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A escuta na formação de educadores ambientais a partir de relatos do projeto de extensão Brotar do Programa de Educação Tutorial - Biologia - UFSC

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA CENTRO DE CIÊNCIAS BIOLÓGICAS

CIÊNCIAS BIOLÓGICAS

Lina Ribeiro Venturieri

A escuta na formação de educadores ambientais a partir de relatos do projeto de extensão Brotar do Programa de Educação Tutorial - Biologia - UFSC

Ilha de Santa Catarina 2019

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Lina Ribeiro Venturieri

A escuta na formação de educadores ambientais a partir de relatos do projeto de extensão Brotar do Programa de Educação Tutorial - Biologia - UFSC

Trabalho de Conclusão do Curso de Graduação em Ciências Biológicas do Centro de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Santa Catarina como requisito para a obtenção do título de Licenciada em Ciências Biológicas

Orientador: Prof. Dr. André Luís Franco da Rocha

Ilha de Santa Catarina 2019

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Venturieri, Lina Ribeiro

A escuta na formação de educadores ambientais a partir de relatos do projeto de extensão Brotar do Programa de Educação Tutorial - Biologia - UFSC / Lina Ribeiro

Venturieri ; orientador, André Luís Franco da Rocha, 2019. 98 p.

Trabalho de Conclusão de Curso (graduação)

-Universidade Federal de Santa Catarina, Centro de Ciências Biológicas, Graduação em Ciências Biológicas, Florianópolis, 2019.

Inclui referências.

1. Ciências Biológicas. 2. Educação Ambiental. 3. Escuta. 4. Extensão. 5. Freire. I. Franco da Rocha, André Luís . II. Universidade Federal de Santa Catarina. Graduação em Ciências Biológicas. III. Título.

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Lina Ribeiro Venturieri

A escuta na formação de educadores ambientais a partir de relatos do projeto de extensão Brotar do Programa de Educação Tutorial - Biologia - UFSC

Este Trabalho de Conclusão de Curso foi julgado adequado para obtenção do Título de Licenciada em Ciências Biológicas e aprovado em sua forma final pelo Curso de Ciências

Biológicas

Ilha de Santa Catarina, 16 de dezembro de 2019. ________________________

Prof. Carlos Roberto Zanetti, Dr. Coordenador do Curso

Banca Examinadora:

________________________ Prof. André Luís Franco da Rocha, Dr.

Orientador

Prefeitura Municipal de Florianópolis ________________________ Profª Mayana Lacerda Leal, M.a

Avaliadora

Universidade Federal de Santa Catarina ________________________ Prof. Renato Hajenius Aché de Freitas, Dr.

Avaliador

Universidade Federal de Santa Catarina

________________________ Profª Juliana Rezende Torres, Drª

Avaliadora

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AGRADECIMENTOS

Na impossível tarefa de nomear cada uma das pessoas que participaram direta ou indiretamente desse processo, faço meu agradecimento a todos os coletivos e suas gentes, dos quais tive a oportunidade de fazer parte.

Agradeço à Confraria Literária, em especial à coordenadora Arlyse Ditter, por fazer do retorno à escola um momento de feliz reencontro, regado a muito café e literatura; ao MICOLAB, especialmente pelos momentos de trocas, convivência e aprendizados na microscopia, nas saídas de campo e reuniões coletivas; à Coletiva Mítia Bonita, pelo acolhimento, discussões e lutas cotidianamente necessárias no contexto misógino em que vivemos; ao CABio, que é exemplo de autogestão e responsabilidade coletiva, por tantos espaços formativos, de tantos aprendizados e constantes chamados à luta; ao PET, ao Brotar, à Casa São José em especial às crianças e as extensionistas que fizeram parte do projeto em 2017; ao NUEG, GEPF e Ponte, que através das suas orientações coletivas proporcionaram reflexões imensamente necessárias para a minha formação e execução desse trabalho. Agradeço em especial, meu orientador, André, que me acolheu novamente esse ano, e que, mesmo sem vínculo institucional com a universidade, mostrou-se comprometido com meu processo formativo e de outras quatro orientandas, Taís, Ba, Ju Anselmo e Yuri, também co-orientadoras importantíssimas deste trabalho; à Nós Passarinhas e ao Coro Mwangaza, por proporcionarem espaços de acolhimento e expressão, unindo o gosto da arte com a força da resistência de mulheres, num respiro de amor e luta em meio às dificuldades cotidianas.

À minha família - Adenilse, Juliana, Vito, Clarissa, Dalmo, Giulia e Julian - e em especial meu pai, Giorgini Augusto, agora não mais em corpo mas que segue presente em nossas vidas.

Aos amigos, especialmente Isa, Anselmo, Taís, Cami, Elô, Ba, Raquel, Mafra, Marília, Juana e Chris, que encheram meus dias de arte, acolhimento, luta e amor.

Às pessoas que trabalham no Restaurante Universitário, na limpeza, na segurança do campus e demais trabalhadoras terceirizadas, técnico-administrativas e professoras(es) do curso de Ciências Biológicas da UFSC, que deram o aporte institucional necessário para minha trajetória na graduação.

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Me entristece o quanto fomos deixando de escutar. Deixámos de escutar as vozes que são diferentes, os silêncios que são diversos. E deixámos de escutar não porque nos rodeasse o silêncio. Ficámos surdos pelo excesso de palavras, [...] pelo excesso de informação. A natureza converteu-se em retórica, num emblema, num anúncio de televisão. Falamos dela, não a vivemos.[...] A Biologia ensinou-me coisas fundamentais. Uma delas foi a humildade. Esta nossa ciência me ajudou a entender outras linguagens, a fala das árvores, a fala dos que não falam. A Biologia me serviu de ponte para outros saberes. Com ela entendi a Vida como uma história, uma narrativa perpétua que se escreve não em letras, mas em vidas (COUTO, 2005).

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RESUMO

Os projetos de extensão do Programa de Educação Tutorial constituem importantes espaços formativos, tanto para os extensionistas quanto para os participantes, e possuem um potencial transformador nos contextos em que se inserem. O Projeto Brotar é um desses espaços e atua desde 2013 com Educação Ambiental com crianças em comunidades de Florianópolis. Tomando o diálogo como essencial à formação humana e entendendo que esse não se realiza sem a escuta, no presente trabalho buscamos identificar o papel da escuta na formação de educadores ambientais no contexto do projeto de extensão Brotar no ano de 2017. Para isso, foram realizadas revisão bibliográfica e análises documentais, incluindo análise de relatos de experiência dos extensionistas. A revisão verificou como as áreas de Ensino de Ciências e Educação Ambiental entendem a escuta nos processos de formação humana, evidenciando-a como parte constituinte do processo dialógico, como expressão de respeito ao diferente, como elemento importante para o desenvolvimento da autonomia de educandos e componente essencial à reflexão nas trocas coletivas dos processos formativos. As análises debruçaram-se sobre os documentos que regem a extensão universitária no Brasil e na UFSC, o PET e artigos relativos ao Brotar, identificando os modelos de extensão, educação ambiental e formação neles presentes, articulando-os com as escutas compulsória, diagnóstica e humanizadora. Também foram realizadas análises dos relatos de experiência dos extensionistas, que evidenciaram um limite entre o que é proposto documentalmente e o que é efetivado na prática, demonstrando que a escuta humanizadora não ocorreu em sua plenitude na formação de educadores no Brotar no ano de 2017.

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RESUMEN

Los proyectos de extensión del Programa de Educação Tutorial - PET son espacios formativos importantes y tienen un potencial transformador en los contextos en que operan El “Projeto Brotar” es uno de estos espacios y trabaja desde 2013 con Educación Ambiental con niños en Florianópolis. Entendiendo el diálogo como indispensable para la formación humana y que este no se realiza sin escuchar, en el presente trabajo buscamos identificar el papel de la escucha en la formación de educadores ambientales en el contexto del proyecto de extensión “Projeto Brotar” en 2017. Para este fin, realizamos revisión de literatura y análisis documental, incluyendo el análisis de relatos de experiencia de extensionistas. La revisión verificó cómo las áreas de Educación Científica y Educación Ambiental entienden la escucha en los procesos de formación humana, destacando la escucha como una parte constitutiva del proceso dialógico, como una expresión de respeto por lo diferente, como un elemento importante para el desarrollo de la autonomía de los estudiantes y componente indispensable para la reflexión en los procesos formativos. Los análisis se centraron en los documentos que rigen la extensión universitaria en Brasil y en la UFSC, documentos del PET y artículos relacionados al Projeto Brotar, identificando los modelos de extensión, educación ambiental y formación presentes en ellos, articulándolos con la escucha diagnóstica, obligatoria y humanizadora. También llevamos a cabo un análisis de los relatos de experiencia de los extensionistas. Los análisis muestran que existe un límite entre lo que está documentado y lo que realmente se pone en práctica, lo que demuestra que la escucha humanizadora no se produjo por completo en la formación de educadores en el Projeto Brotar en 2017.

Palabras clave: Escucha. Educación Ambiental. Extensión.

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1 - Síntese das relações entre modelos de extensão, educação, educação ambiental e

escuta ... 60

Quadro 2 -Trechos dos relatos de experiência: transmissão de conteúdos (grifos meus) .... 68

Quadro 3 - Trechos dos relatos de experiência: controle das crianças (grifos meus) ... 71

Quadro 4 - Trechos dos relatos de experiência: sistema de recompensa (grifos meus) ... 73

Quadro 5 -Trechos dos relatos de experiência: percepção do processo formativo (grifos meus) ... 75

Quadro 6 - Trechos dos relatos de experiência: limites individuais (grifos meus) ... 76

Quadro 7 - Trechos dos relatos de experiência: percepção de despreparo (grifos meus) .... 76

Quadro 8 -Trechos dos relatos de experiência: avaliações metodológicas ... 77

Quadro 9 -Trechos dos relatos de experiência: percepção de contradições ... 79

Quadro 10 - Trechos dos relatos de experiência: percepções do contexto das crianças ... 81

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1 - Artigos encontrados e selecionados por periódico de Educação Ambiental ... 25 Tabela 2 - Artigos encontrados e selecionados por periódico de Ensino de Ciências... 26 Tabela 3 - Artigos selecionados para leitura encontrados a partir da palavra chave “escuta” ... 34

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

CABio Centro Acadêmico de Biologia

CAPES Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior

CRUTAC Programa Centro Rural Universitário de Treinamento e Ação Comunitária EA Educação Ambiental

EC Ensino de Ciências

EPEA Encontro Pesquisa em Educação Ambiental

EREB/SUL Encontro Regional de Estudantes de Biologia/Sul FORPROEX Fórum de Pró-reitores de Extensão

GDP Grupo de Discussão de Pesquisa

GEABio Grupo de Educação e Estudos Ambientais da Biologia IES Instituição de Ensino Superior

MICOLAB Laboratório de Micologia MOB Manual de Orientações Básicas MPP Macrotendências Político-pedagógicas

NUEG Núcleo de Estudos em Ensino de Genética, Biologia e Ciências ONG Organização Não Governamental

PDI Plano de Desenvolvimento Institucional PET Programa de Educação Tutorial

PIBID Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência PROCAD Programa de Cooperação Acadêmica

SESU/MEC Secretaria de Educação Superior/ Ministério da Educação UFSC Universidade Federal de Santa Catarina

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SUMÁRIO

PRIMEIRAS PALAVRAS ... 13

0.1 CAMINHOS METODOLÓGICOS ... 23

0.1.1 Análise Documental ... 23

0.1.2 Revisão Bibliográfica ... 25

1 ESCUTAS E SILENCIAMENTOS NA FORMAÇÃO ... 29

1.1 UMA LEITURA EM FREIRE ... 29

1.2 ESCUTA E FORMAÇÃO: O QUE DIZEM OS PERIÓDICOS DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL E ENSINO DE CIÊNCIAS? ... 34

1.2.1 Um olhar para as práticas não escolares: focando no papel da escuta ... 42

2 EXTENSÃO E SEUS PROCESSOS FORMATIVOS ... 44

2.1 EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA: UM BREVE HISTÓRICO ... 44

2.2 CONCEPÇÕES DE EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA NO BRASIL ... 46

2.3 EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA NA UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA ... 49

3 PROGRAMA DE EDUCAÇÃO TUTORIAL E O PROJETO BROTAR ... 52

3.1 HISTÓRICO DO PROGRAMA DE EDUCAÇÃO TUTORIAL ... 52

3.1 PET - BIOLOGIA/UFSC E O PROJETO BROTAR: HISTÓRIA E FORMAÇÃO ... 53

3.1.1 O PET - Biologia ... 53

3.1.2 Projeto Brotar: um breve histórico ... 55

3.2 Macrotendências Político Pedagógicas de Educação Ambiental e o Projeto Brotar ... 56

4 ANÁLISE DOS RELATOS DE EXPERIÊNCIA ... 66

4.1 CARACTERIZAÇÃO DO MATERIAL ... 66

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4.2.1 Educação Bancária ... 68

4.2.2 Formação de educadores ambientais ... 74

4.2.3 Escuta ... 80

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 85

REFERÊNCIAS ... 90

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PRIMEIRAS PALAVRAS

Eu queria avançar para o começo. Chegar ao criançamento das palavras. Lá onde elas ainda urinam na perna. Antes mesmo que sejam modeladas pelas mãos. Quando a criança garatuja o verbo para falar o que não tem. (BARROS, 2016) Nasci em Niterói/RJ, mas nunca vivi lá. Até os quatro anos morei em Belém/PA e, em 2000, vim para Florianópolis. Nem de cá, nem de lá: algo entre. Primeiro morei no bairro Córrego Grande com minha família, onde tinha criança, praça, amigos, brincadeiras. Em 2003 nos mudamos para a Vargem Grande, no norte da ilha. Era longe pra caramba! Sem praça, sem crianças, muitos mosquitos e muito mato. Mas eu também gostava de lá. Tinha meu gato, o quintal, o riacho, as plantas e Betânia – a vizinha, uns 4 anos mais nova, com quem eu nem sempre tinha paciência pra brincar. Com Betânia me embrenhava no mato, subindo em árvores, comendo plantinhas, catando girinos no açude e observando miudezas. Muitas vezes subíamos o curso do riachinho de trás de casa pra chegar lá em cima na comunidade. Ela conhecia tudo, cada pedacinho dos caminhos imaginários que criávamos nos matos por entre os terrenos da vizinhança.

Meu pai sempre gostou de nos explicar sobre plantas. Talvez por vício de botânico ou de professor universitário, dizia nomes específicos, filotaxia, classificações das famílias, de tipos de flores e frutos. É claro que eu e meus irmãos nunca lembrávamos dos nomes que ele falava, apesar de escutar tudo quase sempre com bastante interesse. Porém, algo daqueles ensinamentos sempre ficava: uma certa maneira de explorar e entender o mundo. Explicava-nos cientificamente as coisas do dia-a-dia, criando com esse tipo de conhecimento um certo sentido para nós. Lembro de ter muita curiosidade de como as coisas funcionavam, o que acontecia dentro daquela planta, como crescia o girino do açude, por que as libélulas voavam grudadas daquele jeito estranho, por que os urubus voavam em círculos.

Desde pequena eu frequentava o laboratório de meu pai. Ficava desenhando num canto, fazendo as tarefas da escola ou usando o computador de lá para brincar. Eu gostava de ficar ali e era um tanto decepcionante quando eu não podia entrar no laboratório por conta de

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algum estagiário ter ligado a luz UV. Não consigo resgatar na minha memória quando foi a primeira vez que escutei os termos fluxo laminar, meio de cultura, destilador, autoclave, micropropagação e cultivo in vitro. Tudo isso me era familiar aos 7 anos.

Todo dia depois da escola eu pegava a Monark do meu irmão e ficava horas pedalando em círculos entre a garagem e o quintal. Devido à distância da escola, chegávamos tarde em casa e eu não podia pedalar para muito longe. Deixava de fazer muitas coisas por minha mãe não permitir. “É perigoso”, dizia. Tinha perigo em tudo, era perigoso viver, era perigoso existir. Escutava muitos “não pode!” – como a diretora da escola do Irmão do Jorel1 e fui criando um casulo em volta de mim. Cultivei muitos medos. Retraía-me (retraio) a cada aproximação, como aquela plantinha que encontramos nos gramados por aí – Mimosa pudica, cheia de pudores. Mesmo desejando explodir e mostrar pro mundo minhas necessidades, as quais eu sequer sabia (sei) quais são, eu me escondia (escondo). Sempre tive muita sede de liberdade - ou de não-vigilância, não sei. Talvez por isso, a arte tenha sempre me instigado tanto, onde há possibilidade para criar, pensar, sentir, fluir, brincar...

Sempre fui daquelas boas alunas, que tirava boas notas, fazia as tarefas, preocupava-se demais, dizia para os colegas que tal ideia era perigosa, imoral ou fora das regras. Uma amiga costumava dizer que eu parecia o Gri-Li, grilo da Mulan2, e outra, volta e meia me chamava de Linóia3. Por muito tempo cumpri o que era esperado de mim, mas sempre aquela vontade de fazer coisas diferentes me instigava. Apesar da enorme vontade de expressão, sempre foi difícil para eu fazer isso sozinha. Constantemente dependia de alguém para dar o primeiro passo, sempre numa necessidade do coletivo para que acontecesse alguma transgressão. Eu deveria cumprir com o que esperavam que eu fosse. A insegurança e o medo acompanhavam-me sempre.

1 Irmão do Jorel (2014), criado por Juliano Enrico, é um desenho animado brasileiro que teve estreia em 2014.

O desenho gira em torno de um garoto ofuscado pela fama de seu irmão mais velho, Jorel - admirado e querido por todos. Ninguém o chama pelo seu verdadeiro nome, sendo conhecido como Irmão do Jorel. Vive muitas aventuras com sua amiga Lara, colegas de escola e família, retratados num ambiente bem típico brasileiro da década de 1980. Na escola, a diretora Lola, quase sempre irritada, costuma impor regras repetindo a frase “Não pode!” para os estudantes. Muitas vezes tais proibições mostram-se controversas ou absurdas, ao mesmo tempo que se assemelham com situações reais das escolas brasileiras, o que dá um teor de crítica e humor simultaneamente.

2 Mulan (1998) é um filme de animação estadunidense baseado na lenda chinesa de Hua Mulan. A personagem

principal, Fa Mulan, finge ser um homem e treina para ser um bom soldado e lutar em lugar de seu pai doente, recrutado para a guerra após uma invasão no seu país. Gri-Li, juntamente com o dragão Mushu, dão muitos pitacos na vida de Mulan durante o filme.

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No meu ensino médio as coisas se sacudiram um pouco. No primeiro ano, em 2010, fiz um intercâmbio de dois meses para Córdoba - Argentina. Lá encontrei muitas possibilidades e modos de vida diferentes do que eu vivia por aqui. Muita arte, muita luta política, uma ocupação na escola, diferentes relações familiares e de amizade - muitos “podes” que começaram a entrar na minha cabeça. Depois do retorno, muitas saudades de lá e uma vontade ainda maior de expressão aqui. Voltei, em 2011, a participar mais ativamente do grêmio estudantil, do editorial do jornalzinho da escola, O Piolho, promovia com meus colegas oficinas de fotografia pinhole4 no colégio, participava do projeto de extensão de artes circenses, além de continuar meu envolvimento com a música para além da rotina escolar.

Desde meus 7 anos sempre estive vinculada a algo musical: primeiro o coral, depois flauta doce, violão, clarinete e práticas de orquestra. Boa parte da minha vida escolar afirmei com bastante certeza de que estudaria música na universidade. Foi só no segundo ano do ensino médio, depois de aulas incríveis com uma professora incrível e, resgatando minha afinidade com plantas e ciências em geral, que pensei em prestar vestibular para Biologia também. Lembro de pensar que com a música, jamais estudaria outras coisas, enquanto, se eu fosse para a Biologia, certamente não largaria minha maior paixão, a música. Dizia em alguns momentos que de qualquer jeito seria professora - de Música ou de Biologia. Mas logo, talvez motivada pelo que esperavam de mim, comecei a questionar isso. Talvez o ideal fosse trilhar uma carreira acadêmica? Ser pesquisadora? Não sabia muito bem. Comecei o curso e fui sentindo, vendo no que ia dar.

O início do curso foi um tanto confuso. Mal comecei no primeiro semestre de 2013 e logo tive que me preparar para fazer um intercâmbio - com a família toda junta, para acompanhar o pós-doutorado de meu pai, em Florença, Itália. Não queria muito ir, mas parecia uma oportunidade desperdiçada caso não aproveitasse. Os vínculos recém criados, as amizades tão incríveis que eu acabara de fazer, as novas rotinas, logo seriam algo distante da minha realidade. Foi um período difícil, não me adaptei ao lugar e decidi voltar para o Brasil um semestre antes do previsto.

4 Pinhole, ou “buraco de agulha”, é uma técnica de fotografia alternativa que utiliza uma câmara escura com

um pequeno orifício (pinhole) para tirar fotos analógicas. A técnica pode ser utilizada tanto com papel fotográfico quanto com filme, sendo muito simples montar sua própria câmera. Na minha escola, depois de vários pedidos de uso do laboratório de fotografia à direção, não obtivemos resposta e ocupamos o espaço, que, na época tinha parte sendo utilizada como depósito e a outra para outras atividades não relacionadas à fotografia.

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Ao retornar, em 2014, voltei à minha escola básica. Procurei um estágio no Colégio de Aplicação - UFSC, onde estudei boa parte do Ensino Fundamental e todo o Ensino Médio. Comecei a atuar, então, no Laboratório de Linguagens - um espaço fabuloso com tapetes, almofadas, livros e uma enorme mesa cheia de rabiscos-história. Local de muitas possibilidades. Além das visitas regulares das turmas de Língua Portuguesa, nesse espaço acontecia (ainda acontece) a Confraria Literária, ação de extensão em que amantes de literatura reúnem-se pelo menos uma vez por mês para discutir algum livro, autor(a) ou filme de seu interesse, geralmente acompanhado por um café coletivo. Nesse participar da Confraria, comecei a reencantar-me pela escola, por aqueles espaços de incentivo à leitura e ao ativismo cultural que tanto busquei com meus colegas enquanto estudei no Aplicação. Ali tinha algo a mais que só fui perceber muito tempo depois: uma escuta atenta ao que vinha

das estudantes, de que tipo de literatura elas(es) gostavam, de que personagens, dinâmicas e

encontros faziam sentido para elas. Permaneci um ano inteiro ali, mas, ainda que apaixonada, sentia que precisava experimentar alguma área da biologia hard e largar um pouco o meu antigo colégio - seria um apego ao que me era familiar?

Comecei, então, a Vivência em Pesquisa5 no MICOLAB - Laboratório de Micologia, em 2015. Os fungos me encantaram, assim como as pessoas incríveis daquele laboratório. Fiquei dois anos lá, passando pela organização do VIII Congresso Brasileiro de Micologia e participando do Projeto de Cooperação Acadêmica (PROCAD) que acabou me levando à uma comunidade de seringueiros na RESEX Chico Mendes, em Xapuri/AC - uma das experiências mais fascinantes que vivenciei durante o curso. Essa ida ao Acre fez parte de uma disciplina condensada de Etnobotânica da pós-graduação em Agronomia/Horticultura da UNESP - Botucatu - que compunha o programa de cooperação juntamente com a UFSC e o Instituto Nacional de Pesquisa da Amazônia, INPA. Após duas semanas de aulas teóricas em Botucatu, fomos ao Acre para a parte prática. Depois de um par de dias em Rio Branco, permanecemos em Xapuri por cerca de dez dias imersos na cultura dos seringueiros, conhecendo a comunidade, a escola, o uso das plantas da floresta, o feitio da farinha, a árdua coleta das castanhas, da borracha, toda a força e resistência daquelas gentes tão sábias. As contradições e dificuldades também apareceram: a ampliação das criações de gado pelas famílias, muito mais rentáveis e menos trabalhosas do que o

5 Nas disciplinas obrigatórias Vivência em Pesquisa I e II, dos cursos de Ciências Biológicas da UFSC, as (os) estudantes devem buscar laboratórios ou núcleos de estudos para vivenciarem processos de pesquisa.

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extrativismo e agricultura na floresta, além do arrendamento de terra e posses ilegais dentro da própria reserva se mostraram frequentes na região. A experiência de conhecer um pouco da enorme biodiversidade amazônica e a cultura dos seringueiros me fascinou verdadeiramente, além de me fazer relembrar de vários ensinamentos e costumes de meu pai, paraense que possuía grande conhecimento da floresta e cultura amazônicas.

Mas, apesar do encantamento com os fungos, das belas experiências vividas e grande afinidade com as pessoas do MICOLAB, a taxonomia nunca fez muito sentido para mim e resolvi deixar o laboratório. Não foi só com a taxonomia que me desencantei. A minha curiosidade de criança acerca dos seres vivos não era exatamente suprida com todo o currículo do curso. O olhar aguçado para a vida não era muito cultivado, sendo frisado muito mais um modo de fazer ciência - frio, apático, descontextualizado, reduzido à técnica e reprodução de protocolos - do que um pensar a vida, seus processos e relações com/na sociedade. Foi nos espaços organizados pelos estudantes que vivenciei as experiências mais significativas nesse sentido. Nesses espaços autogestionados, como no Centro Acadêmico da Biologia, Coletiva Feminista da Biologia - Mítia Bonita, organização do EREB/SUL de 2016, facilitação da Espícula - Espaço de Cultura e Arte da Biologia, facilitação da 30ª Mostra de Músika, discussões e oficinas proporcionados pelo Grupo de Educação e Estudos Ambientais da Biologia - GEABio, é que foi possível, para mim, tecer conexões da biologia com a política, com a educação, com a arte, com as questões de gênero e sexualidade de maneira coerente, buscando a horizontalidade nas discussões e tomando decisões de maneira coletiva.

Depois da saída do MICOLAB, decidi voltar a olhar para a educação. No primeiro semestre de 2017 comecei a participar do NUEG - Núcleo de Estudos em Ensino de Genética, Biologia e Ciências, também a partir da disciplina de Vivência em Pesquisa. A essa altura já tinha decidido que seria professora (quando foi que isso aconteceu?) e as discussões e orientações coletivas6 do grupo eram sempre muito ricas. A pesquisa em educação começou a parecer algo palpável, em que se poderia encaixar um TCC realmente meu - não o pedacinho de um trabalho de uma mestranda ou algo que o orientador gostaria de pesquisar, como acontece muitas vezes em outros laboratórios, e que por muito tempo acreditei ter que seguir também.

6 As orientações dos processos de pesquisa são coletivas e baseadas no diálogo em Freire. Para saber mais como

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Pois começamos, nesse sentido, a buscar um tema para minha vivência em pesquisa. Num primeiro momento, pensei nas coisas que me movem, que me apaixonam, sempre envolvidas com a arte. Ensino de Ciências e Arte? Algo por ali. Nesse processo, relembrei o quanto aquela experiência na Confraria Literária havia sido importante para mim, decidindo iniciar uma pequena revisão bibliográfica relacionada à Literatura e o Ensino de Ciências. Deparei-me com muitos trabalhos que utilizavam a literatura apenas como meio de chegar ao conhecimento biológico de forma mais fácil, sem explorar a potência da própria literatura, da criação e da imaginação - o que me gerou grande incômodo. Os trabalhos pareciam reduzir a literatura a mero instrumento a serviço de um “conhecimento maior”: o científico. A criação, o encantamento, o deslumbre de lidar com algo novo, a leitura em si, pareciam diminuídos ao propósito do saber científico, não caminhavam juntos. Estava estabelecida ali uma hierarquia de saberes.

Após tantas discussões e leituras durante a Vivência em Pesquisa II no NUEG, sentia uma enorme vontade de experienciar o chão da escola. Ter alguma experiência concreta para pensar não sobre ela, mas pensar com ela. Assim, no semestre seguinte, 2017.2, entrei num projeto de extensão de Educação Ambiental do Programa de Educação Tutorial - PET/Biologia, o Brotar, onde passei a ter um contato direto com crianças. Realizávamos encontros semanais com um grupo de 20 crianças de 7 a 11 anos, na Casa São José, onde aconteciam atividades relacionadas com Educação Ambiental (EA), mas nem sempre muito de acordo com o que eu achava ideal para aquele espaço. Parecia-me que, mesmo com a possibilidade de criar uma relação mais dialógica, com temas mais apropriados àquele contexto, e sem a necessidade de avaliações comprobatórias, nem obrigações com um currículo prescrito de cima para baixo, seguíamos adotando uma lógica ainda muito escolar e hierarquizada.

A Casa São José, localizada no bairro da Serrinha, em Florianópolis - SC, é uma ONG gerenciada pela igreja católica, especificamente a Paróquia Santíssisma Trindade, que atende gratuitamente crianças das comunidades ao seu redor no contraturno escolar. Apesar de meus incômodos em relação à proposta que levávamos para as crianças - o planejamento havia sido feito pelo grupo anterior de extensionistas e me parecia muitas vezes descontextualizado em relação àquela realidade - os encontros com elas proporcionavam-me uma gama de possibilidades, provocações e questões até então não abordadas nas disciplinas da licenciatura. Tais questões, que vão desde as violências, relações de poder e opressões

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sofridas e reproduzidas pelas crianças, até as pequenas perfurações dos significados das palavras no dia a dia, passaram a me interessar muito mais do que apenas pensar as propostas de oficina que levaríamos para lá. Sentia uma enorme incoerência da minha atuação naquele espaço, abordando questões da educação ambiental de maneira extremamente pragmática7 (LAYRARGUES e LIMA, 2011). Via-me na frustração de querer debruçar-me sobre outros elementos que não relacionados apenas com o como se executaria a próxima oficina na Casa São José durante as breves reuniões do projeto. Ao mesmo tempo, mesmo com essa frustração, encantava-me cada vez mais com as crianças e suas múltiplas significações, aprendia a cada dia algo novo na relação com elas, o que me dava forças para continuar lá. Pareciam existir concomitantemente empolgação e desapontamento, tanto de minha parte, quanto de meus colegas.

Em dezembro de 2017, comecei a trabalhar em outro espaço de educação não formal de contraturno escolar, que no momento da minha entrada estava iniciando uma colônia de férias. Lá as crianças não eram divididas por turma, nem idades e realizavam projetos de acordo com seus interesses. Elas eram responsáveis por montar o cronograma da semana e articular com seus pares, caso quisessem realizar alguma alteração no mesmo. As suas opiniões eram levadas em conta no planejamento e as hierarquias, entre elas e com os adultos, dissolviam-se. Apesar de entender a enorme diferença de contextos e haver a presença de outras enormes contradições totalmente diferentes naquele lugar, dessa vez a proposta me agradava muito e comecei a entender aquele espaço como um modelo de interação com as crianças que eu acreditava ser coerente. Parecia possível o diálogo, a escuta. Nesse espaço, meu contato com as crianças era ainda maior, devido a estarem em menor número e ter mais tempo para debruçar-me sobre suas individualidades.

Colecionei algumas cenas flagradas nessas duas experiências com crianças, algo que mais tarde me daria pistas de uma vontade de pesquisa. Escrevo quatro delas aqui, que tanto me são caras por terem sido disparadoras de muitos pensamentos determinantes para esse trabalho.

1. O vazio

7 A macrotendência pragmática de Educação Ambiental incentiva a mudança atitudinal individual numa lógica

de “cada um faz sua parte”. Se perpetua através dos discursos de coleta seletiva do lixo, consumo sustentável, resolução de problemas ambientais locais, mudanças pequenas nos hábitos de consumo e descarte, mas que não questiona a lógica em que a produção e consumo estão inseridos e as estruturas sociais que a sustentam. Promove, basicamente, medidas paliativas à degradação ambiental, não se voltando ao cerne de suas causas.

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“O inferno é um vazio.” - foi a frase que escutei de J8., 7 anos. Discutiam, ele e outra criança de 6, sobre o que seria o inferno. Ela defendia que o inferno era horrível, quente, vermelho, subterrâneo, com diabo, muito fogo e pessoas más, enquanto ele, J., dizia que não, que era um vazio. Argumentava que isso não significava que sua cor seria branca ou transparente - muito menos vermelha - pois o inferno não tem cor.

É vazio.

2. O silêncio

Entre uma atividade e a ida para o lanche, A., 7, leva a mão à orelha e diz: “O silêncio dói no ouvido. O ouvido sente, não ouve.”.9

3. O nada

Brincávamos com um pote repleto de chaves velhas. A vendedora troca por dinheiro imaginário os instrumentos capazes de abrir portas mágicas. Cada chave tem um preço: as que levam a lugares mais legais - como portas que abrem para as nuvens ou piscina de bolinhas, por exemplo - custam mais caro. Porém, dentre possibilidades de chaves que abrem portas para lugares tão incríveis, a que abria a porta para o nada foi a que mais me instigou. A vendedora apresenta-me a chave que abre a tal da porta. Pergunto sobre o preço, como havia feito com as outras chaves. Diz-me que não custa nada, afinal, abre para lugar nenhum. Não poderia custar algo, não poderia ser estipulado um preço. Ainda assim, questiono sobre o que me faria querer tal porta, uma vez que ela abre para o nada, enquanto as outras, para lugares incríveis, mágicos, fantásticos, grandiosos. A vendedora me responde: “Na porta do nada não tem nada. Aí, você abre, e pode ter o que quiser.” (A.,7 anos).

4. Civilizadamente

Durante uma certa bagunça no momento do lanche, alguém pede para que as crianças se comportem civilizadamente. Curiosa de como eles entendiam aquela palavra e buscando questionar o próprio estereótipo de civilizado/não civilizado, início com eles um questionamento:

8 Para preservar suas identidades, todas as iniciais dos nomes das crianças que aparecem neste trabalho foram

substituídas por uma inicial fictícia.

(23)

- Mas o que é “civilizadamente”? - pergunto, curiosa.

- É o que acontece de acordo com uma civilização. - responde-me E., de 9 anos. - E o que é civilização?

- É tipo uma comunidade formada por civis. - continua. - Mas o que é um civil? - ainda insatisfeita.

- É uma pessoa que tem casa.

- Mas uma pessoa que mora na rua, não é civil?

- É sim. Ela é uma pessoa normal e a casa dela é a rua. - Mas o que é uma pessoa normal?

- É alguém que come, respira e sente.

***

Em meio à riqueza dessas experiências com crianças, em um encontro inesperado com o pensador chileno, Humberto Maturana, sob o olhar de Barcelos e Maders (2016), deparei-me com as ideias de aceitação/negação do outro nos espaços educativos. A partir daí, todas as experiências de encantamentos e decepções aqui relatadas - desde a Confraria Literária, passando pela revisão dos artigos de Literatura e Ensino de Ciências, orientações coletivas no NUEG, participação nos espaços estudantis autogestionados, projeto Brotar e colônia de férias - passaram a formar um tecido mais ou menos coerente em minha mente. Percebi que meu encantamento com a Confraria Literária não era apenas devido à literatura em si, mas sim, relacionado à escuta atenta para o que emergia das estudantes, seus contextos e suas vontades, articulados com a proposta do espaço. O mesmo acontecia em relação à colônia de férias e o oposto, com o Brotar - onde se mantinham nítidas relações de negação do outro. Negação de mim, negação das crianças.

A partir daí foram alguns meses tentando entender qual seria meu objeto de pesquisa. Interessavam-me as crianças, a Casa São José, a Educação Ambiental, a brincadeira, a poesia, as opressões, o Projeto Brotar, o PET, a formação de educadores. Surgiram vontades de retornar à Casa São José, de realizar oficinas lá, mas ainda assim, não entendia muito bem por que desejava retornar àquele contexto. Uma vontade de fazer diferente, mas sem saber por que ou para que. Algo me incomodava e, antes de propor qualquer coisa, precisava entender o que era essa perturbação.

(24)

Dessa forma, após muitas conversas e orientações coletivas, chegamos na escuta como elemento importante em meio a tantos interesses. Ancorada em Freire e em seu conceito de formação permanente, busca do ser mais e diálogo (FREIRE, 1987) e, inspirada em Maturana e Verden-Zöller (2004), com Biologia do Amor e aceitação mútua, a escuta revelou-se um componente fundamental aos processos educativos que acredito.

Durante o período que participei do Brotar parecíamos não estar escutando: as crianças, o contexto onde estávamos atuando, a área que estávamos representando (Educação Ambiental), o próprio Projeto Brotar e sua história. Passei a me perguntar que efeitos um espaço formativo como o PET e seus projetos de extensão podem provocar em quem deles participa - tanto educadores, quanto educandos - especialmente quando se pensa a dimensão da escuta como elemento constitutivo para a construção do diálogo. Assim, pareceu-me uma ótima oportunidade retomar meu olhar para esse projeto, com o qual tanto aprendi e que tanto provocou-me inquietações durante e após o período em que participei de sua construção. Como veremos mais adiante, os extensionistas do PET são estudantes tanto dos cursos de licenciatura quanto de bacharelado, de vários períodos diferentes, atuantes em diversos laboratórios de diferentes áreas, o que confere uma grande diversidade de concepções de educação, Educação Ambiental e extensão. Dessa maneira, considerando que estavam todos atuando em um mesmo projeto, mas nem todos tinham a pretensão de tornarem-se educadores, não apreciaríamos focar nossa pesquisa apenas na formação de professores. Entendendo a formação humana como um processo permanente, tendo como ponto de partida para os questionamentos acerca da escuta o contexto do projeto de extensão Brotar, a principal pergunta que nos motivou à realização do presente trabalho é, portanto: qual o papel da escuta na formação humana para os extensionistas do Projeto Brotar de 2017?

Assim, estabelecemos como objetivo geral identificar o papel da escuta na

formação de educadores ambientais no contexto do projeto de extensão Brotar em 2017.

Para responder a nossa questão de pesquisa estabelecemos, portanto, os seguintes objetivos específicos: 1) Verificar, através de uma revisão bibliográfica, como as áreas de Ensino de Ciências e Educação Ambiental entendem a escuta nos processos de formação humana; 2) Entender qual o papel da escuta na Formação Permanente; 3) Identificar e discutir quais modelos de extensão estão presentes na UFSC e quais processos formativos estão atrelados à eles; 4) Entender a partir de documentos oficiais o contexto do PET e do PET/Biologia - UFSC; 5) Delinear um histórico do Projeto Brotar e suas possíveis relações com os processos

(25)

formativos; 6) Analisar os relatos de experiência dos extensionistas do Projeto Brotar, no ano de 2017, tendo em vista a escuta do outro durante seu processo formativo.

Para melhor apresentar as ideias, este trabalho está organizado em quatro capítulos. O primeiro versa sobre a Formação Permanente e a escuta do outro, o segundo sobre extensão universitária e seus processos formativos. Já o terceiro traz uma contextualização sobre o Programa de Educação Tutorial e o Projeto Brotar, discutindo aspectos relativos à Educação Ambiental e formação, enquanto o último traz uma análise dos relatos de experiência dos extensionistas do Projeto Brotar de 2017, tecendo reflexões sobre a escuta nos processos formativos desses educadores ambientais.

0.1 CAMINHOS METODOLÓGICOS

O presente trabalho caracteriza-se como uma pesquisa qualitativa, uma vez que seu objeto de pesquisa faz parte do universo da produção humana, dificilmente “traduzido em números e indicadores quantitativos” (MINAYO; GOMES; DESLANDES, 2009, p. 21). A pesquisa qualitativa trabalha com o universo dos “significados, dos motivos, das aspirações, das crenças, dos valores e das atitudes” (MINAYO; GOMES; DESLANDES, 2009, p. 21), mostrando-se, portanto, a mais adequada para a realização desta pesquisa. Assim, para efetivá-la, optamos por realizar uma revisão bibliográfica e análise documental.

0.1.1 Análise Documental

A análise documental segundo Caulley (1981) apud Lüdke e André (1986) busca identificar informações factuais nos documentos a partir de questões ou hipóteses de interesse. Estes são uma rica e estável fonte de informações, que podem complementar dados obtidos por outras técnicas ou revelar novos aspectos de um mesmo problema (LÜDKE e ANDRÉ, 1986, p. 39).

De acordo com Phillips (1974, p. 187) citado por Lüdke e André (1986, p. 38) são considerados documentos “quaisquer materiais escritos que possam ser usados como fonte de informação sobre o comportamento humano”, o que inclui “leis e regulamentos, normas, pareceres, cartas, memorandos, diários pessoais, autobiografias, jornais, revistas, discursos, roteiros de programas de rádio e televisão até livros, estatísticas e arquivos escolares” (LUDKE; ANDRÉ, 1986, p. 38).

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Uma das críticas frequentemente atribuídas à análise documental é a de que os documentos são “amostras não-representativas dos fenômenos estudados”. (GUBA e LINCOLN, 1981 apud LÜDKE; ANDRÉ, 1986, p. 40), revelando apenas alguns aspectos do todo. Especialmente quando busca-se estudar fenômenos no dia-a-dia das escolas, quando há algum registro escrito, “ele é esparso e consequentemente pouco representativo do que se passa no seu cotidiano” (LÜDKE; ANDRÉ, 1986, p. 40), como é o caso dos relatos de experiência analisados no presente trabalho.

Foram realizadas análises dos documentos oficiais que versam sobre a extensão universitária no Brasil e na UFSC; dos documentos que versam sobre o PET no Brasil e sobre o PET Biologia, análise dos artigos relativos ao Projeto Brotar, e análise dos relatos de experiência dos encontros do Brotar do ano de 2017.

Os documentos oficiais sobre extensão foram discutidos a partir de três modelos de extensão: assistencialista; mercantilista - que abarca a mercantilista de prestação de contas; e dialógica. Já os documentos do PET foram discutidos a partir da formação permanente em Freire. Os artigos do Brotar, por sua vez, foram analisados a partir das macrotendências

político-pedagógicas em Educação Ambiental e sua relação com modelos de formação

vinculados a elas.

Os documentos analisados relativos à extensão foram a Política Nacional de Extensão Universitária (FORPROEX, 2012), a Resolução Nº 7 de 18 de dezembro de 2018, que estabelece as Diretrizes para as Políticas de Extensão da Educação Superior Brasileira (BRASIL, 2018), a Resolução Normativa Nº 88/ 2016/ CUn - UFSC (UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA, 2016) e o Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI) da UFSC - 2015 a 2019 (UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA, 2015).

Em relação ao PET foram consultados o Manual de Orientações Básicas de 2014 e capítulos do livro Do Treinamento à Educação Tutorial: O PET na UFSC (1980 -2007) de (BORBA et al., 2007; ERSCHING et al., 2007).

Para entender o contexto do Projeto Brotar e sua perspectiva de educação ambiental, foram analisados dois artigos igualmente intitulados “Projeto Brotar: o fazer Educação Ambiental com crianças” (CASTELLANI et al., 2013; BINDER et. al, 2014) disponibilizados no site do PET - Biologia/ UFSC. A informações contidas no site (PET - BIOLOGIA, 2019a; 2019b; 2019c) e na página da rede social do Brotar (PROJETO

(27)

BROTAR, 2019a; 2019b) também auxiliaram na contextualização do projeto.

Os relatos de experiência foram analisados a partir do agrupamento dos excertos em três categorias: educação bancária, formação de educadores e escuta.

Como se trata de uma pesquisa que envolve seres humanos, foi solicitado aos extensionistas autores dos relatos consultados a leitura e assinatura de um termo de consentimento em formato online (Apêndice 1) como pré-requisito à participação da pesquisa. Dessa maneira, contorna-se o dilema ético na realização da pesquisa em educação apontado por Lüdke & André (1986).

0.1.2 Revisão Bibliográfica

A revisão bibliográfica foi feita a partir da consulta à Plataforma Sucupira, de onde foram selecionados periódicos da área de Ensino avaliados como A1, A2 e B1 pelo Qualis Periódicos do quadriênio 2013-2016. A partir da leitura dos títulos e foco e escopo de cada periódico, foram escolhidos aqueles que abarcavam publicações de Educação Ambiental ou Ensino de Ciências. Foram selecionados apenas periódicos de acesso livre, que possuíam buscador interno e com publicações em português e espanhol, por serem idiomas que domino e que geralmente possuem conteúdos mais próximos à realidade latino-americana. Foram selecionados um total de 34 periódicos, sendo 6 de Educação Ambiental (Tabela 1) e 28 de Ensino de Ciências (Tabela 2).

Tabela 1 - Artigos encontrados e selecionados por periódico de Educação Ambiental

PERIÓDICO ISSN QUALIS ARTIGOS

ENCONTRADOS ARTIGOS SELECIONADOS Ambiente & Educação: Revista de Educação Ambiental 2238-5533 B1 0 0 Ambiente & Sociedade (Online) 1809-4422 A1 0 0 Interfaces Científicas - Educação 2316-3828 A2 3 0 Pesquisa em Educação Ambiental 2177-580X B1 22 19

(28)

Revista Eletrônica do Mestrado em Educação Ambiental 1517-1256 B1 2 1 Revista Monografias Ambientais 2236-1308 B1 0 0 Total 27 20

Fonte: elaboração da autora

Tabela 2 - Artigos encontrados e selecionados por periódico de Ensino de Ciências

PERIÓDICO ISSN QUALIS ARTIGOS

ENCONTRADOS ARTIGOS SELECIONADOS Abakós 2316-9451 B1 0 0 Acta scientiae (ULBRA) 2178-7727 A2 1 1 Alexandria (UFSC) 1982-5153 A2 0 0 Amazônia - revista de educação em ciências e matemáticas (online) 2317-5125 A2 0 0 Areté (Manaus) 1984-7505 A2 0 0 Biota Amazônia 2179-5746 B1 0 0

Ciência & Educação 1980-850X A1 2 0

Ciência & Ensino

(online) 1980-8631 B1 0 0 Ensaio: pesquisa em Educação em Ciências (online) 1983-2117 A1 16 0 Enseñanza de las Ciencias 0212-4521 A1 0 0 Enseñanza de las Ciencias de la Tierra 1132-9157 A2 0 0 Ensino de Ciências e Tecnologia em revista 2237-4450 B1 0 0 Ensino, Saúde e Ambiente 1983-7011 A2 1 1

(29)

Genética na escola 1980-3540 B1 0 0 Góndola, Enseñanza y Aprendizaje de las Ciencias 2346-4712 B1 0 0 Investigações em Ensino de Ciências (online) 1518-8795 A2 0 0 Reec. Revista electrónica de Enseñanza de las Ciencias 1579-1513 A2 12 2 REnCiMa 2179-426X A2 0 0 Revista brasileira de Ensino de Ciência e tecnologia 1982-873X A2 6 1 Revista brasileira de pesquisa em Educação em Ciências 1806-5104 A2 31 2

Revista Ciências &

Idéias 2176-1477 B1 1 1 Revista de Educação, Ciências e Matemática 2238-2380 A2 1 0 Revista de Educación en Biología 2344-9225 B1 0 0 Revista electrónica de investigación en Educación en Ciencias (en línea) 1850-6666 A2 0 0 Revista eletrônica debates em Educação Científica e Tecnológica 2236-2150 B1 0 0

Revista Eureka sobre Enseñanza y

Divulgación de las Ciencias

1697-011X A1 0 0

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Tear - revista de Educação, Ciência e Tecnologia

2238-8079 B1 0 0

Total 72 8

Fonte: elaboração da autora

Uma vez selecionados os periódicos, foi realizada busca utilizando a palavra-chave “escuta”. Dentre o total de artigos encontrados, foram selecionados apenas aqueles considerados mais relevantes para a pesquisa, sendo excluídos artigos de ensino de Química, Matemática e Física, ou outros não relacionados à educação. Nos periódicos “Pesquisa em Educação Ambiental”, “Revista Monografias Ambientais” e “Revista Brasileira de Ensino de Ciência e Tecnologia”, apesar de o buscador apontar um maior número de resultados, apenas os 20 primeiros foram exibidos na listagem, não sendo possível fazer a seleção dos artigos restantes. Apesar dessa adversidade, optou-se por manter os artigos selecionados dentre os 20 listados de cada periódico, por entender que a exclusão desses acarretaria numa perda significativa de material relevante para a pesquisa.

Foram encontrados um total de 99 artigos, dos quais foram selecionados apenas 28. Os artigos selecionados foram agrupados em conjuntos de acordo com o tema e associados às prioridades de leitura, que serão melhor descritas no capítulo 1.

(31)

1 ESCUTAS E SILENCIAMENTOS NA FORMAÇÃO

1.1 UMA LEITURA EM FREIRE

Se entendemos o ser humano como um ser social que se relaciona com os outros, entre outras coisas, através da comunicação, ao buscarmos entender como se constituem processos formativos de educadores ambientais é essencial que compreendamos o que é a escuta e como ela se insere nos processos comunicativos que ocorrem no processo permanente de formação humana. Assim, no presente capítulo busco discutir a escuta e como ela se relaciona com a formação humana a partir de conceitos trabalhados por Freire.

Para Freire os seres humanos são seres inconclusos e, portanto, estão em constante formação. Constituídos sócio historicamente, são sujeitos ativos da história, capazes de tomar decisões e produzir cultura. Assim, conscientes10 dessa inconclusão, estão sempre aprendendo nas relações com os outros e com o mundo, ou seja, estão num processo de Formação Permanente. Dessa forma, Freire (1996, p. 64) afirma que é “na inconclusão do ser, que se sabe como tal, que se funda a educação como processo permanente. Mulheres e homens se tornaram educáveis na medida que se reconhecem inacabados.” Esse entendimento rompe com a noção comumente incorporada pelos professores de que esses já são sujeitos plenamente formados, completos, e que possuem conhecimentos estáticos passíveis de serem transmitidos aos alunos. Negando a ideia de incompletude, nega-se, também, a possibilidade de entender-se enquanto sujeito que aprende na relação pedagógica com o outro. Nessa lógica, uma vez que não preciso aprender - pois sou completo - não há por que escutar aquele com quem me relaciono pedagogicamente, não há por que construir um diálogo com o outro e entendê-lo como coprodutor de conhecimento nessa relação. Em contraposição a essa perspectiva, em um diálogo problematizador os conhecimentos são permanentemente reconstruídos, gerando novos conhecimentos. Nele, os envolvidos

[...] trazem diferentes conhecimentos e formas de enxergar o mundo que, no confronto entre pontos e contrapontos, entre tese e antítese, geram um novo saber, um novo conhecimento. Esse novo conhecimento não está dado ou pronto e, portanto, será novamente contestado, formando um ciclo permanente. Ou seja, é um

10 Segundo o autor, o que nos diferencia dos outros animais é justamente nossa capacidade de reflexão, de nos

(32)

processo dialético [...] no qual, dois sujeitos ou mais, mediatizados pela realidade concreta, constroem novos conhecimentos. (LEAL, 2018, p. 92)

Diferentemente do que ocorre na educação problematizadora, no modelo bancário de educação o professor, suposto detentor do saber, “deposita” conteúdos nas cabeças dos estudantes, que, passivamente, os memorizam.

A concepção e a prática “bancárias”, imobilistas, “fixistas”, terminam por desconhecer os homens como seres históricos, enquanto a problematizadora parte exatamente do caráter histórico e da historicidade dos homens. Por isto mesmo é que os reconhece como seres que estão sendo, como seres inacabados, inconclusos, em e com uma realidade que, sendo histórica também, é igualmente inacabada. (FREIRE, 1987, p. 72)

A educação problematizadora, ao reconhecer os seres humanos como inconclusos, entende a capacidade humana de constante aprendizado e, portanto, de formação permanente. Dessa maneira, tanto educador quanto educandos são atores desse constante processo de formação.

Freire aponta, ainda, uma vocação ontológica para o ser humano, a busca pelo ser

mais, ou o “movimento permanente de compreensão, enfrentamento e superação de suas

condições de vida material” (ROCHA, 2018, p. 317). Porém, muitas vezes nas relações com os outros, as opressões impedem pessoas de ser mais, configurando, aí, processos de desumanização, como a fome, exploração, violência de gênero, racismo, ou outros sofrimentos humanos. “Desumanização é humanidade roubada; distorção do ser mais” (FREIRE, 1987, p. 30).

Dessa maneira, a partir da incompletude do ser humano e sua consequente educabilidade, unida aos constantes processos de negação da humanidade, é que se encontra a justificativa para a educação que acredito. Comprometida com a tentativa de superação das opressões, com a contínua busca do ser mais, é potencialmente um espaço privilegiado para discussão, problematização e construção de conhecimentos nessa direção. De nada adianta a educação em Ciências ou a Educação Ambiental se não para a humanização11.

Freire, nos mostra que um dos passos necessários para que as pessoas possam superar

11 “[...]a luta por humanização funda-se antropologicamente e eticamente no processo de construção desse ser inconcluso, que busca recuperar sua humanidade ou superar as situações limites para realizar seu próprio ser mais.” (ZITKOSKI, 2010, p. 211, grifo do autor)

(33)

as desumanizações às quais estão submetidas é o processo intencional de conscientização. A conscientização se dá coletivamente e constrói-se através do diálogo.

Estamos convencidos de que, qualquer esforço [sic.] de educação popular, [...] deve ter, pelas razões até agora analisadas, um objetivo fundamental: através da problematização do homem-mundo ou do homem em suas relações com o mundo e com os homens12, possibilitar que estes aprofundem sua tomada de consciência da

realidade na qual e com a qual estão. (FREIRE, 1977, p. 33)

Para Freire, não existe real comunicação se não há diálogo e este, por sua vez, não pode existir na cultura do silêncio. Não pode existir se apenas umas das partes fala ou se apenas umas das partes escuta - como ocorre na educação bancária.

Fazendo leituras em Freire com um olhar atento para como ele aborda a escuta, delineei alguns tópicos que acredito serem necessários para esse trabalho. A escuta aparece de duas formas com sentidos opostos, que aqui denomino escuta compulsória e escuta

humanizadora.

A escuta compulsória é aquela presente na educação bancária, em que o indivíduo que escuta, o faz como obrigatoriedade. A educação bancária pressupõe esse tipo de escuta por parte dos alunos. Como seres passivos, escutam aquele que professa a suposta verdade, o professor.

Quanto mais analisamos as relações educador-educandos, na escola, em qualquer de seus níveis (ou fora dela), parece que mais nos podemos convencer de que estas relações apresentam um caráter especial e marcante - o de serem relações fundamentalmente narradoras, dissertadoras. Narração de conteúdos que, por isto mesmo, tendem a petrificar-se ou fazer-se algo quase morto, sejam valores ou dimensões concretas da realidade. Narração ou dissertação que implica um

sujeito - o narrador - e objetos pacientes, ouvintes - os educandos. (FREIRE,

1987, p. 57, grifo meu.)

Na educação bancária, o aluno não escuta a professora e os demais colegas porque quer ou porque entende a importância de fazê-lo. Não o faz por entender que o outro que fala deseja comunicar algo e, se tem algo a dizer, merece ser escutado, mas sim por imposição,

12 Onde Freire escreve “homens-mundo ou do homem em suas relações com o mundo e com os homens”

leiamos “pessoas-mundo ou das pessoas em suas relações com o mundo e com as pessoas”. A utilização da palavra “homens” para designar um conjunto de pessoas de maneira genérica é um uso sexista da linguagem, silenciando quem não se identifica enquanto homem nesse conjunto. Assim, preferimos utilizar “pessoas”, “ser- humano” ou “humanidade” nesses casos.

(34)

porque alguém disse que deveria fazê-lo, por ser obrigado a calar-se perante à figura autorizada a falar.

É preciso e até urgente que a escola se vá tornando um espaço acolhedor e multiplicador de certos gostos democráticos como o de ouvir os outros, não por puro favor mas por dever, o de respeitá-los, o da tolerância, o do acatamento às decisões tomadas pela maioria a que não falte contudo o direito de quem diverge de exprimir sua contrariedade. O gosto da pergunta, da crítica, do debate. (FREIRE, 2003, p. 89) O aluno, na perspectiva bancária, não só deve escutar, como deve apenas escutar. A escuta compulsória está diretamente relacionada ao silêncio daquele que o faz - e lembremos, o silêncio dói no ouvido! Assim sendo, esse silêncio revela-se, na verdade, silenciamento.

É intolerável o direito que se dá a si mesmo o educador autoritário de comportar-se como o proprietário da verdade de que se apossa e do tempo para discorrer sobre ela. Para ele, quem escuta sequer tem tempo próprio, pois o tempo de quem escuta é o seu, o tempo de sua fala. Sua fala, por isso mesmo, se dá num espaço silenciado e não num espaço com ou em silêncio. Ao contrário, o espaço do educador democrático, que aprende a falar escutando, é “cortado” pelo silêncio intermitente de quem, falando, cala para escutar a quem, silencioso, e não silenciado, fala. (FREIRE, 1987, p. 131)

Vale destacar, portanto, a importante diferença entre o silêncio respeitoso daquele que escuta atentamente ao outro - elemento constituinte, ativo e imprescindível ao diálogo - do silêncio daquele que é silenciado por imposição, por ser impedido de expressar-se, de dizer sua palavra.

Na educação bancária os estudantes são vistos como recipientes vazios a serem enchidos com conteúdo pelos professores. Dessa maneira, quanto “mais vá ‘enchendo’ os recipientes com seus ‘depósitos’, tanto melhor educador será. Quanto mais se deixem docilmente ‘encher’, tanto melhores educandos serão” (FREIRE, 1987, p. 58). Tal perspectiva remete-me à frase de J.,7 anos, trazida na introdução deste trabalho que afirma que "o inferno é um vazio." Penso no quão horrível é ser visto enquanto vazio, um recipiente que nada, ou quase nada, possui de aproveitável. É um inferno entender-se enquanto vazio de história, de opinião, de valor, de dignidade, de respeito. Entendo que a educação bancária, que pressupõe a escuta compulsória, é uma forma de negação do outro, e enquanto tal, cultiva

(35)

marcas da cultura do silêncio: "desconfiança de que o povo seja capaz de pensar certo. De querer. De saber"(FREIRE, 1987, p.47).

Ora, se penso que o povo é incapaz de "pensar certo", porque deveria, eu, professor detentor do saber, escutá-lo? Essa arrogância e sentimento de superioridade cultivada entre os professores em relação aos alunos impede o exercício de uma escuta humanizadora e, consequentemente, do diálogo. “Como posso dialogar, se me fecho à contribuição dos outros, que jamais reconheço, e até me sinto ofendido com ela?” (FREIRE, 1987, p. 81). Portanto, para efetivar uma educação que se pretende dialógica, é preciso romper com o sentimento de superioridade e com lógica da falta de escuta. Para tanto, a aceitação e respeito às diferenças são indispensáveis, como nos lembra Freire (1996):

Aceitar e respeitar a diferença é uma dessas virtudes sem o que a escuta não pode se dar. Se discrimino o menino ou menina pobre, a menina ou o menino negro, o menino índio, a menina rica; se discrimino a mulher, a camponesa, a operária, não posso evidentemente escutá-las, e se não os escuto, não posso falar com elas, mas a elas, de cima para baixo. Sobretudo, me proíbo entendê-las. Se me sinto superior ao diferente, não importa quem seja, recuso escutá-lo ou escutá-la. O diferente não é o outro a merecer respeito, é um isto ou aquilo, destratável ou desprezível. (FREIRE, 1996, p. 136)

A escuta humanizadora, portanto, exige uma abertura ao outro, para além da capacidade auditiva de cada pessoa. “Escutar, no sentido aqui discutido, significa a disponibilidade permanente por parte do sujeito que escuta para a abertura à fala do outro, ao gesto do outro, às diferenças do outro” (FREIRE, 1996, p. 135). O educador que escuta, que se abre ao outro - à sua história, seu contexto, suas diferenças - vai aprendendo a falar com o educando e não a ele, de forma impositiva. Aquele que escuta, mesmo quando precisa colocar-se “contra posições ou concepções do outro, fala com ele como sujeito de escuta de sua fala crítica e não como objeto de seu discurso” (FREIRE, 1996, p. 128). Dessa forma, a

escuta humanizadora é uma postura ativa perante o outro, onde, em uma situação dialógica,

aquele que escuta é sujeito tanto quanto aquele que fala. Ambos são escutados e ambos podem falar sua palavra - novamente, para além da emissão de sons ou percepção auditiva. Dessa maneira, se aprendo a escutar, posso também ser ouvido. Nessa troca, mediatizados pelo mundo, podemos “aprender e atuar” (FREIRE, 1980, p. 83) com e sobre ele, transformando-o. E ao transformar o mundo, as pessoas “o humanizam para a humanização

(36)

de todos” (FREIRE, 1977, p. 43). Assim, escutar e “ser dialógico é empenhar-se na transformação constante da realidade” (FREIRE, 1977, p. 43), num ato incessante de criação e de recriação do mundo.

1.2 ESCUTA E FORMAÇÃO: O QUE DIZEM OS PERIÓDICOS DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL E ENSINO DE CIÊNCIAS?

Para que consigamos discutir o papel da escuta nos processos formativos para as áreas de Educação Ambiental (EA) e Ensino de Ciências (EC), voltaremos nosso olhar para os artigos selecionados na revisão bibliográfica a partir da palavra-chave “escuta”. Dos 28 artigos selecionados, 20 encontravam-se em periódicos de EA e apenas 8 em periódicos de EC - já apresentando indícios de que a área de EA parece ter uma maior preocupação com a escuta nos processos formativos em relação à de EC.

Para uma melhor triagem e definição de prioridades de leitura, os 28 artigos encontrados foram agrupados em 4 conjuntos a partir da leitura dos títulos e resumos. São estes: 1) Formação de educadores (7 artigos); 2) Relato de experiência pedagógica (2 artigos); 3) Discussão de metodologias ou recursos educativos (7 artigos); e 4) Outros (12 artigos). No último conjunto foram abarcados artigos diversos, que não poderiam ser agrupados ou não pareciam estritamente relacionados ao foco do trabalho. Neste conjunto estão compreendidos trabalhos relacionados a políticas públicas, agroecologia, EA e estudos culturais, discussões epistemológicas, formação cidadã, EC na Educação Infantil, discussões sobre meio ambiente a partir de relatos de pescadores artesanais e análise de concepções de professores sobre EA. Os artigos que compõem os conjuntos 1 e 2 (Tabela 3) serão o foco na discussão a seguir, visando identificar e discutir o papel da escuta na formação de educadores. Os demais artigos não estavam relacionados com o foco do trabalho, portanto não foram lidos.

Tabela 3 - Artigos selecionados para leitura encontrados a partir da palavra-chave “escuta”

1.

F O

AUTORES TÍTULO ANO PERIÓDICO

Maria do Carmo Galiazzi

Movimentos participativos e interativos na constituição de educadores ambientais 2009 Pesquisa em Educação Ambiental

(37)

R M A Ç Ã O D E E D U C A D O R E S pela pesquisa

Carla Gracioto Panzeri; Maurício Compiani; Laerte

Alberto Junior

Pensando a educação ambiental sob o enfoque

didático de natureza socioconstrutivista: contribuições do Projeto Acre 2000 de Educação Ambiental 2010 Pesquisa em Educação Ambiental

Lisiane Abruzzi de Fraga; Dalva Maria Bianchini

Bonotto

Educação Ambiental e valores: A valorização do

encontro com o outro

2016

Pesquisa em Educação Ambiental

Laísa Freire; João Figueiredo; Mauro

Guimarães

O papel dos professores/educadores ambientais e seus espaços

de formação. Qual é a educação ambiental que nos

emancipa?

2016

Pesquisa em Educação Ambiental

Marinete Belluzzo Luccas; Dalva Maria Bianchini

Bonotto

Educação Ambiental na Educação Infantil: algumas

contribuições

2017

Pesquisa em Educação Ambiental

João Batista de Albuquerque Figueiredo;

Laísa Maria Freire

Democracia, políticas públicas e práticas educativas representadas nas pesquisas de Educação Ambiental sobre formação de educadores/professores

2018

Pesquisa em Educação Ambiental

Denise Figueira de Oliveira; Lucia Rodriguez De La Rocque; Rosane Moreira Silva de Meirelles; Antonio

Francisco Carrelhas Cachapuz

Ciência e Arte como competência pedagógica para a formação de professores 2018 Revista Ciências & Idéias 2. R E

Angelica Vier Munhoz, Jane Mazzarino

Cartografias e Currículos-Mapas: Ecologia em Espaços Educativos Não

Escolarizados

2015

Pesquisa em Educação Ambiental

(38)

L A T O E X P. Denise Figueira-Oliveira; Giselle Rôças

Como educar para a imaginação para compreender ciências? A proposição do uso de um conto de ficção científica

para os estudos sobre ciência e arte

2017 Ensino, Saúde e Ambiente

Fonte: elaboração da autora

Com a leitura dos 7 artigos relacionados à formação de educadores, foi possível notar uma considerável preocupação da escuta do outro como elemento formativo.

O artigo de Fraga e Bonotto (2016) que analisa uma sequência de aulas de uma professora de Filosofia, destaca a importância da escuta dos alunos no processo educativo. Tal sequência é resultado de um projeto de extensão que visou a criação de aulas que relacionassem Educação Ambiental e Valores. As autoras destacam que “o ato responsável, ao qual se refere Bakhtin em sua obra, nasce de uma experiência onde não se é indiferente ao Outro, onde não é colocado o estereótipo do Outro antes da escuta de sua palavra” (FRAGA; BONOTTO, 2016, p. 39). Fica evidente ao longo do texto a relevância do papel da escuta na construção dialógica do conhecimento, ao destacarem na ação da professora, que a valorização de cada estudante e a facilidade com que ela “considera as opiniões divergentes nos debates, sem fechar as discussões em uma única resposta, são bastante atraentes, admiráveis” (FRAGA; BONOTTO, 2016, p. 43). Salientam ainda que “o fato de respeitar a palavra dos (as) estudantes não impediu que buscasse argumentos para refutar as ideias quando divergia” (FRAGA; BONOTTO, 2016, p. 45). Dessa maneira, corrobora o que escreve Freire (2003) em “Professora sim, tia não”, que aquele que escuta não deve limitar-se à fala do outro, exercendo limitar-seu direito de exprimir suas discordâncias e críticas, promovendo o debate. Aquele que fala deve motivar e desafiar aquele que escuta a responder, falar, se posicionar (FREIRE, 1996, p. 131). Assim, a escuta deve promover o diálogo e não a redução daquele que escuta ao que o outro diz, tanto por parte dos educadores quanto dos educandos. Dessa maneira, quando defendemos a importância da escuta,

Isso não quer dizer, evidentemente, que escutar exija de quem realmente escuta sua redução ao outro que fala. Isso não seria escuta, mas autoanulação. A verdadeira escuta não diminui em mim, em nada, a capacidade de exercer o direito de discordar,

Referências

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