• Nenhum resultado encontrado

Corpo e linguagem Grande Sertão: Veredas ou "A verdade instantânea dum fato" "sem tempo nenhum para pensamento"

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Corpo e linguagem Grande Sertão: Veredas ou "A verdade instantânea dum fato" "sem tempo nenhum para pensamento""

Copied!
158
0
0

Texto

(1)

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA CENTRO DE COMUNICAÇAO E EXPRESSAO PROGRAMA DE POS-GRADUAÇAO EM LITERATURA

Abel da Silveira Viana

CORPO E LINGUAGEM EM GRANDE SERTÃO: VEREDAS ou

“A verdade instanta&nea dum fato” “sem tempo nenhum para pensamento”

Ilha de Santa Catarina 2019

(2)

Abel da Silveira Viana

CORPO E LINGUAGEM EM GRANDE SERTÃO: VEREDAS ou

“A verdade instanta&nea dum fato” “sem tempo nenhum para pensamento”

Tese submetida ao Programa de Po1s-Graduaça3o em Literatura da Universidade Federal de Santa Catarina para a obtença3o do tí1tulo de Doutor em Literatura. Orientador: Prof. Carlos Eduardo Schmidt Capela, Dr.

Ilha de Santa Catarina 2019

(3)
(4)

Abel da Silveira Viana

Corpo e Linguagem em Grande sertão: veredas ou

“A verdade instanta&nea dum fato” “sem tempo nenhum para pensamento”

O presente trabalho em ní1vel de doutorado foi avaliado e aprovado por banca examinadora composta pelos seguintes membros:

Prof. Antonio Carlos Santos, Dr. Instituiça3o UNISUL

Prof. Artur de Vargas Giorgi, Dr. Instituiça3o UFSC

Prof. Davi Pessoa Carneiro Barbosa, Dr. Instituiça3o UERJ

Prof. Jair Tadeu da Fonseca, Dr. Instituiça3o UFSC

Certificamos que esta e1 a versão original e final do trabalho de conclusa3o que foi julgado adequado para obtença3o do tí1tulo de doutor em Literatura.

_______________________________________________ Prof. Marcio Markendorf, Dr.

Coordenador do Programa

_______________________________________________ Prof. Carlos Eduardo Schmidt Capela, Dr.

Orientador Carlos Eduardo Schmidt Capela:02918260835

Assinado de forma digital por Carlos Eduardo Schmidt Capela:02918260835 Dados: 2019.10.17 12:09:27 -03'00' Marcio Markendorf:9157348316 8

Assinado de forma digital por Marcio Markendorf:91573483168 Dados: 2019.10.17 13:19:39 -03'00'

(5)

AGRADECIMENTOS

Agradeço ao Programa de Po1s-Graduaça3o em Literatura da UFSC pela guarida institucional. Aos professores, pela formaça3o crí1tica plural. Ao Professor Carlos Capela, em especial, por me acompanhar pacientemente por esse longo percurso.

(6)

“Se tivesse de falar por mim, diria que encontrei na literatura (ta3o hostil a que se estabeleçam sobre ela limites de verdade) as imagens mais exatas do horror do passado recente e de sua textura de ide1ias e experie&ncias.”

Beatriz Sarlo, em Tempo passado

“[…] e1 preciso ter vivido a vida – sem histo1ria, povoada de histo1rias – do serta3o para saber que a vida na3o faz ficça3o aL maneira aristote1lica.”

RancieLre, em O desmedido momento

“O senhor, mire e veja, o senhor: a verdade instanta&nea dum fato, a gente vai departir, e ningue1m cre&. Acham que e1 um falso narrar. Agora, eu, eu sei como tudo e1: as coisas que acontecem, e1 porque ja1 estavam ficadas prontas, noutro ar, no sabugo da unha […].”

(7)

RESUMO

A fortuna crí1tica a respeito da ficça3o de Joa3o Guimara3es Rosa, em especial de Grande

sertão: veredas, atenta para va1rios aspectos da escritura roseana. Um tema, entretanto,

ainda na3o foi tratado satisfatoriamente: o corpo. A tema1tica do corpo, quando tanto, tem sido abordada a partir de arcabouços teo1ricos e conceituais preexistentes, notadamente a noça3o de corpo simbo1lico. Ainda na3o foi tratada a contento a escritura do corpo, importante elemento reto1rico que permeia o texto. Potencializador de um discurso litera1rio, poe1tico, o corpo em Grande sertão: veredas perpassa toda a escritura, mas na3o se deixa representar, isto e1, na3o se submete a um discurso “sobre o” ou “do” corpo. Destacam-se, na escritura, descriço3es do corpo: do pro1prio narrador; de outros personagens significativos no relato, sobretudo Diadorim; e ainda de animais, numa construça3o de relaço3es simbo1licas. As evocaço3es do corpo te&m lugar durante a narraça3o de acontecimentos significativos mas de sentido duvidoso para o narrador. Os corpos, por sua vez, sa3o dotados de sentido, expondo um recurso alego1rico para tratar de acontecimentos, apreenso3es, impresso3es, numa linguagem poe1tica que coincide com a pro1pria busca incessante de Riobaldo em seu relato: a busca de um sentido para a viole&ncia. Pore1m, esse sentido, na medida em que tem lugar na escritura, na3o e1 racional, lo1gico. E um sentido poe1tico, litera1rio. Na3o por acaso, o acontecimento trauma1tico central, exemplar, sobre o qual o narrador na3o consegue testemunhar plenamente, isto e1, compor um sentido racional, corresponde aL morte tra1gica de Diadorim, personagem que se travestiu, que se escondeu, que escondeu seu corpo. Grande sertão: veredas e1, assim, uma construça3o litera1ria baseada na3o no espaço geogra1fico, como em Os Sertões, de Euclides da Cunha, mas na relaça3o, elaborada poeticamente, na pro1pria escritura, entre o corpo e a linguagem. Os sentidos do testemunho de Riobaldo constituem-se na escritura dos corpos narrados, confirmando, assim, que a relaça3o entre linguagem e corpo e1 central em Grande sertão: veredas.

(8)

ABSTRACT

The criticism fortune about Joa3o Guimara3es Rosa’s fiction, especially Grande sertão:

veredas, look upon to many aspects about the roseana writing. A theme however not yet

been satisfactorily treat: the body. The body thematic have been addressed from theoretical frameworks and conceptual pre-existing, notably the notion of symbolic body. The body’s writing not yet been satisfactorily treat and it is an important theoretical element that permeate the text. The boosting effect about a literary discourse, poetic, the body in Grande sertão: veredas through all the writing but which does not represent mean, it does not submit in a discourse “about the” or “of the” body. In the writing, include descriptions about the body: the own narrator; of the others significant characters in the report, especially Diadorim and still of animals in a construction of symbolic relations. The evocations of the body have place during the story of significant events but a doubtful sense to the narrator. The bodies in turns, are endowed of sense exposing an allegoric resource to treat about the events, seizures, impressions in a poetic language which coincides with the own incessant search of Riobaldo in his report: the search of a sense for the violence. However, this sense as far as have place in the writing, it is not rational, logical. It is a poetic sense, literary. Not by coincidence, the traumatic central and exemplar accident upon which the narrator can not testify completely it means, compound a rational sense, correspond the tragic death of Diadorim, the character that camouflaged himself, that hide himself, that hid his body.

Grande sertão: veredas is thus a literary construction based not in the geographic space,

like in Os Sertões written by Euclides da Cunha but in the relation poetically elaborate in the own writing between the body and the language. The directions of Riobaldo’s testify are constituted in the narrated bodies, writing thus confirming that the relation between language and body is central in Grande sertão: veredas.

(9)

SUMÁRIO

PROLOGO 8

TRAMA 11

1 A CRITICA DE GUIMARAES ROSA AO PENSAMENTO LOGICO-RACIONAL 20 O testemunho de Rosa 21 Sentir-pensar 29 2 O CORPO DA CRITICA DE GRANDE SERTÃO: VEREDAS 35 Corpo, espaço: Grande sertão: veredas, Os sertões 35 Diadorim: corpo, linguagem, serta3o 41 3 CORPO, LINGUAGEM, VIOLEUNCIA 56 Corpo e virtualidade 58 Homem e linguagem 64 Corpo, Culpa e Estado 70 Viole&ncia e testemunho 74 Filosofia e poesia 79 4 CORPO E LINGUAGEM EM GRANDE SERTÃO: VEREDAS 82 Corpo sem palavras: a guerra 86 Corpo, verso e sentido: a cança3o de Siruiz 90 Corpo e lei: o julgamento de Ze1 Bebelo 100

Corpo, culpa e viole&ncia 124

Testemunho em verso 135 DESENLACE 142 POSFACIO 144 Corpo e e1tica 144 REFEREUNCIAS 145 De Guimara3es Rosa 145

Acervos de Guimara3es Rosa 146

Sobre Guimara3es Rosa 146

(10)

PRÓLOGO

A ideia para a proposta de leitura de Grande sertão: veredas como texto onde se inscreve uma poe1tica do corpo e, no mesmo sentido, onde se apresenta a relaça3o entre corpo e linguagem, surgiu na3o das leituras crí1ticas ou teo1ricas, mas de uma paragem pela terra natal de Guimara3es Rosa, que significa hoje na3o apenas o momento do surgimento da questa3o da pesquisa, mas tambe1m o iní1cio da espera de uma de1cada para o encaminhamento deste estudo.

*

Quando visitei, no iní1cio de 2009, os dois arquivos pu1blicos que abrigam o acervo de Guimara3es Rosa – o Instituto de Estudos Brasileiros (IEB), na Universidade de Sa3o Paulo (USP); e o Museu Casa de Guimara3es Rosa, localizado na cidade natal do escritor, Cordisburgo, MG –, a questa3o que pesaria na ideia da tese na3o se havia encontrado nas leituras crí1ticas e teo1ricas. E, ainda que a experie&ncia mais rica para a tarefa de pensar

Grande sertão: veredas tenha acontecido durante a viagem de visita aos acervos, ela teve

lugar de um modo impro1prio para o rigor acade&mico, num a&mbito de conhecimento desprezado pela experie&ncia do experimento, mas de muito valor para a humana. A questa3o da tese surgiu da vive&ncia no interior de Minas Gerais onde Rosa nasceu e viveu sua infa&ncia.

Cabe dizer sem demora que a questa3o da tese na3o surgiu em funça3o de uma espe1cie de “descoberta” “do” serta3o mineiro, como interior pitoresco, inso1lito, arcaico, ilha anacro&nica no interior do Brasil, que alguns supo3em presente no romance de Rosa. Tal ideia tem como pano de fundo uma concepça3o da literatura como representaça3o, o que na3o vem ao caso aqui.

Em outras palavras, a experie&ncia determinante na3o foi geogra1fica, na3o estava relacionada com o espaço natural que aparece transfigurado na prosa de Guimara3es Rosa. Para quem foi criado no interior, longe de centros urbanos, ainda que 1.500 quilo&metros ao sul de Cordisburgo, as caracterí1sticas geogra1ficas ou a composiça3o socioecono&mica do interior mineiro na3o chegam a ser um cena1rio exo1tico. Os animais na3o sa3o diferentes. Apenas as serras sa3o mais arredondadas, dando a impressa3o de que

(11)

sa3o assim na3o pelo tempo ou pela composiça3o do solo, mas pelos pro1prios homens mineiros. So1 que mineiros – ainda que dos de minas de carva3o recentes de nem um se1culo –, tambe1m sa3o, como eu, aqueles do sudeste da Serra Geral.

Na estadia em Cordisburgo, o que me surpreendeu e produziu sentidos foram as pessoas. Mais especificamente: a relaça3o dos moradores do lugar com os textos e com Guimara3es Rosa: “as histo1rias” (ou ja1 seriam “as ‘esto1rias’”?) e “o Seu Rosa”. E certo que por me reconhecerem estudante, portanto da cidade, que estava ali em raza3o do escritor, o assunto que tratavam comigo tendia a ser esse, afinal eu estava “escrevendo um livro”. Pore1m, a propriedade deles em relaça3o aL ficça3o de Rosa era de uma outra espe1cie, uma espe1cie mais poderosa, de certo modo, porque livre da angu1stia de quem procura racionalmente as palavras certas para se escrever um “livro”. Ao pretendente doutor surpreendia a maneira como as pessoas apropriavam-se de um universo, a princí1pio, “distante” de seus cotidianos. Conversar com as pessoas que trabalhavam no Museu, na pousada, no restaurante permitiu perceber como para elas as esto1rias de Rosa estavam ligadas a suas pro1prias vidas.

E sabido pelos leitores e estudiosos do escritor que muitas de suas narrativas referem nomes de lugares e pessoas conhecidos em sua infa&ncia ou em sua passagem pela cidade, em 1952, quando acompanhou uma boiada que partira de uma fazenda no atual municí1pio de Tre&s Marias, com destino a uma fazenda em Cordisburgo – viagem que proporcionou pesquisa fundamental para o ciclo das duas obras de 1956: Corpo de

Baile e Grande sertão: veredas.

Na casa-restaurante que proveu minhas refeiço3es conheci os parentes de um senhor ja1 falecido, Juca Bananeira, contempora&neo de Rosa, que, segundo fui informado durante algum almoço, contava “esto1rias” para entreter Joa3ozito. Juca Bananeira, ou melhor, o nome “Juca Bananeira” e1, sem du1vida, mais conhecido como o personagem do conto “O burrinho pedre&s”, de Sagarana. Descendo a rua que leva do restaurante aL pousada onde descansei avistava-se uma pequena casa abandonada, ja1 com sua armaça3o apodrecida e o telhado caí1do no meio dos co&modos. “Aquela e1 a casa onde morou Manuelza3o”: mais de uma pessoa me apontou. Em frente aL pousada ha1 a pequena estaça3o de trem da cidade. Uma cantadeira conhecida na regia3o, organizadora de congos e reisados, afirmou, com olhos marejados, que sua famí1lia passou por uma situaça3o muito parecida com a narrada no conto “Soro&co, sua ma3e, sua filha”.

(12)

Apesar de conhecedoras das narrativas e da histo1ria de vida de Guimara3es Rosa, as pessoas de Cordisburgo, em sua grande maioria, na3o haviam lido os textos de seu conterra&neo ilustre, o que, todavia, na3o as impedia de falar com propriedade. As “esto1rias” pertenciam aL memo1ria coletiva. Os causos pertenciam aLqueles lugares. A admiraça3o e o verdadeiro espanto dessas pessoas na3o dizia respeito aL genialidade dos aspectos formais do texto roseano, cuja sofisticaça3o normalmente desconheciam. O grande miste1rio de que falavam em Cordisburgo, compartilhado entre todos, era este: como Rosa po&de dizer ta3o bem aquele lugar, po&de compreender e descrever ta3o bem aquele povo, tendo vivido ali somente ate1 os 9 anos de idade, e tendo retornado apenas por uns dias, ja1 em 1952, para fazer aquela viagem com Manuelza3o?

Os moradores de Cordisburgo apropriavam-se e interferiam no universo roseano sem tomar qualquer conhecimento das questo3es problema1ticas que envolvem relacionar a literatura com um suposto “mundo real”. Sem tal prude&ncia intelectual, a literatura estava presente em suas vidas. O poder de suas imagens da ficça3o roseana estava, em grande parte, em na3o terem noça3o disso.

Na3o havia como creditar a diferença entre a minha experie&ncia em relaça3o a Guimara3es Rosa e a dos moradores de Cordisburgo aL suposta “barreira” entre o saber de natureza intelectual e o da experie&ncia tradicional apoiada sobretudo na oralidade. Estabelecer diferenças de oposiça3o entre cultura erudita e cultura popular, ou entre campo e cidade e1 insuficiente na mesma medida em que tais oposiço3es, fruto de um pensamento intelectualizado, lo1gico-racional, na3o da3o conta da escritura roseana; na3o da3o conta dos paradoxos de Rosa.

*

Hoje penso que a experie&ncia que os moradores de Cordisburgo possuem, e da qual eu me vi privado, e1 corporal. Essa diferença apresenta-se em nossos corpos, apresenta-se como corpo. Aquelas pessoas vivenciam fisicamente as “esto1rias” de Rosa, ao reconhecerem nas narrativas refere&ncias a casos, lugares e ate1 pessoas de seu conví1vio, ao ligarem afetivamente suas vidas aLs esto1rias. Apesar de estranharem o “Seu Rosa” escrever sobre o que “na3o vivera”, elas sabem, corporalmente, que o conterra&neo permanece, de certo modo, ali presente, pesando, como palavra de um corpo ausente.

(13)

TRAMA

“O corpo na3o traslada, mas muito sabe, adivinha se na3o entende.” Riobaldo, em Grande Sertão: Veredas, de Guimara3es Rosa

Um modo elementar de pensarmos as diferenças entre o homem do campo e o da cidade é a partir da experiência do corpo. Com o advento da cidade moderna, o corpo se

mante1m numa espe1cie de estabilidade “aneste1tica” (BUCK-MORSS, 1995),1 uma vez que

a quantidade de estí1mulos e1 ta3o grande a ponto de o ser humano na3o responder mais a eles. Para Georg Simmel, em “A metro1pole e a vida mental”, de 1902, a pessoa intelectualizada, ou seja, o metropolitano, e1 “indiferente a toda a individualidade genuí1na, porque dela resultam relacionamentos e reaço3es que na3o podem ser exauridos com operaço3es lo1gicas” (SIMMEL, 1979, p. 13)2. Walter Benjamin (1994)3, em

“Experie&ncia e pobreza”, “O narrador” e nos ensaios sobre Baudelaire (1995)4 reflete

sobre esse processo. Segundo ele, a te1cnica utilizada na vida cotidiana na3o apenas proporcionou condiço3es para a formaça3o de uma massificaça3o cultural, como tambe1m tornou os homens mais desprovidos da capacidade de compartilhar experie&ncias. Daí1 a ideia de uma segunda natureza, maquí1nica, te1cnica: lo1gica e incorpo1rea.

Os passeios pu1blicos, as praças e avenidas sa3o espaços de fa1cil circulaça3o, cujo percurso prescinde de atença3o. Tais espaços urbanos apresentam poucas dificuldades para a movimentaça3o corpo1rea. Assim se pode caminhar sem prestar atença3o no caminho percorrido. A atença3o volta-se para as imagens da cidade moderna: placas de publicidade, vitrines, sema1foros. Começa um processo de crescente apelo ao intelecto em detrimento ao corpo. A experie&ncia dos choques, apontada por Simmel, Freud (1976)5 e Benjamin denuncia na3o apenas uma mudança psí1quica, mas tambe1m

1 BUCK-MORSS, Susan. “Este1tica e Aneste1tica. O ensaio sobre a arte de Walter Benjamin reconsiderado”. Travessia:

Revista de Literatura da Po1s-Graduaça3o. n. 33. Floriano1polis: UFSC, 1995.

2 SIMMEL, Georg. “A metro1pole e a vida mental”. In: VELHO, Ota1vio Guilherme (org.). O fenômeno urbano. Sa3o

Paulo: Jorge Zahar, 1979.

3 BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política. Obras escolhidas, v. 1. 7. ed. Sa3o Paulo: Brasiliense, 1994. 4 BENJAMIN, Walter. Charles Baudelaire: um lí1rico no auge do capitalismo. Obras escolhidas, v. 3. Sa3o Paulo:

Brasiliense, 1995.

5 FREUD, Sigmund. “Ale1m do princí1pio do prazer”. In: Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas

(14)

fisiolo1gica, do corpo, de perda da virtualidade (SERRES, 2004)6. O homem da cidade e1

mais sedenta1rio que o do campo. A “velocidade” da vida moderna na3o diz respeito apenas ao deslocamento, mas principalmente a um aumento das atividades intelectuais cotidianas. O corpo abre ma3o de sua virtualidade, de sua capacidade de se mimetizar, e se estabiliza numa forma. “Quando saem de seu automo1vel-concha, o que e1 raro, os homens contempora&neos caminham sobre terreno plano e, com isto, suas cabeças permanecem na lua, ou seja, separadas de suas pernas, que caminham automaticamente. Faz muito tempo que as te1cnicas eliminaram das calçadas ate1 mesmo os mais te&nues obsta1culos” (SERRES, 2004, pp. 27-28).

*

Essa exposiça3o em contraste, na relaça3o por comparaça3o entre o homem da cidade e o do campo, e suas culturas correspondentes, e1 apenas reto1rica e visa a introduzir um ponto de vista inicial para o tema da tese, ou seja, trata-se da abertura da discussa3o. Como bem mostrou Raymond Williams (2000)7, e1 insustenta1vel pensar a

relaça3o entre essas duas realidades sociais a partir de oposiço3es, principalmente aquelas que pressupo3em a existe&ncia de esse&ncias. Tradicionalmente nesses casos de oposiça3o de imagens o que ha1 e1 uma oposiça3o de representaço3es. Apesar de na3o corresponderem perfeitamente, ja1 que a representaça3o sempre se anuncia como uma defasagem – em relaça3o, digamos, aL coisa em si (KANT, 2001)8 –, pro1pria de uma cristalizaça3o, as

imagens do campo criadas pela literatura compo3em um privilegiado material para tratarmos do imagina1rio da relaça3o entre campo e cidade. Muitas vezes, sa3o dessas imagens que podemos tratar. Ao faze&-lo com cuidado, na3o ha1 que falar de “representaça3o de uma realidade”, mas sim de apresentaça3o de viso3es da realidade.9

6 SERRES, Michel. Variações sobre o corpo. [Traduça3o de Edgard de Assis Carvalho e Mariza Perassi Bosco]. Rio de

Janeiro: Bertrand Brasil, 2004.

7 WILLIAMS, Raymond. O campo e a cidade. Sa3o Paulo: Companhia das Letras, 2000.

8 KANT, Immanuel. Crítica da Razão Pura. [Traduça3o de Manuela Pinto dos Santos e Alexandre Fradique Moruja3o].

5 ed. Lisboa: Fundaça3o Calouste Gulbenkian, 2001.

9 A reflexa3o aqui proposta pressupo3e uma importante diferenciaça3o entre “representaça3o” e “apresentaça3o”. Tais

termos sa3o usados em situaço3es diversas. Usa-se “representaça3o” para tratar de uma concepça3o de literatura que propagou estereo1tipos do campone&s, bem como da crí1tica litera1ria que contribuiu nesse processo de construça3o de imagens cristalizadas. Tal crí1tica, ale1m de na3o problematizar o ponto de vista urbano em relaça3o ao campo, tambe1m acabou por “domesticar”, para citarmos a recente reflexa3o de Silviano Santiago, o texto de Guimara3es Rosa

(SANTIAGO, Silviano. Genealogia da ferocidade: ensaio sobre Grande Sertão: Veredas, de Guimara3es Rosa. Recife: Cepe, 2017). Ja1 “apresentaça3o” aparece como refere&ncia a formas de criaça3o litera1ria que superam a

“representaça3o”, notadamente por trabalhos formais que potencializam o cara1ter litera1rio, poe1tico, portanto u1nico, singular, das vozes presentes no texto litera1rio. Nesse sentido, na3o ha1 estereo1tipos.

(15)

*

No Brasil, as imagens litera1rias sobre o campo pautaram um duradouro debate, que remonta a meados do se1culo XIX. A literatura, de uma maneira geral, estereotipava os personagens rurais, com exemplos disso em Martins Pena10, Visconde de Taunay11,

Jose1 de Alencar12, Monteiro Lobato13, e ate1 na tende&ncia regionalista da de1cada de 1930.

A partir de um ponto de vista urbano e intelectualizado, a questa3o do campo no Brasil foi tratada como um problema (VIANA, 2004)14.

A realidade fí1sica, as experie&ncias de quem habita o campo, permaneceram muitas vezes incompreendidas e, por isso, foram desconsideradas pelo homem da cidade, letrado, urbano. O choque, o embate de duas realidades: a do homem iletrado, que ainda estabelecia sua relaça3o com o conhecimento atrave1s da experie&ncia tradicional (como apontado por Benjamin); e a realidade do homem urbano, amparada num aparelho estatal em processo de fortalecimento, constitui uma das faces da trage1dia da modernizaça3o brasileira na passagem do se1culo XIX para o XX. A experie&ncia do homem do campo, ou seja, sua forma de se relacionar com o mundo sem o recurso do conhecimento letrado, foi em certa medida suplantada pela outra experie&ncia, do homem adaptado aL vida urbana.

Va1rios intelectuais, mesmo de perspectivas diferentes, opostas, como Monteiro Lobato e Antonio Candido15, decretaram, cada um a seu modo, que na3o havia como as

culturas interioranas resistirem aLs mudanças tecnolo1gicas e econo&micas. As crí1ticas contra Lobato – cujo grande expoente e1 justamente Candido, que exclui Lobato de seu ca&none16 – na3o surgiram para negar a realidade misera1vel apontada pelo escritor das

cidades mortas, mas para condenar o julgamento presente no texto de Lobato. Mostrou-se, com raza3o, que ali havia o ressentimento do fazendeiro frustrado. Mas, no fim das contas, todos aqueles que se debateram com Lobato assumiram o que ele revelara: o abandono do campo pelo Estado; a inexiste&ncia de um projeto nacional para o interior. O

10 PENA, Martins. Comédias. [Ediça3o crí1tica de Darcy Damasceno]. Sa3o Paulo: Ediouro, [1956]. 11 TAUNAY, Visconde de. Inocência. [Prefa1cio de Zenir Campos Reis]. Sa3o Paulo: Atica, 1999.

12 ALENCAR, Jose1 de. Romances ilustrados de José de Alencar. [Romances Til e O sertanejo]. Rio de Janeiro: Jose1

Olympio; Brasí1lia: INL, 1977.

13 LOBATO, Monteiro. Urupês. [Prefa1cio de Edgard Cavalheiro]. 13 ed. Sa3o Paulo: Brasiliense, 1966.

14 VIANA, Abel da Silveira. A representação do caipira no estado brasileiro moderno. Dissertaça3o de mestrado em

teoria da literatura. Orientador: Carlos Eduardo Schmidt Capela. Programa de Po1s-graduaça3o em Literatura. Universidade Federal de Santa Catarina. Floriano1polis, 2004.

15 CANDIDO, Antonio. Os parceiros do Rio Bonito: estudo sobre o caipira paulista e a transformaça3o dos seus meios

de vida. 2 ed. Sa3o Paulo: Duas Cidades, 1971.

(16)

debate tinha por pressuposto o desinteresse do Estado pelos problemas do interior; o desinteresse da cidade pelos problemas do campo (VIANA, 2004).

*

A obra de Guimara3es Rosa apresenta-se como ultrapassamento desse ponto de vista urbano, tornando visí1vel, entre outras questo3es, o cara1ter problema1tico do lugar de mediaça3o ocupado pelos intelectuais. Ja1 com Sagarana (1984)17, em 1946, mas

principalmente depois de Grande sertão: veredas (GSV, 2001)18 e Corpo de Baile (2006)19,

de 1956, na3o era mais possí1vel “representar” o caipira ou o sertanejo. A condiça3o de deslocamento, de abandono ta3o caracterí1stica das sociedades camponesas do Brasil reverte-se na obra de Rosa em condiça3o de existe&ncia privilegiada (FINAZZI-AGRO], 2001)20. Em relaça3o aL literatura de tema1tica rural, narradores urbanos, como os de

Taunay, Lobato ou mesmo Graciliano Ramos21, passaram a ser vistos mais criticamente.

De forte inspiraça3o diale1tica, uma crí1tica litera1ria sociolo1gica foi predominante em relaça3o aL obra de Rosa na segunda metade do se1culo XX, interpretando GSV a partir da formaça3o histo1rico-social do Brasil, amparando-se no cara1ter analo1gico das relaço3es de poder narradas no romance, considerando-o como representaça3o do espaço onde atuam as forças que historicamente compo3em o Paí1s.

Pore1m, ainda que tenha denunciado o abandono do campo pelo Estado brasileiro, essa crí1tica em muitos momentos na3o da1 conta dos deslizamentos, sobreposiço3es e falhas que emanam dos discursos, uma vez que a “soluça3o” para as questo3es levantadas por um texto e1 procurada fora do espaço da linguagem, isto e1, na “realidade”. Mas, apesar de encontrarmos ecos de acontecimentos histo1ricos em seus textos – como a Coluna Prestes em GSV ou a construça3o de Brasí1lia nas Primeiras Estórias (2005)22 –, tais

acontecimentos na3o representam marcos histo1ricos; na narrativa aparecem como tendo lugar em um tempo distante, impreciso, quase mí1tico. O fato de os marcos serem

17 ROSA, Joa3o Guimara3es. Sagarana. 35 ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984.

18 ROSA, Joa3o Guimara3es. Grande sertão: veredas. 19 ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001. Doravante, Grande

sertão: veredas sera1 indicado pelas iniciais “GSV”, inclusive nas citaço3es. Em cotejo com a ediça3o de 2006 (Biblioteca do Estudante), considerada aqui por se tratar de uma ediça3o de grande circulaça3o, a ediça3o de 2001 apresenta uma diferença de 16 pa1ginas a mais. Por exemplo, uma citaça3o que conste na pa1gina 100 da ediça3o de 2001, constara1 na pa1gina 84 da ediça3o de 2006.

19 ROSA, Joa3o Guimara3es. Corpo de Baile. Ed. comemorativa. 2 v. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2006.

20 FINAZZI-AGRO], Ettore. Um lugar do tamanho do mundo: tempos e espaços da ficça3o em Joa3o Guimara3es Rosa.

Belo Horizonte: UFMG, 2001.

21 RAMOS, Graciliano. São Bernardo. 94 ed. Rio de Janeiro: Record, 2003.

(17)

nebulosos compromete leituras do serta3o de Rosa como representaça3o do Estado brasileiro, como defende Willi Bolle.23 Pela falta de um pano de fundo histo1rico, ou seja,

por negar a “histo1ria” apostando na “esto1ria”, a ideia do serta3o roseano volta-se para a pro1pria linguagem. Trabalhando a favor de uma superaça3o dos lugares-comuns e da linguagem como discurso lo1gico-racional, Rosa cria o espaço textual de uma linguagem em que a lo1gica perde pote&ncia.

A tarefa de sistematizar uma leitura de GSV como superaça3o do pensamento lo1gico-racional ja1 foi empreendida por crí1ticos competentes, como Susana Kampff Lages (2002)24, Ettore Finazzi-AgroL (2001), Joa3o Adolfo Hansen (2000)25, Kathrin Rosenfield

(2006)26. Mas as distintas perspectivas crí1ticas que apontam nesse sentido acabaram por

confirmar a definiça3o inaugural de Antonio Candido (1991)27, proferida ainda 1957, de

que em GSV ha1 tudo para quem souber ler – complementada depois por sua discí1pula, Walnice Nogueira Galva3o (1972)28: em GSV tudo e1 e na3o e1.

*

Riobaldo e1 um narrador que se vangloria de sua retentiva, de sua capacidade sobre-humana de rememorar detalhes da paisagem, dos animais, dos personagens, das palavras e, sobretudo, detalhes de pensamentos pensados no decorrer dos acontecimentos narrados. Entretanto, esse narrador se perde num constante “ser e na3o ser” desses acontecimentos. Tal constataça3o, de Galva3o (1972), diz dos limites da linguagem em assegurar um sentido para os fatos. E diz tambe1m da problematizaça3o da linguagem em seu uso sistematizado, normativo. Os va1rios modos de dizer a questa3o passam por uma relaça3o mais ou menos ambivalente entre duas ideias: o homem e a linguagem.

Como se na3o bastasse a complexidade da obra roseana, termos como “homem” e “linguagem” sa3o carregados de sentidos, muitas vezes representando ideias, concepço3es e conceitos diferentes, diversos. Isso demanda, de um discurso que se pretenda claro e

23 BOLLE, Willi. grandesertão.br: o romance de formaça3o do Brasil. Sa3o Paulo: Duas Cidades; Ed. 34, 2004. 24 LAGES, Susana Kampff. João Guimarães Rosa e a saudade. Cotia, SP: Atelie& Editorial, 2002.

25 HANSEN, Joa3o Adolfo. O o: a ficção da literatura em Grande sertão: veredas. Sa3o Paulo: Hedra, 2000.

26 ROSENFIELD, Kathrin Holzermayr. Desenveredando Rosa. A obra de J. G. Rosa e outros ensaios rosianos. Rio de

Janeiro: Topbooks, 2006.

27 CANDIDO, Antonio. “O homem dos avessos”. In: COUTINHO, E.F. (org). Guimarães Rosa. 2. ed. Sa3o Paulo:

Civilizaça3o Brasileira, 1991. O referido texto esta1 presente na obra Tese e antítese, de 1964; “O serta3o e o mundo”, em Diálogo, Sa3o Paulo, 8 nov.

28 GALVAO, Walnice Nogueira. As formas do falso: Um estudo sobre a ambiguidade no Grande sertão: veredas. Sa3o

(18)

coerente, que o sentido de tais significantes seja sempre problematizado na pro1pria reflexa3o. Mas a proposta deste trabalho e1 a de incluir nessa questa3o outro elemento, outro significante talvez ainda mais problema1tico, em relaça3o ao sentido, do que os anteriores, mas que, conforme se propo3e aqui, deve ser tratado como fundamental na constelaça3o de elementos que gera a poe1tica roseana: o significante “corpo”.

Riobaldo testemunha o corpo no processo de construça3o de sentido que constitui o relato: o corpo de personagens importantes, alegorizando suas aço3es; o pro1prio corpo do narrador, com uma riqueza impressionante de detalhes em momentos que antecedem acontecimentos marcantes de sua vida; e ainda o corpo dos animais, como corpos simbo1licos, alego1ricos dos sentimentos e dos acontecimentos. Um dos objetivos

deste estudo é refletir sobre as sequências textuais, presentes em GSV às dezenas, em que o corpo surge como sentido ou, igualmente, em que o sentido revela-se como corpo.

*

Para falarmos de GSV e1 preciso contorna1-lo aos poucos, com espaço e tempo. E preciso andar lateralmente, de vie1s, abordando-o a partir de va1rios aspectos, por suas veredas. Na3o ha1 como na3o haver uma subjetividade na abordagem. O que fazem os crí1ticos, de certo modo, e de modo incerto, e1 dizer sua pro1pria visa3o de mundo. GSV e1 um espelho. E ao dize&-lo, dizemos tambe1m de no1s.

Em termos práticos, a constatação que motivou esta reflexão foi a de que a presença do corpo no texto de GSV, ou seja, a escritura do corpo, é um tema relativamente pouco tratado pela crítica. Quase na3o ha1 trabalhos que, sem lançar ma3o de uma

teorizaça3o pre1via sobre o corpo, tratem da presença do corpo no texto, ou seja, que se concentrem na ana1lise textual das passagens de GSV em que dizer o corpo constitui uma poe1tica. O “corpo” tratado pela crí1tica e1, em geral, o corpo simbo1lico, o corpo de linguagem, isto e1, um corpo em sentido psicanalí1tico (MACHADO, 2006;29 BUENO,

2007;30 SELIGMANN-SILVA, 200931; VELEZ ESCALLON, 201432).

29 MACHADO, Fernanda de Almeida. Corpo “Neblim”: a representaça3o do corpo de Diadorim em Grande sertão:

veredas. 2006. Dissertaça3o de mestrado. Orientador: Ram Avraham Mandil. Faculdade de Letras. Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte, 2006.

30 BUENO, Giselle Madureira. A luzinha dividida: viole&ncia e trauma em Grande sertão: Veredas. Dissertaça3o.

(Mestrado em Teoria Litera1ria e Literatura Comparada). Universidade de Sa3o Paulo. Sa3o Paulo, 2007.

31 SELIGMANN-SILVA, Ma1rcio. “Grande Sertão: Veredas como gesto testemunhal e confessional”. Alea, v. 11. n. 1, p.

130-147, jan.-jun. 2009.

32 VELEZ ESCALLON, Bairon Oswaldo. O Páramo é do tamanho do mundo: Guimara3es Rosa, Bogota1, Iauarete&. Tese

de doutorado. Orientadora: Liliana Reales. Programa de Po1s-Graduaça3o em Literatura. Universidade Federal de Santa Catarina. Floriano1polis, 2014.

(19)

E importante, numa reflexa3o sobre o corpo em GSV, analisar o modo como o corpo aparece no testemunho do narrador. Nos momentos de fratura na narrativa, ou

seja, quando se relatam acontecimentos inexplicáveis, que fugiram do controle e danaram a travessia, Riobaldo evoca memórias ligadas ao corpo. Quais os sentidos do corpo no

texto? As memo1rias, a apreensa3o dos acontecimentos, manifestam-se na narraça3o do corpo, num corpo narrado. Em muitos momentos o que Riobaldo tem a dizer e1 o que, literalmente, sentiu; em outros descreve personagens nos quais se misturam aço3es e caracterí1sticas corporais; em outros cita animais, descrevendo seus corpos, alegoricamente, em relaça3o aos acontecimentos.

Tanto nos casos diversos narrados quanto no relato da demanda do narrador, os acontecimentos esta3o relacionados aLs questo3es humanas fundamentais (CANDIDO, 1991): a fe1, a morte, a coragem, o medo, o amor, o o1dio, o bem e o mal. Todos esses temas, em maior ou menor medida, esta3o no homem, como ideias, como pensamento, mas tambe1m como sentimentos, como afetos. Ha1 sentido nos afetos narrados em GSV. Os sentimentos, as sensaço3es regem uma espe1cie de raza3o emotiva (LAGES, 2002), que se diferencia da raza3o em seu cara1ter lo1gico, ou seja, se diferencia do logos. Segundo esta

reflexão, uma espécie de “razão emotiva” surge, tem lugar, aparece numa escritura do corpo. Riobaldo recorre ao corpo como sentido; ele recorre aos sentidos do corpo.

No relato, o que a raza3o na3o explica, o corpo diz. A linguagem objetiva na3o da1 conta de tratar em termos lo1gicos dos sentimentos humanos, dos afetos e motivaço3es apaixonadas. Os acontecimentos narrados em GSV devem-se em grande medida a deciso3es e aço3es humanas de natureza corporal e afetiva. A presença escrita do corpo nos momentos decisivos pode ser mostrada em muitas passagens, numa recorre&ncia que demonstra uma constante.

*

Nos textos de Rosa em geral, portanto na3o so1 em GSV, e1 possí1vel perceber que muitos personagens se deparam com situaço3es de viole&ncia iminente (RONAI in ROSA, 2005;33 FINAZZI-AGRO], 2001). Sa3o acontecimentos imprevistos, que se devem a aço3es

inexplica1veis, por vezes irracionais. Na3o por acaso, muitos personagens, talvez os mais importantes, sa3o figuras degradadas: jagunços, roceiros, prostitutas, loucos – tipos

(20)

sociais estigmatizados (ROSENFIELD, 2006). Esses personagens sa3o corpos que testemunham a viole&ncia.

GSV e1 o relato de uma morte; da morte de um corpo escondido. Essa morte e1 o mote do testemunho. O corpo esta1 presente nesse testemunho, que e1 um testemunho da viole&ncia. O corpo que se afeta diz da viole&ncia testemunhada. A viole&ncia sempre e1 a violaça3o de um corpo. O extremo da violaça3o de um corpo e1 o assassinato. Ha1 uma relaça3o entre a impossibilidade de entender e de expor os acontecimentos e a viole&ncia presente neles.

As palavras de Riobaldo na3o sa3o confia1veis por sua objetividade. O relato compo3e um jogo discursivo de afirmaça3o e negaça3o, que sempre altera o objeto e desloca o olhar do sujeito (LAGES, 2002). Na pra1tica, qualquer certeza de Riobaldo e1 passí1vel de vir a ser negada ou de ja1 ter sido negada, por ele mesmo, em outro momento de seu discurso. Dessa maneira, parece que o mais importante, em termos de ana1lise, e1 buscarmos a palavra de Riobaldo exatamente no momento em que ha1 o desvio, quando se abrem du1vidas, rupturas – e novas possibilidades, sempre proviso1rias. Esse lugar da fratura do discurso, da impossibilidade do testemunho, tratado com propriedade pelo discurso psicanalí1tico, diz tambe1m do corpo e de sua virtualidade.

Os momentos de desvio na narrativa, quando se potencializa uma poe1tica do corpo, esta3o muitas vezes ligados ao personagem de Diadorim, o que em si denuncia a importa&ncia da problema1tica do corpo. Apesar de se propor falar, a partir dos interesses do interlocutor, de sua experie&ncia como jagunço, o assunto mais recorrente da narrativa e1 a relaça3o entre Riobaldo e Diadorim. Os principais eventos de GSV – como a travessia do Rio Sa3o Francisco, o julgamento de Ze1 Bebelo, o pacto nas Veredas-Mortas, a batalha final no Pareda3o – sa3o acontecimentos simbo1licos ligados aL memo1ria do personagem de Diadorim, que se mostra assim fio condutor da narrativa. Temos em Diadorim um corpo apresentado em sua ambiguidade, numa mistura de atributos que tradicionalmente sa3o associados excludentemente ao masculino ou ao feminino (GALVAO, 1972; MACHADO, 2006). No caso de Diadorim, ha1 ainda uma espe1cie de projeça3o para o corpo dos animais, sobretudo dos pa1ssaros.

O corpo de Diadorim e1 o miste1rio que impulsiona o testemunho de Riobaldo. Se quisermos com uma u1nica palavra definir o que Diadorim esconde, talvez a palavra escolhida seja “corpo”: Diadorim esconde de Riobaldo seu corpo, e isso e1 um elemento

(21)

fundador do relato. Diferentemente de Riobaldo ou de outros narradores e personagens roseanos, que dizem seus corpos, o corpo de Diadorim e1 um corpo na3o-aberto aos sentidos; e1 fechado para a significaça3o. Pode ser dito como um fantasma, uma alucinaça3o, um corpo ausente. A opacidade desse corpo – que, entretanto, sempre retorna no relato, como algo sobre o qual se versa sem nunca chegar a um termo final – e1 compreendida aqui tambe1m como pro1pria do objeto poe1tico. A partir do testemunho de um corpo ambí1guo, de uma imagem masculina e feminina, o personagem-narrador se constro1i para o outro – o senhor da cidade ou no1s leitores. Ou seja, a partir de uma experie&ncia corporal, de sentidos (tra1gica, poderí1amos dizer), o relato se constitui. E desse lugar, problema1tico para a raza3o – e, por isso, fe1rtil para a literatura –, que se cria um mundo na3o pautado nas explicaço3es lo1gico-racionais acerca do homem e da vida, mas na inopera&ncia de tal aparato racional.

(22)

1 A CRÍTICA DE GUIMARÃES ROSA AO PENSAMENTO

LÓGICO-RACIONAL

“A lo1gica, prezado amigo, e1 a força com a qual o homem algum dia havera1 de se matar. Apenas superando a lo1gica e1 que se pode pensar com justiça. Pense nisto: o amor e1 sempre ilo1gico, mas cada crime e1 cometido segundo as leis da lo1gica.”

Guimara3es Rosa, em dia1logo com Gu^nter Lorenz

O gosto de Guimara3es Rosa pelo paradoxo, afirmado pelo escritor e confirmado por va1rios crí1ticos (CANDIDO, 1991; GALVAO, 1972; LAGES, 2002 etc.) esta1 relacionado com uma estrate1gia discursiva de escapar de definiço3es aprisionadoras do “sentido”. Esse recurso e1 ativado na3o apenas na ficça3o, mas ainda em prefa1cios e em entrevistas, quando o escritor habilmente reitera um discurso crí1tico a partir de uma percepça3o poe1tica do mundo, contrapondo-se aL objetividade muitas vezes presente na crí1tica litera1ria.

Numa “entrevista”34 ao crí1tico alema3o Gu^nter Lorenz, em 1965, Rosa declara seu

profundo interesse pelo paradoxo: “A vida, a morte, tudo e1, no fundo, paradoxo. Os paradoxos existem para exprimir algo para o qual na3o existem palavras” (LORENZ; ROSA, 1991, p. 68). O paradoxo, nesse sentido, e1 mais do que um recurso reto1rico que projete um pouco mais ale1m os objetos. O resultado do paradoxo e1 uma imagem impensada, nova, portanto poe1tica, que ainda na3o esta1 incorporada a um discurso lo1gico-racionais.

Ha1 uma expressa3o paradoxal, lançada por Rosa na ocasia3o com o propo1sito de comentar o que seria “brasilidade”: “sentir-pensar”. Trata-se de uma justaposiça3o sui

generis de duas ideias que foram tomadas por vezes como inconcilia1veis pelo

pensamento ocidental. Com essa mesma unia3o o romancista define tambe1m a saudade lusitana. Para a parte da crí1tica que considera Rosa reaciona1rio, uma expressa3o como “sentir-pensar” pode ser interpretada como uma brincadeira reto1rica. Ja1 a crí1tica que

34 LORENZ, Gu^nter; ROSA, Joa3o Guimara3es. “Dia1logo com Guimara3es Rosa”. In: COUTINHO, E.F. (org). Guimarães

Rosa. 2 ed. Sa3o Paulo: Civilizaça3o Brasileira, 1991. Na oportunidade, Rosa se recusa a nomear o encontro como

“entrevista”: “[...] peço-lhe que na3o use essa horrí1vel expressa3o ‘entrevista’. Eu certamente na3o teria aceito seu convite se esperasse uma entrevista. As entrevistas sa3o trocas de palavras em que um formula ao outro perguntas cujas respostas ja1 conhece de antema3o. Vim, como combinamos, porque deseja1vamos conversar. Nossa conversa, e isto e1 o importante, desejamos faze&-la em conjunto” (p. 64).

(23)

pensa a escrita roseana como superaça3o do pensamento lo1gico-racional, compreende-a na3o apenas como uma expressa3o paradoxal, mas tambe1m como a expressa3o de uma “lo1gica outra” (LAGES, 2002) – ou de uma “Outra lo1gica” (FINAZZI-AGRO], 2001). Na reflexa3o que aqui se propo3e, o “sentir-pensar” e1 apresentado como uma forma de dizer essa “lo1gica outra”, que tem o corpo como expressa3o de sentido poe1tico.35

*

Expostas em textos crí1ticos, artigos, prefa1cios, corresponde&ncia com tradutores, entrevistas, outras manifestaço3es de Rosa a respeito da linguagem, da lí1ngua, da literatura, do escritor, da crí1tica, ale1m das presentes em seus textos ficcionais, podem iluminar questo3es de reflexa3o crí1tica, como, por exemplo, as que norteiam este estudo.36

Nesta etapa inicial da tarefa de pensar a relaça3o entre corpo e linguagem em GSV e, por conseque&ncia, em Rosa, propo3e-se avaliar algumas questo3es conceituais que atestam a pro1pria posiça3o anti-canonizante do escritor diante da crí1tica, de denegaça3o (e ate1 de derrisa3o) de posiço3es totalizantes. Mesmo nesses textos, litera1rios por certo, pore1m conceituais, dissertativos, menos narrativos e menos ficcionais, o corpo ocupa um lugar central no processo de construça3o, de criaça3o de sentido.

O testemunho de Rosa

A conversa-entrevista e1 uma oportunidade de acesso a um Rosa, aL primeira vista, paradoxal: escritor, diplomata e sertanejo. O escritor considera uma etapa importante de sua vida o perí1odo em que exerceu medicina no interior de Minas Gerais (LORENZ; ROSA, 1991, p. 67). Evidentemente, sabemos que a biografia de qualquer escritor, como e1 o caso de Rosa, na3o deve ser usada como forma de interpretaça3o. Por exemplo, a infa&ncia no interior de Minas Gerais na3o deve servir de sustentaça3o para a leitura crí1tica

35 “Poe1tico” neste estudo esta1 relacionado aL linguagem conotativa, metafo1rica, analo1gica; e1 tambe1m equivalente a

“litera1rio”. Definir estritamente “poe1tico”, “poe1tica”, “litera1rio” e1 promover a interfere&ncia do lo1gico no litera1rio – o que se pretende evitar. Na3o se aprofunda sobre esses conceitos exatamente para poder versa1-los ao longo da reflexa3o. O litera1rio, o poe1tico, e1 algo que se sente, e1 algo do corpo. O pressuposto e1tico deste estudo e1 na3o se prender a nenhum conceito, na3o ter nenhum discurso sobre o corpo como conceito preestabelecido. O sentido que se busca dizer a partir do texto de GSV na3o e1 o sentido do discurso lo1gico, e1 um sentido poe1tico relacionado com o corpo.

36 Ve1lez Escallo1n (2014) e1 um exemplo de reflexa3o crí1tica que considera, como corpo, as diversas manifestaço3es do

(24)

do universo ficcional roseano, nem mesmo para tratar de seus marcantes personagens infantis. Mas aqui na3o se trata disso. A importa&ncia do discurso autobiogra1fico de Rosa esta1 justamente em seu cara1ter testemunhal.

Na conversa com Lorenz, Rosa afirma que e1 do serta3o. Seu discurso afirma que seu corpo e1 do serta3o. Relata que, quando exerceu a medicina no interior mineiro, conviveu muito com a morte, aprendendo o sentido espiritual da vida. “Espiritual”, aqui, na3o quer dizer, ou na3o precisa necessariamente dizer, mí1stico ou religioso em sentido restrito. “Espiritual” parece mais estar relacionado a uma forma de experie&ncia com o corpo, como nos mostram, cada qual a seu modo, Jean-Luc Nancy (2003)37 e Michel

Serres (2004). Existe tal dimensa3o espiritual do corpo em GSV.

E sintoma1tico que Rosa termine o encontro afirmando que a Europa, num futuro pro1ximo, teria de se voltar aL Ame1rica Latina:

Olhe: o futuro da Europa e de toda a humanidade e1 como uma equaça3o com va1rias inco1gnitas. A Europa e1 pequena, mas seus habitantes sa3o ativos e, ale1m disso, te&m a seu favor uma grande tradiça3o. E entretanto os europeus na3o te&m qualquer influe&ncia sobre essas inco1gnitas que determinam o futuro de seu continente. [...] Voce& sabe que no1s, latino-americanos, nos sentimos muito ligados aL Europa. Para mim, Cordisburgo sempre foi uma Europa em miniatura. Amamos a Europa como, por exemplo, se ama uma avo1. Por isso espero que a Europa reconheça a equaça3o e leve em conta o “y”. Isso na3o lhe traria nenhum prejuí1zo. [...] A Europa e1 um pedaço de no1s; somos sua neta adulta e pensamos com preocupaça3o no destino, na enfermidade de nossa avo1. Se a Europa morresse, com ela morreria um pedaço de no1s. Seria triste, se em vez de vivermos juntos, tive1ssemos de dizer uma oraça3o fu1nebre pela Europa (LORENZ; ROSA, 1991, pp. 96-97).

O futuro da humanidade e1 uma equaça3o que na3o pode ser resolvida sem a inco1gnita “y”, que a Europa na3o controla. O sertanejo Rosa afirma a existe&ncia de tal inco1gnita. E pelo menos provocador que da resoluça3o dessa equaça3o dependa o futuro da pro1pria Europa. Ha1 nessa anedota uma clara crí1tica ao logocentrismo, digamos, euroce&ntrico. Mas a condenaça3o de Rosa, convertida ironicamente em preocupaça3o por nossa “avo1 doente”, dirige-se a algo mais amplo: aL necessidade iluso1ria de entender o mundo racionalmente. Essa crí1tica diz da espiritualidade de Rosa.

*

De um modo geral, as ideias, o pensamento de Rosa sobre literatura sa3o tomadas pela crí1tica como elementos biogra1ficos, ou seja, as declaraço3es do escritor sa3o tomadas

37 NANCY, Jean-Luc. Corpus. [Traduça3o para o espanhol de Patricio Bulnes]. Madrid: Arena Livros, 2003. [Ediça3o

(25)

muitas vezes como excentricidade na3o condizente com sua produça3o. Considera1vel parte da crí1tica, como Willi Bolle (2004, p. 19) e Susana Lages (2002, p. 27), atribui, muitas vezes com raza3o, a algumas declaraço3es de Rosa a margem, o pretexto para o surgimento de trabalhos muito variados sobre o escritor e sua obra, inclusive leituras mí1sticas ou esote1ricas, como as de Balbuena (1994)38 e Lima (2008)39. E claro que o que

se entende como misticismo, religiosidade, superstiça3o de Rosa pode constituir um vie1s de leitura da sua obra litera1ria, na medida em que qualquer vie1s pode possibilitar uma leitura mais ou menos coerente. Mas, aqui, na3o se trata disso. Trata-se, antes, de, aceitando de fato que o nu1cleo de sua obra consiste tambe1m numa crí1tica aL lo1gica racional, buscarmos compreender ou, pelo menos, refletir em que& consiste a proposta do escritor, ou seja, quais sa3o os elementos presentes em seu discurso.

E verdade que Rosa deixou relativamente poucos registros sobre sua produça3o ou sobre sua visa3o da literatura. E verdade tambe1m que tais textos formam, com os textos ficcionais, um so1 corpo. Pore1m, em relaça3o a textos conceituais, crí1ticos e teo1ricos, diferentemente do que ocorre na fortuna crí1tica de outros escritores, as propostas este1ticas de Rosa sa3o relativamente pouco exploradas pela crí1tica, pelo menos no sentido de potencializarem a reflexa3o sobre os textos litera1rio-ficcionais. Ou seja: ha1 reflexo3es crí1ticas sobre seus textos na3o ficcionais, mas elas na3o condizem em proporça3o.

Em geral na3o se considera satisfatoriamente a coere&ncia entre o alheamento que Rosa manteve em relaça3o a boa parte dos crí1ticos e a sua recorre&ncia a conceitos-limite, paradoxais, espe1cie de “anti-conceitos”, que denunciam a lo1gica e a raza3o pura como atributos pouco confia1veis do conhecimento humano. Sa3o dois fatos que esta3o coerentemente relacionados, quais sejam: Rosa evita os crí1ticos litera1rios em geral; Rosa nega a soberania do discurso lo1gico-racional, fazendo-o a partir do uso de figuras litera1rias inassimila1veis pelo discurso lo1gico. Entretanto, por considerar os dois fatos isoladamente, a crí1tica tendeu a pensar o discurso crí1tico de Rosa como inassimila1vel porque irracional ou “mí1stico”.

Dentro da proposta de investigar o corpo no universo litera1rio roseano, em especial em GSV, cabe pensar alguns conceitos tratados por Rosa, mostrando que sua concepça3o litera1ria inclui o corpo como expressa3o de sentido.

38 BALBUENA, Monique. Poe e Rosa à luz da cabala. Rio de Janeiro: Imago, 1994.

(26)

*

O contexto da entrevista-conversa com o crí1tico alema3o Gu^nter Lorenz pode ajudar a refletir sobre a relaça3o entre corpo e linguagem em Rosa. O encontro acontece em janeiro de 1965 durante o I Congresso Latino-Americano de Escritores, em Ge&nova, portanto quase uma de1cada depois da publicaça3o de GSV. No trecho abaixo, no iní1cio do dia1logo, Lorenz refere-se aL saí1da de Rosa durante uma discussa3o no Congresso:

LORENZ: Ontem, quando escritores participantes deste Congresso debatiam sobre a polí1tica em geral e o compromisso polí1tico do escritor, voce&, Joa3o Guimara3es Rosa, polí1tico, diplomata e escritor brasileiro, abandonou a sala. Embora sua saí1da na3o tenha sido demonstrativa, pela expressa3o de seu rosto e pelas observaço3es que fez, podia-se deduzir que o tema em questa3o na3o era de seu agrado.

GUIMARAES ROSA: E verdade; agi daquela forma porque o tema na3o me agradava. E para que nos entendamos bem, digo-lhe que na3o abandonei a sala em sinal de protesto contra o fato de estarem discutindo polí1tica. Na3o foi absolutamente um ato de protesto. Saí1 simplesmente porque achei mono1tono. Se algue1m interpreta isto com um protesto, nada posso fazer. Embora eu veja o escritor como um homem que assume uma grande responsabilidade, creio entretanto que na3o deveria se ocupar de polí1tica; na3o desta forma de polí1tica. Sua missa3o e1 muito mais importante: e1 o pro1prio homem. Por isso a polí1tica nos toma um tempo valioso. Quando os escritores levam a se1rio seu compromisso, a polí1tica se torna supe1rflua. Ale1m disso, eu sou escritor, e se voce& quiser, tambe1m diplomata; polí1tico nunca fui (LORENZ; ROSA, 1991, pp. 62-63).

Ale1m das “observaço3es que fez”, ou seja, ale1m das palavras, Rosa e1 interpelado pelo crí1tico em relaça3o aL “expressa3o de seu rosto” e por ausentar-se do debate. Rosa e1 instado a se manifestar em relaça3o a seu corpo; e1 provocado a manifestar em discurso lo1gico o que seu corpo insinuou. Veremos que Rosa reafirmara1 o sentido de seu corpo, pore1m na3o o fara1 com um discurso estritamente lo1gico, como gostaria Lorenz.

Guimara3es Rosa concede a entrevista, ou participa da conversa, na semana do Congresso de escritores latino-americanos que esta1 discutindo o papel polí1tico do escritor. Ao responder sobre sua saí1da durante um debate sobre “compromisso polí1tico do escritor”, Rosa desconstro1i a pergunta, bem como a suposta relaça3o de compromisso do escritor com a polí1tica: “Quando os escritores levam a se1rio seu compromisso, a polí1tica se torna supe1rflua.”

Ainda que os interesses envolvidos no Congresso na3o sejam claros hoje em dia, principalmente por ause&ncia de documentos (FANTINI, 2003),40 e1 importante pelo

menos pontuar algumas questo3es do contexto. Na ocasia3o do Congresso, vem aL tona a desavença entre Miguel Angel Asturias e Jorge Luis Borges que acontecera um ano antes,

40 FANTINI, Marli. Guimarães Rosa: fronteiras, margens, passagens. Cotia, SP: Atelie& Editorial; Sa3o Paulo: Editora

(27)

no Coloquio de Escritores Latinoamericanos y Alemanes, realizado em Berlim Ocidental, que tambe1m tinha como tema1tica a responsabilidade polí1tica do escritor. Estamos em meados da de1cada de 1960, em pleno boom latino-americano, aLs ve1speras do primeiro Pre&mio Nobel de Literatura concedido a um escritor do subcontinente – exatamente Asturias, em 1967. Vale lembrar que, em relaça3o ao pre&mio de 1967, Borges chega a afirmar que quem deveria te&-lo ganho era Pablo Neruda – de fato, laureado em 1971.

Se trouxermos o contexto histo1rico brasileiro aL baila, o Congresso aconteceu menos de um ano depois do Golpe de 1964. Na3o e1 difí1cil imaginar razo3es para que Rosa na3o tomasse parte na pole&mica. A biografia do escritor diz muito pouco sobre os anos em torno de 1964. O que sabemos e1 que Rosa, o diplomata, permaneceu em sua posiça3o funcional durante e depois do Golpe: “Exatamente em 1956, Guimara3es Rosa começou seu longo perí1odo de chefia da Divisa3o de Fronteiras do Itamaraty, que terminaria, em 1967, com a sua morte” (ARAUJO, 2007, p. 40)41.

Muito cuidadoso neste sentido, Rosa conservou relativamente poucos manuscritos que pudessem trazer luz sobre o seu processo criativo; concedeu poucas entrevistas, sendo no “controle” de sua biografia ta3o cuidadoso quanto no trabalho exaustivo dos aspectos formais de seus textos ficcionais. A conversa-entrevista, por essa raza3o, e1 um caso raro em que o escritor veio a se manifestar. E parece ser significativo que o escritor se coloque em posiça3o de debate com um crí1tico numa ocasia3o em que obviamente seria interpelado a respeito de sua posiça3o diante do Congresso sua tema1tica.

Em plena atividade na carreira diploma1tica, e1 difí1cil na3o considerar esses aspectos em seu testemunho: “eu sou escritor, e se voce& quiser, tambe1m diplomata; polí1tico nunca fui”. Diferente de outros escritores que foram diplomatas mais por convenie&ncia do que por vocaça3o, Rosa se dizia diplomata de carreira. O escritor e, se algue1m quiser, o diplomata, na3o tomaria parte numa discussa3o polí1tica com o intuito de refletir sobre o “compromisso polí1tico do escritor”, mesmo que dela participassem grandes nomes da literatura latino-americana. Na3o o faria, na3o apenas na sua postura como diplomata, mas tambe1m como escritor. E este que nos interessa aqui, ainda que na3o seja simples, talvez na3o seja mesmo possí1vel discernir com clareza na entrevista a atitude de escritor da de diplomata. Rosa ataca a polí1tica, sem citar nomes nem

41 ARAUJO, Heloí1sa Vilhena de. Guimarães Rosa: diplomata. reediça3o revista. Brasí1lia: Fundaça3o Alexandre de

(28)

ideologias especí1ficas. O diplomata afirma que seu trabalho e1 recuperar o que os polí1ticos destruí1ram. O escritor afirma que na3o poderia posicionar-se como polí1tico, na3o poderia estar a favor da polí1tica, pois isso o apequenaria (LORENZ; ROSA, 1991, p. 63).

No dia1logo, o tema do papel do escritor leva aL questa3o da relaça3o entre escritor e pu1blico, mais especificamente aL do e&xito comercial. Para Lorenz, os representantes de uma literatura engajada, que se pretendia revoluciona1ria (o que, no caso, significaria o reflexo de uma postura anticapitalista), traziam consigo a contradiça3o constrangedora de produzir uma bela mercadoria, que fazia lucrar muito: na3o apenas seus autores, mas tambe1m editores, livreiros etc. Rosa, evitando retoricamente essa armadilha racional, afirma na3o se envergonhar do sucesso de seus livros, nem do dinheiro ganho, tampouco dos benefí1cios gerados dessa relaça3o entre obra e mercado. Desconcertantemente, o escritor conclui o assunto com um testemunho:

Enquanto eu escrevia Grande Sertão, minha mulher sofreu muito porque nessa e1poca eu estava casado com o livro. Por isso dediquei-o a ela, para lhe agradecer sua compreensa3o e pacie&ncia. Voce& deve saber que tenho uma mulher maravilhosa. Como sou um fana1tico da sinceridade lingu^í1stica, isto significou para mim que lhe dei o livro de presente, e portanto todo o dinheiro ganho com esse romance pertence a ela, somente a ela, e pode fazer o que quiser com ele (LORENZ; ROSA, 1991, p. 79).

Para anular a ideia lo1gica “Rosa ganha dinheiro com literatura”, o escritor testemunha seu “fanatismo” por algo que chama de “sinceridade linguí1stica”.

Ha1 no discurso de Rosa o propo1sito de desconstruir as afirmaço3es lo1gicas a partir das quais o crí1tico busca apreender o discurso do escritor. Isso acontece nos dois exemplos citados: em relaça3o aL participaça3o no Congresso e em relaça3o ao e&xito de suas obras. Nos dois casos e1 possí1vel ver que a saí1da de Rosa, ou melhor, a desconstruça3o da afirmaça3o que pressupo3e a pergunta ocorre a partir da evocaça3o do corpo como portador de sentidos, como o pro1prio sentido. Rosa afirma ter deixado o debate porque achou “mono1tono” o tema que na3o lhe “agradava”. Na3o se tratou de uma decisa3o de protesto, o que estabeleceria afirmativamente uma posiça3o (ainda que terceira) no debate. Pela expressa3o de sua face, e principalmente ao retirar-se do espaço, ao se ausentar, o escritor posiciona-se retoricamente como corpo, abrindo ma3o de decidir, colocando-se como ause&ncia presente. E ao responder sobre o sucesso editorial do livro, numa pergunta que se detinha aL questa3o financeira, Rosa trata do livro em sua dimensa3o de escritura, de trabalho corporal com a palavra, da dedicaça3o ao texto, como obra. O

(29)

escritor evoca o tempo dedicado, o que representou esse tempo em sua vida pessoal, na relaça3o com sua esposa, para enta3o afirmar que a questa3o financeira na3o lhe e1 importante. Temos nos dois casos Rosa deslocando um discurso de altas ideias sobre a literatura para um cara1ter mais humano, corporal, dessas questo3es evocadas pelo crí1tico.

Em plena atividade na carreira diploma1tica, Rosa define o papel do escritor em funça3o da lí1ngua, na3o de outros interesses:

Meu lema e1: a linguagem e a vida sa3o uma coisa so1. Quem na3o fizer do idioma o espelho de sua personalidade na3o vive; e como a vida e1 uma corrente contí1nua, a linguagem tambe1m deve evoluir constantemente. Isto significa que, como escritor, devo me prestar contas de cada palavra e considerar cada palavra o tempo necessa1rio ate1 ela ser novamente vida. O idioma e1 a u1nica porta para o infinito, mas infelizmente esta1 oculto sob montanhas de cinzas. Daí1 resulta que tenha de limpa1-lo, e como e1 a expressa3o da vida, sou eu o responsa1vel por ele, pelo que devo constantemente umsorgen [“cuidar dele”, em alema3o] (LORENZ; ROSA, 1991, p. 83).

Somente renovando a lí1ngua e1 que se pode renovar o mundo. Devemos conservar o sentido da vida, devolver-lhe esse sentido, vivendo com a lí1ngua. Deus era a palavra e a palavra estava com Deus. Este e1 um problema demasiado se1rio para ser largado nas ma3os de uns poucos ignorantes com vontade de fazer experie&ncias. O que chamamos hoje linguagem corrente e1 um monstro morto. [...] Minha lí1ngua [...] e1 a arma com a qual defendo a dignidade do homem (LORENZ; ROSA, 1991, p. 87).

A um primeiro lance de vista, a afirmaça3o sugere algo de mí1stico: “a linguagem e a vida sa3o uma coisa so1.” Essas marcas de inefabilidade, todavia, dizem respeito ao corpo em sua dimensa3o de sentido mais sutil, imaterial. O infinito cuja porta e1 o idioma, talvez na3o seja outra coisa ale1m do corpo. O corpo e1 a vida. Linguagem e corpo sa3o vida. Linguagem, corpo e vida sa3o uma coisa so1.

*

Em uma carta de 3 de novembro de 1964, a Mary L. Daniel, norte-americana enta3o estudante de literatura brasileira, que o indagara sobre uma possí1vel influe&ncia de James Joyce e Ma1rio de Andrade em sua obra, Rosa se diferencia do projeto modernista:

De JOYCE, so1 li parte do “Dubliners”. O “ULYSSES”, fiz va1rias tentativas, que nunca foram ale1m de pedaços de pa1ginas. Acho nele um ludismo feroz, uma atitude que na3o me e1 simpa1tica, excessiva intencionalidade formal, muití1ssimo de “voulu”, que me repele. (Co&mico: muitos, para meu castigo, sentem repulsa assim, ao que eu escrevo…) MARIO DE ANDRADE, pole&mico, ligado a um Movimento, partiu de um desejo de “abrasileirar” a todo custo a lí1ngua, de acordo com postulados que sempre achei mutiladores, plebeizantes e empobrecedores da lí1ngua, ale1m de querer enfeia1-la, denotando irremedia1vel mau-gosto. Faltava-lhe, a meu ver,

(30)

finura, sensibilidade este1tica. Apoiava-se na sintaxe popular filha da ignora&ncia, da indige&ncia verbal, e que leva a frouxos alongamentos, a uma moleza sem contença3o. (Ao contra1rio, procuro a condensaça3o, a fo&rça, as cordas tensas.) Mario de Andrade foi capaz de perpetrar um “milhor” (por melhor) – que eu so1 seria capaz de usar com refere&ncia a “milho”. (Em todo caso, adorei ler o “MACUNAIMA”, que, na ocasia3o, me entusiasmou. Sera1 que ha1 influe&ncias sutis, que a gente mesmo e1 incapaz de descobrir em si?) (ROSA, MCGR, CP 1.4, Doc. 84/215, Cx. 4).42

Guimara3es Rosa afirma que sua operaça3o de incorporar na linguagem litera1ria a expressa3o popular na3o se dava como ruptura com uma tradiça3o, mas como trabalho de “recuperaça3o” da pote&ncia das palavras. Seu comenta1rio a respeito do projeto de Ma1rio de Andrade permite pensar na3o apenas sua visa3o acerca do Modernismo, mas a pro1pria ideia de Rosa sobre seu fazer litera1rio, que se confunde com sua concepça3o da lí1ngua.

E importante que Rosa se diferencie de Joyce no que diz respeito ao cara1ter formal das suas escrituras. A maneira como Rosa qualifica a atitude de Joyce como escritor (“ludismo feroz”, “excessiva intencionalidade formal, muití1ssimo de ‘voulu’”) tambe1m nos diz, evidentemente, mais do escritor mineiro do que do irlande&s. Parece que, para Rosa, o trabalho formal com a linguagem deveria estar a serviço de um propo1sito maior. O trabalho formal na3o pode refletir apenas o desejo e o gozo do escritor; deve estar a serviço da “lí1ngua” e da “vida”. O “voulu” a que o escritor alude indica, portanto, uma sensualidade excessivamente intelectual: um afastamento do corpo como sentido.

Pela mesma raza3o, na3o e1 estranho que Rosa diferencie sua proposta, ainda que na3o assumida como projeto, do projeto modernista de Ma1rio de Andrade. Rosa afirma na3o apostar na implementaça3o indiscriminada de elementos dialetais. Sua operaça3o de incorporar na linguagem litera1ria a expressa3o popular na3o se daria como ruptura em relaça3o a uma tradiça3o litera1ria conservadora, do se1culo XIX, conforme a proposta modernista, mas como “enriquecimento” da lí1ngua (ainda que na3o seja esclarecido objetivamente tal enriquecimento). A linguagem corrente (popular ou mesmo letrada) acabaria por perder sua força, expressando-se a partir de “frouxos alongamentos”. Para Rosa, a riqueza que a lí1ngua popular, principalmente em suas construço3es arcaicas, pode apresentar e1 a da “condensaça3o”. A renovaça3o da lí1ngua proposta pelo escritor mineiro se vale de um retorno a formas arcaicas, bem como aL incorporaça3o de elementos de

(31)

outras lí1nguas, pore1m, segundo ele, na3o de maneira violenta, “feroz”43, suprimidora do

lastro etimolo1gico da lí1ngua portuguesa.

Sentir-pensar

Pelo seu testemunho, Rosa parece ter seguido o propo1sito de so1 mudar a lí1ngua, inovando-a, na medida em que tais mudanças significassem renovaça3o de sentido. Pore1m, ele tambe1m afirma que tal renovaça3o e1 um trabalho incessante. Se se deve buscar sempre a renovaça3o, enta3o o sentido renovado dura apenas um curto tempo. O sentido e1 sempre proviso1rio. Esse sentido renovado e proviso1rio e1 definido num dos quatro textos conceituais, chamados por Rosa “prefa1cios”, de Tutaméia (2001a)44, de

1967:

A esto1ria na3o quer ser histo1ria. A esto1ria, em rigor, deve ser contra a Histo1ria. A esto1ria, aLs vezes, quer-se um pouco parecida aL anedota.

A anedota, pela etimologia e para a finalidade, requer fechado ineditismo. Uma anedota e1 como um fo1sforo: riscado, deflagrada, foi-se a serventia (p. 29).

E dispensa1vel dizer da coere&ncia entre o significado da anedota e a ideia de um sentido sempre proviso1rio. Nessas definiço3es de “anedota”, “esto1ria”, “histo1ria” e “Histo1ria”, temos mais uma vez uma crí1tica ao pensamento lo1gico, ao estabelecimento definitivo de conceitos. O sentido de algo, a sua descoberta e1 sempre um evento novo e u1nico. O ineditismo, pro1prio da anedota (etimologicamente: “coisa na3o publicada”), caracteriza a impossibilidade da verdade conclusiva, da conclusa3o da histo1ria.45 Por isso

o horror aos lugares-comuns, pois a linguagem deve-se abrir para o novo, um novo da linguagem em que se da1 um mundo renovado. Rosa trabalha a partir da ideia de que e1 no ní1vel da linguagem que se da1 a construça3o do mundo.

Podemos dizer, em relaça3o a GSV, que a narraça3o de Riobaldo e1 u1nica; como um fo1sforo, depois de deflagrado, perde a utilidade. A pro1pria simulaça3o de GSV enquanto

43 Essas afirmaço3es de Rosa podem dar margem para viso3es conservadoras acerca de seu projeto litera1rio. Pore1m,

Santiago (2017) define exatamente como “ferocidade” a capacidade de GSV de na3o se submeter aL crí1tica predominante, qual seja, a da escola de Antonio Candido. Nesse sentido, a ferocidade na3o se daria em relaça3o aL lí1ngua, ao idioma, mas aL crí1tica hegemo&nica.

44 ROSA, Joa3o Guimara3es. Tutaméia (Terceiras esto1rias). 8 ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001a.

45 Para Vile1m Flusser (1969): “A insiste&ncia de Guimara3es Rosa em dizer ‘esto1ria’ e na3o ‘histo1ria’ sugere oposiça3o

deliberada ao historicismo. [...] De forma que o universo roseano e1 a-histo1rico no sentido de ‘po1s-histo1rico’ (e na3o ‘pre1-histo1rico’) e sua coincide&ncia com o universo sertanejo e1 mais um pretexto que realidade”.

(32)

texto oral (HANSEN, 2000) sugere essa perda de serventia, pois simula o funcionamento da linguagem no momento da narraça3o, linguagem viva, linguagem corporal, quando o discurso corporalmente faz sentido.

Na3o podemos perder de vista tambe1m o aspecto corporal da anedota: em seu ineditismo, somos afetados. No espanto, temos a palavra em sua capacidade de afetar fisicamente. E a palavra em sua relaça3o com o corpo; palavra se dizendo no corpo; no corpo, o sentido das palavras.

*

Como mostrou Lages (2002), a postura de Rosa, quando encurralado por Lorenz, e1 a de tentar esvaziar o discurso do crí1tico alema3o, levando o debate para o campo da linguagem. O efeito principal das respostas de Rosa na entrevista e1 o do paradoxo: uma imagem impensada, nova, que na3o consiga ser incorporada por uma lo1gica pre1-existente. Do ponto de vista teo1rico, a crí1tica perspicaz46 analisou a entrevista mostrando sempre

como Rosa invalida todas as tentativas do crí1tico de encontrar respostas objetivas, afirmativas, para as posiço3es do escritor. A respeito dessa postura, Lages afirma:

Pela utilizaça3o bem-humorada dos paradoxos, Rosa insta o crí1tico cada vez mais a lançar ma3o de um discurso metalingu^í1stico (interpretar os paradoxos e pedir explicaço3es) ao mesmo tempo em que demonstra por outros paradoxos, a incapacidade de sua metalinguagem de dar conta do poe1tico (LAGES, 2002, p. 38).

“Lorenz procura [...] dotar de lo1gica as paradoxais declaraço3es de Rosa” (LAGES, 2002, p. 37), mas Rosa destitui completamente o crí1tico do lugar privilegiado da verdade, autorizada por um aparato lo1gico-linguí1stico. Contrariando a repetiça3o de padro3es metalinguí1sticos, o escritor mineiro parece esforçar-se em na3o aceitar, em na3o fazer uso, pelo menos positivamente, de nenhum conceito abordado pelo crí1tico alema3o. Rosa na3o afirma nenhuma apreensa3o, motivo pelo qual o crí1tico alema3o chega a demonstrar irritaça3o – irritaça3o que Rosa, ao estilo de GSV, faz aparecer em sua fala. Lages afirma que “Rosa converte o crí1tico numa figura que lembra a do interlocutor de Riobaldo em Grande Sertão: Veredas e a do visitante perdido no rancho do onceiro em ‘Meu Tio, o Iauarete&’” (LAGES, 2002, p. 39).

Referências

Documentos relacionados

A democratização do acesso às tecnologias digitais permitiu uma significativa expansão na educação no Brasil, acontecimento decisivo no percurso de uma nação em

O objetivo maior de uma empresa e, consequentemente, do marketing, é satisfazer o cliente, fazê-lo sair sorrindo, pensando em voltar e em recomendar o

7 Buber, Martin, Do Dialogo e do Dia16gico, Editora Perspectiva, Sao Paulo, 1982.. documentario pois e nesse momenta que se definira o quanta o realizador ira se conectar

O Conselho Deliberativo da CELOS decidiu pela aplicação dos novos valores das Contribuições Extraordinárias para o déficit 2016 do Plano Misto e deliberou também sobre o reajuste

SEGUNDA TERÇA QUARTA QUINTA SEXTA 14:00h às 15:00h B Instrumentais Meteorológicos (Djane) Genética Básica (Silvério) Motores e Tratores (Felipe) Turma A Genética Básica

Resumo: Este estudo tem o objetivo de mostrar os vínculos que podem ser estabelecidos entre a figura da elipse, em suas diversas acepções, e a obra Grande Sertão: Veredas,

Tais vestígios podem aparecer em uma leitura da obra ao se deslocar (mas sem abandonar) o conceito da técnica híbrida do “monólogo-diálogo” 1 , para aproximar

Keywords: Environmental health; psychomotor agitation; aggression; emergency; mental disorders; patient care team; risk assessment; physical restraint; immobilization..