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Construindo visibilidades na cidade de São/José/SC: uma proposta de ensino de história e patrimônio cultural dos povos africanos e afrodescendentes

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA CENTRO DE CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENSINO DE

HISTÓRIA - PROFHISTÓRIA

MYLENE SILVA DE PONTES

CONSTRUINDO VISIBILIDADES NA CIDADE DE SÃO JOSÉ/SC: UMA PROPOSTA DE ENSINO DE HISTÓRIA E

PATRIMÔNIO CULTURAL DOS POVOS AFRICANOS E AFRODESCENDENTES

Florianópolis Dezembro de 2018

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MYLENE SILVA DE PONTES

CONSTRUINDO VISIBILIDADES NA CIDADE DE SÃO JOSÉ/SC: UMA PROPOSTA DE ENSINO DE HISTÓRIA E

PATRIMÔNIO CULTURAL DOS POVOS AFRICANOS E AFRODESCENDENTES

Dissertação apresentado ao Programa de Pós-Graduação em Ensino de História – ProfHistória, da Universidade Federal de Santa Catarina, para obtenção do título de Mestra em Ensino de História. Orientadora: Prof.ª Dr.ª Mônica Martins da Silva

Linha de Pesquisa: Saberes históricos em diferentes espaços de memória

Florianópolis Dezembro de 2018

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Pontes , Mylene Silva de

Construindo visibilidades na cidade de São José/SC : uma proposta de ensino de história e patrimônio cultural dos povos africanos e afrodescendentes / Mylene Silva de Pontes ; orientadora, Dr.ª Mônica Martins da Silva , 2018. 246 p.

Dissertação (mestrado profissional)

-Universidade Federal de Santa Catarina, Centro de Ciências da Educação, Programa de Pós-Graduação em Ensino de História, Florianópolis, 2018.

Inclui referências.

1. Ensino de História. 2. Educação Patrimonial. 3. História Local. 4. Povos africanos e afro

brasileiros. 5. Cidade de São José/SC. I. Silva , Dr.ª Mônica Martins da . II. Universidade Federal de Santa Catarina. Programa de Pós-Graduação em Ensino de História. III. Título.

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Ao meu marido, companheiro e maior incentivador; aos meus pais; à minha irmã, por toda dedicação, amor e proteção; e aos meus alunos e alunas, por participarem dessa conquista.

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AGRADECIMENTOS

Nesta pesquisa me sentia entre a rigidez do trabalho industrial e a paciência e meticulosidade da atividade artesanal. Fiz as atividades nos entre tempos, nos horários entre dormir e acordar, entre sextas-feiras e segundas-feiras; por diversas vezes brigava comigo porque deveria parar de ler, pois teria aula no outro dia cedo. Assim, a pesquisa foi tecida artesanalmente, cada fio adquirido e costurado, sob a pressão do horário das aulas e a percepção da delicadeza do ato de pesquisar.

Nesse entrelace, estiveram comigo: meu marido, Carlos Visani Júnior, que foi meu grande incentivador e teceu, unido a mim, esta dissertação; bem como minha família – minha avó, minha afilhada, minha mãe, meu pai e minha irmã; sei que zelaram por mim, nas ourelas deste trabalho, mesmo estando longe.

Os fios dessa trama se cruzaram sob o olhar atento da minha querida e dedicada orientadora, Mônica Martins da Silva, que trouxe os moldes, fez as marcações, foi a lançadeira e a tecelã. Apesar de eu ser desalinhada e dar acabamentos incorretos, com ela consegui fazer, refazer e ficar feliz com o que produzi.

Agradeço aos(às) colegas de turma que bordaram risadas, conversas e deram apoio; e aos professores e professoras do fundamental à graduação com seus pontos cruzados, retos, entrelaçados e de nós. Aos(Às) professores(as) do Mestrado, principalmente, Elison Antonio Paim, Henrique Luiz Pereira Oliveira, Jane Bittencourt que encontraram várias Mylenes de lã, de seda ou de linho e deixaram, moveram e costuraram o melhor em mim.

Sou grata também aos artesãos da história do município de São José: Osni Machado, Nelson Felix, Janaina Amorim da Silva e Giliart Souza, além de meus(minhas) colegas de trabalho professores e professoras, Juliana Hachmann, Chrystian Wilson Pereira, Cleber Sigals Soares, Karla Beatriz da Costa e minha querida ex-aluna Tainara Santos, que foram mãos essenciais para a união dos fios que formaram o urdume desta pesquisa. Gratidão também aos acabamentos realizados pela minha prezada amiga Stelamar Braga, cortando os fios, reparando pontas cuidadosamente.

Nessa delicada artesania, outros atores também compuseram a trama, como as professoras Beatriz Mamigonian e Carla Beatriz Meinerz, que no exame de qualificação deste trabalho, apontaram caminhos, deram pistas e principalmente deram incentivo pelas suas próprias experiências de estudo e valorização da memória e presença africana e afro-brasileira no sul do Brasil.

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Agradeço aos meus alunos e alunas, matéria-prima da pesquisa, pois foram também o tecido e os tecelões. E é por eles e por elas que devemos tecer, produzir e alinhar contra uma proletarização sistemática dos profissionais da educação.

Este trabalho tão artesanal foi tecido em um contexto de ódio político contra os(as) professores(as). Um ódio que tem o objetivo de acabar com práticas e saberes. Por isso desvalorizam a beleza dos trabalhos, depreciam o esforço, menosprezam o trabalhador. O fazer sob o ataque, o pensar sob a indiferença tornam a educação um ato de coragem.

Não produzimos em série, participamos de todo o processo de fabricação, elaboramos, aplicamos e corrigimos pelo cruzamento sucessivo ou entremeado de fios. Que esse contexto de padronização do ensino não desvirtue a grandiosidade de nossas pequenas produções, não tire a singularidade desse ambiente (sala de aula), que é plural, e não separe o trabalho dos trabalhadores.

Obrigada a todos que formaram este trabalho e me transformaram!

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Como posso dialogar, se me fecho à contribuição dos outros, que jamais reconheço, e até me sinto ofendido com ela?

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RESUMO

Este trabalho apresenta uma proposta metodológica de ensino de História que problematiza a cidade e seus diferentes espaços de memória articulados ao debate das relações étnico-raciais. A pesquisa promoveu o uso de fontes históricas agenciadas para a reflexão sobre o Patrimônio Cultural vinculado à história de povos africanos e afro-brasileiros, construindo, em conjunto com alunos(as) de uma turma de oitavo ano do Colégio Municipal Maria Luiza de Melo, reflexões históricas, por meio de debates, discussões, leitura, escrita e análise de documentos que deram origem a um Roteiro Histórico, que visa a dar visibilidade à presença de povos africanos e afro-brasileiros, questionando os marcos urbanos da cidade de São José/SC. As atividades foram construídas e desenvolvidas a partir dos eixos: análise dos conhecimentos prévios dos(as) alunos(as); atividades de leitura e escrita a partir de textos didáticos sobre o Patrimônio Cultural; análise de diferentes fontes históricas sobre a história dos povos africanos e afro-brasileiros; e a cidade como espaço de educação patrimonial, mediante um roteiro histórico. São apresentadas as propostas de atividades, a análise das diferentes etapas de desenvolvimento deste trabalho, refletindo-se sobre alguns elementos da prática pedagógica da professora pesquisadora que é autora da pesquisa e, juntamente, alguns elementos da recepção dos alunos e alunas envolvidos. Por fim, é apresentado um Material de Diálogo destinado a professores, com a finalidade de expor cada uma das etapas da atividade e também uma proposta de percurso pela cidade de São José/SC, por meio de um folder específico, como resultado final do trabalho desenvolvido no decorrer das etapas anteriores.

Palavras Chaves: Ensino de História; Patrimônio Cultural; História Local; Povos africanos e afro-brasileiros, cidade de São José/SC.

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ABSTRACT

This paper presents a methodological proposal of teaching history that problematizes the city and its different spaces of memory articulated to the debate of ethnic-racial relations. The research promoted the use of historical sources for the reflection on the Cultural Patrimony articulated to the history of African and African-Brazilians people, constructing, together with students of a group of eighth year of the Maria Luiza de Melo Municipal College, historical reflections, through discussion, reading, writing and analysis of documents that gave rise to a Historic Roadmap, which aims to give visibility to the presence of African and African-Brazilian people, questioning the urban milestones of the city of São José/SC. The activities were built and developed from the axes: analysis of the students' previous knowledge; reading and writing activities based on didactic texts on Cultural Heritage; analysis of different historical sources on the history of African and African-Brazilians people; and the city as an area of heritage education through a historical road map. The activities proposals are presented, the analysis of the different stages of development of this work, reflecting on some elements of the pedagogical practice of the researcher who is the author of the research and also some elements of the reception of the students involved. Finally, a Dialogue Material for teachers is presented with the purpose of exposing each one of the stages of the activity and also a course proposal for the city of São José, through a specific folder, as a final result of the work developed during the previous steps.

Key words: History teaching; Cultural heritage; Local History; African and African-Brazilians people, city of São José/SC.

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ÍNDICE DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1- Mapa da Grande Florianópolis ... 37

Figura 2 - Bandeira do município de São José ... 38

Figura 3 - Primeira parte do texto: Entre lembrar e esquecer: Reflexões sobre Memória e Patrimônio Cultural ... 70

Figura 4 - Primeira parte do texto: Bens culturais e escravidão: uma problematização sobre o patrimônio cultural da população africana e afro-brasileira ... 72

Figura 5 - Parte da atividade Leitura e análise de fontes históricas... 76

Figura 6 - Colégio Municipal Maria Luiza de Melo - Ano de 2016... 78

Figura 7 - Ficha de Exploração ... 80

Figura 8 - Ficha de Identificação ... 86

Figura 9 - Centro de São José, na primeira metade do século XX ... 87

Figura 10 - Rua Gaspar Neves, em São José - Ano de 2015 ... 88

Figura 11 - Entreposto comercial em São José - Ano de 2010 ... 89

Figura 12 - Estacionamento do clube Maré Alta em São José - Ano de 2017 ... 89

Figura 13 - Antigo Mercado no Centro de Desterro, no fim do século XIX. ... 91

Figura 14 - Praça Fernando Machado - Ano de 2016 ... 92

Figura 15 - Mercado Público de Florianópolis - Ano de 1940 ... 93

Figura 16 - Mercado Público de Florianópolis - Ano de 2012 ... 93

Figura 17 - Sociedade Musical União Josefense ... 94

Figura 18 - Sociedade Musical União Josefense - Ano de 1936 ... 95

Figura 19 - Crianças vestidas para Festa do Divino - Ano de 1938 ... 97

Figura 20 - Festa do Divino - Ano de 2012 ... 97

Figura 21 - Atividade de olaria no Colégio Maria Luiza de Melo em São José, ano 2015 ... 99

Figura 22 – Oleiro de São José ... 100

Figura 23 – Leitura e análise de fontes históricas ... 103

Figura 24 - Visitação ao Beca da Carioca de São José ... 109

Figura 25 - Imagem de São Benedito dentro da Igreja Matriz de São José ... 110

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Figura 26 - Visitação a Igreja Matriz de São José... 111

Figura 27 - Monumento da Abolição, São José ... 112

Figura 28 - Visitação à Praça Hercílio Luz, de São José ... 113

Figura 29 - Visitação ao Museu Histórico de São José ... 114

Figura 30 - Visitação ao Praça 11 de São José ... 115

Figura 31 – Atividade 4 - Roteiro Centro Histórico de São José ... 116

Figura 32- Percurso do Roteiro Didático ... 118

Figura 33 - Procissão de Nossa Senhora do Rosário na atual Rua Vicente de Carvalho em direção à Praça Municipal - 1930 ... 125

Figura 34 - Livro de receitas e despesas da Irmandade Nossa Senhora do Rosário e São Benedito - São José de 24 de fevereiro de 1915 até 1931 ... 126

Figura 35 - Ilustração do Cacumbi ... 127

Figura 36 - Pedro Leite ... 129

Figura 37 - Matrícula ... 131

Figura 38 - Registro de nascimento de Margarida filha de Thomazia. 133 Figura 39 - Sociedade Musical União Josefense - Ano de 1929 ... 134

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

BNCC Base Nacional Comum Curricular

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

FFC Fundação Catarinense de Cultura

IPHAN Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional

PAMEDUC Grupo de Pesquisa Patrimônio, Memória e Educação

PCN Parâmetros Curriculares Nacionais

PROFHISTÓRIA Mestrado Profissional em Ensino de História

NEA Núcleo de Estudos Açorianos

SERPPAC Serviço de Proteção ao Patrimônio Artístico e Cultural

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 23

1. A HISTÓRIA DE SÃO JOSÉ ENTRE LEMBRANÇAS E ESQUECIMENTOS... 37

1.1 O ENSINO DE HISTÓRIA PARA TODAS “AS GENTES” ... 46

2. EDUCAÇÃO PATRIMONIAL: UMA REFLEXÃO SOBRE MEMÓRIA FORMALMENTE CONSTITUÍDA E PRÁTICAS CULTURAIS DE VALORIZAÇÃO ... 51

2.1 TERRITORIALIDADE E MEMÓRIA ARTICULADA À EDUCAÇÃO PATRIMONIAL ... 56

3. METODOLOGIA DE ENSINO DE HISTÓRIA PARA EDUCAÇÃO PATRIMONIAL ... 65

3.1 ENSINO DE HISTÓRIA EM DIALOGO COM OS(AS) SUJEITOS(AS): ANÁLISE E APONTAMENTOS DESTA EXPERIÊNCIA ... 78

4. ROTEIRO HISTÓRICO COMO ESTRATÉGIA DE ENSINO121 CONSIDERAÇÕES FINAIS PARA NOVOS CAMINHOS ... 137

REFERÊNCIAS ... 141

FONTES ... 141

BIBLIOGRAFIA ... 141

APÊNDICE ... 153

APÊNDICE A - FICHA EXPLORATÓRIA ... 154

APÊNDICE B- FICHA DE IDENTIFICAÇÃO ... 155

APÊNDICE C - ENTRE LEMBRAR E ESQUECER- REFLEXÕES SOBRE MEMÓRIA E PATRIMÔNIO CULTURAL ... 164

APÊNDICE D- LEITURAS E ANÁLISES DE FONTES HISTÓRICAS ... 168

APÊNDICE E- BENS CULTURAIS E ESCRAVIDÃO:UMA PROBLEMATIZAÇÃO SOBRE O PATRIMÔNIO CULTURAL DA POPULAÇÃO AFRICANA E AFRO-BRASILEIRA ... 173

APÊNDICE F - CIDADE COMO ESPAÇO DE EDUCAÇÃO PATRIMONIAL ... 176

APÊNDICE G – MATERIAL DE DIALOGO ... 185

APÊNDICE H - FOLDER PARA PERCURSO HISTÓRICO PELA CIDADE DE SÃO JOSÉ ... 235

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ANEXO ... 239 ANEXO A - HINO DO MUNICÍPIO DE SÃO JOSÉ ... 240 ANEXO B- BRASÃO DE ARMAS ... 241 ANEXO C - LISTA DE IMÓVEIS TOMBADOS NO MUNICÍPIO DE SÃO JOSÉ ... 243 ANEXO D - CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO ... 244 ANEXO E - CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO ... 245

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INTRODUÇÃO

O campo do ensino de História proporciona desafios teóricos e metodológicos diários ao(à) professor(a), principalmente, ao problematizar questões que abordam a identidade étnico-racial da maior parte da população brasileira1. Todavia, é necessário fortalecer a

discussão das relações raciais no Brasil e combater o racismo, tantas vezes silenciado e desqualificado pelas avaliações de que o Brasil é uma democracia racial (ABREU; MATTOS, 2008, p. 9).

A inclusão da História da população africana e afro-brasileira nos currículos escolares, por meio da Lei 10.639/03, foi resultado das demandas por uma educação menos eurocêntrica na medida em que não se valorizava os saberes, as demandas políticas, os valores, a corporeidade, as condições de vida, os sofrimentos e as vitórias da população de origem africana (GOMES, 2012, p. 99). Observa-se que as narrativas históricas tradicionais, a mídia e o senso comum colocam os negros em lugares específicos ou em grupos minoritários, principalmente, em Santa Catarina, onde a “ideia de brancura, de desenvolvimento e progresso das raças, foi reforçada” (LEITE, 1996, p. 39). E que, por vezes, foi revigorada por pesquisadores como Cardoso e Ianni (1960), Piazza (1994), Cabral (1972).

No Brasil, existe uma grande dificuldade em saber quem é afrodescendente porque a descendência nem sempre é retratada no fenótipo. Ao contrário, a pessoa negra é marcada em toda sua corporalidade e pelas mais diversas formas e situações que envolvem o racismo e o colorismo2. Essas situações de subjetividades raciais ficam

ainda mais visíveis para mim, pois sou negra. As referências ao meu cabelo, à tonalidade da pele, ao sorriso, ao formato do rosto e ao corpo são parte de comentários cotidianos. Se gostam de mim, a tendência é negar minha negritude, se não gostam a reforçam. Portanto, a necessidade de ser professora-pesquisadora do campo das relações étnico-raciais está para além da minha formação acadêmica, está

1 Segundo dados da pesquisa nacional por amostra de domicílios (PNAD) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2015, a distribuição da população brasileira por cor/raça é a seguinte: brancos 45,22%; pretos 8,86%; amarelos 0,47%; pardos 45,06% e indígenas 0,38% .

2 O colorismo, termo da escritora e ativista Alice Walke, reconhece que a tonalidade da pele será decisiva para o tratamento que a sociedade dará à pessoa afrodescendente, ou seja, quanto mais retinto o tom da pele menos privilégios.

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pautada nas múltiplas relações profissionais e pessoais que me envolvem.

As lembranças de desconforto que o conteúdo sobre a escravidão me provocavam, na escola, é outro elemento a ser ressaltado, uma vez que o tema sempre salientava uma mistura de curiosidade e aflição. A presença e ausência das culturas africanas e afro-brasileiras no âmbito da história que me foi ensinada costumava colocar o negro3 como

escravo e ressaltar um discurso marcado pelos estereótipos, que reservam à população negra, de características pejorativas.

Logo, os elementos que formam esta pesquisa articulam-se à percepção da minha história pessoal e profissional, a qual engloba o pertencimento a uma “minoria” historicamente discriminada4, e o fato

de ter a memória familiar marcada pela escravidão, pelo preconceito e pela miscigenação. Quando criança, eu percebia as questões raciais presentes nas histórias de minha avó, as quais descreviam a condição de miserabilidade pós-abolição em que meu avô ficou, por ser neto de uma mulher solteira, escravizada e de um homem branco, casado, dono de terras; e, assim sendo, sem reconhecimento ou direitos.

Esses elementos influenciaram na opção pelo curso de licenciatura em História, na Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL), em Tubarão. A inserção na profissão docente e a busca pelo preparo permanente e aperfeiçoamento fizeram com que, logo após minha graduação, entrasse na Especialização em História Social, na Faculdade de Capivari e, anos depois, no Mestrado Profissional em Ensino de História – ProfHistória (UFSC), que além de me proporcionar um aprofundamento teórico, aprimorou e influenciou a reflexão acerca das minhas práticas pedagógicas.

A pesquisa iniciada no âmbito do Mestrado Profissional em Ensino de História – ProfHistória, produziu materiais didáticos e um

3 Na pesquisa houve a opção política pela palavra negro(a) por compreender as questões sociais que envolvem o racismo e colorismo. Nesse sentido, a dissertação considera a analise na conjuntura brasileira de Guerrero Ramos (1957, p. 198- 200) o qual afirma que o padrão é a estética europeia e embranquecer o objetivo, por isso secundariza as questões econômicas nas relações étnico-raciais e destaca as questões psicológicas. Ressaltar a palavra negro(a) mostra que, além das questões históricas, há questões linguísticas que precisam ser enfrentadas, porque contribuem para a patologia social que normatiza o(a) branco(a) e exclui o(a) negro(a).

4No sentido da vulnerabilidade jurídico-social, identificação social da luta contra-hegemônica das estratégias discursivas (SODRÉ, 2005, p. 13)

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Roteiro Histórico pela cidade de São José, que permite um intenso diálogo entre a academia e a sala de aula. Para isso, foram necessárias diversas etapas e escolhas como: a turma com a qual seria realizada a pesquisa, o estudo bibliográfico e documental, o planejamento das atividades e a construção do roteiro.

A pesquisa foi realizada no Colégio Municipal Maria Luiza de Melo, instituição localizada em São José/SC. Contudo, antes de falar do trabalho propriamente dito, cabe descrever, de forma resumida, alguns aspectos que contribuíram para a escolha da temática e para a construção do objeto de pesquisa que se constituiu por meio do entrecruzamento de diferentes campos de pesquisa, a saber, o Patrimônio Cultural, as Relações étnico-raciais e o Ensino de História.

Meu interesse pela educação das relações étnico-raciais me aproximou da professora Mônica Martins da Silva, que se tornou minha orientadora, e por sua influência conheci o programa Santa Afro Catarina, o qual busca a valorização do patrimônio cultural associado à presença dos(as) africanos(as) e afro-brasileiros(as) no Estado. Por esse motivo, escolhi a linha de pesquisa saberes históricos em diferentes espaços de memória, que considera a cidade como um espaço de ensino-aprendizagem, assim como o lugar de investigações sobre a produção de imaginários e narrativas da História. Ademais, permite compreender os espaços urbanos além de suas edificações, a percepção da relação de poder, o porquê de os espaços e memórias de determinados grupos serem privilegiados com nomes, monumentos, reconhecimento, como também perceber os múltiplos passados, representados pela arquitetura, política, cultura e economia das cidades. Nesse sentido, busquei dialogar com pesquisas e projetos educacionais que mobilizam a história dos bens culturais e territórios dos(as) africanos(as) e afro-brasileiros(as) como o Santa Afro Catarina de Delgado; Mamigonian (2014), as aulas de campo na região do Cais Valongo, da professora Mônica Lima (2016) e os Território Negros em Porto Alegre, Vieira et al. (2018).

Além dos aspectos teóricos, a minha prática como professora de História também integrou a pesquisa. Ao longo dos últimos oito anos, lecionei em muitas escolas públicas da Grande Florianópolis e me deparei com possibilidades e limitações do ensino público que, de uma forma ou de outra, provocavam-me, possibilitando compreender os desafios da profissão, a vicissitude e complexidade da sala de aula, frente a um crescente cenário de polarização política. A escolha do Colégio Municipal Maria Luiza de Melo, apelidado de Melão, para o desenvolvimento da pesquisa, deu-se em função da minha afinidade e

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proximidade da escola, onde lecionei ininterruptamente do ano de 2012 ao ano de 2015. O colégio, tipicamente urbano, está localizado no Kobrasol, em São José, bairro populoso e movimentado. A instituição conta com mais de dois mil alunos e uma das suas características marcantes é o sonido dos carros e dos intervalos diferenciados dos alunos, por outro lado também possui uma ótima estrutura física e de apoio pedagógico.

A dissertação seguiu todos os princípios da ética em pesquisa (ver anexo D) e teve a anuência da direção, da supervisão e da coordenação. A direção sempre mostrou-se disponível e aberta para realização das atividades, assim como os(as) alunos(as), que concordaram em participar das aulas e trouxeram autorização (ver anexo E) para que o projeto fosse realizado com sucesso.

A turma escolhida para a pesquisa foi um oitavo ano, do ensino fundamental, que contava com 28 alunos(as). Lecionei para a maioria deles em anos anteriores, mas, apesar deste fator ser fundamental para a escolha dessa turma, confesso que ao reencontrá-los em 2017, eles me surpreenderam com a mudança comportamental, principalmente com relação aos estudos e aos relacionamentos pessoais. Como grupo, eram alunos(as) críticos(as) e muitas vezes alvo de constantes reclamações de professores(as), motivadas pela agitação dos(as) alunos(as).

De forma geral, a turma aceitou participar das aulas em que propus atividades de ensino de História por meio de diferentes práticas pedagógicas. Os dados da turma foram relevantes para o direcionamento da pesquisa, 53% dos(as) alunos(as) nasceram em São José e 82% moram no município, isso fez com que a cidade de São José fosse central no planejamento das atividades a serem propostas ao grupo5.

Todavia, quanto à raça/cor, 82% declararam-se brancos(as), 7% pardos(as) e 11% negros(as); ou seja, boa parte dos(as) alunos(as) considerou-se branco(a). Entretanto, compreendo que o estudo de história e cultura africana e afro-brasileira não é importante apenas para os que se identificam como negros(as), mas para todos.

Assim, a pesquisa foi elaborada em consonância com as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações

5Esses dados se baseiam na ficha de matrícula dos alunos preenchida pelos responsáveis, no início do ano letivo, o dado que afirma onde residem está baseado em uma pergunta realizada diretamente aos(às) alunos(as), que fez três alunos afirmarem que, atualmente, não moram mais em São José, sendo que em termos gerais dois moram em Palhoça, dois em Florianópolis e uma na cidade de Governador Celso Ramos.

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Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira que afirma: “[...] é preciso entender que o sucesso de uns tem o preço da marginalização e da desigualdade impostas a outros.” (BRASIL, 2004, p. 14). Portanto, somente o combate às desigualdades fará a sociedade brasileira mais justa e democrática.

A dimensão conceitual da pesquisa que abrange a Educação Patrimonial e a Educação para as Relações Étnicos-Raciais situa-se na intersecção de múltiplos campos do conhecimento e dá-se pela interlocução que os indivíduos têm com o patrimônio cultural. Dessa forma, existe um conflito na tentativa de estabelecer limites a um campo tão complexo. Esta pesquisa não tem o objetivo de delimitar ou pacificar a definição de tal conceito, mas questionar as engrenagens que envolvem o patrimônio cultural, assim como salientar a singularidade dos indivíduos, seus interesses, expectativas e história, consequentemente, sua relação com a cidade, com os bens culturais e com os(as) sujeitos(as) (SILVA; DELGADO, 2014, p. 73).

A partir de reflexões sobre os patrimônios culturais consagrados, do município de São José, percebe-se a necessidade de problematizar a produção do passado e os processos de valorização e desvalorização da cultura e dos(as) sujeitos(as), por conseguinte historicizar e desnaturalizar o “patrimônio” da cidade, compreendendo a estrutura que os estabeleceu e o que é considerado memória a ser salvaguardada.

No entanto, é fundamental que a Educação Patrimonial se concretize pela capacidade de estimular múltiplas reflexões sobre a construção da memória histórica e a percepção de que são frutos também de parcialidades e interesses. Esta dissertação oportuniza o desenvolvimento de tais discussões por meio de proposição de atividades que questionam a história da cidade, as imagens e os lugares cotidianos.

A cidade de São José, onde está localizado o Colégio Municipal Maria Luiza de Melo, e onde resido atualmente, é marcada pelas narrativas históricas ligadas à colonização açoriana. A açorianiedade marca as bibliografias financiadas pela Prefeitura ao longo dos anos, do mesmo modo que os patrimônios culturais formalmente constituídos pelo Município. Autores como Farias (1999, 2006) ou Gerlach e Machado (2007) refletem sobre a história da cidade e, ao longo dos anos, reuniram um grande número de fotografias relacionadas ao local, assim como organizaram, em seus livros, dados e documentos que também apresentam censos demográficos sobre escravizados e libertos, além de mapas do período colonial.

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Ao longo da construção da pesquisa, sugestões acerca da elaboração de um roteiro que evidenciasse espaços, lugares e manifestações de povos africanos e afro-brasileiros, em São José, fizeram com que uma das dimensões propositivas deste trabalho fosse estabelecer um percurso com alunos(as) que refletisse sobre as invisibilidades e presenças desses povos no município, como também mobilizasse para a valorização da presença dos(as) negros(as) em São José, promovendo visibilidades a partir do reconhecimento das diversas formas de vivência e convivência desses povos nos espaços públicos da cidade.

Ao construir as atividades sob supervisão de minha orientadora, houve diálogos com três projetos que problematizam as ausências, em espaços urbanos, e provocam reflexões sobre a presença da história da população africana e afro-brasileira. Primeiro, o programa Santa Afro Catarina, cujo acervo forneceu imagens, mapas, documentos escritos e narrativas, além de um roteiro histórico, proposto originalmente para o Centro Histórico de Florianópolis, inspirou a construção de um percurso para a cidade de São José, pautado na valorização da presença negra no município, e propiciou a problematização das invisibilidades dos(as) africanos(as) e afro-brasileiros(as) nas narrativas históricas da história josefense.

O programa Santa Afro Catarina, além das atividades econômicas, considera importantes aspectos da vida social e cultural das pessoas de origem africana, na Ilha de Santa Catarina e litoral adjacente, por meio de módulos temáticos como Devoção ao Rosário e Festas de Africanos na Ilha. Trata da presença da religiosidade e da cultura afro-brasileira por meio da Irmandade do Rosário, na cidade de Desterro; a Desterro de Cruz e Sousa, que situa a trajetória do escritor e poeta Cruz e Sousa na cidade, principalmente nos locais de socialização; Armação Baleeira e Engenhos do Ribeirão da Ilha, que aborda a história da ocupação do sul da Ilha pelas atividades produtivas e pelos grupos sociais nela engajados; e ainda o módulo Viver de Quitandas, que associa a paisagem urbana da vila de Desterro às outras freguesias da Ilha de Santa Catarina, ao abordar o abastecimento e a produção de gêneros (DELGADO; MAMIGONIAN, 2014, p. 91). Este último, particularmente, me interessou porque destaca e singulariza a história de mulheres negras, vistas no programa Santa Afro Catarina como sujeitas de sua história do período imperial no Brasil.

O projeto “Territórios Negros – Afro-brasileiros em Porto Alegre” é outro que inspirou as reflexões deste trabalho, a partir da construção de um percurso em que são apresentadas as regiões

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historicamente reconhecidas como territórios de ocupação e constituição da população negra. Em diálogo com a comunidade, foram construídas narrativas para que os(as) alunos(as) conheçam a importância da diversidade e valorizem a memória, a cultura e a história da população negra na construção das cidades brasileiras.

O terceiro projeto que muito inspirou esta pesquisa é denominado “As aulas de campo na região do cais do Valongo”, que é reconhecida como Patrimônio Cultural da Humanidade. Localizada no Rio de Janeiro, a região foi o principal porto de entrada de escravizados nas Américas. Construído em 1811, era parte de um enorme mercado de comercialização de seres humanos que se estendia por toda a praia. Em 1843, o Valongo foi aterrado e se tornou o Cais da Imperatriz para o desembarque da então princesa Teresa Cristina, que veio ao país se casar com o imperador D. Pedro II. Em 2011, a Prefeitura do Rio de Janeiro iniciou as obras do projeto do Porto Maravilha, para a revitalização da zona portuária. Na região da praça Jornal do Comércio, foram encontrados os dois cais de pedra do século XIX: o Cais da Imperatriz e o Cais do Valongo (SOARES, 2018, p.419).

Esses projetos não trabalham somente com patrimônios edificados e historicamente valorizados, mas também com a problemática do patrimônio imaterial, por meio da abordagem dos bens culturais e conflitos pelos espaços de memória, tão presentes nos dias atuais como no passado. Conforme Gil e Meinerz (2017, p. 21) “No Brasil que se inaugura com a colonização portuguesa, um processo de naturalização das diferenças se expressou ao longo dos anos através das desigualdades de oportunidades experimentadas por indivíduos e grupos com atributos étnico-raciais distintos”. Revisitar, rever e reinterpretar permite que o processo de naturalização das diferenças, iniciado com a colonização portuguesa, seja questionado de tal forma que haja uma mudança substancial nas relações étnico-raciais para promoção da equidade racial.

Consideramos que a história que discute as sociedades afro-brasileiras e povos originários6, suas memórias e “contribuições para a

6 Compreendo que as várias termologias usadas para referir-se aos Povos Originários, como Povos Indígenas, Nativos, Ameríndios, Autóctone, Índio, Primeiras Nações, etc., são problemáticas e não satisfatórias para contemplar as várias sociedades que viviam no, hoje chamado, Continente Americano, antes da chegada dos Europeus. Entretanto, a opção política pela denominação: Povos Originários é pela carga/dor que a palavra “Índio” tem porque marca um modelo de negócio do século XVI que permanece, em certa medida, até os dias

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construção do patrimônio histórico-cultural da humanidade e do Brasil, permite que tenhamos uma visão mais panorâmica da nossa condição humana, de nossas múltiplas identidades e da nossa pluralidade cultural” (OLIVA, 2012, p. 44). Logo, a proposta da pesquisa que foi desenvolvida, tem como objetivo refletir sobre o Patrimônio Cultural de São José, abordando questões relativas à história da escravidão na localidade, no século XIX, refletindo sobre os silenciamentos produzidos pela memória local acerca da presença das pessoas que foram escravizadas e libertas como sujeitos (as) da história e não somente como coadjuvantes. Dessa forma, propõe-se desmistificar os estereótipos que permeiam os escravizados, os libertos e afrodescendentes livres que atuavam entre a negociação e o conflito, no contexto da sociedade escravista brasileira.

Ao ser provocada a olhar o Patrimônio Cultural como potencial educativo, na valorização dos saberes e fazeres, da cultura e do ser humano, estabeleci vínculos com a cidade de São José que até então não existiam. Na minha prática pedagógica, eram mais recorrentes as aulas expositivas. No entanto, o trabalho com fontes históricas, a reflexão sobre os conhecimentos prévios dos(as) alunos(as), a interpretação de textos que retiram da professora a centralidade da aula, passaram a ser práticas incorporadas mais recentemente. Isso advém de um diálogo com o campo do ensino de História, como Delgado e Silva (2012), Delgado, Silva e Neta (2009), Pereira e Seffner (2008), Monteiro (2003, 2007) e Schmidt e Cainelli (2009), o qual pude acessar e ampliar após o ingresso no ProfHistória. Como as autoras destacadas anteriormente, a dissertação em seu referencial teórico dialoga com autoras Leite (1996) Abreu e Mattos (2008) e Schwarcz (1987), que compreendem os(as)negros(as) como sujeitos(as) da História brasileira que assim como sofrem e exercem poder, protagonizam situações, se mostram no cotidiano, são ouvintes e falantes e não mais podem ser invisibilizados sem que sua ausência seja percebida e questionada pelos leitores.

Para Delgado, Silva e Neta (2009), o trabalho docente é indissociável da pesquisa, da produção do conhecimento histórico, da leitura e escrita, da compreensão dos conflitos e das relações de poder.

atuais. Baseado na mão-obra escrava, na exploração indiscriminada do meio

ambiente e no latifúndio o termo índio/indígena marca a escravização de pessoas para estes povos e toda dor que isso carrega. JECUPÉ, Kaká Werá (2017). Disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=vNJYqBE0w90> acesso em 24 de dezembro de 2018.

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Para isso, trabalhamos com atividades que decorrem de escolhas e foram construídas como parte do projeto de pesquisa e que envolve procedimentos e metodologias do campo do ensino de História.

Na dimensão procedimental e metodológica, as atividades propostas dizem respeito à produção do conhecimento histórico, por meio de eixos importantes do ensino de História e foram divididas em quatro eixos principais: conhecimentos prévios, fontes históricas, práticas de leitura e escrita e a cidade como espaço de educação patrimonial. Como consequência, objetivamos que professores(as) e alunos(as) compreendam as tramas que envolvem as narrativas históricas, desmistificando a história como “verdade absoluta” e qualificando-a como versão, fruto de pesquisa e abordagens teóricas, que estão em constante construção, como também abertas a diferentes interpretações.

O trabalho do(a) professor(a) de História consiste em articular, pela mediação didática, o conhecimento histórico por meio de práticas pedagógicas. A História ensinada tem configurações próprias do campo, pelo espaço ímpar que ocupa (ambiente escolar) e pela dimensão relacional entre professor(a) e aluno(a) dinamizada pelo processo de ensino-aprendizagem. Para isso, como dimensão propositiva, a pesquisa apresenta a construção de diferentes materiais didáticos que são apresentados nos apêndices deste trabalho.

O primeiro é o trabalho com os conhecimentos prévios dos(as) estudantes, compreendendo, como afirma Ana Maria Monteiro (2003), que os alunos e as alunas são sujeitos(as) do conhecimento, com autonomia, com bagagem cultural continuamente ampliada e complexificada no decorrer do processo de escolarização, também possuindo experiências próprias de seus ambientes familiares e da cultura juvenil. Por esse motivo, o ponto de partida deve correlacionar culturas distintas, as quais fazem parte do cotidiano dos jovens com quem trabalhei. Jovens com hábitos, interesses, saberes, aproximações afetivas e vivência cultural, que impactam diretamente no modo como interpretam e constroem seu saber histórico. O professor de História que articula esses saberes com o ensino de História constrói o saber escolar.

No segundo eixo a que me refiro, o uso de fontes históricas na História em sala de aula, surge como o eixo que possibilita a produção de novos saberes e interpretações, ao incentivar a leitura e a interpretação de diferentes gêneros textuais, como jornais e fotografias. O estudante acessa as questões por meio de perguntas que, a partir do presente, são elaboradas para a compreensão do passado como versão histórica. Assim, por meio das fontes, possibilitou-se relacionar passado

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e presente, abordando a história da escravidão, a história local e o patrimônio cultural, percebendo que as práticas discursivas no campo da História instituem e objetivam os fatos históricos e imprimem determinada interpretação do passado (DELGADO; SILVA, NETA, 2009).

No terceiro eixo, são trabalhados os textos históricos que contemplam outro eixo fundamental que considera a leitura e a escrita como um processo indispensável para o ensino e a aprendizagem da História, porque ao desenvolver discursos sobre as temporalidades, espacialidades, bens culturais, políticas sociais, por meio de textos, o(a) professor(a) estimula a prática da leitura e escrita a partir de questões próprias do campo da História, para que os(as) alunos(as) apropriem-se e interpretem os processos de historicidade do passado. Além disso, o texto provoca o estudante a construir o saber histórico, questionando e problematizando os discursos e as representações. Os textos sobre patrimônio cultural, predominantes na proposta desenvolvida, tinham o objetivo de problematizar as questões relativas aos campos do patrimônio e da história, visto que ambos questionam a invisibilidade dos(as) africanos(as) e afro-brasileiros(as).

Por fim, o quarto eixo: o trabalho com a cidade como espaço de educação patrimonial e a história local foi proposto com o objetivo de criar situações para que alunos e alunas se sintam provocados a pesquisar para, assim, fortalecer o ensino de História por intermédio de sensibilização e experiências com o meio, com a memória e com a cultura individual e coletiva, a partir da ligação do contexto particular e local com o geral. A proposta de um roteiro histórico na cidade de São José não é nova, mas a dimensão propositiva da pesquisa é avançar na valorização dos bens culturais ainda não consagrados ou mesmo invisibilizados, principalmente, no que tange ao patrimônio afro-brasileiro7 no município.

7 O termo Patrimônio Afro-brasileiro refere-se ao resultado do encontro de tradições diferentes. Estas marcadas pelo processo sofisticado que envolve o povo de origem africana como o folguedo do Bumba-meu-boi, cujo enredo é iniciado pela história de uma mulher escravizada e grávida, que deseja língua de boi; o Negrinho do Pastoreiro; escravizado punido por um estancieiro; o futebol, esporte que fez o Brasil ganhar reconhecimento mundial, a partir da imagem e habilidade de homens negros; a capoeira que assume o caráter de dança, luta e resistência à escravidão. O Patrimônio afro-brasileiro não é africano, constitui-se no Brasil, que descende dos africanos, obviamente, mas constitui-se apreconstitui-senta em 518 anos de história. (SANTOS; 1988, 1997)

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Ao pensar uma pesquisa que envolve estudantes e a prática docente, optei pela pesquisa qualitativa participativa. Inicialmente, a proposta metodológica era desenvolver uma pesquisa-ação, compreendendo como Thiollent (2000, p. 16) que a ação ia além dos aspectos acadêmicos e burocráticos e tinha um papel ativo na realidade dos fatos observados. No entanto, como os temas da pesquisa foram propostos pela professora e pesquisadora, assim como foi restrita a possibilidade de revisão e readequação das questões propostas, frente às respostas e posições dos(as) alunos(as), compreendemos que a pesquisa desenvolvida se distanciou dos pressupostos de uma pesquisa-ação, embora tenha surgido de uma questão previamente observada em sala de aula: a limitação dos estudantes em reconhecerem a história dos povos africanos e afro-brasileiros como parte da história de São José.

Os pressupostos metodológicos apontados acima foram primordiais para o desenvolvimento de uma pesquisa qualitativa participativa, por meio de uma proposta de Educação Patrimonial. Ao longo do processo em que a pesquisa se constitui, a colaboração dos(as) sujeitos(as) foi fundamental. Os alunos, as alunas e eu, como professora-pesquisadora, atuamos na resolução de problemas, com reflexão sobre a própria prática pedagógica desenvolvida no decorrer de todo o processo. Além disso, o foco da pesquisa qualitativa e participativa desta dissertação é discutir e avaliar todo o processo de pesquisa, planejamento e construção das estratégias de ensino que foram desenvolvidas para os(as) alunos(as), considerando a comunicação e os pressupostos subjetivos, os objetivos, as normas, os valores e as identidades (CARSPECKEN, 2011, p. 406).

As atividades foram construídas em um constante processo de escrita e reescrita, em pesquisas de documentos como: fotografias antigas, jornais, história dos monumentos, do patrimônio cultural formalmente constituído, também em investigação dos usos atuais das edificações, em pesquisa oral e entrevistas com os memorialistas. Posteriormente, selecionamos construímos, revisamos os materiais e iniciamos o trabalho com os alunos e as alunas.

As aulas foram gravadas para avaliação das situações e subjetividades que ocorreram. Durante estas aulas, a rapidez dos acontecimentos não possibilitou que eu fizesse anotações sobre o que ocorria. É interessante pensar que as falas são concomitantes dentro da sala e nem sempre é possível ouvir a todos. Ao rever a cena, pude perceber diversas situações que emergem no contexto de uma sala de aula, identificando falas, visões, comportamentos e atitudes dos(as) alunos(as), assim como pude avaliar o meu próprio comportamento

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frente a esse conjunto de situações e as decisões tomadas na urgência que a sala de aula exige. É esse contexto que constitui o trabalho do(a) professor (a), profissional que cria/constrói conhecimentos junto aos(as) alunos(as), que essa dissertação foi construída e cuja estrutura será descrita nos parágrafos abaixo.

No primeiro capítulo, o objetivo é problematizar os silenciamentos provocados pela historiografia local, acerca da existência da escravidão em São José, refletindo sobre os elementos determinantes na construção de discursos, imaginários, representações dos lugares de memória da cidade. Nesse sentido, analisa-se como foi instituída a memória coletiva em prol da colonização açoriana, por meio da literatura, de símbolos, do hino, dos monumentos e dos patrimônios tombados pela Fundação Municipal de Cultura e como esses elementos contribuem para a invisibilidade de outros grupos étnicos e sociais.

No segundo capítulo, apresento o processo de reconhecimento e valorização do patrimônio cultural negro no Brasil, abordando os patrimônios de natureza material e imaterial, tombados ou não, refletindo sobre o que caracteriza os bens culturais do município de São José. Ao final do capítulo, identifica-se o potencial da educação patrimonial e história local para a construção de saberes históricos. As atividades aplicadas e analisadas resultaram na construção de um Roteiro Histórico, que reconhece a presença negra em São José, objetivando que estudantes percebam o dinamismo do que é historicamente instituído e o compreendam como uma construção.

No terceiro capítulo, procuro descrever como se estabeleceu a construção teórica metodológica da pesquisa. Assim, descreve-se e analisa-se as atividades propostas, a fim de explorar o conhecimento histórico escolar, reconhecendo os limites, mas também as possibilidades do trabalho com os(as) alunos(as) para que percebam que a construção de diferentes saberes históricos passa pelas práticas e disputas de memória de um Estado que, por muito tempo, minimizou a presença negra e indígena em sua história.

No último capítulo, proponho um Roteiro Histórico em São José. É a principal contribuição da pesquisa para os professores, estudantes e para a cidade de São José, que possibilitará (re)memorar a História, de modo mais sensível, com as diferenças e as ausências, reescrevendo as narrativas do município a partir da desconstrução da imagem do açoriano como hegemonia histórico-cultural.

Por fim, a dissertação conta com dois materiais didáticos desenvolvidos durante a pesquisa a partir de eixos temáticos. Um folder, que engloba uma proposta de roteiro pela cidade de São José e um

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Material de Diálogo com professores e professoras, para qualificar a comunicação com a proposta pedagógica dos materiais didáticos, em diferentes contextos e múltiplas formas, mesmo que o(a) professor(a) não trabalhe com a cidade de São José. Composto por um pequeno resumo da pesquisa realizada a partir da interlocução com as obras de Janaina Amorim da Silva (2011), Gerlach e Machado (2007), Passos, Nascimento e Nogueira (2016), pode-se pensar nas atividades unidas ou separadas, em sequência ou articuladas a outras propostas. Portanto, não se objetivou um receituário ou guia, mas que professores e professoras possam construir visibilidades dos povos africanos e afro-brasileiros em suas aulas pela via da educação patrimonial e trabalhar com atividades que tornam os(as) alunos(as) protagonistas de sua formação, com a constante necessidade de leitura, interpretação, análise e produção textual, assim, privilegiando a participação dos(as) estudantes.

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1. A HISTÓRIA DE SÃO JOSÉ ENTRE LEMBRANÇAS E ESQUECIMENTOS

A cidade de São José faz parte da região metropolitana da Grande Florianópolis, no Estado de Santa Catarina. Suas fronteiras terrestres são limítrofes com outros seis municípios: Antônio Carlos, Biguaçu, Florianópolis, Palhoça, Santo Amaro da Imperatriz, São Pedro de Alcântara, como é possível observar no mapa abaixo. A cidade, que é a quarta mais antiga do Estado de Santa Catarina, tem sua fundação oficialmente ligada à chegada de 182 casais de açorianos, que fundaram um povoado, em 19 de março de 1750, (GERLACH; MACHADO, 2007, p. 97) e que futuramente seria a cidade de São José da Terra Firme, atual São José.

Figura 1- Mapa da Grande Florianópolis

Fonte: Plano Municipal de habitação de Interesse Social (2012)

Os povos originários não são oficialmente ligados à história ou à fundação da cidade, seja pelo site da prefeitura que cita apenas açorianos

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e alemães 8 ou órgãos oficiais que reconhecem, sobretudo, os

portugueses como parte desse processo, seja nos símbolos, como o Hino de São José (ver anexo A), de autoria de José Acácio Santana (1972), em que a presença portuguesa é celebrada como na frase “Aqui outrora chegou o imigrante, que além dos mares deixou Portugal, e através do trabalho constante, edificou nossa terra natal”.

Outras populações igualmente não estão representadas na bandeira municipal, a qual traz o Brasão de Armas (ver anexo B) na parte central, conforme Lei Ordinária nº 403/1960, de 25 de fevereiro de 1960, faz alusão ao “escudo tipo português” e também possui a “águia germânica” para lembrar a colonização alemã. De acordo com a Lei Ordinária nº 846/1972, de 27 de setembro de 1972, o vermelho faz referência à Igreja Católica, simbolizando o Martírio. As três estrelas que representam a Sede do Município, constituído em Primeiro Distrito, Estrela Maior, e duas Estrelas Menores representando os Segundo e Terceiro Distritos, Barreiros e São Pedro de Alcântara9.

Figura 2 - Bandeira do município de São José

Fonte: São José (2018b)

As datas em destaque no Brasão de Armas (1756 e 1833) e na bandeira são diferentes das datas de fundação da freguesia e da cidade.

8O site da Prefeitura de São José ([2018]a) faz referência no link sobre a história de São José apenas a açorianos e alemães.

9 O desmembramento do município de São Pedro de Alcântara correu pela Lei nº 9.534, de 16 de abril de 1994 (SANTA CATARINA, 1994).

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A data de fundação da freguesia de São José é 26 de outubro de 1750, o que torna compreensível a leitura errada da data, lendo, o pesquisador, o seis em lugar do zero. A data de 1 de março de 1833, no entanto é a data de fundação do município, e não a da cidade, que só ocorreu em 1856 (FARIAS, 1999, p. 204).

Segundo o texto acima citado, isso demonstra que até a bandeira ser instituída em setembro de 1972, acreditava-se que a fundação de São José era em 1756, seis anos depois da data que atualmente é considerada. Segundo Vilson Farias (1999, p. 204), houve a leitura errada da data pelo pesquisador que trocou o zero pelo seis, sem deixar claro qual pesquisador cometeu o provável equívoco.

As populações africanas e afro-brasileiras são lembradas nos textos produzidos pela Prefeitura e pelo Serviço de Proteção ao Patrimônio Artístico e Cultural – SERPPAC, por meio da Bica da Carioca, que, segundo a narrativa, era um local em que “mulheres lavavam roupas”. Nesse contexto, o patrimônio municipal é ligado à história dessa população. Tais narrativas ainda citam a presença de mulheres escravizadas10, como se pode ler abaixo.

O que era apenas uma nascente sem infraestrutura, transformou-se, em 1840, em um montado lavadouro público para a coleta de água potável. Foram instaladas 14 pedras que serviam para bater a sujeira mais insistente das roupas, trabalho realizado durante muito tempo pelas lavadeiras escravas ou não (SÃO JOSÉ, 2013, p. 27). A menção à presença de mulheres escravizadas é discreta e pontual, sem maiores explicações. Entretanto, a sutileza da afirmação “escravas ou não” deixa a dúvida se era um espaço de convivências entre mulheres brancas e negras ou entre cativas e libertas. Destaca-se também que esse trecho é um dos poucos em que a presença das mulheres é mencionada nas narrativas históricas de São José.

Os discursos sobre a história do município foram, em grande medida, financiados pela Prefeitura, a partir dos anos 2000, ano em que a cidade comemorou o 250º aniversário, e são obras que se destacam pelas ligações em títulos e referências, lembrando principalmente a

10 No roteiro do Centro Histórico: CONHECER SÃO JOSÉ, ofertado para alunos da rede municipal e no site da prefeitura no link pontos Turísticos a Bica da Carioca (SÃO JOSÉ, [2018]c).

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história dos colonizadores açorianos como Farias (1999, 2002, 2004, 2006) e Gerlach e Machado (2007). Há ainda o Memorial da Colonização Açoriana, construído em 2000, localizado na Praça Arnoldo de Souza. Idealizado pelo artista plástico Plínio Verani Júnior, o monumento no Centro Histórico conta com nove figuras e cada uma pesa em torno de 4 mil quilos totalizando 40 toneladas em concreto armado11. Esses exemplos demonstram um movimento no final do

século XX e início do XXI, que busca consolidar uma narrativa própria da história do município.

Em termos numéricos, a cidade recebeu, segundo Farias (2006, p. 112), 778 pessoas dos arquipélagos dos Açores e da Madeira, em meados do século XVIII. O autor ainda cita os colonizadores alemães que, em dezembro de 1830, somavam 652 habitantes, mas as terras pouco férteis, associadas ao forte declive do solo fizeram com que muitas famílias migrassem para Santo Amaro, Antônio Carlos, Biguaçu e Desterro.

Em números específicos não há como saber quantos indígenas viviam na região, entretanto é possível estimar a quantidade de pessoas de origem africana que foram escravizadas ao final do século XVIII. Conforme Gerlach e Machado (2007, p. 17), o número de escravizados, nesse período, era 412 e de libertos, em torno de 14 pessoas. Apesar dos limites das fontes, os autores Gerlach e Machado (2007) estimam uma população de 2079 pessoas, ao final do século XVIII, sendo que cerca de 20% da população registrada de São José teria origem africana.

Segundo Farias (2006, p. 106), em 1840, quando a população total era de 10.419, a população escravizada chegava a 21,3%, sem referência a libertos. No ano de 1866, segundo o mesmo autor, outro censo mostrou que a população de afrodescendentes, no município, chegava a 16,2%. Essa nomeação resulta em uma imprecisão para compreender os dados, visto que não faz referência se eram livres,

11 O monumento chama atenção não apenas pela localização, em frente à Câmara de Vereadores, mas pelo espaço que ocupa. A intenção de conectar a cultura local com o arquipélago dos açores é evidenciada pelo número de figuras humanas, o mesmo número das nove ilhas do arquipélago homenageado. As esculturas trazem um objeto com a intenção de representar um tipo de ofício e manifestação ligado à cultura de São José, é possível identificar o padre, o agricultor, a rendeira, o oleiro, a bruxa, o desbravador, o pescador todos em cima da proa, simbolizando a embarcação. As esculturas estão sobre uma piscina representando o Oceano Atlântico, na qual é possível ver o mapa do arquipélago dos Açores e setas que ligam à cidade de São José.

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libertos ou cativos.

No Estado de Santa Catarina, no recenseamento de 1872, segundo Piazza e Hübener (2003, p. 140), a população de negros, mulatos e caboclos era superior a 23%. Entretanto, afirmam: “como vimos, não foi muito expressiva numericamente a participação africana na população catarinense”. Os autores ainda fazem comparação com a população de brancos, superior a 70%, mas não comparam a população alemã e descendente, com os não alemães, ou a população açoriana e descendente com os não açorianos. A quantidade de pessoas escravizadas, que, segundo o censo, estava em torno de 10%, é um dos principais fatores para justificar a ausência e a invisibilidade das pessoas de origem africana no Estado.

É importante lembrar que, no momento do censo, repercutiam no Brasil os interesses de branqueamento dos projetos imigrantistas do século XIX (AZEVEDO, 1987, p. 59-61), baseados nos discursos científicos de teóricos estrangeiros e que se proliferaram por meio da imprensa da época (SCHWARCZ, 1987, p. 41), concretizando-se por meio de medidas legais para uma imigração maciça, principalmente, de europeus. A morte e desqualificação cultural dos povos originários e das pessoas de origem africana resultam no “vazio” ocupado pelo imigrante (LEITE, 1996, p. 39).

Além disso, o censo de 1872 aconteceu após a Guerra do Paraguai e a Lei do Ventre Livre, que havia entrado em vigor em 1871. Assim, esses fatores podem ter influenciado nos dados do recenseamento. Contudo, esses acontecimentos produziram questionamentos sobre a contagem do número de escravizados, em um país de tamanho continental. No entanto, a variação para mais ou para menos ainda contradiz o senso comum que afirma que a escravidão no Estado foi insignificante.

Segundo Ilka Boaventura Leite (1996, p. 47), a invisibilidade é também marcada na literatura pela contradição das afirmações de Cardoso e Ianni (1960), que ressaltam a pequena importância do negro na economia do Brasil Meridional, em contrapartida, concluem que todos os setores econômicos passaram pela mão-de-obra de pessoas escravizadas.

Conforme Beatriz Mamigonian (2006, p. 616), é um equívoco interpretar um censo que ocorreu no final do século XIX como determinante para desprezar a presença de pessoas escravizadas, que segundo a autora estava em torno de um quarto e um terço da população, na primeira metade do século XIX. Observa-se também que as atividades econômicas que se sustentavam sobre a escravização devem

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ser consideradas para além dos espaços domésticos e urbanos.

Em decorrência dessa “insignificância numérica” atribuída à presença dos negros, constitui-se a invisibilidade e a negação da população africana e afro-brasileira na memória e no reconhecimento de territórios no Estado (LEITE, 1996). Como resultado, tem-se um ensino de História que pouco contempla a escravidão em Santa Catarina, bem como os resultados nefastos do período. Além disso, ao não se abordar a escravidão em Santa Catarina como temática histórica, se desconsidera importantes aspectos da vida social e cultural do Estado, haja vista que esses grupos estavam presentes em várias atividades além do trabalho, como em irmandades, festas, e nos mais diversos espaços12.

Os autores citados Cardoso e Ianni (1960), Piazza (1994) reconhecem a dificuldade de encontrar documentos sobre a população de origem africana em Santa Catarina, mas esse desconhecimento pode servir de pretexto para invisibilizar, sem questionar os discursos historiográficos tradicionais que não reconhecem a presença de origem africana em prol de uma história eurocentrada.

Também é preciso ressaltar a presença de indivíduos das mais diversas origens que têm suas presenças registradas na região de São José como: italiana, espanhola, francesa, árabe, entre outros (FARIAS, 2006, p. 107). Ao exaltar a colonização açoriana do século XVIII, os autores muitas vezes omitem a presença das populações de tropeiros, gaúchos e paulistas que vinham do interior do Estado.

Se, por um lado, o município de Palhoça, desmembrado de São José e elevado à categoria de município, em 24 de abril de 1894, atrela a sua história à ligação continental entre Lages e Desterro, ou seja, evidencia a conexão planalto serrano com o litoral, por outro lado, a história formalmente constituída de São José e Biguaçu está ligada, quase que exclusivamente, aos Açores (abrindo exceção para os alemães que colonizaram a região no século XIX) e todas as características culturais da cidade, de uma forma ou de outra, são relacionadas ao arquipélago pelo livro Natureza, História e Cultura, de Farias (1999), patrocinado pelo Município de São José, e uma das principais referências bibliográficas do município.

12 A coleção História Diversa, africanos e afrodescendentes na Ilha de Santa Catarina, além das atividades econômicas, consideram importantes aspectos da vida social e cultural das pessoas de origem africana na capital catarinense. As irmandades, a religiosidade, os clubes, as associações, a literatura são, entre outras, possibilidades de caminhos para os estudos dos sujeitos que foram escravizados (MAMIGONIAN; VIDAL, 2013).

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Assim, como em muitas cidades brasileiras, há uma busca por “um modelo de política cultural que tende a legitimar apenas uma pequena parcela da população como produtora de memória, história e cultura” (PASSOS; NASCIMENTO; NOGUEIRA, 2016, p. 195), como em Florianópolis e no litoral adjacente, onde, nos anos de 1940, iniciou-se um movimento e política de valorização de uma identidade açorianista, sobre a qual antes havia uma amnésia sobre suas origens ou mesmo uma memória negativa desta colonização (LEAL, 2007, p. 37).

A partir do Primeiro Congresso de História Catarinense, realizado em Florianópolis, em 1948, comemorativo do Segundo Centenário da Colonização Açoriana que “representou um marco fundamental na redescoberta das raízes açorianas de Santa Catarina”, como afirma Leal (2007, p. 40), há uma mudança de perspectiva no que tange à colonização açoriana que, até então, quando lembrada apontava-se o fracasso na agricultura, diferentemente da colonização alemã e italiana. Portanto, existe, nesse momento, uma ressignificação da presença açoriana no litoral catarinense, que do insucesso agrícola passou a ser apresentada como “o açoriano que venceu pela sua descendência, venceu a ação desclassificatória dos fatores alheios à sua vontade que quase o levou à ruína e ao fracasso” (CABRAL, 1950, p. 588). Ou seja, houve uma mudança de perspectiva quanto à memória, discurso e imaginário da população do litoral catarinense.

De acordo com a historiadora Maria Bernadete Ramos Flores (1997, p. 118) “era necessário estabelecer um marco que fosse um elo entre passado, presente e futuro”. A autora reafirma que na comemoração do bicentenário da colorização açoriana consolidava-se a narrativa de unidade cultural ligada à colonização açoriana. A tematização dessa colonização pelo 1º Congresso de História Catarinense situava-se em um contexto político alinhado ao sistema burguês de organização social, tendo como referência o progresso material da colonização alemã, optou-se, portanto, por uma abordagem com o caráter de brasilidade de Santa Catarina relacionada ao domínio português no Sul do Brasil (FLORES, 1997, p 124-130). Além do Congresso, houve também a criação do Núcleo de Estudos Açorianos – NEA, em 1984, que, segundo Leal (2007, p. 56), vai difundir ainda mais a valorização da identidade e memória açoriana para fora do ambiente das universidades, conectando vários municípios em prol da causa.

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Ilha de Santa Catarina e no município de São José13 foi a da presença

açoriana, por outra parte, também houve o processo histórico que ocultou as experiências da população africana e afro-brasileira, em Florianópolis e São José, e as resumiu à situação de cativeiro, como se não participasse do cotidiano do litoral catarinense. Por vezes, sua presença foi ocultada e suas experiências desvalorizadas, como afirmam as historiadoras Mamigonian e Vidal (2013, p. 11):

[...] vários relatos de Florianópolis mencionam a presença de escravos ou libertos, entretanto geralmente aparecem como “a mão de obra responsável”, ou ainda, “protagonistas de situações pitorescas”, os indivíduos de origem africana não figuram na história da cidade no século XIX. Os exemplos seriam muitos. Experimente você lembrar-se de alguns livros que leu sobre Florianópolis ou folhear algum deles. Protagonista negros são raros, vai concordar. O motivo disso é que Florianópolis, há bastante tempo, tem sido vista e interpretada como terra de “tradições açorianas”.

Perpetuar a imagem da pessoa escravizada a partir de sua despersonalização é não reconhecer seus bens culturais, sua história, manifestações culturais, expressões políticas e sua interação na sociedade.

Os memorialistas josefenses procuram destacar em seus livros a colonização açoriana, abordando a presença africana e afro-brasileira de forma resumida. Mesmo que os textos apontem a valorização da diversidade cultural, na estrutura dos livros é grande a invisibilidade negra. Como exemplo, no livro “256 anos de São José: Em busca das raízes” (FARIAS, 2006), há mais de quarenta referências ao arquipélago dos Açores, só no sumário. Ao todo, menos de cinco páginas, das 312 da obra, fazem referência à população africana e afro-brasileira. Nas que

13A história oficial da cidade de São José começa com a chegada de 182 casais de açorianos e com a colonização posterior de alemães. História que pode ser vista no site da Prefeitura (SÃO JOSÉ, [2018]a); e em alguns livros patrocinados pelo Município como: “São José 250 anos”, do qual ainda teria

São José 252 anos, São José 254 anos e São José 256 anos, de autoria de

Vilson Francisco Farias, no qual é possível encontrar páginas que falam de afro-brasileiros ou indígenas, mas pouco complementam e não os integram à história do município.

Referências

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