O Teorema de Pit´
agoras
... . ... . ... . ... . ... . ... . ... . ... . ... . ... . ... . ... . ... . ... ... ... ... ... ......... ... ... ... ... ... .. .. .. . .. .. .. . .. .. .. . .. .. .. . .. .. .. . .. .. .. . .. .. .. . .. .. .. . .. .. .. . .. .. .. . .. .. .. . .. .. .. . .. .. .. .Caitano de Oliveira Cintra
Renato Jos´
e de Sobral Cintra
O Teorema de Pit´
agoras
Recife 2003
Editora¸c˜ao Eletrˆonica (LATEX 2ε): Renato Jos´e de Sobral Cintra. Capa: Renato Jos´e de Sobral Cintra.
Ilustra¸c˜oes (PICTEX, TEX, PostScript e Xfig): Renato Jos´e de Sobral Cintra.
Todos os direitos reservados.
Cintra, Caitano de Oliveira & Cintra, Renato Jos´e de Sobral
O Teorema de Pit´agoras: / Caitano de Oliveira Cintra e Renato Jos´e de Sobral
Cintra. — Recife : O Autor, 2003. 93, x folhas : il., fig., tab., diagramas. Inclui bibliografia, ´ındice e apˆendice. 1. Geometria Euclidiana. I. T´ıtulo.
513.81 CDU (1.ed.) BC-FABEJA
Impresso no Brasil.
1a edi¸c˜ao setembro 2003
`
A minha esposa, S ˆONIA, pela compreens˜ao e o carinho.
A meu filho, HENRIQUE, pelo amor que tem pelos estudos. Aos meus pais, OTAVIANO e CAMILA (in memoriam), que n˜ao pouparam sacrif´ıcios para que eu pudesse aprender alguma coisa.
√
2
Pref´
acio
A id´eia em escrever esse pequeno livro foi apenas para divulgar um pouco mais o teorema de pit´agoras, que, como sabemos, se trata de um dos mais importantes teoremas da geometria plana. N˜ao s˜ao demonstra¸c˜oes de nossa pr´opria autoria, apenas as refizemos com mais detalhes para que sejam mais f´aceis de ser entendidas.
Tamb´em aproveitamos a oportunidade para realizar um pequeno acompanhamento hist´orico dos homens que contribuiram com o Te-orema de Pit´agoras. Nunca ´e demais um pouco de hist´oria da ma-tem´atica. Tomamos tamb´em algumas notas sobre as generaliza¸c˜oes do Teorema e suas conex˜oes com outras ´areas da matem´atica.
N˜ao poder´ıamos deixar de agradecer ao professor Jos´e Vieira da Costa, da Faculdade de Forma¸c˜ao de Professores de Belo Jardim, que encontrou tempo para uma r´apida leitura do texto original livrando-nos de muitos erros lingu´ısticos.
Recife, agosto de 2003. c.o.c. r.j.s.c.
Sum´
ario
Pref´acio ix 1 O Teorema 1 1.1 Os Eg´ıpcios . . . 3 1.2 Os Babilˆonicos . . . 4 1.3 As Subalsutras . . . 6 1.4 Pit´agoras . . . 9 1.5 Zhoubi suanjing . . . 16 2 Demonstra¸c˜oes 19 2.1 Demonstra¸c˜ao #1 . . . 20 2.2 Demonstra¸c˜ao #2 . . . 21 2.3 Demonstra¸c˜ao #3 . . . 22 2.4 Demonstra¸c˜ao #4 (Bhaskara) . . . 25 2.5 Demonstra¸c˜ao #5 . . . 27 2.6 Demonstra¸c˜ao #6 (Euclides) . . . 29 2.7 Demonstra¸c˜ao #7 (Garfield) . . . 332.8 Demonstra¸c˜ao #8 (Da Vinci) . . . 36
2.9 Demonstra¸c˜ao #9 (Papus) . . . 38 2.10 Demonstra¸c˜ao #10 . . . 40 2.11 Demonstra¸c˜ao #11 (Euclides) . . . 41 2.12 Demonstra¸c˜ao #12 (P´olya) . . . 43 2.13 Demonstra¸c˜ao #13 . . . 49 2.14 Demonstra¸c˜ao #14 . . . 51 2.15 Demonstra¸c˜ao #15 (Perigal) . . . 53 2.16 Demonstra¸c˜ao #16 (Heron) . . . 57 xi
3 Se. . . Ent˜ao. . . 61
3.1 Norma Euclidiana . . . 61
3.2 Lei dos Cossenos . . . 62
3.3 Irracionalidade da Constante Pitag´orica . . . 62
3.4 Cortes de Dedekind . . . 66
3.5 N´umeros Complexos . . . 67
3.6 Ultimo Teorema de Fermat. . . 71´
3.7 Axioma das Paralelas . . . 75
√
2 85
Referˆencias Bibliogr´aficas 87
Cap´ıtulo 1
O Teorema
“Os n´umeros regem o Universo”.
Pit´agoras
Nosso prop´osito ´e apresentar algumas demonstra¸c˜oes do Teorema de Pit´agoras (em grego, ΠΥΘAΓOPEION ΘEΩPHMA), um dos mais
im-portantes teoremas da Geometria Plana, que pode ser anunciado da seguinte forma:
“A ´area do quadrado cujo lado ´e a hipotenusa de um
triˆangulo retˆangulo ´e igual a soma das ´areas dos quadrados cujos lados s˜ao cada um dos catetos desse mesmo triˆangulo”.
Se indicarmos a hipotenusa por a e os catetos por b e c, temos:
a2 = b2+ c2.
A demonstra¸c˜ao desse teorema pelos pitag´oricos foi muito lenta e penosa. Inicialmente eles conheciam o fato para os triˆangulos que tˆem lados proporcionais a 3, 4 e 5, como tamb´em para o triˆangulo de lados 5, 12 e 13. Um resultado mais geral foi obtido para o triˆangulo retˆangulo is´osceles, que tem a seguinte demonstra¸c˜ao.
Considere o triˆangulo retˆangulo is´osceles cuja hipotenusa mede a e cada um dos catetos mede b.
Construindo quadrados de lados a e b, temos:
A b b a B C ① ② ③ ④ ⑧ ⑦ ⑥ ⑤ Figura 1.1 ´
E f´acil verificar que os triˆangulos numerados s˜ao todos congruentes (Rela¸c˜ao de Tales), logo:
´area(⑤ + ⑥ + ⑦ + ⑧) = ´area(① + ②) + ´area(③ + ④) ∴ a2 = b2+ b2.
No caso geral, n˜ao se conhece a demonstra¸c˜ao de Pit´agoras (eles n˜ao costumavam escrever seus trabalhos), no entanto, os historiadores acreditam que foi uma demonstra¸c˜ao fundamentada em compara¸c˜ao de ´areas.
Existem muitas demonstra¸c˜oes do Teorema de Pit´agoras. Por exemplo, o professor Elisha Scott Loomis, que lecionou em Cleve-land, Ohio, E.U.A., publicou um livro intitulado “The Pythagorean
Proposition1” que cont´em 370 demonstra¸c˜oes diferentes. A primeira
1Este livro foi reimpresso em junho de 1968 pelo National Council of Teachers
1.1. OS EG´IPCIOS 3 edi¸c˜ao desse livro foi publicada em 1927 com 270 demonstra¸c˜oes e em 1940 saiu a segunda edi¸c˜ao com mais 100 demonstra¸c˜oes. Em nenhuma delas foram utilizados argumentos trigonom´etricos, pois a identidade sen2x + cos2x = 1 j´a ´e um caso particular desse teorema,
sendo utilizados apenas argumentos geom´etricos e alg´ebricos. Em ver-dade, ´e mostrado que ´e poss´ıvel se ter um n´umero infinito de provas por m´etodos alg´ebricos ou geom´etricos; e n˜ao pode haver prova que utilize trigonometria, geometria anal´ıtica e c´alculo [18].
1.1
Os Eg´ıpcios
Muitos anos antes de Cristo, os Eg´ıpcios conheciam o fato de que todo triˆangulo cujos lados medem 3, 4 e 5, necessariamente ´e um triˆangulo retˆangulo.
O historiador Cantor sugere que eles utilizavam esse fato para cons-truir ˆangulos retos. Os usos mais evidentes dos ˆangulos retos no coti-diano da sociedade eg´ıpcia seriam:
• remarca¸c˜ao das terras situadas `as margens do rio Nilo, toda vez
que eram inundadas e tinham suas divisas destru´ıdas;
• constru¸c˜ao de paredes verticais em rela¸c˜ao ao solo; • elabora¸c˜ao de cobertas de casas.
Dessa forma, no Antigo Egito, a Geometria era utilizada para fins pr´aticos da constru¸c˜ao — as pirˆamides s˜ao os exemplos mais expres-sivos desse fato.
O uso da tripla pitag´orica (3, 4, 5), pelos eg´ıpcios, parece ter sido pontual. N˜ao h´a registros do uso de outra tripla, nem para fins pr´aticos de Engenharia, nem de generaliza¸c˜oes. Assim, n˜ao h´a evidˆencias con-clusivas que nos permitam afirmar que os eg´ıpcios conheciam de fato o Teorema, apesar de fazerem uso pr´atico do seu resultado.
1.2
Os Babilˆ
onicos
O Teorema de Pit´agoras j´a era conhecido dos babilˆonicos por volta de 1900 a 1600 a.C. — ´epoca do Primeiro Imp´erio Babilˆonico.
Figura 1.2: Imp´erio Babilˆonico, atualmente Iraque.
A prova disso ´e encontrada em v´arias t´abuas babilˆonicas. Em uma t´abua, em particular, encontra-se a seguinte tradu¸c˜ao:
“4 ´e o comprimento e 5 a diagonal. Qual a abertura? Seu
tamanho n˜ao ´e conhecido. 4 vezes 4 ´e 16. 5 vezes 5 ´e 25. Se tomar 16 de 25, restam 9. O que vezes o que devo ter para obter 9? 3 vezes 3 ´e 9. 3 ´e a abertura”.
Outra t´abua ´e ainda mais reveladora. Esta t´abua ´e conhecida pelo nome de “YBC 7289” (Yale Babylonian Collection, #7289). E tem a seguinte aparˆencia:
1.2. OS BABIL ˆONICOS 5
(a) Foto (b) C´opia
30
42,25,35 1,24,51,10
(c) Diagrama
Figura 1.3: A t´abua babilˆonica YBC 7289.
Trata-se de uma t´abua circular com a figura de um quadrado com suas duas diagonais. Em um dos lados do quadrado vˆe-se o n´umero 30 e nas diagonais os n´umeros 1;24,51,10 e 42;25,35. Os mesopotˆamicos usavam o sistema sexagesimal (base 60), assim, convertendo 1;24,51,10 para o sistema decimal, temos:
1; 24, 51, 10(60)=1 × 600+ 24 × 60−1+ 51 × 60−2+ 10 × 60−3 =1,414212963.
Sem d´uvida, uma impressionante aproxima¸c˜ao para √2 = 1,414213562 . . .. Calculando 30×1; 24, 51, 10, temos o segundo n´umero
42;25,35, ou seja, 30√2.
Resta, entretanto, uma d´uvida: Por que foi feita a escolha de um quadrado de lado 30?
´
E sabido que os babilˆonicos atribu´ıam grande importˆancia aos n´umeros rec´ıprocos. A escolha do valor 30 ´e a ´unica que faz com que a diagonal (42,25,35) seja igual ao rec´ıproco de (1,24,51,10). Mais claramente: (42,25,35) ≈ 1/√2.
1.3
As Subalsutras
Entre 2000 e 1500 a.C. o povo ´aria invade a regi˜ao conhecida por Vale do Pendjab, a noroeste da ´India. Esta vinda ´e descrita nos Vedas, livros sagrados que contˆem hinos, rituais, poesias e magia. Este texto sagrado traz grande ˆenfase ao sacrif´ıcio como forma de salva¸c˜ao. Nos rituais v´edicos, n˜ao raro, animais eram sacrificados e os Vedas traziam descri¸c˜oes detalhadas de como se proceder a estas cerimˆonias, com detalhes dos recitais e cantos a serem executados.
As Subalsutras constituem um apˆendice dos Vedas, que continham instru¸c˜oes minuciosas de como se construir altares. Para que um ri-tual de sacrif´ıcio fosse aceito pelos deuses, o altar deveria ter medidas exatas. Os sacrif´ıcios tamb´em tinham objetivo de pedir aos deuses boas colheitas, sa´ude e longa vida. Entretanto, para agradar aos deu-ses, tudo tinha que ser feito com o m´aximo de aten¸c˜ao poss´ıvel aos detalhes. Essa precis˜ao s´o seria atingida com aux´ılio da matem´atica. Assim, as Subalsutras contˆem a mat´ematica dos Vedas.
As regras matem´aticas contidas nas Subalsutras n˜ao s˜ao demons-tradas, apenas relatadas de maneira procedural. As Subalsutras se aproximavam mais de um manual de constru¸c˜ao de formas geom´etricas do que de um tratado puramente matem´atico. Algumas f´ormulas eram exatas e outras aproxima¸c˜oes, entretanto, o texto n˜ao faz distin¸c˜ao, o que pode nos levar a acreditar que os autores julgavam estar sempre
1.3. AS SUBALSUTRAS 7 diante de procedimentos exatos.
Muito pouco ´e sabido dos autores das Subalsutras, a menos de seus nomes. Os principais textos foram escritos por Baudhayana (800 a.C.), Apastamba (600 a.C.) e Katyayana (200 a.C.).
No documento Subalsutra de Baudhayana temos o primeiro ind´ıcio do Teorema de Pit´agoras com o seguinte texto (vide tamb´em a Fi-gura 1.4):
“Uma corda esticada sobre a diagonal de uma quadrado
produz uma ´area de duas vezes a ´area do quadrado origi-nal”. F A B C D E Figura 1.4
Uma vers˜ao mais geral ´e encontrada no documento Subalsutra de Katyayana:
“Uma corda esticada sobre a diagonal de um retˆangulo
produz uma ´area que os lados vertical e horizontal fazem juntos.”
A D C E F B Figura 1.5
Na Subalsutra de Apastamba h´a uma descri¸c˜ao para a constru¸c˜ao de ˆangulos retos atrav´es do uso de triˆangulos retˆangulos “racionais”. Apastamba denominava de “racional” um triˆangulo em que todos os lados s˜ao racionais. Assim, algumas triplas pitag´oricas foram estabe-lecidas. As mais usadas foram:
(3, 4, 5), (5, 12, 13), (8, 15, 17), (12, 35, 37), (15, 20, 25), (15, 36, 39).
Uma constru¸c˜ao bem interessante est´a presente na maioria das Subalsutras. Trata-se de uma constru¸c˜ao baseada no pr´oprio Teorema de Pit´agoras e tem o objetivo de construir um quadrado com ´area igual `a soma das ´areas de dois quadrados dados.
Q D C Z R Y X B S A P Figura 1.6
1.4. PIT ´AGORAS 9 Observe a Figura 1.6. Sejam ABCD e P QRS dois quadrados dados. Marque o ponto X em P Q de modo que P X seja igual a
AB. Assim, o quadrado em SX tem ´area igual `a soma das ´areas dos
quadrados ABCD e P QRS. E isto ´e um reflexo do pr´oprio Teorema de Pit´agoras, pois
SX2 = P X2+ P S2.
Uma outra conquista dos matem´aticos das Subalsutras, presente tanto no texto de Apastamba quanto no de Katyayana, ´e a apro-xima¸c˜ao para √2:
“Some a uma unidade sua ter¸ca parte e a quarta parte
dessa ter¸ca parte menos a trig´esima quarta parte dessa quarta parte”. Ou seja: 1 +1 3 + 1 3 × 4 − 1 3 × 4 × 34 = 577 408,
que d´a aproximadamente 1,414215686. Comparado com o valor co-nhecido de √2 at´e a nona casa decimal (1,414213562 . . .), vemos que at´e a quinta casa decimal o valor contido nas Subalsutras ´e correto.
Cabe aqui um coment´ario. Apesar de terem obtido grandes ˆexitos, os indianos n˜ao desenvolviam a matem´atica per se, como faziam os gregos. Eles meramente procuravam formas de resolver problemas bem espec´ıficos de sua religi˜ao, sem nunca ter a preocupa¸c˜ao de provar seus resultados ou tentar generaliz´a-los.
1.4
Pit´
agoras
Os triˆangulos cujos lados medem 3, 4 e 5 tˆem a propriedade de que 52 = 32+ 42. Esse fato foi generalizado por Pit´agoras para um triˆangulo retˆangulo qualquer.
Figura 1.7: Pit´agoras de Samos.
Pit´agoras nasceu por volta do ano 570 a.C. em Samos, rep´ublica grega. Foi disc´ıpulo de Tales, al´em de ter estudado com Ferecides (Pherekydes) e Anaximandro.
Figura 1.8: Gr´ecia antiga. Destaques das ilhas de Samos e Chios. ´
E dito que Pit´agoras viajou a Mileto quando tinha entre 18 e 20 anos. L´a encontrou Tales, j´a um anci˜ao, que provavelmente n˜ao teve oportunidade de ensinar-lhe muito. Apesar disso, Tales influenciou fortemente Pit´agoras e despertou-lhe o interesse por matem´atica e astronomia. Gra¸cas aos conselhos de Tales, Pit´agoras empreenderia uma jornada ao Egito, onde deveria — segundo Tales — se aperfei¸coar
1.4. PIT ´AGORAS 11 naquelas ciˆencias. Na mesma cidade de Mileto, lecionava um aluno de Tales — Anaximandro. Pit´agoras esteve presente `as suas aulas, que lhe ofereceram novos pontos de vista para a interpreta¸c˜ao do mundo.
Anaximandro de Mileto. Anaximandro (610-546 a.C.) foi o pri-meiro a escrever um tratado em prosa sobre filosofia. Este tratado, conhecido por Sobre a Natureza, tem importˆancia seminal, pois ´e o respons´avel pelo in´ıcio da hist´oria da filosofia grega escrita. N˜ao h´a mais c´opias deste importante trabalho, sendo prov´avel que algumas c´opias estivessem sido abrigadas na Biblioteca de Alexandria, pois h´a registros de que Apolodorus (s´ec. II a.C.) tenha feito uso desse exem-plar. Outras evidˆencias apontam que a obra de Anaximandro foi parte da Biblioteca de Taormina, na Sic´ılia, onde um fragmento do texto foi encontrado contendo o nome de Anaximandro. Apenas uma ´unica pas-sagem — um excerto — do livro sobreviveu ao teste do tempo e chegou at´e n´os. Assim mesmo, sob a forma de cita¸c˜ao feita por Simplicius no s´eculo VI:
Como as coisas tˆem sua origem,
Ent˜ao sua destrui¸c˜ao tamb´em acontece, Como ´e a ordem das coisas;
Executam a senten¸ca uns aos outros — A condena¸c˜ao por um crime — Em conformidade com a lei do Tempo.
Esta frase2 ´e uma das mais discutidas na hist´oria da Filosofia [16]. Ao contr´ario dos babilˆonicos e eg´ıpcios que obtiveram seus ˆexitos no campo da astronomia observacional, Anaximandro fez marcantes
2Tradu¸c˜ao livre do inglˆes: Whence things have their origin, \\ Thence also their
destruction happens, \\ As is the order of things; \\ For they execute the sentence upon one another \\ — The condemnation for the crime — \\ In conformity with the ordinance of Time.
contribui¸c˜oes `a astronomia especulativa. Entre suas conjecturas mais importantes, podemos destacar:
• que os corpos celestiais tra¸cam ´orbitas circulares, passando por
debaixo da Terra;
• que a Terra est´a livre no espa¸co sem apoio algum (pilares, ´aguas); • que os corpos celestes podem se localizar um por tr´as dos outros
(profundidade).
No Egito. Durante sua viagem ao Egito, Pit´agoras aprendeu dos cl´erigos eg´ıpcos sobre a caracter´ıstica do triˆangulo (3, 4, 5). Os sa-cerdotes do Egito associavam ao cateto de comprimento 3 o nome do deus Os´ıris3; ao cateto de comprimento 4, a deusa ´Isis4. E, finalmente,
a hipotenusa designava H´orus5. Por essa raz˜ao, tal triˆangulo tamb´em
´e conhecido por triˆangulo eg´ıpcio.
Figura 1.9: Mapa da regi˜ao mediterrˆanea oriental, evidenciando a cidade de Crotona.
3Deus do mundo do al´em, encarreado de julgar as almas. Foi assassinado e
retalhado pelo seu irm˜ao Set. H´orus e Thot o ressucitaram, com a ajuda de An´ubis e ´Isis.
4Irm˜a e esposa de Os´ıris; m˜ae de H´orus.
5Deus antropozoom´orfico era ilustrado como tendo corpo de homem e cabe¸ca
1.4. PIT ´AGORAS 13 Ap´os ter viajado bastante pelo Egito e Sic´ılia, foi muito bem recebido por Milos, tirano de Crotona, cidade localizada ao sul da pen´ınsula it´alica (vide Figura 1.9). E l´a, aos 56 anos, criou uma Es-cola que era uma verdadeira sociedade secreta e tinha forte influˆencia dos costumes que ele observou no Egito.
Essa Escola tinha como emblema um pent´agono estrelado — o pentagrama. A Figura 1.10 ilusta o pentagrama pitag´orico.
Υ I EI A Γ Figura 1.10: Pentagrama.
As letras gregas nos v´ertices do pentagrama tˆem in´umeras inter-preta¸c˜oes [24]. Uma delas ´e que cada v´ertice representa um elemento, segundo a seguinte tabela:
Υ Υδωρ (Hudor) Agua´ Γ Γαια (Gaia) Terra I Iδ²α (Idea) Id´eia EI Eιλη (Eile) Calor solar
A Aηρ (Aer) Ar
Os membros da Sociedade Pitag´orica estavam proibidos de divul-gar as suas descobertas. N˜ao havia propriedade individual. Tudo pertencia `a Sociedade, inclusive as descobertas cient´ıficas.
(a) Moeda (b) Medalh˜ao (c) Moeda Figura 1.11: (a) Pentagrama numa moeda de bronze de Pitana, (b) Medalh˜ao com o perfil de Pit´agoras gravado entre 395 e 410 d.C., (c)
Observe a inscri¸c˜ao em grego: ΠΥΘAΓOPAΣ (Pit´agoras). A admiss˜ao na Escola era baseada em regras exigentes, incluindo um per´ıodo probat´orio de cinco anos e a exigˆencia de total silˆencio perante os membros mais antigos da Sociedade Pitag´orica. Os alunos dessa Escola eram divididos em dois grupos: os “ouvintes” e os “ma-tem´aticos”. Os “ouvintes” s´o passavam `a categoria de “matem´aticos” ap´os trˆes anos de rigorosos estudos. Somente aos “matem´aticos” eram revelados os verdadeiros segredos dessa Sociedade.
A express˜ao “Teorema de Pit´agoras” n˜ao significa necessariamente que foi o fil´osofo e matem´atico grego Pit´agoras que o descobriu e o demonstrou, mas que foi a sua Escola.
A Escola Pitag´orica tinha a concep¸c˜ao de que tudo no universo era regido e explicado pelos n´umeros (n´umeros naturais). Para seus membros, a raz˜ao entre dois segmentos era sempre dada pelo quoci-ente de dois n´umeros naturais, isto ´e, dois segmentos quaisquer eram sempre m´ultiplos de um mesmo segmento. Ao verificarem que no triˆangulo retˆangulo is´osceles de catetos unit´arios, a hipotenusa n˜ao era um n´umero natural, ficaram t˜ao surpresos que procuraram escon-der esse fato. Entretanto, o amor pela verdade fez com que eles n˜ao s´o o aceitassem, como o divulgassem.
1.4. PIT ´AGORAS 15 Foram os pitag´oricos os primeiros a fazer a distin¸c˜ao entre n´umeros pares e ´ımpares. Deve-se tamb´em a eles a demonstra¸c˜ao de que a soma dos ˆangulos internos de um triˆangulo ´e 180◦, bem como a cria¸c˜ao das
escalas musicais.
Os pitag´oricos dividiam sua doutrina em quatro partes: 1. Os n´umeros absolutos (Aritm´etica);
2. Os n´umeros aplicados (M´usica); 3. As grandezas em repouso (Geometria); 4. As grandezas em movimento (Astronomia).
Conheciam o cubo, o tetraedro, o octaedro, o icosaedro e o dode-caedro que eles chamavam de s´olidos “c´osmicos”, por serem formados cada um por justaposi¸c˜ao de um mesmo pol´ıgono regular.
Por volta de 513 a.C., Pit´agoras viaja a Delos a fim de tratar de seu velho mestre, Ferecides, que estava bastante enfermo.
Em 510 a.C., Crotona ataca e vence a cidade vizinha de Sibaris e, aparentemente, Pit´agoras tem algum envolvimento nessa disputa. Alguns anos mais tarde, em 508 a.C., Cilon, um nobre de Crotona que n˜ao foi admitido na Sociedade, ataca os pitag´oricos, for¸cando Pit´agoras a fugir para Tarento e em seguida para Metaponto.
O que ocorre ap´os esse ponto ´e envolto em d´uvidas. Alguns acre-ditam que o governo de Milos foi derrubado, for¸cando Pit´agoras a fugir e cometer suic´ıdio, provavelmente por causa dos ataques a sua Sociedade, por volta do ano 500 a.C.
Outra vertente ´e que o ataque de Cilon foi um evento menor e Pit´agoras haveria retornado a Crotona e vivido bem at´e 480 a.C., vindo a falecer, em idade avan¸cada, por volta de 475 a.C.
Em 460 a.C., a Sociedade recebeu outro ataque violento e v´arias de suas casas foram destru´ıdas. H´a relatos de que 50 a 60 pitag´oricos fo-ram assassinados num ´unico ataque e que muitos fugiram para Tebas.
A Sociedade, inicialmente apol´ıtica, alinha-se politicamente e se frag-menta em fac¸c˜oes. O fato ´e que a Sociedade Pitag´orica ainda existiu por mais de 4 ou 5 s´eculos, espalhando-se por outras cidades.
1.5
Zhoubi suanjing
O m´etodo de calcular a hipotenusa de um triˆangulo retˆangulo tamb´em era conhecio na China antiga. Dois trabalhos sobre ma-tem´atica e astonomia escritos do per´ıodo de Han trazem o Teorema: o Zhoubi suanjing6, a compila¸c˜ao mais importante, e o Jiuzhang
su-anshu7, um volume de nove cap´ıtulos, ´e o livro de Matem´atica da
China Antiga mais influente.
De acordo com David E. Joyce [14], a prova mais antiga do Teorema de Pit´agoras est´a no Zhoubi. O Jiuzhang ´e um livro bem ecl´etico. Observe os seus assuntos:
Cap´ıtulo 1 Medi¸c˜ao de ´areas de figuras planas, c´alculos de m.m.c. e m.d.c..
Cap´ıtulo 2, 3 e 6 Propor¸c˜oes, distribui¸c˜oes proporcionais, impostos (taxas).
Cap´ıtulo 4 Sobre o problema de dado o volume ou ´area, encontrar os lados. Cont´em algoritmos para extra¸c˜ao de raiz quadrada e c´ubica.
Cap´ıtulo 5 Volumes de s´olidos. Usa aproxima¸c˜oes como π ≈ 3. Cap´ıtulo 8 Matrizes retangulares, algoritmo de elimina¸c˜ao para
solu-¸c˜ao de sistemas com trˆes ou mais equa¸c˜oes lineares. Regras para sinais de n´umeros.
6Uma tradu¸c˜ao livre seria: “O Cl´assico Aritm´etico do Gnˆomon e dos Caminhos
Circulares do C´eu”. Manteremos o nome original.
1.5. ZHOUBI SUANJING 17 Cap´ıtulo 9 Triˆangulos retˆangulos, aplica¸c˜oes do Teorema de
Pit´a-goras.
Estas obras s˜ao datadas de aproximadamente 100 a.C. a 100 d.C na dinastia Han.
O Zhoubi suanjing mostra figuras importantes conhecidas como “diagrama da hipotenusa”. Acredita-se que este diagrama n˜ao estava no texto original, mas foi adicionado numa edi¸c˜ao comentada por Zhao Shuang por volta do s´eculo III d.C.
... . ... . ... . ... . ... . ... . ... . ... . ... . ... . ... . ... . ... . ... ... ... ... ... ......... ... ... ... ... ... .. .. .. . .. .. .. . .. .. .. . .. .. .. . .. .. .. . .. .. .. . .. .. .. . .. .. .. . .. .. .. . .. .. .. . .. .. .. . .. .. .. . .. .. .. .
Figura 1.12: O Diagrama da Hipotenusa.
O diagrama ´e constru´ıdo como se segue. Constr´oi-se, adjacente aos lados de uma quadrado de lado unit´ario, quatro retˆangulos de dimens˜oes 3 × 4, resultando num quadrado de lado sete. As quatro diagonais dos retˆangulos formam um novo quadrado, cuja ´area ´e dada por 7 × 7 − 4 × µ 1 2 × 3 × 4 ¶ | {z } ´
Area dos quatro triˆangulos
= 25.
Desse fato conclu´ımos que cada um dos lados desse quadrado tem medida igual a 5. Portanto, o quadrado inclinado tem lado 5 e seu lado ´e a diagonal dos retˆangulos originais de lados 3 e 4.
Zhao Shuang se referia ao diagrama de modo bem geral, explici-tando como cada lado, hipotenusa e quadrados poderiam ser encon-trados em termos dos outros [13].
Cap´ıtulo 2
Demonstra¸c˜
oes
“Se ‘os n´umeros regem o Universo’ como disse Pit´agoras, eles apenas nos levam ao trono, pois n´os os regemos”.
Eric Temple Bell (1883–1960)
Apresentaremos algumas provas interessantes do Teorema de Pit´a-goras, tanto do ponto de vista matem´atico quanto dos detalhes hist´o-ricos por tr´as das provas. S˜ao mostradas provas oriundas de mentes matem´aticas brilhantes, tais como Bhaskara e P´olya; e tamb´em de matem´aticos amadores, como o ex-presidente americano J .A. Garfield ou do entusiasta pelas ciˆencias H. Perigal.
De modo geral, as provas do Teorema de Pit´agoras se dividem em trˆes tipos:
• por ´areas; • por similaridade; • por dissec¸c˜ao.
As provas por ´area dependem fundamentalmente dos teoremas de ´areas dos paralelogramos e triˆangulos: paralelogramos de mesmas base
e altura tˆem mesma ´area, assim como triˆangulos. J´a as provas por si-milaridade dependem das rela¸c˜oes de proporcionalidade entre os lados de triˆangulos similares. E, finalmente, temos as provas por dissec¸c˜ao, que est˜ao ligadas ao fato de que os ˆangulos agudos de um triˆangulo retˆangulo s˜ao complementares (somam 90◦) [2].
As provas do Teorema permeiam v´arias civiliza¸c˜oes durante diver-sas ´epocas. Como vimos no cap´ıtulo anterior, de maneira indepen-dente, v´arios povos chegaram `a prova do Teorema. A Figura 2.1 traz alguns excertos de provas que percorreram o mundo e os tempos.
(a) ´Arabe (b) Chinˆes (c) Grego
(d) Latim (e) Francˆes (d) Inglˆes Figura 2.1: Prova do teorema por v´arias civiliza¸c˜oes.
2.1
Demonstra¸c˜
ao #1
Considere o triˆangulo retˆangulo ABC (Figura 2.2), onde a, b e c s˜ao os comprimentos dos lados desse triˆangulo e h ´e o comprimento da altura relativa `a hipotenusa BC.
2.2. DEMONSTRAC¸ ˜AO #2 21 h D n c A b m a B C Figura 2.2
1. Os ˆangulos A ˆBC e C ˆAD tˆem como complemento o ˆangulo B ˆAD,
logo s˜ao congruentes. Disso resulta que A ˆBC ≡ D ˆAC.
2. Os triˆangulos DAC e DBA s˜ao semelhantes ao triˆangulo ABC (trˆes ˆangulos congruentes). Dessas semelhan¸cas temos
b a = m b e c a = n c, e da´ı b 2 = am e c2 = an.
3. Somando membro a membro essas duas ´ultimas igualdades e observando na figura que a = m + n, obtemos
b2+ c2 = am + an = a(m + n) = a · a = a2.
2.2
Demonstra¸c˜
ao #2
No triˆangulo retˆangulo ABC, construa sobre seus lados quadrados
m G F b I A H c B C a a E J D R2 R1 n Figura 2.3
1. Nesta figura, R1 ´e um retˆangulo cujos lados medem a e m, e R2
´e outro retˆangulo de lados medindo a e n.
2. ´E claro que ´area(BCDE) = ´area(R1) + ´area(R2), ou seja a2 =
am + an.
3. Do item 2 da Demonstra¸c˜ao #1, temos que am = b2, an = c2, e
da´ı
a2 = b2+ c2.
2.3
Demonstra¸c˜
ao #3
Seja ABCD um quadrado de lado L. Tome b e c de modo que
2.3. DEMONSTRAC¸ ˜AO #3 23 1. Forme os triˆangulos ②, ③, ④, ⑤ e o quadrado ① como na
Fi-gura 2.4. ④ C D a B c c b L A ② ⑤ ③ ① Figura 2.4
2. Esses quatro triˆangulos s˜ao todos congruentes entre si. E, por-tanto, tˆem a mesma ´area, dada por
1
2bc. (Verifique!)
3. Conclu´ımos da Figura 2.4 que ´area(ABCD) = ´area(①)+4 ´area(②), ou seja,
L2 = a2+ 41
2bc = a
2+ 2bc. (2.1)
4. O mesmo quadrado ABCD pode ser dividido como mostra a Figura 2.5.
⑦ b c b c B A C D b c ⑥ ⑧ ⑨ Figura 2.5
Observando a Figura 2.5, temos que
L2 = ´area(⑥) + ´area(⑦) + ´area(⑧) + ´area(⑨) =bc + c2+ b2+ bc.
Ou seja,
L2 = b2+ 2bc + c2. (2.2) Comparando as equa¸c˜oes 2.1 e 2.2, temos
a2+ 2bc = b2+ 2bc + c2.
Donde conclui-se que
a2 = b2+ c2.
Observa¸c˜ao. Na ´epoca de Pit´agoras ainda n˜ao era conhecido o de-senvolvimento de (b + c)2. No entanto, esse resultado pode ser obtido facilmente por compara¸c˜ao de ´areas, como fizemos na Figura 2.5. Isto
2.4. DEMONSTRAC¸ ˜AO #4 (BHASKARA) 25 ´e
´area(ABCD) = L2 = (b + c)2. (2.3) Comparando as Equa¸c˜oes 2.2 e 2.3, temos
(b + c)2 = b2+ 2bc + c2.
2.4
Demonstra¸c˜
ao #4 (Bhaskara)
Bhaskara ´e tamb´em conhecido pelo nome de Bhaskara II, devido a existˆencia de um outro mat´ematico homˆonimo. Nascido em 1114, em Vijayapura, ´India, Bhaskara ´e conhecido em sua terra natal pelo nome de Bhaskaracharya — Bhaskara, o Professor. Filho de astr´ologo eminente, Bhaskara assumiu o posto de chefe no Observat´orio As-tronˆomico em Ujjain, o centro avan¸cado de matem´atica indiana na ´epoca. Neste mesmo Observat´orio trabalhou Brahmagupta (introdu-tor do conceito de numero zero e de aritm´etica com n´umeros negati-vos).
O trabalho de Bhaskara ´e concentrado em seis livros. O Lilavati (A Beleza) sobre matem´atica de modo geral; o Bijaganita (Extra¸c˜ao de Ra´ızes) sobre ´Algebra; o Siddhantasiromani sobre astronomia ma-tem´atica e sobre esferas; o Vasanabhasya que s˜ao os coment´arios de Bhaskara sobre o Siddhantasiromani; o Karanakutuhala (C´alculo das Maravilhas Astronˆomicas) que ´e uma vers˜ao reduzida do
Siddhanta-siromani e, finalmente, Vivarana que s˜ao coment´arios sobre o livro Shishyadhividdhidatantra de Lalla. Lalla foi astrˆonomo e seu livro ´e
dividido em duas partes: Sobre o C´alculo da Posi¸c˜ao dos Planetas e
Sobre a Esfera.
Bhaskara foi capaz de reliza¸c˜oes not´aveis como a expans˜ao dos conceitos de aritm´etica com o n´umero zero de Brahmagupta. Bhaskara comentou:
Uma quantidade dividida por zero torna-se uma com denominador zero. Esta fra¸c˜ao ´e chamada de quantidade infinita. Nesta quantidade consistindo daquela que tem zero como divisor, n˜ao existe altera¸c˜oes, assim muito pode ser inserido [adicionado] ou extra´ıdo [subtra´ıdo]. . .
Bhaskara estava tentando resolver n/0 = ∞, obviamente sem sucesso. Os matem´aticos indianos estavam presos ao paradigma de que esta equa¸c˜ao poderia ser resolvida!
Outro resultado importante devido a Bhaskara s˜ao as f´ormulas do seno da soma e da diferen¸ca de dois arcos:
sen(a + b) = sen a cos b + cos a sen b sen(a − b) = sen a cos b − cos a sen b.
No nosso trabalho, estamos preocupados com um outro feito de Bhaskara: a prova do Teorema de Pit´agoras!
Considere o triˆangulo retˆangulo ABC com hipotenusa a e cate-tos b e c. Construa um quadrado BCDE de lado a, como mostra a Figura 2.6. E a C b B c A D Figura 2.6
2.5. DEMONSTRAC¸ ˜AO #5 27 A c B D E C a b Figura 2.7
2. Os quatro triˆangulos sombreados s˜ao congruentes e cada um tem ´area 1
2bc, enquanto o quadrado Q tendo por lado b − c, tem ´area
(b − c)2.
3. Assim podemos escrever ´area(BCDE) = ´area(Q)+4 ´area(ABC), ou seja,
a2= (b − c)2+ 41 2bc.
4. Desenvolvendo o segundo membro dessa ´ultima equa¸c˜ao obtemos
a2= b2+ c2.
2.5
Demonstra¸c˜
ao #5
Considerando o triˆangulo retˆangulo ABC de lados a, b e c (Fi-gura 2.8), constru´ımos a Fi(Fi-gura 2.9, onde BCDE ´e um quadrado de lado a.
a A b B c C Figura 2.8 a C b B A c H I E G F D Figura 2.9
1. Os quatro triˆangulos sombreados s˜ao congruentes entre si, resul-tando que
2.6. DEMONSTRAC¸ ˜AO #6 (EUCLIDES) 29 2. Comparando as ´areas da Figura 2.9, temos
´area(ACF H) + ´area(GEIH) =
= ´area(BCF GEB) + 2 ´area(ABC) = ´area(BCDE).
Conclu´ımos dessa equa¸c˜ao que
b2+ c2 = a2.
2.6
Demonstra¸c˜
ao #6 (Euclides)
Pouco se sabe a respeito de Euclides de Alexandria. At´e mesmo os locais e datas de nascimento e morte s˜ao incertos, acredita-se que Euclides nasceu por volta de 325 a.C. e faleceu, aproximadamente em 265 a.C., em Alexandria. A Euclides ´e atribu´ıda uma das maiores obras da matem´atica: os Elementos.
Figura 2.10: Euclides de Alexandria.
Elementos. O mais famoso trabalho de Euclides foi o tratado
momento e este trabalho foi a base do ensino matem´atico por mais de 2000 anos, e ´e na realidade uma compila¸c˜ao e n˜ao uma obra original. Elementos s˜ao divididos em 13 livros. Os seis primeiros volumes tratam de geometria plana, os tomos de sete a nove contemplam a Teo-ria dos N´umeros, o livro dez lida com os n´umeros irracionais (Theaetus e Eudoxus) e o restante se dedica `a geometria espacial.
O ponto marcante do trabalho de Euclides ´e de ter organizado o conhecimento, enunciando claramente os teoremas e provando os resultados. O m´etodo de prova por redutio ad absurdum da escola aristot´elica foi fundamentalmente difundido por Euclides.
H´a tanta n´evoa acerca da figura de Euclides que trˆes hip´oteses s˜ao levantadas:
• Euclides existiu de fato; foi um personagem hist´orico que
escre-veu os Elementos
• Euclides foi o matem´atico principal de um time de matem´aticos
de Alexandria, que contribu´ıram para a execu¸c˜ao dos Elementos. Esses matem´aticos teriam continuado a usar o nome de Euclides mesmo ap´os sua morte.
• Euclides n˜ao existiu e as obras hoje atribu´ıdas a Euclides s˜ao
fruto de um time de matem´aticos que assumiram o nome Eu-clides do personagem hist´orico EuEu-clides de Megara, fil´osofo, que viveu 100 anos antes. (Algo parecido foi feito na Fran¸ca pelo grupo Boubarki [1940–1950].)
Sobre a vida de Euclides, Proclo, o ´ultimo grande fil´osofo grego, que viveu cerca de 450 d.C. citou:
“N˜ao muito mais jovem que estes [alunos de Plat˜ao], ´e Euclides, que compilou os ‘Elementos’, pondo em ordem muitos teoremas. Euclides aperfei¸coou muitos teoremas
2.6. DEMONSTRAC¸ ˜AO #6 (EUCLIDES) 31
de Theaeteus e tamb´em trouxe demonstra¸c˜oes irrefut´aveis para coisas que foram apenas fracamente ‘provadas’ por seus predecessores. Este homem viveu na ´epoca do meiro Ptolomeu; Arquimedes, que seguiu de perto o pri-meiro Ptolomeu, faz men¸c˜ao a Euclides, e ademais diz que Ptolomeu certa vez lhe perguntou [a Arquimedes] se existe um caminho mais curto para estudar Geometria que n˜ao seja pelos Elementos, a que Arquimedes respondeu que n˜ao h´a estrada real at´e a Geometria. Ele [Euclides] ´e ent˜ao mais jovem que o c´ırculo de Plat˜ao e mais velho que Erast´otenes e Arquimedes [. . . ].”
O nosso maior interesse porquanto est´a na Proposi¸c˜ao 47 do Livro Um de Elementos:
“Em um triˆangulo retˆangulo, o quadrado do lado oposto ao ˆangulo reto ´e igual a soma dos quadrados dos lados que formam o ˆangulo reto”.
Esta proposi¸c˜ao at´e ent˜ao sem nome espec´ıfico foi batizada de Teorema de Pit´agoras por Proclo s´eculos ap´os Pit´agoras e s´eculos ap´os Euclides.
Seja o triˆangulo retˆangulo ABC, de lados medindo a, b e c (Fi-gura 2.11). c B A b C a Figura 2.11
1. Construa a figura abaixo (Figura 2.12), onde BCKF ´e um qua-drado de lado a, ALM C ´e um quaqua-drado de lado b, ABGH ´e um
quadrado de lado c e AD ´e a altura do triˆangulo ABC, relativa-mente `a hipotenusa BC.
2. Prolongando-se DA e GH, determinamos o ponto J; prolon-gando-se F B, determina-se o ponto I sobre o segmento HJ e prolongando-se AD, determina-se E sobre F K.
a F E K C b M G H J I B c L A D Figura 2.12 3. A ˆBC = H ˆAJ = C ˆAD (A ˆBC e H ˆAJ s˜ao complementos do
2.7. DEMONSTRAC¸ ˜AO #7 (GARFIELD) 33
HAJ s˜ao congruentes. Desse fato resulta que DE = BC = AJ.
4. O retˆangulo BDEF e o paralelogramo ABIJ tˆem a mesma base
DE e a mesma altura BD, portanto tˆem a mesma ´area, isto ´e,
´area(BDEF ) = ´area(ABIJ). (2.4)
5. Tamb´em o quadrado ABGH e o paralelogramo ABIJ tˆem a mesma base AB e a mesma altura BG, logo tˆem a mesma ´area, isto ´e,
´area(ABGH) = ´area(ABIJ). (2.5) 6. Das Equa¸c˜oes 2.4 e 2.5, conclu´ımos que
´area(ABGH) = ´area(BDEF ).
7. Com um racioc´ınio an´alogo, podemos mostrar que ´area(DCKE) = ´area(ACM L)
8. Desses dois ´ultimos passos, podemos escrever
´area(BCKF ) = ´area(DCKE) + ´area(BDEF ) = ´area(ABGH) + ´area(ACM L).
9. E, finalmente, resulta a validade do Teorema de Pit´agoras, isto ´e,
a2= b2+ c2.
2.7
Demonstra¸c˜
ao #7 (Garfield)
Republicano, James Abram Garfield assumiu a presidˆencia dos E.U.A. em quatro de mar¸co de 1881 e seu governo terminou subi-tamente em apenas 200 dias.
Em ida a uma reuni˜ao de classe no Col´egio Williams (Williams
College) em Massachusets, Garfield foi assassinado com dois tiros por
Charles J. Guiteau (1841–1882) na esta¸c˜ao ferrovi´aria de Washington, d.c. Um dos tiros apenas feriu o presidente, entretanto, o outro se alojou nas costas e a medicina da ´epoca n˜ao foi capaz de salv´a-lo (n˜ao se dispunha de raios-x e anti-s´epticos). Ap´os 80 dias de agonia, o pre-sidente faleceu, sendo um dos quatro prepre-sidentes americanos assassi-nados durante o mandato1. Seu assassino, Guiteau, que era partid´ario
da fac¸c˜ao republicana que foi derrotada na Conven¸c˜ao Nacional Re-publicana, atirou em Garfield dizendo: “Agora Arthur ´e presidente!”. Chester Alan Arthur era o vice de Garfield. . .
Figura 2.13: J. A. Garfield, 20o presidente dos E.U.A.
Entretanto, o presidente Garfield n˜ao entrou para a Matem´atica pela sua trag´edia pessoal, mas sim pela sua prova do Teorema de Pit´agoras elaborada em 1876.
Seja ABC um triˆangulo retˆangulo de lados a, b e c (Figura 2.14).
2.7. DEMONSTRAC¸ ˜AO #7 (GARFIELD) 35 c A B b C a Figura 2.14
1. Prolongue AC para obter o ponto D de forma que se tenha
CD = c.
2. Construa por D o segmento DE, que seja perpendicular a AD e tal que DE = b.
3. Unindo os pontos B e E, obtemos o trap´ezio ABED de bases
AB = c; ED = b e altura b + c (Figura 2.15). a a A c c B E D b C b Figura 2.15
4. Nessa figura, observamos que ´area(ABED) = ´area(ABC) + ´area(BCE) + ´area(CDE), ou seja,
b + c 2 · (b + c) = 1 2bc + 1 2a 2+ 1 2bc,
que efetuando os c´alculos, resulta no que queremos, isto ´e,
a2 = b2+ c2.
2.8
Demonstra¸c˜
ao #8 (Da Vinci)
Leonardo Da Vinci nasceu na It´alia em 15 de abril de 1452. Durante um bom tempo ficou a servi¸co do Duque de Mil˜ao, exer-cendo a fun¸c˜ao de pintor e engenheiro, sendo considerado um enge-nheiro mecˆanico e hidr´aulico. Nessa ´epoca, come¸cou a ter os primeiros contatos com Geometria, estudando os trabalhos de Leon Battista e Pi-ero della Francesca (Sobre a Pintura em Perspectiva), aprofundando-se com o estudo de Euclides e Paccioli.
Figura 2.16: Auto-retrato de Leonardo da Vinci
Com tantas contribui¸c˜oes, Da Vinci ainda nos forneceu mais uma outra prova para o Teorema de Pit´agoras. Vamos analis´a-la!
Considere um triˆangulo retˆangulo ABC, de lados a, b e c.
1. Construa quadrados BCDE, ABF H e ACGI sobre os lados desse triˆangulo.
2.8. DEMONSTRAC¸ ˜AO #8 (DA VINCI) 37
C B
A
Figura 2.17
2. Construa tamb´em o triˆangulo EDJ, congruente ao triˆangulo
CBA e determine os segmentos HI, F G e AJ, como mostra
a Figura 2.18. I D M F E a b c L A C J B H G Figura 2.18
3. Os quadril´ateros ACDJ e CBF G s˜ao congruentes (CD = BC,
C ˆBF ). Tamb´em s˜ao congruentes os quadril´ateros ABEJ e
F HIG. Resulta, portanto, que ´area(ACDJ) = ´area(CBF G)
e ´area(ABEJ) = ´area(F HIJ), e da´ı ´area(F HIGCB) = ´area(ACDJEB).
4. Como os triˆangulos HIA, EDJ e BCA s˜ao congruentes, temos ´area(CDM L) = ´area(ACG) + ´area(ABF ) (2.6) ´area(BLM E) = ´area(AF H) + ´area(AIG). (2.7)
5. Das Equa¸c˜oes 2.6 e 2.7, temos que
´area(BCDE) = ´area(ACGI) + ´area(ABF H), ou seja,
a2 = b2+ c2.
2.9
Demonstra¸c˜
ao #9 (Papus)
Pouco se sabe sobre Papus de Alexandria e acredita-se que tenha nascido em 290 d.C. e morrido em 350. Mas o que ´e certo ´e a sua obra m´axima Synagoge (A Cole¸c˜ao Matem´atica ou, simplesmente, A
Cole¸c˜ao) (aprox. 340 d.C.). Nesse trabalho, Papus reuniu em oito
volumes uma coletˆanea diversificada de resultados. A esse trabalho enciclop´edico, foram acrescido seus pr´oprios coment´arios, explica¸c˜oes e amplia¸c˜oes.
Os oito tomos da Cole¸c˜ao podem ser estudados independente-mente. O Livro Um trata sobre Aritm´etica e no segundo volume h´a uma s´erie de resultados de Apolˆonio. O Livro Trˆes ´e sobre a constru¸c˜ao de m´edias aritm´eticas, geom´etricas e harmˆonicas. Papus mostra que qualquer poliedro regular pode ser inscrito em uma esfera. O quarto volume ´e sobre curvas com muitas contribui¸c˜oes de Arquimedes (287–
2.9. DEMONSTRAC¸ ˜AO #9 (PAPUS) 39 212 a.C.). ´E nesse exemplar que est´a o c´elebre exemplo das abelhas:
“As abelhas, ent˜ao, sabem desse fato que lhes ´e ´util, que o hex´agono ´e maior que o quadrado e o triˆangulo; e n˜ao conter´a mais mel para um mesmo gasto de material para a constru¸c˜ao de cada [hex´agono]. Mas n´os, tendo mais sabedoria que as abelhas, investigaremos um pro-blema um tanto maior, nominalmente, o de todas figuras planas equil´ateras e equiangulares tendo igual per´ımetro,
que aquele que tiver maior n´umero de ˆangulos ´e sempre
maior. . . ”
O exemplar cinco traz muitos resultados sobre s´olidos e suas rela-¸c˜oes entre volume e ´area. Os livro seis e sete s˜ao um apanhado de resultados de outros livros (Euclides, Erast´ostenes, Apolˆonio, Ptolo-meu, etc). O ´ultimo exemplar ´e sobre mecˆanica.
A prova do Teorema de Pit´agoras mostrada aqui ´e uma genera-liza¸c˜ao. Considere um triˆangulo qualquer ABC, de lados a, b e c, e construa sobre os lados desse triˆangulo os paralelogramos ABF G,
ACDE e BCIJ (Figura 2.19).
a N B G H b K L A J F c E D C I M Figura 2.19
1. Os paralelogramos ABF G e ACDE s˜ao arbitr´arios, enquanto o paralelogramo BCIJ ´e constru´ıdo da seguinte forma:
i. Prolonga-se DE e F G para determinar o ponto H. ii. Prolongando-se HA, marca-se sobre BC o ponto M . iii. Prolongando-se HM , determinamos o ponto N de modo que
M N = HA.
iv. O paralelogramo BCIJ ´e constru´ıdo tomando-se CI para-lelo a M N e sendo CI = M N .
2. Os trap´ezios BM HK e BAN J tˆem a mesma ´area, pois, M H =
AN , BK = BJ e tˆem a mesma altura. Tamb´em os trap´ezios CM HL e CAN I tˆem a mesma ´area (Justifique!).
3. Os paralelogramos AHKB, ABF G e BM N J tˆem a mesma ´area. Tamb´em tˆem a mesma ´area os paralelogramos CAED, CAHL e CM N I.
4. Dos passos 2 e 3, conclu´ımos que
´area(BCIJ) = ´area(ACDE) + ´area(ABF G).
5. No caso particular em que o triˆangulo ABC ´e retˆangulo em A e os paralelogramos BCIJ, ABF G e ACDE sejam quadrados, temos ´area(BCIJ) = a2, ´area(ACDE) = b2 e ´area(ABF G) = c2.
6. Conseq¨uentemente,
a2 = b2+ c2.
2.10
Demonstra¸c˜
ao #10
2.11. DEMONSTRAC¸ ˜AO #11 (EUCLIDES) 41 A b C a B c Figura 2.20
1. Considerando os lados desse triˆangulo como vetores, temos que
a = k−−→BCk, b = k−→ACk e c = k−−→BAk.
Al´em disso,
−−→
BC =−−→BA +−→AC e −−→BA ·−→AC = 0.
2. Temos tamb´em que
k−−→BCk2= k−−→BA +−→ACk2
= (−−→BA +−→AC) · (−−→BA +−→AC)
= k−−→BAk2+ k−→ACk2.
3. E portanto, concluimos que
a2= b2+ c2.
2.11
Demonstra¸c˜
ao #11 (Euclides)
C a B A
b c
Figura 2.21
1. Construa a Figura 2.22, onde BCED, ACIH e ABF G s˜ao qua-drados sobre os lados desse triˆangulo e AJ paralelo a BE.
H D J E B A L C G F I Figura 2.22
2. Os triˆangulos ICB e ACD s˜ao congruentes (IC = CA, CD =
2.12. DEMONSTRAC¸ ˜AO #12 (P ´OLYA) 43 3. Observe que ´area(ICB) = 12´area(ICAH) e ´area(ACD) =
1
2´area(CDJL), donde obtemos
´area(ICAH) = ´area(CDJL).
4. Analogamente, ´area(BF GA) = ´area(BLJE).
5. ´area(BCDE) = ´area(CDJL) + ´area(BLJE) = ´area(ICAH) + ´area(BF GA).
6. Como ´area(BCDE) = a2, ´area(ICHA) = b2 e ´area(BF GA) =
c2, temos
a2= b2+ c2.
2.12
Demonstra¸c˜
ao #12 (P´
olya)
George P´olya (1887–1985) nasceu na Hungria e come¸cou seus es-tudos em Direito. Entretanto, logo achou as ciˆencias enfadonhas, mu-dando seus estudos para literatura e filosofia. E para entender com mais amplitude os conceitos filos´oficos, acabou mudando novamente de curso, recebendo seu doutorado em Matem´atica no ano de 1912.
Atuou na Europa por muito tempo, trabalhando em v´arias ´areas da Matem´atica, como Teoria dos N´umeros, Probabilidade e Astronomia. Por volta de 1914, P´olya ´e convocado para a Guerra, algo que ele n˜ao aceitaria, pois havia adotado a doutrina filos´ofico-pacifista de Russell. Temendo ser preso por anti-patriotismo, P´olya se muda para os Es-tados Unidos. S´o retornaria `a Hungria depois da II Guerra Mundial.
Na Am´erica, em 1945, ele publica o seu mais famoso livro: How
to Solve It2. P´olya nos ensina: “Se vocˆe n˜ao consegue resolver um
problema, ent˜ao h´a um mais f´acil que vocˆe tamb´em n˜ao consegue resolver: encontre-o!” Nesse livro, P´olya trata sobre estrat´egia de resolu¸c˜ao de problemas. Os quatro passos de P´olya para a solu¸c˜ao de um problema s˜ao:
1. Entender o problema: Checar a possibilidade de solu¸c˜ao, poder explicar o problema.
2. Fazer um plano de ataque: J´a viu o problema antes? J´a viu uma vers˜ao modificada do problema? Conhece um problema similar? Existe um problema similar j´a resolvido? Esta solu¸c˜ao se aplica ao problema atual? O problema pode ser parcialmente resolvido?
3. Implementar o plano de ataque: Checar a consistˆencia l´ogica dos passos envolvidos no ataque.
4. Rever o que foi feito: Tentar aplicar a estrat´egia usada em outros problemas, generalizar.
Entre tantos problemas resolvidos por P´olya, um nos interessa mais (por enquanto): a prova do Teorema de Pit´agoras.
2.12. DEMONSTRAC¸ ˜AO #12 (P ´OLYA) 45 Suponha que seja poss´ıvel construir, sobre os lados de um triˆangulo retˆangulo, figuras semelhantes F , F0 e F00, de modo que
´area(F ) = ´area(F0) + ´area(F00), como ilustra a Figura 2.24.
b C F B a F00 c A F0 Figura 2.24
Sendo F , F0 e F00 figuras semelhantes temos
´area(F ) ´area(F0) = a2 b2, ´area(F ) ´area(F00) = a2 c2 e ´area(F0) ´area(F00) = b2 c2.
1. Suponha agora que G, G0, e G00 s˜ao quaisquer outras figuras semelhantes constru´ıdas, respectivamente, sobre a hipotenusa e os catetos b e c do mesmo triˆangulo retˆangulo. Da´ı,
´area(G) ´area(F ) = ´area(G0) ´area(F0) = ´area(G00) ´area(F00) = λ.
O que acarreta ´area(G) = λ ´area(F ), ´area(G0) = λ ´area(F0), ´area(G00) = λ ´area(F00). E da´ı, ´area(G) = λ ´area(F ) = λ ³ ´area(F0) + ´area(F00) ´ = λ ´area(F0) + λ ´area(F00) = ´area(G0) + ´area(G00).
2. Esses fatos nos garantem que se existirem figuras semelhantes particulares F , F0 e F00, constru´ıdas, respectivamente, sobre a
hipotenusa a e os catetos b e c de um triˆangulo retˆangulo, que satisfa¸ca a condi¸c˜ao:
´area(F ) = ´area(F0) + ´area(F00).
Ent˜ao, quaisquer que sejam outras figuras semelhantes G, G0 e
G00 — constru´ıdas, respectivamente, sobre a hipotenusa a e os catetos b e c do mesmo triˆangulo retˆangulo — guardam a mesma rela¸c˜ao, isto ´e,
´area(G) = ´area(G0) + ´area(G00).
3. No caso do triˆangulo retˆangulo ABC de altura AD (Figura 2.25), temos claramente as semelhan¸cas dos triˆangulos ABC, DBA e
DAC. Al´em disso,
2.12. DEMONSTRAC¸ ˜AO #12 (P ´OLYA) 47 D b c a B A C Figura 2.25
Neste caso, considere ABC = F , DAC = F0 e DBA = F00 como
sendo as figuras particulares.
4. Considere agora os quadrados Q, Q0 e Q00, constru´ıdos,
respecti-vamente, sobre a hipotenusa e os catetos b e c do triˆangulo ABC (Figura 2.26). B c A b a C Q Q0 Q00 Figura 2.26
semelhantes, conclu´ımos que
´area(Q) = ´area(Q0) + ´area(Q00). Ou seja:
a2 = b2+ c2.
Observa¸c˜ao. O resultado obtido no item 2 ´e aplic´avel a quaisquer figuras, em particular `as ilustra¸c˜oes da Figura 2.27.
c A F00 a B F0 C F b F c F00 A B a b F0 C (a) (b) A F00 B F0 b c a F C B F00 A c a F0 b F C (c) (d) Figura 2.27
2.13. DEMONSTRAC¸ ˜AO #13 49
2.13
Demonstra¸c˜
ao #13
Considere o triˆangulo retˆangulo ABC de lados a, b e c. Sem perda de generalidade, podemos supor b > c (Figura 2.28).
C b a B c A Figura 2.28
1. Fa¸ca as seguintes constru¸c˜oes (Figuras 2.29(a), 2.29(b) e 2.29(c)).
b c a ① ② ⑥ c b − c a b ③ ⑤ ④ (a) (b) b − c b − c ⑦ (c) Figura 2.29
2. Essas figuras podem ser reagrupadas nas Figuras 2.30(a) (qua-drado de lado b) e 2.30(b) (qua(qua-drado de lado c) ou na Figura 2.30(c) (quadrado de lado a).
① b − c c a b ② ⑦ ⑥ ③ c c ④ ⑤ a (a) (b) ② a b a c ① b ③ ⑦ ⑤ ⑥ (c) Figura 2.30
3. Assim, a ´area da Figura 2.30(c) ´e igual `a soma das ´areas das Figuras 2.30(a) e 2.30(b). Isto ´e,
2.14. DEMONSTRAC¸ ˜AO #14 51
2.14
Demonstra¸c˜
ao #14
Considere o triˆangulo retˆangulo ABC, de lados a, b e c (Figura 2.31).
A c C B b a Figura 2.31
1. Construa sobre os lados desse triangulo os quadrados BCDE,
ACIH e ABF G (Figura 2.32).
E G F B A H I C D Figura 2.32
2. Sobre a Figura 2.32, fa¸ca as seguintes constru¸c˜oes, para obter a Figura 2.33:
ii. Prolongue DC at´e encontrar HI em L.
iii. Construa LK perpendicular a CL (K em AH).
iv. Construa EM paralelo a AB e DO paralelo a AC (M em
BC e O em EM ).
v. Prolongue F B at´e encontrar EM em N . vi. Marque P em BE de modo que BP = BJ.
vii. Trace P Q perpendicular a EM e marque o ponto Q em EM .
I ⑧ ⑦ K ⑥ C ① D N ④ A J G F ⑨ ⑩ ⑤ ② E ③ Q O P B M H L Figura 2.33
3. Temos EBN ≡ ABC (BC = BE e A ˆBC = E ˆBN ), da´ı segue-se
que AB = BN e conseq¨uentemente BN M ≡ BAJ. 4. CIL ≡ CAB ≡ DOE (Verifique!).
2.15. DEMONSTRAC¸ ˜AO #15 (PERIGAL) 53 5. Decorre ent˜ao que ODCM ≡ LCAK.
6. P QE ≡ KHL (EN = AH = HI; QN = F G = AB = LI), logo
HL = HI − LI = EN − QN = EQ
E al´em disso, os trˆes ˆangulos de P QE s˜ao congruentes aos trˆes ˆangulos de KHL.
7. BF GJ ≡ BN QP (BP = BJ; F G = AB = BN ; F ˆBJ = P ˆBN
e B ˆJG ≡ B ˆP Q).
8. Dessas considera¸c˜oes, conclu´ımos que
´area(① + ② + ③ + ④ + ⑤) = ´area(⑥ + ⑦ + ⑧) + ´area(⑨ + ⑩), Ou seja:
´area(BCDE) = ´area(ACIH) + ´area(ABF G). Donde se tem que
a2= b2+ c2.
2.15
Demonstra¸c˜
ao #15 (Perigal)
Henry Perigal, inglˆes, nasceu em 1 de abril de 1801 e faleceu em junho de 1898. O que se sabe hoje a seu respeito ´e devido a seu irm˜ao, Frederick Perigal (dez anos mais jovem), que, na ´epoca da morte de Perigal, reuniu em um pequeno livro dados da vida de Henry e de outros.
Figura 2.34: Henry Perigal.
Aos seus quarenta anos, conseguiu um emprego como corretor na empresa de fundos de investimentos de um amigo onde permanceu at´e a aposentadoria com 87 anos. Segundo ele pr´oprio, teria se aposentado para devotar mais tempo `as causas cient´ıficas.
(a) In´ıcio do s´ec. XX (b) Atualmente (c) Detalhe
Figura 2.35: T´umulo de Perigal com a Dissec¸c˜ao gravada na tumba. Membro (Fellow ) da Sociedade Astronˆomica Real, Perigal tinha pontos de vista n˜ao ortodoxos para muitas quest˜oes da astronomia,
2.15. DEMONSTRAC¸ ˜AO #15 (PERIGAL) 55 como o de achar que a Lua n˜ao exibe o movimento de rota¸c˜ao em rela¸c˜ao `as estrelas, haja vista que sempre exibe a mesma face para um observador na Terra (!).
Apesar de assumir v´arias posi¸c˜oes controversas, Perigal tinha um bom relacionamento com a sociedade cient´ıfica. Durante seu ani-vers´ario de 95 anos, estavam presentes: W. H. M. Christie, astrˆonomo real; Lord Kelvin; Lord Rayleigh; George Garbriel Stokes e o vice-almirante J. P. Maclear, comandante da nau cient´ıfica Challenger. Ja-mes Glaisher, pioneiro em An´alise Num´erica, n˜ao esteve presente, mas enviou uma carta de desculpas. . .
Em 1830, anunciou uma prova simples e elegante do Teorema de Pit´agoras. Esta demonstra¸c˜ao ficou conhecida como Dissec¸c˜ao de
Pe-rigal.
Seja o triˆangulo retˆangulo ABC de lados a , b e c com b > c (n˜ao h´a perda de generalidade nesta suposi¸c˜ao). Obtenha a Figura 2.36 com o seguinte procedimento.
1. Construa sobre o lado a desse triˆangulo o quadrado BCDE.
2. Construa o retˆangulo BACF e marque G sobre BF de modo que BG = AB = c.
3. Prolongue EG para determinar H em AC.
4. O quadril´atero BGHA ´e um quadrado de lado c (os triˆangulos
D B G J E C A H I F Figura 2.36
5. Trace DI paralelo a AC e prolongue CF para determinar J em
DI.
6. Os triˆangulos GBE, JDC, IED e F CB s˜ao todos congruentes ao triˆangulo ABC.
7. Considerando esses quatro triˆangulos e o quadrado F GIJ de lado b − c, temos
´area(BCDE) = 4 · ´area(ABC) + ´area(F GIJ). Ou seja,
a2 = 4 ·1
2bc + (b − c)
2.
8. Desenvolvendo (b − c)2 e fazendo os devidos c´alculos, obtemos
2.16. DEMONSTRAC¸ ˜AO #16 (HERON) 57
2.16
Demonstra¸c˜
ao #16 (Heron)
Geˆometra e mecˆanico, Heron (10?–75) viveu em Alexandria e tudo leva a crer que trabalhou (lecionando) no Museu de Alexandria. ´E dele a solu¸c˜ao do problema dos raios luminosos que ´e enunciado da seguinte forma. Sejam dois pontos P e Q do mesmo lado de uma reta r, que ponto R em r faz a trajet´oria P R + RQ ser m´ınima (Figura 2.36)?
Este problema pode ser generalizado para o caso de mais de uma reta. Por exemplo, dadas as retas r e s e os pontos P e Q, como na Figura 2.37, que pontos R em r e S em s fazem a trajet´oria P R +
RS + SQ ser m´ınima? R Q r P Figura 2.36 S r Q P s R Figura 2.37
Heron escreveu v´arios livros e muitos deles chegaram at´e n´os [19]: Metrica Sobre m´etodos de medi¸c˜ao. Tratava fundamentalmente do c´alculo de ´areas e volumes de figuras planas e s´olidos. ´E talvez o seu trabalho mais importante.
Geometria Uma vers˜ao de Metrica com muitos exemplos.
Stereometrica Sobre a medi¸c˜ao de s´olidos. Trata-se de uma vers˜ao ampliada de um cap´ıtulo de Metrica.
Mensurae Sobre medi¸c˜ao de forma geral.
Sobre a Dioptra Trabalho sobre o uso de teodolitos e sobre o c´alculo de distˆancias atrav´es da diferen¸ca da hora local em pontos dis-tintos no momento de um eclipse lunar.
Catoprica Trabalho sobre ´optica, especialmente espelhos. Heron acreditava que as imagens se formavam a partir de feixes de luz emitidos pelos olhos e que a luz tinha velocidade infinita.
Mechanica Dividido em tomos. O Livro I trata sobre constru¸c˜ao de formas, examina tamb´em problemas de est´atica, movimento e teoria do equil´ıbrio. No segundo Livro, as m´aquinas elementares s˜ao estudadas: alavancas, roldanas, parafuso e cunha, bem como uma an´alise sobre o centro de gravidade de figuras planas. E o Livro III contempla o transporte de objetos atrav´es do uso de tren´os e guindastes. ´E um trabalho fortemente arquimediano.
Pneumatica Consiste de dois volumes sobre fluidos e press˜oes. Nesse trabalho, h´a descri¸c˜oes de mais de 100 m´aquinas, como um ´org˜ao musical `a ´agua, m´aquinas operadas a moedas (!) e um motor a vapor: o aeolipile (“bola de vento” em grego).
O aeolipile foi o primeiro engenho concebido pelo homem que transforma energia t´ermica em energia mecˆanica. Entretanto, os gregos s´o utilizaram essa fant´astica inven¸c˜ao para divers˜ao e curiosidade. Uma m´aquina similar concebida para o trabalho s´o seria inventada em 1698 pelo inglˆes Thomas Savery, posterior-mente melhorada por James Watt (1739–1819). Esta inven¸c˜ao seria pe¸ca chave para a revolu¸c˜ao industrial.
2.16. DEMONSTRAC¸ ˜AO #16 (HERON) 59
Figura 2.38: A Bola de Vento: aeolipile.
Belopoeica Sobre a arte de construir engenhos de guerra. Cheirobalistra Sobre catapultas.
Usando os conhecimentos obtido atrav´es do Livro I de Metrica, uma prova do Teorema de Pit´agoras pode ser encontrada. Considere o triˆangulo retˆangulo ABC de lados a, b e c como mostra a Figura 2.39.
b c a C B A Figura 2.39
Pela f´ormula de Heron, proposi¸c˜ao oito no Livro I do tratado
Me-trica, a ´area desse triˆangulo ´e dada por
1. Efetuando os produtos dentro do radical, com p = 1 2· (a + b + c), obtemos ´area(ABC) = 1 4 · p 2a2b2+ 2a2c2+ 2b2c2− a4− b4− c4.
2. Por outro lado
´area(ABC) = 1
2· bc.
3. Comparando essas duas equa¸c˜oes, temos 1 4 · p 2a2b2+ 2a2c2+ 2b2c2− a4− b4− c4= 1 2 · bc. Ou seja, 2a2b2+ 2a2c2+ 2b2c2− a4− b4− c4 = 4b2c2.
4. Rearrumando essa ´ultima express˜ao e efetuando as devidas sim-plifica¸c˜oes, temos
(b2+ c2− a2)2 = 0 ∴
Cap´ıtulo 3
Se. . . Ent˜
ao. . .
Os desdobramentos do Teorema s˜ao fabulosos. Neste cap´ıtulo, fa-remos alguns coment´arios sobre a influˆencia do Teorema de Pit´agoras em alguns ramos da Matem´atica.
3.1
Norma Euclidiana
O uso do Teorema define a norma euclidiana: Sejam dois pontos (x0, y0) e (x1, y1) pertencentes a R2(espa¸co de dimens˜ao 2), a distˆancia
(ou norma) euclidiana ´e dada por
d =p(x1− x0)2+ (y 1− y0)2. d x0 x1 y0 y1
Figura 3.1: Distˆancia entre dois pontos. 61
O conceito de norma pode ser estendido para espa¸cos n-dimensio-nais.
3.2
Lei dos Cossenos
Uma generaliza¸c˜ao do Teorema de Pit´agoras ´e verificada na Lei dos Cossenos. c C a B A b
Figura 3.2: Lei dos Cossenos.
Em um triˆangulo qualquer ABC de lados a, b e c, temos que
a2 = b2+ c2− 2bc cos(B ˆAC),
onde B ˆAC representa o ˆangulo determinado pelos lados b e c. No caso
em que B ˆAC = 90◦, temos o Teorema de Pit´agoras.
3.3
Irracionalidade da Constante Pitag´
orica
`A ´epoca de Pit´agoras, os n´umeros conhecidos eram os inteiros e as raz˜oes entre eles, i.e., os racionais. Entretanto, uma conseq¨uˆencia imediata do Teorema de Pit´agoras ´e o fato de que um quadrado de lado unit´ario tem diagonal cujo quadrado vale dois. O comprimento dessa diagonal ´e conhecido como constante pitag´orica.
Reza a lenda que Hippasus, um dos membros da Sociedade Pi-tag´orica, provou por m´etodos geom´etricos a irracionalidade de √2 durante uma viagem mar´ıtma. Ao comunicar a prova aos seus compa-nheiros, tivera um fim tr´agico: os pitag´oricos mais fan´aticos teriam-no jogado ao mar para morrer. . .
3.3. IRRACIONALIDADE DA CONSTANTE PITAG ´ORICA 63 Romantismo `a parte, mostraremos aqui uma das provas mais co-nhecida para a irracionalidade de √2. Esta prova usa a t´ecnica de
reductio ad absurdum, t˜ao usada por Euclides. Partiremos de uma
hip´otese e chegaremos a um absurdo, fazendo-nos, assim, concluir que a nega¸c˜ao da premissa original ´e verdadeira.
√
2
1
Figura 3.3: O quadrado que desafiou Pit´agoras. Lema 1 A constante pitag´orica ´e irracional.
Prova:
1. Suponha que √2 ´e um n´umero racional.
2. Como ´e um numero racional, pode ser escrito da forma p/q, onde
p e q s˜ao inteiros primos entre si. Ou seja,√2 = p/q ´e uma fra¸c˜ao
irredut´ıvel.
3. Tomando o quadrado, temos que p2 = 2q2. Isto ´e, p2 ´e par. Se
p2 ´e par, implica que p tamb´em ´e par (Verifique!)
4. Como p ´e par, p2 = 4k. Ou seja, p2 ´e divis´ıvel por quatro.
5. J´a que p2 = 2q2, temos que 4 tamb´em divide 2q2.
6. Simplificando, temos que 2 divide q2. Isto nos diz que q2 ´e par.
7. Usando o mesmo argumento anterior, temos que se q2 ´e par, q tamb´em ´e par.