de uma “masculinidade atlética”, serviram de background para algumas pinturas e, principalmente, quando Jarman realiza o seu primeiro longa-metragem, co-dirigido com Paul Humfress, Sebastiane (1976).

Uma constante dessa revista, Physique Pictorial, era as imagens de cenas de banho e de luta livre, que são retomadas tanto por Hockney em Cavafy, quanto por Jarman em Sebastiane e em outras obras. Esse exercício do poder, essa violência inerente ao universo masculino é comumente usada por Jarman e associada ao desejo do amor não correspondido ou do toque que, se não pode ser carinhoso, vai ser feito através da luta/violência. O desejo de possuir envolve-se em relações que beiram o sadismo.

Na pintura Irresistible Grace, de 1982 (Figura 5), Jarman nos mostra um homem doente, morto ou dormindo, com duas figuras logo abaixo, uma em perfil e uma outra que é apenas um crânio, com um homem em tensão sexual na parte de cima, com a sua genitália ocupando o centro da pintura, sendo que a palavra “grace” evoca algo do divino. Há nessa pintura uma grande carga alquímica e sexual, talvez uma influência direta dos Cavafy de Hockney, que podem ser vistos

24 [...] visualises Hockney’s personal and extremely intimate impressions in a naturalism that was directly

provocative at the time: in its aesthetic disinterest it no longer seeks to beautify, conceal or euphemise anything. Tradução do autor.

25 Criada em 1945 por Bob Mizer, a revista Physique Pictorial fazia parte das chamadas “beefcake

magazines”, revistas norte-americanas que circularam de 1930 a 1960, trazendo fotos de homens musculosos em poses atléticas, geralmente associadas a uma vida saudável, dada através dos exercícios demonstrados em suas páginas. Em 1999, um filme dirigido por Thom Fitzgerald, Beefcake, reconta a história de Bob Mizer e as publicações da Athletic Model Guild, em especial da Physique Pictorial.

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nessa constituição do corpo que não nos é dado através de uma definição próxima do real, estando mais próximo dos esboços de um desenho que poderá ser configurado em algo mais realista, posteriormente.

O ovo dos filósofos flutua no ar acima, contendo a semente do renascimento espiritual que levará à criação de ouro ou sabedoria. Ele contrabalança um crânio de putrefação física (um prelúdio necessário para o renascimento espiritual) no canto inferior esquerdo. A figura principal é equilibrada entre estes dois estados (CHARLESWORTH, 2011, p. 88)26.

Em Untitled (The Archer), também de 1982, temos um arqueiro mascarado e uma cabeça gigante mirando-o, estando muito mais próxima das fotografias da Physique Pictorial, praticamente reproduzindo uma delas na posição em que o arqueiro se encontra (Figura 6).

Ambas as imagens também possuem uma forte carga mística e alquímica que remonta aos trabalhos de William Blake (1757-1827), poeta, tipógrafo e pintor inglês a quem Jarman tanto admirava.

Blake possuía um revolucionário método de pintura, que podemos claramente ver em uma de suas obras mais famosas, Newton (1795), conforme explica Richard Humphreys (Figura 7):

Pensa-se que, usando uma mistura estranha de pigmento e cola de carpinteiro, ele pintou o desenho em um pedaço de papelão, que foi colocado em uma grande prensa e da qual ele tirou duas ou três impressões. Estes foram então, individualmente, acabados com aquarela, caneta e tinta. Os efeitos do processo são visíveis na granulação “minuciosamente particular” da matéria botânica na rocha e na superfície global deslumbrante de cores ricas e inovação técnica profunda, devendo algo para a estética da mancha de tinta de um contemporâneo de Blake, Alexander Cozens, mas também ansioso pelos processos que só seriam desenvolvidos no século XX (HUMPHREYS, 2001, p. 85)27.

26 The egg of the philosophers floats in the air above, containing the seed of spiritual rebirth that will lead to the

creation of gold, or wisdom. It counterbalances a skull of physical putrefaction (a necessary prelude to spiritual rebirth) in the bottom left-hand corner. The main figure is poised between these two states. Tradução do autor.

27 It is thought that, using a strange misture of pigment and carpenter’s glue, he painted the design on a piece

of millboard, which was placed in his large press and from which he took two or three impressions. These were then individually finished with watercolour, pen and ink. The effects of the process are visible in the ‘minutely particular’ granulation of the botanical matter on the rock and the overall stunning surface of rich colour and

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Para Humphreys, a arte de Blake é uma forma de reintegração da fragmentação do “eu”, “Blake não tinha dúvidas de que ele estava trabalhando sob a graça, daí as muitas histórias de suas visões extáticas de anjos e figuras históricas e bíblicas que seus seguidores e detratores nos deixaram” (HUMPHREYS, 2001, p. 85)28.

Ainda que vivesse em um período histórico marcado pelo Iluminismo e pela Revolução Industrial inglesa, Blake era um romântico, dando forma visual à sua crítica ante a miopía imposta pelo racionalismo e materialismo (HUMPHREYS, 2001). “Blake é uma das primeiras figuras da contracultura na arte britânica, e suas ideias sobre as condições da humanidade sob o capitalismo e a ideologia da modernidade progressiva ainda inspiram radicais até os dias atuais” (HUMPHREYS, 2001, p. 87)29.

Michael O’Pray é mais direto ao traçar um paralelo entre esses dois artistas, dois poetas30 radicais e visionários, cada um à sua maneira.

Jarman e Blake “saquearam” a cabala, a alquimia e as filosofias ocultas, encontrando nelas um veículo simbólico para simpatias antirracionalistas e anti-materialistas. Em um nível mais pessoal, Jarman fez ornamentações, diários feitos a mão, cadernos e roteiros ao estilo de Blake. Ele também era uma figura carismática, vivendo frugalmente, expondo visões radicais, incluindo o amor livre. Não mais do que em The last of England, vemos o espírito de Blake expresso (O’PRAY, 1996, p. 12)31.

deep technical innovation, owing something to the ink-blot aesthetic of Blake’s contemporary Alexander Cozens but also looking forward to processes developed in the twentieth century. Tradução do autor.

28 Blake had no doubt he was working under grace, hence the many stories of his ecstatic visions of angels

and biblical and historical figures that his supporters, and detractors, have left us. Tradução do autor.

29 Blake is one of the first conter-culture figures in British art, and his insights into the conditions of humanity

under capitalism and the ideology of progressive modernity still inspire radicals today. Tradução do autor.

30 Steve Dillon, sem seu livro Derek Jarman and the lyric film – the mirror and the sea (2004), coloca Jarman

na “categoria” de um cinema lírico e/ou poético, composto através do uso de imagens audiovisuais associadas a um texto poético. “For Jarman’s poetry is in some ways atraighforwardly equated with this mysterious artist

figure, the first of mny such figures with whom Jarman potentialy aligns himself” (p. 37). Para Jarman, a poesia é de certa forma compatível com essa misteriosa figura do artista, o primeiro de tais figuras com quem Jarman se alinha de forma potencial. Tradução do autor.

31 Both Jarman and Blake plundered the cabala, alchemy and the occult philosophies, finding in them a

symbolic vehicle for anti-rationalists and anti-materialist sympathies. On a more personal level, Jarman made ornate, hand-made diaries, notebooks and scripts in a Blakean fashion. He too was a charismatic figure, living frugally, expounding radical views, including free love. No more than in The Last of England do we see his Blakean spirit expressed. Tradução do autor.

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Enquanto Hockney transformava essa tradição clássica em relação à nudez masculina a partir de suas pinturas de 1960, feitas nas piscinas de Los Angeles (Figura 8), Jarman continuaria essa tradição de Hockney com a nudez masculina no Mediterrâneo, em seu filme Sebastiane (1976) (Figura 9).

Em seu primeiro longa-metragem, Jarman filma a vida de São Sebastião, um santo do cristianismo, de uma perspectiva homoerótica, com diálogos em latim. O latim falado em Sebastiane é a língua das ruas, agressiva, lasciva, bem adaptada à luxúria e à raiva, não encontrando nenhum paralelo com os tons solenes de uma missa em latim.

Em Roma, 303 D.C., Sebastian32 é um soldado do exército romano,

recém-convertido ao catolicismo, rebaixado pelo imperador Dioclesiano por interceder em favor de um cristão condenado à morte, para servir em uma remota região do litoral italiano. Visto com suspeita por seus colegas, Sebastian desperta o desejo de Severus, comandante da tropa, que se apaixona obsessivamente pelo novo soldado. Percebe-se em Sebastiane a importância de temas que já faziam parte do repertório artístico de Jarman e que seriam uma constante em toda sua filmografia: a idealização do amor homossexual; sadismo; o establishment como poder de repressão, seja sexual, social ou artística; a celebração do corpo masculino; a força cultural histórica; sexo e morte. Sebastiane foi um grande sucesso na Inglaterra, Espanha, Itália e classificado como filme pornográfico nos Estados Unidos. Rejeitado no Festival Internacional de Cinema de Cannes, na França, foi apresentado no Festival de Locarno, na Suiça, onde o público, chocado, exigiu a demissão do diretor do festival.

Ainda que se perceba em obras posteriores essa desarticulação na idealização do corpo masculino, em Sebastiane Jarman não consegue fugir desse ideário de um corpo clássico que remete às esculturas gregas e a uma estética pré-rafaelita, fazendo com que esses corpos, em algumas cenas, se movimentem em câmera lenta para demonstrar o prazer quase sexual do toque entre esses homens e para o prazer visual de quem os assiste.

32 O título escolhido, Sebastiane, corresponde a uma forma de evocativo em latim que não fica muito clara na

intenção do filme. Trata-se de um apelo a Sebastiane? De um chamado à realidade? De lamentação? Jarman preferia o título Sebastian, mas cedeu às pressões dos produtores e manteve Sebastiane.

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