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A Mídia e Aquilo Que Não Vimos dos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos no Rio de Janeiro

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Academic year: 2021

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THE MEDIA PRESS AND WHAT WE HAVE NOT SEEN FROM THE OLYMPIC AND PARALYMPIC gAMES IN RIO DE JANEIRO

Marcos MALAFAIA1

marcosmalafaia01@gmail.com Briefing

In a acid and direct article, the journalist and sports businessman Mar-cos Malafaia analyzes the Rio 2016 Games from the point of view of marketing and communication, especially the impact caused in the small modalities of Olympic sport and in all Brazilian Paralympic sport modalities. The text text tries to find a way to explain the low visibility of the Paralympic Games compared to the media boom that always are, and were once again in Rio, the Olympic Games. And it also sug-gests where, in your opinion, the future of this segment is pointing to. The reading becomes very interesting if takes into account the author’s curriculum: sports journalist of great national communication vehicles, such as JB, Folha de São Paulo, O Globo and TV Globo, was also a high-performance athlete, sports manager, owner of marketing and communication companies, author of books on sports. And more im-portantly, its participation in the Brazilian Paralympic Movement, having led the marketing and communication work of the CPB for more than five years, between 2003 and 2008, exactly at the stage in which the Paralympic sport gained notoriety and changed levels in the country. Fast, incisive and easy-to-understand text, able to insert the reader in a few minutes in a universe previously unknown to him, as an explanation of how we can define media in Brazil. Or a tour of the vectors that, in the opinion of the author, were and are fundamental to understand the reality of the national Paralympic sport: the appetite of the communica-tion vehicles for certain sports themes and the relacommunica-tion of this appetite with the market capacity of these themes; social prejudice in relation to sports for people with disabilities; and the fragility of management of the

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main entities of the Paralympic sport in the country. For the future, an unrealistic but hopeful prognosis. A useful text for anyone who wants to understand, intends to work or study the subject, or simply for those who like sports and backstage.

Introdução

A mídia. O que é isso? O que se entende por esta quase “enti-dade” criada no imaginário popular sobre quem se pode colocar muitas culpas ou creditar grandes sucessos? Como definir mídia?

Diria que, tecnicamente, seria enfadonho descrever neste es-paço, tão detalhadamente, o impressionante leque de opções para explicação do termo mídia. No entanto vamos diretamente ao que interessa neste pequeno artigo que a mim foi solicitado. Do ponto de vista do público brasileiro e para o tema que vou tratar aqui, me pare-ce que a melhor definição do que se entende por mídia é o conjunto de ações de veículos de comunicação de massa que seja capaz de transformar algo ou alguém em uma marca ou assunto muito conhe-cido pela maioria das pessoas em determinado lugar. Empresas de comunicação em geral: TV, rádio, jornal, revista, sites, blogs, platafor-mas digitais/sociais, etc.

Partindo deste pressuposto, vou tentar mostrar uma visão bem particular do que vi e senti na relação desta mídia com os Jogos que aconteceram no Rio em 2016. Por quê me vejo em condições de fazer tal análise? Não considero pretensiosa esta intenção, já que estive à frente de alguns processos importantes nestes dois segmentos – es-portes e comunicação - nos últimos 30 anos. Primeiro como jornalista - repórter esportivo de grandes veículos brasileiros, como o Jornal do Brasil, a Folha de São Paulo, O Globo e TV Globo; gestor e executivo de jornalismo na TV Globo; dono de empresas de comunicação; profes-sor de jornalismo. E também como participante do universo esportivo - atleta; gestor de entidades esportivas; gestor de clube; patrocinador de atletas e modalidades; executor de planos de marketing esportivo; dono de empresa de marketing; criador e operador de eventos.

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Oportunidade Desperdiçada

A partir do momento em que me considero razoavelmente apresentado e que estamos, eu e o leitor, afinados de que definição de mídia estou usando, vamos aos fatos. A Rio 2016 me decepcionou muito no que diz respeito à divulgação, à oportunidade de massifica-ção popular de alguns temas esportivos que, no meu entendimento, foi desperdiçada. Senti decepção, mas não surpresa. Militando no meio esportivo há tanto tempo, principalmente nos bastidores, já esperava exatamente isso. A ponto de ter um livreto escrito e publicado antes dos Jogos pontuando algumas das questões que, no fim, foram deter-minantes para este enorme desperdício.

O que chamo de desperdício é o fato de termos um evento desta magnitude no Brasil, na cidade mais badalada do país, e avan-çarmos timidamente na visibilidade para modalidades olímpicas pou-co repou-conhecidas pou-como esporte de pou-competição, tais pou-como Badminton, Taekwondo, Lutas, Levantamento de Peso, Tênis de Mesa, Ciclismo e outras. E muito pior: avançarmos de forma quase imperceptível na visibilidade e no reconhecimento das modalidades paraolímpicas e do esporte para deficientes como algo realmente grandioso e profissional.

Alguns poderão dizer que estou exagerando, que “é claro que avançamos”. Vou enfatizar então para termos cuidado com as pala-vras e as verdades. Sim, avançamos. Mas muito, muito menos do que poderíamos. Muito menos do que avançaram os britânicos, por exemplo, nos últimos Jogos antes do Rio de Janeiro. E isso se confi-gura um desperdício.

A falta de cuidado da mídia com as modalidades nanicas do universo olímpico, em minha opinião, tem diagnóstico relativamente fácil de identificar. São modalidades demais nos Jogos, eventos fan-tásticos freneticamente acontecendo num curto espaço de tempo e, na hora de priorizar, valem o histórico, a força universal e comercial de esportes que vêm se destacando internacionalmente há décadas, como o atletismo, a natação, o voleibol, o basquete, o handebol... Aos nanicos, é dado destaque apenas em casos exóticos, em casos de emoção flagrante de alguns personagens ou ao volume de re-sultados de um determinado país, mas não à modalidade em si. Ou seja: esta é uma decisão midiática meramente técnica, de volume,

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de audiência e de mercado. De fato, essas modalidades não deram ainda demonstrações de sucesso de números que lhes dessem o direito de reivindicar mais atenção e espaço no milionário universo dos veículos de comunicação.

Seria possível melhorar esta penetração dos nanicos no bolo midiático de uma Olimpíada? Em minha opinião sim, mas com pouco terreno a conquistar. Nas mesmas duas semanas, os concorrentes di-retos das modalidades nanicas estão no apogeu de suas marcas, no melhor momento de seus personagens, histórias, recordes, emoções. Então, mesmo com um trabalho muito criativo e duro ao longo de um ci-clo olímpico, uma modalidade menos conhecida poderia atrair um pouco mais de atenção das lentes e do público sim, mas dificilmente sairia do segundo plano. Parece-me uma condenação eterna para a maioria das pequenas! Ou pelo menos até o dia em que uma delas cair na graça de um número expressivo de espectadores a ponto de tirar o espaço de alguma modalidade mais tradicional e bem divulgada.

Hoje, diria que beira a insanidade acreditar que uma disputa de Taekwondo vá conseguir tirar espaço de mídia de um evento de atletismo em condições normais. E, repito ambos disputam o mesmo espaço/tempo de mídia, nos mesmos dias, diante do mesmo público.

Agora, no caso dos paraolímpicos a situação muda completa-mente. Vou me deter mais neste tema por alguns motivos: é o que mais domino em termos gerais e o que mais me assusta do ponto de vista do desperdício.

Como acontece duas semanas depois do fim dos Jogos Olím-picos, a Paraolimpíada não dá ao setor de mídia qualquer desculpa em relação à concorrência esportiva. É um período, esportivamente falando, morto. Ainda na ressaca dos Jogos, pouquíssimos eventos internacionais de grande porte estão disponíveis para as grades de co-bertura dos veículos. E nenhum, entre todos os eventos esportivos do planeta, tem o tamanho dos Jogos Paraolímpicos hoje. No Rio, foram 160 delegações participantes, quase cinco mil atletas e mais de dez mil jornalistas credenciados.

Em resumo, a diminuição brutal de espaço midiático compa-rando-se olímpicos e paraolímpicos não tem como se amparar na

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des-culpa de que o evento para deficientes é pequeno. Essa não cola. Então podemos apontar nossas armas para a mídia em geral e decretar: a culpa pelo baixo nível de visibilidade dos Jogos Paraolím-picos, se comparado com os Jogos OlímParaolím-picos, é dela e pronto! Assim, encontramos um algoz e nos livramos de nossas responsabilidades em poucos segundos. Lamento dizer, mas este é um erro primário. Sobram vetores importantes para analisarmos e tentarmos alguma explicação razoável para esse certo descaso com os paraolímpicos. Definitivamente não é tão simples.

Vetores a) Comercial

O primeiro vetor é o comercial. Empresas de comunicação, como qualquer outra atividade privada do mundo, vivem de receitas. Neste caso, a principal delas é a receita publicitária. Se pensarmos que o evento Jogos Paraolímpicos 2016 não conseguiu sequer se sus-tentar financeiramente, correndo riscos até de cancelamento a algu-mas semanas de seu início, imagine se ele seria capaz de impulsio-nar o mercado publicitário a anunciar, a comprar grandes pacotes de propaganda junto aos veículos em função destes mesmos Jogos. Não seria e não foi.

A falta de recursos e patrocínios para os Jogos foi resolvida com verba pública: um aporte de última hora da Petrobras e da Cai-xa Econômica Federal, sob a fajuta argumentação de “interesse em patrocinar os Jogos, porque isso dá retorno”. Tão de última hora que sequer havia sido produzido um material decente para a divulgação das marcas. Presenciei algumas iniciativas toscas para tentar resolver o problema emergencial, como uns bandeirões de pano esticados nas arquibancadas do Estádio Olímpico do Engenhão, com as novas mar-cas “patrocinadoras”. Lamentável para quem detém o título de segun-do maior evento esportivo segun-do planeta. Diria que beiransegun-do o deprimente. Este recurso salvou o evento, porque praticamente foi todo in-vestido para pagar as despesas de viagem de uma parte significativa das delegações estrangeiras. Pagamento que era um compromisso do Comitê Organizador, que a esta altura já não tinha um centavo sequer

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para cumprir suas obrigações. No entanto, a verba chegou contada e acabou em minutos. Não mudou nada, por exemplo, em relação à es-trutura de produção de conteúdo do evento, que foi mantida acanhada como já estava previsto.

O que vem a ser estrutura de produção de conteúdo num evento como este? Toda a infraestrutura necessária para capturar, transmitir, editar, distribuir e arquivar imagens e informações dos Jogos Parao-límpicos. Esta estrutura normalmente fica a cargo dos proprietários do evento (no caso dos Jogos Paraolímpicos são o COI e o IPC – Interna-tional Paralympic Committee), que podem optar por vender os direitos e acesso a esse material, ceder estes direitos e acessos ou até mesmo por não produzir, liberando a cobertura para quem assim desejar.

No Rio, a opção foi produzir o material, mas de forma parcial. Foram escolhidas algumas modalidades para a transmissão completa e ao vivo (minoria), e algumas para apenas serem gravadas de forma simples, para posterior utilização pelos veículos (maioria). Vale ressal-tar que este não foi um modelo brasileiro. Aconteceu de forma idêntica nas últimas três Paraolimpíadas: Atenas, Pequim e Londres. E um de-talhe importante: nenhuma empresa de comunicação pode entrar nas arenas e produzir o seu próprio conteúdo livremente. Há regras muito rígidas sobre estes direitos, com permissões diferenciadas de acordo com o pacote adquirido por cada empresa.

Dentro desta lógica e diante destas informações, é possível ame-nizar a culpa da achincalhada mídia brasileira. Sem verbas dos anun-ciantes por um lado e sem o conteúdo oficial pelo outro, o negócio Para-olimpíada micava claramente. Como investir em algo tão insustentável? Jogar dinheiro próprio apenas na causa? Alguém já viu alguma empresa privada de qualquer outro setor fazer isso? Desculpem-me os que acre-ditam, mas eu não consigo ter esta crença. Acho até que alguns veículos se esforçaram bastante para dar mais visibilidade aos Jogos Paraolímpi-cos e acabaram esbarrando nas impossibilidades. O Sportv, por exem-plo, foi ampliando gradativamente o seu espaço na grade para os Jogos, desde o início, mas em algum momento deu de cara com a dificuldade de transmitir mais jogos, disputas e modalidades. Simplesmente porque não havia material produzido pelos detentores dos direitos, os proprietá-rios do evento, como manda a “regra do jogo”.

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Analisando apenas o vetor comercial, podemos resumir que os Jogos Paraolímpicos do Rio, neste aspecto, foram um fracasso. E este fracasso evidentemente tem consequências na repercussão na mídia. b) Produto ou para-produto

O segundo vetor importante a ser visto é a capacidade de venda dos agentes e gestores paraolímpicos, principalmente no Brasil. Se afirmei anteriormente estarmos diante de um megaevento internacio-nal e que este mesmo evento foi um fracasso comercial, cabe a mim ao menos tentar encontrar alguma explicação razoável para esta situação sui generis.

Vamos lá! Há muitas verdades no meio dos grandes negócios esportivos. Mas uma é inabalável: sem um bom produto e um plano de marketing adequado, não há esporte que se sustente no mundo moderno. Na minha opinião, o esporte paraolímpico é um bom produto. Deu algumas demonstrações dessa força ao longo dos últimos doze anos em nosso país. Cativou pessoas, conquistou espaços nunca an-tes imaginados nas grades de programação de emissoras de TV, re-velou ídolos, personagens marcantes, histórias relevantes. Criou valor. Atingiu patamares muito elevados num curto espaço de tempo, o que caracteriza os bons produtos.

Tive o privilégio de estar à frente de um plano do Comité Parao-límpico Brasileiro, iniciado em 2004, para transformar o reconhecimen-to do esporte paraolímpico em reconhecimen-todo o país. Nossa meta era, àquela altura, apenas sair da posição de anonimato absoluto. Pouquíssimas pessoas até então sabiam da existência do Movimento Paraolímpico, das competições internacionais organizadas, do poder de superação dos atletas, da capacidade quase sobre humana de muitos deles.

A partir do trabalho que liderei em Atenas, com uma pequena equipe e o apoio do CPB e de seus dois patrocinadores na época (Cai-xa Econômica e Unimed), além do governo federal, conseguimos alte-rar significativamente a percepção pública sobre o segmento. Do des-conhecimento total às entradas ao vivo no Domingão do Faustão, no Jornal Nacional, no Fantástico e em várias outras emissoras, jornais, revistas e veículos brasileiros, levamos pouquíssimo tempo.

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bom. Precisava crescer passo a passo para não tropeçar nas próprias pernas. Estruturar-se. Ganhar capacidade e qualidade na governança. Mas tinha um incrível potencial para conquistar mercados e explodir como setor econômico. Para dar uma ideia do que estou afirmando, a renovação de contratos de patrocínios de 2004 para 2005 gerou um aumento de 550% nas receitas do CPB, apenas com a ação de visibi-lidade que montamos para os Jogos de Atenas.

Quando houve a decisão de que os Jogos seriam no Rio em 2016 pensei imediatamente que seria uma chance para um crescimen-to quase vertical do esporte paraolímpico no Brasil. Mas, a esta altura estava fora do CPB (eu e muita gente boa que foi afastada por diver-gências políticas), e me preocupava a capacidade profissional de seus gestores para lidar com o tema. Meu sentimento, quase totalmente ins-tintivo, estava vinculado a um ditado popular: “muita areia para aquele caminhãozinho...”

Infelizmente, meu instinto estava certo. E a areia quebrou o ca-minhão. O quadro profissional do CPB não teve capacidade de sensi-bilizar o mercado brasileiro para os Jogos Paraolímpicos no Rio. Foi incapaz de avaliar bem a importância de sua própria função nos des-dobramentos do evento, no legado para o Movimento Paraolímpico após uma oportunidade única, absolutamente não replicável. Ficou no óbvio: mamando as generosas tetas governamentais em período pré--Jogos no país.

Era preciso leitura rápida, perspicaz e ações incisivas para insti-gar o mercado privado e alterar um destino que parecia evidente: maior atenção do mercado publicitário e da mídia em geral aos Jogos Olím-picos, em detrimento dos Paraolímpicos. Eram necessárias atitudes de força, de ruptura, de astúcia, de jogo de mercado nos bastidores e em público. Coragem. Ousadia. E, fundamentalmente, espírito coleti-vo. Trabalhar em nome do esporte e não de carreiras individuais. Nada disso aconteceu.

O que se pôde constatar foi um desfile de obviedades e subser-viências. De falta de criatividade e capacidade de gestão na área de comunicação e marketing. O resultado? Bom, o resultado todos viram. E vai ficar nisso. O esporte paraolímpico brasileiro está de volta quase

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ao mesmo ponto em que estava em 2005. Alguns destaques individu-ais, como Daniel Dias hoje e Clodoaldo Silva naquela época, uma ou outra reportagem sensacionalista dizendo que “agora sim, o país olha para estes heróis”. Balela! Bobagens temporárias.

Até o termo “heróis” me irrita. Porque me parece estar carregado de sentimento negativo. Sentimento de pobre coitado que conseguiu se superar. Para se conseguir invadir mercados e brigar de igual para igual com outros produtos midiáticos, é preciso sair do espaço do coitadinho, do exótico. Tem que ir para o espaço do orgulho nacional, da emoção pela vitória ou pela derrota, da competição, da competitividade e seus valores agregados. Enquanto o próprio Movimento Paraolímpico permitir termos como “para-atleta”, “para-atletismo”, “para-natação”, estará fada-do ao segunfada-do plano. Não estará entre os grandes produtos esportivos. Em muitas das grandes empresas patrocinadoras, estará sendo visto pela área de responsabilidade social, não de marketing ou patrocínio. E, lamentavelmente, isso tira qualquer possibilidade de lutar por espaços na mídia nas mesmas proporções em que estão os olímpicos.

Mulheres não jogam voleibol ou futebol ou basquete com ho-mens. Não podem. Limitações físicas distintas. No entanto, são atle-tas. E assim são chamadas. Crianças e adolescentes não nadam com adultos, não lutam com adultos e sequer disputam os Jogos Olímpicos. No entanto, continuam sendo atletas. Por quê uma pessoa com defici-ência é para-atleta? Você conhece algum para-advogado? Ou algum jornalista? Um empresário que usa cadeira-de-rodas é um para--empresário? Se chamarmos eles assim, vão gostar? Vão achar nor-mal? Claro que não.

O prefixo “para” vem de “paralelo”, não de paraplégico, como tan-tos acreditam. Paralelo aos Jogos Olímpicos por uma questão logísti-ca. Impossível fazer os dois Jogos ao mesmo tempo. Mas do mesmo nível, com as mesmas características.

Detalhes, amigos. Detalhes que fazem toda a diferença. Cria-se cultura. Alimenta-se o problema da diferenciação. E, sendo diferente, acaba tendo tratamento diferente. Valores diferentes. Tática de venda ruim, resultado ruim.

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que o poder de venda do CPB e do Movimento Paraolímpico nos anos que antecederam os Jogos Rio 2016 foi pífio. Gestores interessados em suas carreiras pessoais contentaram-se com as polpudas verbas dadas pelo Governo Federal, pouco se preocupando com a evidente temporariedade desses recursos. E, claro, não quiseram se indispor com os organizadores ou com os mercados, brigando por espaço para o esporte paraolímpico. Se a liderança do próprio segmento interessa-do não se impõe, não busca soluções para o seu futuro, não seria a mídia a fazer isso.

Apenas para efeito de exemplo, cito um fato que deveria me envaidecer, mas no fundo me entristece. Em 2004, com uma equipe de cinco pessoas e condições absolutamente precárias, conseguimos que o Brasil assistisse a várias provas dos Jogos Paraolímpicos de Atenas na TV aberta, inclusive na maior delas, a TV Globo. Foram dezenas de inserções em diferentes horários mostrando as conquistas de nossos atletas em solo grego. Golaço nosso na época, com o apoio de profissionais maravilhosos dessas emissoras.

De lá pra cá, em tese, o interesse das emissoras pelo espor-te paraolímpico cresceu. No entanto, com os Jogos aconespor-tecendo em nossa terra, ali do lado, não tivemos sequer uma inserção ao vivo de provas das Paraolimpíadas na TV Globo aberta. Faltou interesse da emissora? Ou faltou articulação? Venda? Capacidade do Movimento Paraolímpico de se promover, de se dar a devida importância? Ficam as perguntas...

c) Preconceito

O terceiro vetor é o preconceito. Por mais que tentemos en-xergar que os tempos mudaram e muitas barreiras caíram (e isso é uma verdade!), não podemos fugir de outras questões que são tam-bém reais. Há sim muito preconceito quando o assunto é esporte para deficientes.

Para ir bem direto ao que pretendo dizer, conto uma história que é emblemática. Certa vez, nos primeiros meses de trabalho com os paraolímpicos, numa negociação para patrocínio do CPB, sentei na sala de um diretor de marketing de uma grande empresa brasileira. Papo vai, papo vem, consegui que se interessasse por uma cota de

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patrocínio. Mas a condição imposta por ele era, no mínimo, absurda. “Vamos fazer o patrocínio, mas não queremos a nossa marca exposta. Vendemos algo muito saudável, com ares de perfeição, e não podemos admitir a nossa marca ao lado de um produto podre, defeitu-oso” - me disse o cara, sem qualquer pudor.

Não aceitei o patrocínio. Não seria capaz de conviver com aquele cara. Mas agradeço até hoje por ele ter me dito aquelas pala-vras. De certa forma, foi um mantra para mim durante anos, em tan-tas outras reuniões buscando recursos para os paraolímpicos. Perdi a “virgindade”, a inocência de achar que todos estariam dispostos a vincular seus produtos e marcas ao paradesporto. E, como preconceito é algo difícil de admitir publicamente, passou a ser muito comum ob-servar pessoas e empresas que faziam discurso de apoio, mas ação de esmola. Foram dez anos, exatos dez anos fazendo este trabalho e raríssimas vezes foi possível ver de fato alguém disposto a investir no esporte paraolímpico com a expectativa de retorno, com o viés do investimento de marketing.

Preconceito das marcas, preconceito das pessoas. Ou seria ao contrário?! Eventos paraolímpicos não atraem ninguém para ver. Vão às famílias, os amigos mais próximos dos competidores. Foram muitas às vezes em que estive à frente de eventos bem divulgados, claramente preparados para receber público em geral. Mas, na hora H, nada.

Como sempre trabalhei com os esportes Olímpicos e Parao-límpicos ao mesmo tempo, estas evidências iam ficando a cada dia mais claras, absurdamente claras. Quando estava na organização de um evento olímpico, recebia vários pedidos de ingressos, convi-tes para assistir a esta ou aquela prova. Pedidos feitos por amigos ou conhecidos que tinham o desejo de ir aos eventos. Quando estava na organização de eventos paraolímpicos, implorava para que as pesso-as fossem lá prestigiar, levpesso-assem seus filhos e amigos, e... raramente aparecia alguém.

Sair de casa para assistir a uma competição convencional, para a maioria das pessoas, é um programa legal, seguido de um jan-tar, um almoço ou um chopinho com os amigos. Sair para assistir a um

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evento paraolímpico parece um peso, uma tarefa obrigatória, para não ficar chato! Foi assim que senti durante todo esse tempo. E foi assim que os fatos foram se acumulando, histórias e mais histórias que com-provavam a teoria.

Minha pergunta a esta altura do texto é: será que estou sendo exagerado? Pare para pensar bem antes de responder. E, fundamental-mente, não pense só em você. Pense em todas as pessoas que conhe-ce. Pense se topariam ir com você assistir a uma partida de basquete em cadeiras de rodas no sábado à noite. Depois reflita sobre isso...

Partindo da premissa de que as pessoas têm um preconceito histórico, cultural, vivendo dentro delas, podemos facilmente concluir que as instituições também o tenham. As instituições são criadas e dirigidas por pessoas. Portanto, no caso deste vetor negativo para a difusão do esporte para deficientes, acho que todas as nossas baterias deveriam estar voltadas contra o preconceito generalizado, não espe-cificamente o preconceito da mídia ou do mercado. No fundo, eles são consequência óbvia do preconceito das pessoas, de nós mesmos.

Mais uma vez então, volto ao questionamento. É tão simples assim apontar o dedo para a imprensa e para os veículos de massa como os grandes vilões da visibilidade paraolímpica? Ou da visibilidade dos esportes olímpicos menos conhecidos? Minha resposta é a minha conclusão deste pequeno ensaio. Não. Não é razoável fazer isso.

Em minha opinião, a falta de atenção dada pelos veículos a estes esportes é consequência de um emaranhado de verdades e ve-tores sociais que compõem o cenário. E que só vão ser alterados se algum agente interno for efetivo em suas ações de quebra de paradig-mas e rupturas significativas para estes setores. O que vem a ser um agente interno? Alguém com interesse específico e imediato no tema. Ou seja, algum gestor ou operador de destaque de dentro do esporte paraolímpico ou de dentro de um dos nanicos esportes olímpicos. Com alta capacidade criativa, com ousadia e coragem. Com capacidade de enfrentar o que já foi estabelecido como “normal”.

Para isso, uma conjunção de capacitação profissional e alta capacitação emocional é necessária. Se acredito ser possível? Sim e não. Sim, porque realmente vejo chances de acontecer algo novo

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nes-te sentido. Não, porque não vejo ninguém com estas caracnes-terísticas atuando neste pedaço do mundo esportivo. E mais: me parece bem claro que os personagens que ali estão preferem que as coisas fiquem assim mesmo. A incompetência gera incompetência. Os desprepara-dos gostam de se cercar de gente menos capacitada ainda, pois te-mem perder seus privilégios. Estamos falando de muitos milhões de reais circulando entres essas modalidades para a gestão de entidades esportivas, por força de lei e distribuição política das verbas governa-mentais destinadas ao esporte. Portanto, quem está dentro não quer sair. Pelo contrário, como já vimos e ouvimos dezenas de vezes por aí, vários se perpetuam no poder por décadas.

Difícil situação. Difícil prognóstico. Difícil ser muito otimista. Se uma edição histórica dos Jogos em nossa terra não foi capaz de alterar esta realidade, como achar que o futuro será tão diferente? Não faz parte do meu estilo o pessimismo, mas faz menos ainda ficar tapando o sol com a peneira. Assim, do jeito que acabei de descrever, é o que me parece a realidade do esporte paraolímpico e dos nanicos olímpi-cos. Assim, foi como enxerguei os acontecimentos durante os Jogos Rio 2016. Com certeza não é a única visão, mas é uma forma de olhar, com a liberdade que (ainda bem!) impera no Brasil.

Futuro Paraolímpico

Mais especificamente falando do esporte paraolímpico, o que eu espero é um grande vazio por algum tempo, até que todos que atuam no setor percebam que a onda se foi e ninguém a surfou. Será um pe-ríodo bem difícil para atletas e associações que desenvolvem o esporte neste segmento. Eles são o elo frágil da cadeia e seguramente pagarão um preço caro pela falta de planejamento pré-Jogos. A maioria absolu-ta, quase totalidade, depende de verbas públicas para receber bolsas e ajudas de custo, o que já começou a gerar problemas: atrasos, cortes, diminuição de valores e até extinção de alguns projetos.

Com o agravamento da crise econômica nacional, os planos governamentais para apoio esportivo estão recebendo cortes como todos os outros setores de governo nos níveis federal, estadual e mu-nicipal. Sem os motores de propulsão dos Jogos Rio 2016 a empurrar

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decisões favoráveis para o esporte e sem os holofotes da mídia sobre este tema, cortes na área esportiva ficam muito mais cômodos para os gestores públicos. Isto impacta diretamente na vida dos atletas e, por consequência, nos clubes e associações, já que muitos ainda vivem de repasses de seus próprios atletas, que contribuem para a manutenção das entidades. E outras entidades dependem de apoio financeiro direto de órgãos públicos.

Não tenho conhecimento de um atleta, um clube ou qualquer organização do esporte paraolímpico nacional que possa garantir a mesma qualidade de trabalho que tinha até 2016 apenas com patrocí-nios ou recursos privados. Ou seja: vai haver uma queda significativa na qualidade do setor.

Além disso, como sempre disse aos meus atletas e parceiros: no esporte é um grande engano achar que resultados em competições são garantia de sucesso financeiro. Mesmo que isso ocorra, o sucesso finan-ceiro depende de outros itens, e o principal deles é o marketing. Neste assunto, amigos, a coisa está muito feia para o esporte paraolímpico.

Soluções? Bom, seria preciso rever tudo, arregaçar as mangas e começar outra vez. Quase do zero, do ponto de vista da estruturação interna, mas com a vantagem de ser um pouco mais notado pelos ou-tros segmentos, ter mais visibilidade hoje do que há doze anos. Creio que um novo plano nacional agressivo de marketing, visibilidade con-tínua e adequação do produto paraolímpico ao mercado publicitário poderiam ser bem sucedidos no médio e longo prazo. Minha dúvida é se o jogo político interno do Movimento Paraolímpico permitiria que alguém comprasse essa “briga”.

No mais, fica a minha eterna gratidão a este Movimento por me acolher e permitir que mostrasse meu trabalho. Minhas amizades construídas no segmento, meus dias de felicidade com o que via, ou-via, sentia. E, sim, a minha esperança de que tudo isso não tenha sido em vão, apesar do triste hiato que vivemos nos últimos oito anos. Referências

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NA EFICIêNCIA ESPORTIVA

TV MEDIA COVERAgE AT THE RIO 2016 PARALYMPICS: FROM FOCUS ON DISABILITY TO FOCUS ON SPORTS EFFICIENCY

Maria Carolina Ferreira REIS1

mariacarolinareis1@gmail.com Briefing

The Rio 2016 Paralympic Games demanded a deepening debate on the media’s gaze on Paralympic competitions and athletes and the effects produced for the visibility of the Paralympic movement. In order to do so, a qualitative analysis of the stories and reports of two TV programs was carried on: “Jornal Nacional” (National news report) and Fantás-tico (a weekly news and entertainment program), with the purpose of evaluating the coverage of the Brazilian TVs, more specifically Globo TV, during the Rio 2016 Games. Beforehand, a brief exposition of some analyses on media’s behavior during previous Games were presented (Pappous et al (2007) and Novais and Figueiredo (2010)). Two editions of “Jornal Nacional” and two “Fantástico” programs – broadcast during the games and soon after its closure – were analyzed. Two hypotheses were raised and have been confirmed: the first was the fact that as Glo-bo TV coverage did not include the live broadcast of the competitions and the material was edited, the contents of several of them were filled much more by the stories of the athletes and their shortcomings, often exaggerating in the appealing tone, than by their performance in the competitions. As a result, stereotyped and unreal visions of athletes are constructed. The other hypothesis concerned the change of focus: from the focus on disability to the focus on sports efficiency. The analysis of the subjects could verify that, although many subjects are still loaded with sensationalism, there was a change or at least an intention in some of them to focus on the athlete and the sporting achievements. The

re-1 Doutora em Linguística pela UFMG; professora de português e inglês; tradutora e revisora de textos; Escola Superior Dom Helder Câmara; Instituto Mano Down

Referências

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