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Anorexia nervosa: uma visão médica e psicanalítica

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Academic year: 2021

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UNIJUI - UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

CRISTIANO RODRIGO DALTROSO

ANOREXIA NERVOSA: UMA VISÃO MÉDICA E PSICANALÍTICA

Ijuí – RS, 2018

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CRISTIANO RODRIGO DALTROSO

ANOREXIA NERVOSA: UMA VISÃO MÉDICA E PSICANALÍTICA

Trabalho de conclusão de curso apresentado à Banca examinadora da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul – Unijuí, como requisito parcial para a conclusão da Graduação em Psicologia.

Orientador (a): Ângela Maria Schneider Drugg

Ijuí – RS, 2018

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AGRADECIMENTOS

Agradeço à Deus em primeiro lugar por ter me dado a oportunidade, determinação e sabedoria para ter vencido mais esta etapa em minha vida, sempre ter guiando meu caminho, me dando sua proteção incontestável para vencer todas as adversidades.

À minha família, por ter entendido os momentos de ausência, angústia e cansaço, pois manter dupla jornada, de trabalho e estudo requer muito esforço e abdicação, de horas de lazer de afazeres. Com toda a certeza a compreensão e ajuda de vocês foram decisivos para que eu alcançasse esta vitória.

Um agradecimento especial à Professora M. ª Ângela Maria Schneider Drügg, que tive o prazer de tê-la como professora no decorrer deste percurso, também orientadora no Estágio Básico e agora nesta importante etapa final, como orientadora deste Trabalho de Conclusão de Curso. Sempre com sua serenidade e respeito ao acadêmico, nunca se furtou em me ajudar, sempre com disposição e com muitos ensinamentos, que não servirão apenas para a vida acadêmica, mas sim para a vida.

À Unijuí e ao seu quadro docente que me proporcionaram amplo conhecimento neste percurso, contribuindo sobremaneira, para meu aprimoramento como futuro profissional, mas principalmente pelas novas significações e ressignificações como ser humano. Aos funcionários, direção e reitoria, que com todas as dificuldades, mantém um local agradável e acolhedor ao estudante.

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RESUMO

Este trabalho tem como objetivo apresentar um estudo sobre a Anorexia Nervosa, trazendo a visão da medicina e da psicologia, sendo esta última com ênfase na Psicanálise. Analisa ainda a origem deste transtorno alimentar e suas possíveis formas de tratamento. Tanto na área médica quanto na psicológica, a psicoterapia é apontada como uma das técnicas primordiais e sustentadoras para ajudar o sujeito na resolução deste distúrbio, concomitante à administração medicamentosa, dentro de uma clínica multidisciplinar. Os estudos demonstram que há vinculação direta com a causa da anorexia da relação mãe-filha não bem estabelecida e com a simultânea anulação da função paterna. Como o sujeito anoréxico traz consigo um gozo ao afrontar o outro com seu corpo marcado pelas características próprias da anorexia, são discutidas as pulsões envolvidas neste processo.

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ABSTRACT

This paper aims to present a study on Anorexia Nervosa, bringing the vision of medicine and psychology, the latter with an emphasis on Psychoanalysis. It also analyzes the origin of this eating disorder and its possible forms of treatment. In both the medical and psychological fields, psychotherapy is indicated as one of the primordial and supportive techniques to help the subject in the resolution of this disorder, concomitant to the drug administration within a multidisciplinary clinic. The studies show that there is a direct link with the cause of anorexia of the mother-daughter relationship not well established and with the simultaneous annulment of the paternal function. As the anorexic subject brings with it a joy in facing the other with his body marked by the characteristics of anorexia, the drives involved in this process are discussed.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...8

1 ANOREXIA NERVOSA, O QUE É? ...11

1.1 Anorexia Nervosa na medicina...11

1.2 Fatores predisponentes, desencadeantes e mantenedores...13

1.3 Diagnóstico da Anorexia Nervosa...15

1.4 Anorexia Nervosa no DSM-V...16

1.5 Anorexia Nervosa na História...18

2 ANOREXIA NERVOSA E PSICNÁLISE: O QUE ELA DIZ?...23

2.1 Relação mãe-filha...24

2.2 A relação com a figura paterna...26

2.3 Distorção da Imagem Corporal na Anorexia Nervosa...28

2.4 A Anorexia Nervosa Masculina...30

2.5 A pulsão de vida e de morte...32

2.6 O gozo na Anorexia Nervosa...33

3 ATENDIMENTO E TRATAMENTO DA ANOREXIA NERVOSA...35

3.1 Etapas do tratamento...36

3.2 Modalidades do tratamento...38

3.3 Tratamento psicológico dos pacientes com Anorexia Nervosa...39

3.4 Anorexia Nervosa e o tratamento psicanalítico...41

CONSIDERAÇÕES FINAIS...45

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INTRODUÇÃO

Os transtornos alimentares, há muito tempo, estão presentes em nossa história e em nossos estudos e se apresentam como fatores de risco à vida humana. Dentre eles, temos a Compulsão Alimentar que pode levar à Obesidade, Anorexia Nervosa e a Bulimia Nervosa. Tais distúrbios, podem ser desencadeados e sustentados por diversos motivos. De um lado, a tendência, na contemporaneidade, de que o que dita a beleza e o sucesso são corpos modelados e esculturais, sinônimo de sucesso e desejo. Os padrões com corpos esguios, causam em nossos jovens, principalmente, uma confusão, entre o que realmente é belo e saudável e o que é patológico. De outro lado, temos os conflitos psíquicos, os relacionamentos familiares, que por sua vez, assim como no primeiro caso, trazem à tona toda a problemática que estes transtornos causam nas pessoas, afetando sobremaneira a subjetividade do sujeito.

A Anorexia Nervosa pode-se dizer que é um dos distúrbios alimentares mais graves, pois pode levar o sujeito à morte, por inanição. Os outros distúrbios, tais como Obesidade ou a Bulimia Nervosa, apresentam, também, riscos graves à saúde do sujeito, tanto físicos quanto psíquicos, mas nestes dois casos há a ingestão de alimentos, não levando o indivíduo à falta de nutrientes para sobreviver. Mesmo que na Bulimia haja o processo de expurgo dos alimentos através da provocação de vômitos e o uso de laxantes, que causam outros graves danos à saúde do sujeito e, na obesidade, o excesso de ingestão de alimentos, que também traz seus problemas, a paciente anoréxica, pelo fato de não comer nada, sofre da falta de energia corporal, decorrente da falta do alimento. Este distúrbio é caracterizado pela privação total do apetite, em que o sujeito se recusa a ingerir alimentos, tem medo de engordar e junto um desejo desesperador de atingir o emagrecimento.

O trabalho em questão, terá como foco a Anorexia Nervosa, em que serão abordados os aspectos relacionados às origens do distúrbio e seu tratamento, tanto pela via médica, quanto pela psicológica, sendo esta com ênfase na Psicanálise. Também investigamos por qual motivo atinge principalmente as meninas na fase púbere. Ainda, dentro do tema proposto, será abordada brevemente a Anorexia Masculina, que apesar de atingir um número reduzido de jovens, vem aumentando a cada ano.

No primeiro capítulo serão apresentados o conceito e a história do termo conhecido hoje como Anorexia Nervosa, o qual desde muito cedo é apresentado em nossa literatura como um

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transtorno alimentar. Incialmente veio como Atrofia Nervosa, com Richard Morton, em 1691. Mas foi no século XIX, com Pinel, que se produziram as primeiras ideias sobre um tipo de Neurose Digestiva. A designação de Anorexia Histérica e depois Anorexia Nervosa, surge em 1868 com William Gull. Mais tarde Freud (1893), nos Estudos sobre a histeria, junto com Josef Breuer, médico e fisiologista austríaco, fez uma ligação da anorexia com a histeria, onde via a anorexia como sintoma da histeria. O autor demonstra muito interesse pelo tema, descrevendo-o descrevendo-ora cdescrevendo-omdescrevendo-o andescrevendo-orexia, descrevendo-ora cdescrevendo-omdescrevendo-o recusa a alimentar-se, apresentanddescrevendo-o descrevendo-o casdescrevendo-o de uma mulher que ficou anoréxica ao não poder mais amamentar seu filho, fato que retornava a cada parto. Em 1895, no caso Emmy e em 1905, no caso Dora, Freud retoma o tema anorexia, destacando a repugnância que sentiam dirigida ao alimento e também à sexualidade. Também serão abordados outros autores que contribuíram para os estudos da anorexia.

Ainda no primeiro capítulo mostramos que o diagnóstico deste transtorno alimentar pela via médica é feito por psiquiatras treinados e com conhecimento do assunto, de acordo com os sinais e sintomas próprios do caso, baseado em três critérios, que serão melhor descritos ao longo do trabalho, juntamente com a classificação e os subtipos da anorexia.

A medicina, também aponta algumas complicações clínicas provenientes da Anorexia Nervosa, sendo alterações metabólicas, alterações endócrinas, alterações hematológicas, ósseas e do crescimento, possíveis alterações visuais e cardiovasculares.

As complicações clínicas da AN e BN são variadas e estão relacionadas principalmente com o grau de perda de peso corporal e com os métodos compensatórios utilizados pelos pacientes. Apesar da disponibilidade de tratamentos eficazes para essas doenças, um atraso importante entre o início dos sintomas e o tratamento ainda é comum. Sendo assim, o diagnóstico precoce desses distúrbios assim como de suas complicações clínicas nem sempre é possível. O tratamento das complicações deve ser realizado concomitante ao acompanhamento psicoterápico e nutricional, necessitando de uma equipe multidisciplinar para o manuseio mais adequado e satisfatório dessas condições clínicas. (ASSUMPÇÃO E CABRAL, 2002, p. 32)

No segundo capítulo, serão discutidos os conceitos psicanalíticos que auxiliam na compreensão da Anorexia Nervosa. A relação mãe/filha, alvo de muitos estudos, que inicialmente se dá através de uma simbiose, apesar de problemática e por vezes conflituosa, contribui para o processo de individuação do sujeito. A entrada do pai, irá marcar e ressignificar esta relação dual, passando à tríade, mãe/pai/bebê, momento em que irá apontar para o lugar da criança na família. Analisa-se os efeitos de interdição da função paterna por parte da mãe, e os prejuízos decorrentes para a criança no desenvolvimento do distúrbio alimentar.

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Veremos que é na fase da adolescência que se mostra fortemente favorável para o aparecimento da Anorexia Nervosa, uma vez que se põe em evidência as mudanças, os conflitos tidos na época infantil, articulados com as transformações do corpo, próprias dos adolescentes. Esse período, exige por sua vez, um trabalho psíquico com muitas elaborações, pois pode trazer dentre vários conflitos de ordem psíquica a distorção da imagem corporal.

A imagem do corpo da anoréxica, emite muitas mensagens, sentimentos paradoxais e por vezes ambíguos, compaixão, tristeza, raiva, por não ter forças para vencer o estado do distúrbio e o gozo associado, impossibilitando de se obter uma mudança.

As problemáticas internas vêm migrando progressivamente para o corpo: a ênfase na corporalidade parece sugerir que a plataforma dos conflitos migra para o exterior do sujeito. O corpo toma a frente da cena, constituindo-se como fonte de sofrimento e frustração, de impedimentos à potência fálico-narcísica. (FERNANDES, 2001, p.17)

O sujeito anoréxico, carrega consigo um gozo, que pode ser traduzido pelo sofrimento e o ato desafiador ao outro. Para Lacan, o gozo vem em oposição ao prazer, apontando a presença de gozo nas condutas de risco.

A anorexia, está primeiramente ligada à figura feminina, mas este distúrbio tem atingido em números elevados pessoas do sexo masculino. A anorexia masculina, pode ser vista como uma das patologias da contemporaneidade, que coloca ao analista muitas indagações.

As pulsões de vida e de morte, nos diz Freud, não estão localizadas no corpo e nem no nosso psiquismo, mas na fronteira entre os dois. A fonte destas pulsões seria o Id, ou Isso. A pulsão de vida é representada pelas ligações amorosas que estabelecemos com o mundo, com as outras pessoas e com nós mesmos, enquanto a pulsão de morte seria manifestada pela agressividade que da mesma forma pode estar voltada para si mesmo e também para o outro.

No terceiro e último capítulo, serão discutidas as possíveis formas de tratamento, tanto pela medicina quanto pela psicologia. O tratamento da Anorexia Nervosa, deve ser uma clínica multidisciplinar e, envolve uma equipe composta por médicos, psiquiatras, psicólogos, nutricionistas, sendo que o primeiro objetivo do tratamento, é recuperar o peso do paciente e restabelecer a saúde, física e psíquica. A psicoterapia, apresenta-se neste processo como base sustentadora e primordial.

O assunto se mostra interessante ao estudo, por apresentar uma demanda muito grande na contemporaneidade, pois muitas jovens púberes, e adultos jovens chegam aos consultórios já consumidos pelos distúrbios alimentares e cabe aos profissionais da saúde mental darem o melhor e mais correto andamento que cada caso merece.

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1 ANOREXIA, O QUE É?

“Você acha que uma garota de dezessete anos poderia ter algum tipo de distúrbio? Uma garota perfeita presa nas mentiras e no reflexo do espelho? Com vozes ecoando em sua cabeça lhe mandando fazer coisas erradas? Se sua resposta for “não” venho lhe dizer que está errado. Ela é viciada em autodestruição. E talvez, por detrás das mentiras, números e espelhos tenha uma garota de verdade. ”1

1.1 Anorexia Nervosa na medicina

Na visão da medicina, os transtornos alimentares, ou TA, como são conhecidos no meio, são quadros de ordem psiquiátrica, em que a pessoa apresenta um comportamento alimentar e uma visão do próprio corpo de maneira extremamente distorcida, havendo então um grande comprometimento da saúde física e mental. Os fatores emocionais ligados ao corpo e aos alimentos trazem ao indivíduo um grande sofrimento e dificuldades para as atividades diárias.

Muito embora estes distúrbios não sejam diagnósticos comuns como as depressões, transtornos da ansiedade entre outros, os transtornos alimentares se destacam pela enorme gravidade e impacto na qualidade de vida dos pacientes acometidos, gerando da mesma forma, um grande prejuízo tanto emocional quanto na organização da vida cotidiana dos familiares.

Não raramente, esta disfunção, pode ser confundida com alguma escolha do estilo de vida da pessoa, o que, de sobremaneira pode encobrir os sintomas. Citamos como exemplo as modelos, que em busca de um corpo perfeito, atingem um emagrecimento muitas vezes fora do padrão. O que se deve levar em consideração, é que as pessoas acometidas de transtornos alimentares, não conseguem fazer suas próprias escolhas em relação ao corpo ou aos alimentos, por sentirem-se presas aos medos e comportamentos obsessivos que controlam suas vidas.

Existem diversos transtornos da alimentação, porém os três principais são a compulsão alimentar (TCA), esta que pode levar à obesidade, a bulimia nervosa (BN) e a Anorexia Nervosa (AN).

A anorexia é uma palavra de origem grega, onde o “A” apresenta o sentido negativo e “orexis” significa apetite ou desejo, daí então o uso do termo para se referir a negação ao apetite, à vontade de comer, que se caracteriza como um distúrbio alimentar, tido hoje como um dos mais severos à saúde humana. Os outros distúrbios, tais como Obesidade ou a Bulimia

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Nervosa, apresentam, também, riscos graves à saúde do sujeito, tanto físicos quanto psíquicos, mas nestes dois casos há a ingestão de alimentos, não levando o indivíduo à falta de nutrientes para sobreviver, já pelo fato de a paciente anoréxica não comer nada sofre da falta de energia em seu corpo. Esta falta de energia corporal causa ao sujeito grandes prejuízos, pois muitas vezes ao chegar ao consultório, já em estado avançado da doença, há uma enorme dificuldade em reestabelecer o equilíbrio, tanto da saúde corporal quanto da mental ou psíquica.

A morbidade, bem como a taxa de mortalidade, entre as pessoas acometidas de Transtornos Alimentares, é elevada, sendo que a Anorexia Nervosa apresenta a maior taxa dentre os distúrbios psiquiátricos, por apresentar, além de todos os problemas citados, ainda, um corpo debilitado, o que requer a urgência no tratamento.

A anorexia nervosa pode ser a mais mortal das doenças mentais. Estima-se que 5% a 20% dos pacientes com esse transtorno morram por causa da anorexia. Tais mortes ocorrem em consequência das alterações clínicas provocadas pela desnutrição e pela alta taxa de suicídio nesse grupo de pacientes. (ARATANGY E BUONFIGLIO, 2017, p.18)

Um dos fatores que definem a Anorexia Nervosa é a perda excessiva de peso, provocada pelo paciente, que busca de forma obstinada o corpo magro ou aquele que carrega consigo o medo crônico de engordar. Este último, por vezes, nem apresenta qualquer sintoma propenso a engordar ou à obesidade, é tão somente o temor de adquirir algum peso a mais.

Da mesma forma, sabe-se que a prática de restringir alimentos que engordam, acompanhada de métodos que aceleram e atuam diretamente na perda de peso, são considerados comportamentos comuns entre as pessoas. Porém ao se tornar algo obsessivo com o corpo e com o peso, aliado a uma distorção própria da imagem corporal, trazem prejuízos que incapacitam o indivíduo. A anorexia, pode impedir que as pessoas acometidas, exerçam suas atividades diárias, causando-lhes um enorme sofrimento e impacto na vida social.

Ao chegar no consultório, o paciente, deve passar por uma avalição severa do estado nutricional e das técnicas utilizadas para o emagrecimento, a fim de saber com a máxima exatidão os efeitos negativos causados até aquele momento. O exame clínico deve ser bem detalhado, contemplando principalmente as possíveis alterações decorrentes da perda do peso corporal, como se dá a alimentação atualmente, qual a taxa da frequência e quais os métodos purgativos ou compensatórios utilizados, caso existam.

Outro fator preponderante a ser levado em consideração, diz respeito aos exercícios físicos, procurar descobrir se são realizados de modo normal ou exagerados, com práticas em longos períodos e cargas excessivas de pesos e repetições. É sabido que a prática física regular é

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saudável ao corpo humano, todavia, se for praticado de modo exacerbado, as consequências são muitas vezes indefinidas. Os pacientes, acometidos de Transtornos Alimentares, usam dessa prática compensatória para a perda de peso, sem saber, muitas vezes dos efeitos adversos à saúde humana.

O diagnóstico diferencial, também é um item que merece muita atenção no processo de investigação dos indivíduos Anoréxicos. A comparação deve ser feita com outros quadros clínicos que apresentam como sintoma principal o emagrecimento. Nesta seara, deverão ser solicitados exames clínicos, como o de sangue, com o objetivo de verificar se o paciente não possui algum outro problema de saúde, tal como diabetes. Da mesma forma, deve-se atentar para a possibilidade de alguns tipos de cânceres, doenças da tireoide, problemas hormonais, que tenham como característica a perda de peso.

1.2 Fatores predisponentes, desencadeantes e mantenedores

Ainda não existe uma clara e justa definição sobre as causas que desencadeiam a Anorexia Nervosa. Porém, acredita-se, contudo, que possa haver questões de ordem multifatorial que envolvem fatores biológicos, genéticos, psicológicos, socioculturais e familiares. A predisposição é maior para o sexo feminino, levando-se em conta a história familiar, se houve ou não casos de transtornos alimentares e alterações emocionais e de relacionamentos. Após o paciente ser diagnosticado com este transtorno alimentar, o acompanhamento psicológico, é de suma importância para o tratamento.

Dentro dos fatores de predisposição o principal é que acomete mais o sexo feminino. Segundo Aratangy e Buonfiglio (2017), de cada dez pacientes com Anorexia Nervosa, nove são mulheres. Caso algum familiar possua algum tipo de transtorno alimentar, a chance de outro membro da família desencadear algum tipo de distúrbio desta ordem aumenta de seis a dez vezes.

Em relação ao comportamento familiar, a rigidez dos pais pode ser um fator, bem como a grande importância dada a aparência física, quanto ao desempenho em diversas situações da vida. O pais que exigem demais dos seus filhos, podem contribuir sobremaneira para o aparecimento de um distúrbio alimentar.

Outro ponto de extrema importância no desenvolvimento dos transtornos alimentares, está no próprio sujeito, são as questões de ordem psíquica: a baixa autoestima, autocrítica, dificuldade no relacionamento com outras pessoas, ser perfeccionista, exigir-se demais e a ligação emocional excessiva com a mãe.

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Os princípios culturais, padrões de beleza, como o corpo perfeito, que são exigidos em algumas atividades, como das bailarinas, modelos, atletas, lutadores e outros, são fontes primordiais para desenvolver os transtornos alimentares.

Conforme Aratangy e Buonfiglio ibid, cerca de 80% dos transtornos alimentares iniciam-se na adolescência, e iniciam-segundo Miranda (2003) cerca de 80% das mulheres apreiniciam-sentam algum tipo de distúrbio alimentar e deste percentual cerca de 20% apresentarão algum traço de bulimia ou anorexia ao longo da vida.

Na adolescência ocorrem intensas mudanças biológicas, uma transição da infância para a fase adulta. Muitos conflitos surgem, grandes mudanças nas formas do corpo, ocorrem intensas transformações na sexualidade. Se todas estas mudanças são enfrentadas de forma normal e segura, o sujeito não corre risco de desencadear transtornos alimentares, de outro lado, se tais experiências são vivenciadas com dificuldades, especialmente se a pessoa já tem algum fator de risco, poderá eclodir algum transtorno alimentar.

Na esfera psíquica, há a formação da identidade do sujeito, onde o término do vínculo infantil com pais se faz presente, é um momento delicado e que merece muita atenção. O adolescente, na busca de reconhecimento e aceitação, procura grupos de semelhantes, até na tentativa de controlar sua vida, que até então, era guiada pelos pais. A relação com o próprio corpo, pode ser conflituosa, por não querer aceitar o que até há pouco tempo era ditado pelos outros.

Na ordem social, o jovem, que até então vivia praticamente na família, toma conta de muitas coisas novas, muitas experiências que quer ter. Os conflitos surgem.

Socialmente, a adolescência é a fase na qual o indivíduo começa a assumir um papel adulto, o que traz muita pressão e insegurança. Ë nesse momento que a cultura exerce forte influência no surgimento dos transtornos alimentares. O modelo de beleza e sucesso propagado pela mídia liga a aparência física a autoestima. Especialmente para as mulheres, existe a expectativa de um corpo magro ou atlético. (ARATANGY E BUONFIGLIO, 2017, p.31).

Na grande maioria das doenças que atingem os seres humanos, muitas se resolvem ao longo do tempo, sem ter a necessidade de auxílio médico ou psicológico, pois o organismo reage à moléstia, combatendo o agente causador e impulsionando os mecanismos de defesa a favor do corpo, a fim de reestabelecer a saúde. Alguns transtornos mentais agudos são passageiros, podendo se revolver sozinhos, sem a necessidade de intervenção de um profissional. Os mais graves, ou que se apresentam de maneira crônica, que não encontram a cura sozinhos e causam sofrimento prolongado, fazem o paciente buscar ajuda. Os pacientes acometidos,

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principalmente de Anorexia, podem não procurar ajuda médica e/ou psicológica, por acharem que não estão doentes, por não enxergarem ou ainda desejarem esconder o seu problema.

Segundo Borges (2006), os pacientes não admitem estar doentes, eles tendem a não relatar espontaneamente suas queixas, ficando a cargo do médico de questioná-los. Nota-se aqui, quão difícil é a missão do médico e do profissional da psicologia em chegar a um diagnóstico preciso para este distúrbio, bem como obter a confiança do paciente, para ter êxito no tratamento e auxiliar o paciente a minimizar seus conflitos, sejam psíquicos ou orgânicos.

Os distúrbios alimentares envolvem fatores que os mantém perpetuados. São os mecanismos sociais, biológicos e principalmente psicológicos, que a todo o momento lançam sobre o sujeito questões que reforçam a continuidade da doença, que causam extrema dificuldade na resolução espontânea desses distúrbios. Como nos diz Aratangy e Buonfiglio (2017), é como se a doença encontrasse uma forma de continuar existindo no paciente.

1.3 Diagnóstico da Anorexia Nervosa

A Anorexia Nervosa é diagnosticada por um quadro clínico bem específico, sendo desejável que tal diagnóstico seja feito inicialmente por um psiquiatra treinado. Se o sujeito anoréxico procurar primeiro um psicólogo, este ao diagnosticar o quadro de anorexia, deverá primar por uma clínica multidisciplinar e, dentro da necessidade, encaminhar ao psiquiatra.

O distúrbio é definido pela privação do apetite, caracterizado pela recusa à alimentação junto a um medo apavorante de engordar ou desejo desesperador de atingir o emagrecimento. A restrição de ingestão calórica, medo intenso de ganhar peso e distúrbios na forma de vivenciar o peso ou forma corporal, são os critérios requeridos para a identificação do quadro anoréxico. O primeiro, que diz sobre a restrição ao ingerir calorias necessárias ao indivíduo, provoca a redução do peso, e leva em consideração o contexto de desenvolvimento da pessoa, a idade, o sexo e a saúde física. No que tange ao medo de ganhar peso ou ficar gordo, mesmo que a pessoa apresente baixo peso ou comportamentos persistentes que o impeçam de recuperar o peso, o sujeito não aceita o tratamento, ainda que esteja demasiadamente abaixo do peso. O último critério, está diretamente ligado à grande influência do peso ou das formas corporais, com a autoestima do sujeito, neste ponto o indivíduo nega a gravidade da perda do peso.

Existem dois subtipos de classificação da Anorexia Nervosa, a restritiva e a purgativa. Nesta última o indivíduo utiliza métodos denominados de purgativos na tentativa de acelerar a perda de peso, utilizando para tal laxantes, diuréticos e vômitos provocados. Aquela, diz respeito a

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restrição na ingesta alimentar e a utilização de métodos não purgativos para provocar a perda do peso corporal.

O IMC2, até pouco tempo atrás era determinante para diagnosticar pacientes com anorexia, caso apresentasse este índice abaixo de 17,5 em adultos, ou um percentual abaixo de 15% do mínimo esperado para crianças e adolescentes, o diagnóstico era positivo (ARATANGY E BUONFIGLIO, 2017, p. 62).

Com a prevalência da doença aliada ao aprofundamento dos estudos, esta forma de sinalizar o distúrbio mudou, visto que foram observados nos pacientes com IMC normal3 ou com sobrepeso4, que adotavam também comportamentos alimentares com restrição, fazendo com que perdessem peso de forma muito rápida e não saudável, acompanhados de sofrimento psíquico e grande obsessão por serem magros, mas que não eram diagnosticados com Anorexia Nervosa, por ainda estarem acima do IMC ou das porcentagens marcadoras para o distúrbio. Hoje se considera que a perda de peso muito rápida, mesmo em condições de sobrepeso, é equivalente ao estado de desnutrição que era exigido anteriormente.

É necessário que se faça pequena distinção entre a Anorexia Nervosa e a bulimia nervosa, em seus critérios e processos tanto restritivos quanto purgativos, por apresentarem diferenças clínicas significativas.

Um aspecto relevante, é que na anorexia o peso do paciente está abaixo do esperado e na bulimia ele está normal ou acima do índice desejado. Na anorexia existe a privação à alimentação, já na bulimia existe uma vontade incontrolável de comer e em seguida o expurgo provocado, seja por vômitos induzidos, laxantes ou diuréticos. Quando o paciente se utiliza do vômito induzido, causa lesões nos dentes por conta da ação ácida e nos dedos das mãos, por serem utilizadas para o processo de expurgo.

A diferença entre estes dois transtornos está também nos sintomas principais. A anorexia apresenta intolerância ao frio, fadiga, queda de cabelos, constipação, dor abdominal, falta de apetite, letargia, pés e mãos frios, amenorreia, dificuldade de concentração. A bulimia pode desencadear hipotensão, desidratação, desmaios, fraqueza, batimentos cardíacos irregulares, erosão no esmalte dos dentes, problemas gastresofágicos, infertilidade, risco a aborto espontâneo, síndrome do intestino irritável.

1.4 Anorexia Nervosa no DSM V

2 Índice de Massa Corporal 3 Entre 19 e 25

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A anorexia é apresentada no DSM V5 dentro dos transtornos alimentares restritivos e/ou evitativos, sob o código 307.59. Além dos 3 critérios de exame já citados, restrição a ingestão de alimentos, medo intenso de ganhar peso e a perturbação do peso e forma corporal, os tipos apresentam definições detalhadas.

Conforme o manual, o tipo restritivo, F50.1, se durante os últimos três meses o indivíduo não se envolveu em episódios recorrentes de compulsão alimentar ou comportamento purgativo, como vômitos auto induzidos, uso de laxantes e diuréticos, esse subtipo descreve apresentações nas quais as perdas de peso sejam conseguidas unicamente por meio de dieta, jejum e/ou exercícios físicos excessivos.

O tipo de compulsão alimentar purgativo, caracteriza-se quando nos últimos três meses, o indivíduo se envolveu em episódios recorrentes de compulsão alimentar purgativa, com vômitos auto induzidos, uso indevido de laxantes, diuréticos e enemas (lavagem intestinal).

Segundo do DSM V, a prevalência de 12 meses de anorexia entre jovens do sexo feminino é de aproximadamente 0.4%. Apesar de ser menos prevalente no sexo masculino, mas que vem aumentado ano a ano, a proporção deste distúrbio é de 10:1.

O risco de suicídio também é um dado relevante apresentado no DSMV, dentre os pacientes acometidos de Anorexia Nervosa, há uma taxa de 12 a cada 100.000 por ano. Indica que a avaliação de forma abrangente de indivíduos com este transtorno, deve incluir a determinação de ideação e comportamentos suicidas, bem como de outros fatores de risco para o suicídio, incluindo ainda as tentativas de suicídio.

As limitações funcionais estão ligadas diretamente a este transtorno. Alguns pacientes anoréxicas, podem se manter ativos de todas as formas, seja profissional ou socialmente. Outros podem ser tomados por um total isolamento social, incapacidade para seguir seus estudos ou não atingir qualquer sucesso profissional.

A diferenciação no diagnóstico, com o transtorno depressivo maior, esquizofrenia, transtorno por uso de substâncias, da ansiedade social, são preponderantes para a fidelização do reconhecimento correto do distúrbio alimentar ora apresentado. As comorbidades, da mesma forma devem ser amplamente investigadas, pois a paciente anoréxica, pode apresentar transtornos bipolares, depressivos e de ansiedade em geral, concomitante à doença. O Transtorno Obsessivo Compulsivo - TOC, aparece como descritivo em alguns pacientes do tipo restritivo. O transtorno do uso do álcool ou de outras substâncias, pode estar presente nos pacientes com anorexia, porém entre aqueles com o tipo de restrição purgativa.

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1.5 Anorexia Nervosa na História

A expressão conhecida hoje como Anorexia Nervosa, desde muito cedo é apresentada em nossa literatura, para se referir a um transtorno alimentar. Para entendermos um pouco da evolução da Anorexia Nervosa, devemos fazer uma reflexão clínico-teórica sobre o sofrimento que esta doença causa. Para tanto, devemos compreender a sua história, bem como os autores que contribuíram, cada um em sua maneira ímpar, com importantes registros sobre o tema.

As primeiras descrições sobre Anorexia Nervosa, veio com Richard Morton6, que em sua obra Tisiologia sobre a doença da consunção, se referiu ao distúrbio como a Consunção7 ou Atrofia Nervosa, caracterizada por três sintomas principais: perda do apetite, amenorreia e emagrecimento importante, este último acompanhado de perda dos tecidos corporais. Morton, dizia que a causa estaria nos nervos ou, seria causada por uma tristeza e preocupações ansiosas.

Para elaborar a obra, o autor se valeu de observações clínicas. Dentre os casos, o de Miss Duke, em 1864, uma jovem de 18 anos, que teve seu ciclo menstrual interrompido, aparentemente sem qualquer outro sintoma. Contudo tinha preocupações e paixões em sua mente. Começou a perder o apetite e trazer queixas de má digestão.

Entre outros sintomas, sua carne começou a ficar flácida e com aspecto pálido. A paciente apresentava febre e um corpo frio. Recusou o uso de qualquer tipo de remédio, seu apetite encontrava-se diminuído. Após três meses a paciente faleceu.

As relações emocionais podem estar diretamente ligadas ao desencadeamento da doença. Na época em que Morton descreveu os primeiros sintomas do que na contemporaneidade é conhecida por Anorexia Nervosa, já se via um alicerce emocional problematizado na paciente em questão.

A perplexidade de Morton, quando obrigado a lidar com uma paciente que aprecia ter escolhido o jejum e que recusava ajuda, abriu espaço para a consideração de bases emocionais do transtorno alimentar. Com a descrição desse caso, ele foi o primeiro a relatar concretamente alguns sintomas típicos da anorexia nervosa. (WEINBERG, CORDÁS, 2006, p. 62)

Na mesma seara, veio Louis-Victor Marcé, Psiquiatra francês, que viveu entre 1828 e 1864. Foi colaborador de Charcot, apresentou um artigo, em outubro de 1859, onde afirmava a

6 Médico Inglês – 1637-1698

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existência de variadas formas de dispepsias8, sendo que algumas se destacavam pelas condições mentais. O quadro ocorria em meninas jovens, no período púbere, ocasionando a inapetência que poderia chegar ao extremo.

Com Marcé, as questões emocionais também estão presentes no desencadeamento do transtorno, pois distúrbios de ordem nervosa e disfunção menstrual acompanham as meninas, ainda uma convicção delirante de que não podem ou não devem comer nada.

Marcé descreveu as características da anorexia mais de uma década antes de Gull e Lasègue, mas é conhecido como o homem esquecido da Anorexia Nervosa. Porém as observações feitas por Marcé sobre a doença vem ao encontro dos atuais critérios diagnósticos, pois as pacientes apresentavam severa perda de peso com indicadores de jejum prolongado e constipação, não apresentando qualquer outro tipo de doenças ou transtornos psiquiátricos. Para Van Deth: Vandereycken (2000), os relatos de Marcé devem ser considerados importantes precursores do diagnóstico da Anorexia Nervosa.

Entre 1810 e 1880, viveu outro autor que deu sua contribuição para os estudos e evolução no conhecimento do que hoje é conhecido pelo distúrbio alimentar dito Anorexia Nervosa. Willian Stout Chipley, médico, nascido em Kentucky, nos Estados Unidos, relatou no ano de 1859 vários casos de sitofobia, termo que significa um medo irracional e mórbido de se alimentar.

Chipley, relatou em seus escritos que alguns pacientes tinham medo que a comida estivesse envenenada, outros não comiam por crerem que estavam recebendo ordem divina ou sobrenatural. Citava ainda, casos de histeria, mulheres que viviam em famílias bem-conceituadas, não comiam para ter a atenção daquelas pessoas que as cercavam, podendo ser visto nestas questões, fatores de fundo emocional e psíquico.

Em 1873, William Gull (1816-1890), médico de Londres, em seus artigos, relatou que a falta de apetite, passou a ser entendida como moléstia, o que era até aquele momento considerado um sintoma clínico comum.

Até William Gull, a abstenção alimentar estava associada diretamente às doenças mentais ou doenças orgânicas, tais como câncer, diabetes e outras. A partir das citações deste autor, a Anorexia Nervosa passou a ser vista de outra maneira, como uma patologia independente, cujo diagnóstico estava enraizado no sistema nervoso, mas podendo ser agravada pela idade e modo de viver dos pacientes.

8 A dispepsia pode estar relacionada a diversas doenças subjacentes, mas inclui uma série de outros sintomas,

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O primeiro relato de Gull, sobre o que hoje é Anorexia Nervosa, se deu em uma palestra que ele proferiu em um Hospital, em 1868. O primeiro nome que deu ao distúrbio era Apepsia Histérica, não sendo uma doença diferenciada.

Mais tarde, o autor voltou a falar no mesmo local sobre a emaciação (estado de magreza), nas meninas, chamando então a apepsia de Anorexia Nervosa. A preocupação principal de Gull, era afastar a existência de qualquer outra doença. A amenorreia estava presente nos casos atendidos por ele.

Charles Lasègue (1816-1883) contemporâneo de Gull, ocupava-se na França da histeria, a fim de explicar como esta doença marcada por questões psicológicas, muitas vezes era diagnosticada de maneira diferente, como epilepsia. Por este motivo, deu prioridade aos estudos de cada um dos sintomas, entre eles estava a Anorexia Nervosa.

Com base nos estudos de caso de mulheres entre os 18 e 32 anos de idade, descreve as três etapas da patologia, começando por uma contrariedade, onde o doente tem sensações dolorosas após comer. Após, o paciente se dá conta que a única forma de aliviar tal sofrimento é diminuir a ingestão de alimentos. Por fim, a terceira etapa se dá com o esgotamento.

Conforme Bidaud (1998), o trabalho de Lasègue acrescenta comentários preciosos sobre a psicologia da jovem anoréxica.

Jean-Marie Charcot (1825-1893), Professor na Faculdade de Medicina em Paris e médico da Salpêtrière9, reconhece como sintoma puro da histeria a anorexia. Não se tem muito sobre este distúrbio na obra deste autor, porém descrevia como forma de tratamento o isolamento.

Sigmund Freud, (1856-1939), da mesma forma que Lasègue, associou a anorexia a histeria. Em seus estudos, Freud cita o caso de uma mulher que apresenta sintomas da anorexia, após o nascimento de cada um dos filhos, não podendo desta maneira amamenta-los. Após atende-la por algumas sessões, a jovem paciente voltou a alimentar seus filhos, Freud a descreveu como tendo uma anorexia casual.

Em 1895, no caso Emmy e em 1905, no caso Dora, Freud retoma o tema anorexia, citando uma repugnância que as pacientes sentiam dirigida ao alimento e também à sexualidade. Mesmo que não estivessem voltados a anorexia e sim a histeria, os sintomas de Dora, eram vistos como a expressão de desejos.

Ao longo de sua obra, Freud faz várias menções sobre o tema, em Três ensaios sobre a sexualidade, (1905); e bem antes no Rascunho G (1895), já fazia menção sobre a relação entre

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o estado anoréxico e a sexualidade. Ligou a anorexia ao estado melancólico, em o Homem dos Lobos.

A história da anorexia, conta ainda com importantes contribuições, como Pierre Janet (1859-1947); Karl Abraham (1877-1925); Melanie Klein (1882-1963); Jacques Lacan (1901-1981) que analisa a anorexia mental, a partir dos conceitos de necessidade, demanda e desejo. Para o autor a necessidade visa o objeto e se satisfaz com ele ou não; a demanda se refere ao recurso ao outro, o apelo; o desejo é a forma do ressurgimento da necessidade10.

Após situar a Anorexia Nervosa ao longo da história, se faz necessário entender este transtorno nos dias atuais, em que a mídia diariamente lança tendências, formas de viver e que assolam quase que diretamente as mulheres, que em sua grande maioria apresentam alguma insatisfação com o corpo, desejando-o cada vez mais perfeito, abusando de cirurgias plásticas, dietas e jejuns, sendo que muitas vezes as jovens passam a pensar que se trata de um estilo de vida, não dimensionando os fatores de risco que esta prática carrega.

O aumento cada vez maior da incidência desse distúrbio, faz com que profissionais das áreas afins, médicos, psiquiatras, nutricionistas e psicólogos, tenham que estar a cada dia mais preparados e reinventando uma clínica com a gama de casos que surgem, cada um com suas peculiaridades frente a esta contemporaneidade, que muda a cada instante.

Assim, entre várias possiblidades de auxílio ao paciente anoréxico, dentro da psicologia, temos várias abordagens. A Terapia Cognitivo-Comportamental, que trabalha com as cognições e nos mostra como estas afetam diretamente o nosso comportamento, e ainda que o modo como agimos afeta nossos pensamentos e também nossas emoções. O objetivo principal da Terapia Cognitivo-Comportamental é mudar a cognição para mudar diretamente o comportamento.

Outra abordagem do campo psicológico é a psicanálise. Freud alertou sobre as aplicações desta teoria no tratamento deste transtorno, por entender que só seria adequada em casos em

10 O circuito necessidade demanda e desejo, é movimentado pela pulsão, que é o que move o sujeito a um objeto não determinado e que nos leva também a um comportamento não determinado, que pode ser de prazer ou desprazer, ou seja, a pulsão é um processo dinâmico que não tem um objeto especifico, que irá saciar a necessidade. A necessidade faz parte do instinto do sujeito, é a parte bruta, ela satisfaz as fontes fisiológicas, por exemplo, “tenho fome, então me alimento”, é a falta. Porém, quando este ato passa a se repetir sem o controle do sujeito, nota-se que não se trata mais de uma necessidade fisiológica, mas de algo que advém do psiquismo, sendo que é nesse momento que se instala a demanda, que é quando o sujeito consegue colocar em palavras os sentimentos que surgem das necessidades não saciadas (angústia, tristeza). Quando o sujeito não consegue verbalizar o que está sentindo, configura-se, no viés psicanalítico, como desejo. Por exemplo quando o sujeito é acometido de um sentimento de vazio, sabe que algo lhe falta, mas não consegue colocar em palavras. Esse desejo não pode ser verbalizado, porque surge como uma forma de tamponar a falta da falta, para que dessa forma o sujeito passe de um ser desejado para um ser desejante. Lacan (1961-1962), diz que é isso que tento

mostrar-lhes, ao articular para vocês o seguinte, que está no fundo da experiência analítica: que estamos escravizados, como homens, quero dizer, como seres desejantes. Diz ainda que somos seres desejantes, uma vez

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que a imediata eliminação dos sintomas não seja a tarefa mais importante. Na anorexia, há a necessidade de reestabelecer de imediato um quadro clínico satisfatório. Freud recomenda que não se deve usar a psicanálise em quadros que exigem eliminação rápida dos sintomas.

Mesmo com todas as restrições freudianas sobre a psicanálise como abordagem no tratamento da anorexia, os estudos evoluíram e nos mostram que a psicanálise pode ser indicada no tratamento da anorexia na atualidade.

A anorexia masculina, apesar de se ter relatos em números reduzidos, é também uma patologia da contemporaneidade e que vem crescendo gradativamente, frente as imposições da modernidade.

A anorexia é um dos transtornos alimentares de maior gravidade, que age de forma rápida no paciente, mas que ele guarda em silêncio absoluto. Requer urgência no tratamento, assim que detectada, independentemente da abordagem médica ou da linha teórica da psicologia adotadas.

Por outro lado, permanece a urgência de pensar em outras abordagens clínicas, na medida em que hoje esses pacientes, ao contrário do tempo de Freud, descrevem seus males sem implicação, esvaziados de emoção, sem relevos, em encadeamento monótono, sem historicidade em seus relatos e apresentam forte resistência à entrada em análise. (FUCKS E CAMPOS, 2010, p. 3)

Diante da complexidade que o caso exige, uma abordagem multifatorial e interdisciplinar, pode ser uma ferramenta aliada no atendimento ao paciente com sintomas anoréxicos.

No próximo capítulo nos centraremos na visão psicanalítica da Anorexia Nervosa, trabalhando os conceitos referentes a relação mãe-filha, a importância da figura paterna na interdição da mãe, a distorção da imagem corporal, o gozo e os conceitos de pulsão de vida e pulsão de morte, além de uma breve conceitualização da anorexia masculina, dentro da linha teórica de Sigmund Freud e Jacques Lacan.

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2 ANOREXIA NERVOSA E A PSICANÁLISE: O QUE ELA NOS DIZ?

O terrível vivido corporal da anoréxica resultaria de uma fusão total de seu próprio corpo com o objeto incorporado (a mãe) nos seus aspectos maus e devastadores, a fim de poder combate-lo e separá-lo de si.11

Sigmund Freud, o pai da Psicanálise, no decorrer de sua obra, trouxe em vários momentos fragmentos sobre a temática da anorexia. No Rascunho G, (1895), o autor cita a anorexia como uma neurose nutricional, intimamente ligada a melancolia. No relato da Sra. Emmy Von N12., mostra a anorexia como uma possível paralisia motora, que opera em certas abulias, que são paralisias psíquicas. Já no caso Dora13, Freud (1905) nos diz que a paciente comia mal e sentia aversão à comida, uma certa repugnância.

Nas primeiras publicações psicanalíticas, Freud sustenta que um dos sintomas da histeria seria a conciliação entre anorexia e vômito. Mais tarde como em História de Uma Neurose Infantil, escreve:

É sabido que existe uma neurose nas meninas que ocorre numa idade muito posterior, na época da puberdade ou pouco depois, e que exprime a aversão à sexualidade por meio da anorexia. Essa neurose terá que ser examinada em conexão com a fase oral da vida sexual. (FREUD, 1917-1918, p.113)

Assim, é possível ver que na sua trajetória, Freud, nos mostra a anorexia como sendo um sintoma de outra patologia, como a histeria ou a neurose obsessiva, não a tratando como uma doença ou transtorno propriamente dito. Para ser considerada uma patologia a anorexia deveria ter um conjunto de sintomas e não ser apenas um sintoma de outro distúrbio psíquico.

Mesmo com muitos apontamentos sobre este transtorno, que hoje é considerado uma patologia da esfera oro alimentar, por apresentar um conjunto de sintomas próprios que a define, Freud, fazia sérias objeções quanto a psicanálise como prática para o tratamento adequado e pronta eliminação dos sintomas no que se refere a anorexia histérica, indicando a prática para aqueles casos em não haveria a necessidade de uma intervenção rápida e que exigia uma pronta resposta ou resultado.

Os mais favoráveis para psicanálise são os casos crônicos de psiconeurose com poucos sintomas violentos ou perigosos, e, portanto, em primeiro lugar, todas as espécies de neurose obsessiva, pensamento e ação obsessivos, e os casos de histeria em que as fobias e abulias desempenham o papel principal;

11 BIDAUD, Eric. Anorexia. RJ: Cia de Freud, 1998

12 Emmy Von N. – paciente de 40 anos de idade, tratamento iniciado por Freud, em 1889 no livro – Estudos

sobre a histeria

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e ainda todas as expressões somáticas da histeria, desde que a pronta eliminação dos sintomas não seja a tarefa primordial do médico, como na anorexia. Nos casos agudos de histeria, é preciso aguardar a chegada de uma fase mais calma; em todos os casos em que o esgotamento nervoso domina o quadro clínico, deve-se evitar um procedimento que por si só requer esforço, traz apenas progressos lentos e, por algum tempo, não pode levar em consideração a persistência dos sintomas. (FREUD, 1901-1905, p. 328).

Ainda que Freud tenha apresentado restrições quanto a utilização da psicanálise como prática para o tratamento da anorexia, pode-se perceber que a literatura psicanalítica com o passar do tempo, deu mais enfoque para a Anorexia Nervosa, priorizando as relações interpessoais, neste caso, dando uma especial atenção ao vínculo materno, ou seja a ligação dual, entre a mãe e a filha.

2.1 Relação mãe-filha

Nos transtornos alimentares, o vínculo entre mãe e filha, é alvo de muitos estudos. Este vínculo se constitui a partir da relação simbiótica inicial, que apesar de problemática e conflituosa, contribui para o processo de individuação do sujeito. Estes conflitos se originam na fase precoce do desenvolvimento psicológico e afetivo, ou seja, nos primórdios da relação mãe e bebê, se acentuam e são influenciadas pelo processo alimentar, primeiro elo, que os une. O vínculo emocional, que entrelaça a mãe e a criança, situa-se em três aspectos essenciais, que conforme Weinberg (2010) são; o binômio alimentar e ser alimentado; a condição que a mãe terá de receber e conter as necessidades da criança e a história que une a relação. Na questão alimentar e ser alimentado, o alimento vai marcar a relação mãe/bebê, sendo visto como o condutor das pulsões e o que causará o surgimento do desejo.

O contato que a criança terá com o mundo real está ligado em linha reta com a sensação de segurança, transmitida pela mãe ao infante. Caso a criança não esteja segura de receber estes cuidados, este amor, seu desenvolvimento, na plenitude, pode estar comprometido. A mãe que se preocupa com os cuidados e as necessidades do bebê, está contribuindo para que ele se adapte ativamente ao ambiente externo.

Para que se crie a dependência entre a mãe e o bebê, é necessário que a mãe lhe proporcione tais condições. Quando a mãe está em um ambiente favorável, onde possa se dedicar ao bebê, criando assim uma identificação com ele, a alimentação irá se constituir para o pequeno como sendo um dos fatores primordiais dessa relação dual.

A Anorexia, pode ser traduzida então, como decorrência de uma ruptura, uma quebra desse vínculo afetivo e emocional entre a mãe e o bebê. Esta ruptura se deu em razão de que a mãe,

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ao cuidar do bebê, não cuidou como ele necessitava, mas sim como ela (mãe) precisava depositar seus desejos. Em razão disto, o indivíduo, pela necessidade de querer construir seu espaço e assumir sua identidade própria e saudável, o que deveria ser proporcionado pela mãe verifica-se que ela não deixou este espaço. O sujeito passa, como tentativa de desfazer esta ligação com a mãe a investir em seu corpo, na esperança de constituir a si próprio, mesmo que para isso, coloque sua vida em risco. Segundo Bidaud, (1998), o vivido terrível corporal da anoréxica é resultado de uma fusão total de seu próprio corpo com o objeto incorporado (a mãe) nos aspectos maus e devastadores, a fim de poder combate-lo e separá-lo de si.

Para a anoréxica, os sintomas são a realização de um desejo, onde no início houve um excesso de erotização da oralidade, como forma de tamponar a falta, mas da mãe. Incialmente na criança o desejo foi sufocado pelo desejo da mãe, que ao longo do desenvolvimento do seu bebê não possibilitou que ele assumisse uma identidade própria e saudável.

Quando isso ocorre, esse desejo, que antes era um desejo erotizado, passa a ser contraditório e, ao longo do seu desenvolvimento pode fazer o sujeito criar uma repulsa alimentar e a negação de ingerir alimentos, como forma de quebrar o vínculo materno que o sufoca. Goulart (2003), mostra claramente esta dificuldade criada na relação dual, quando não é bem estabelecida.

A mãe da anoréxica foi incapaz de responder e interpretar corretamente as necessidades da criança, fazendo com que sua filha responda exclusivamente às necessidades e impulsos maternos em detrimento de seus próprios. Com o passar do tempo esta adaptação às necessidades físicas e emocionais da mãe geraria na criança uma dificuldade de estabelecer as fronteiras de seu ego, de construir um senso de identidade sem distorções graves em sua imagem corporal. (GOULART, 2003, p. 14)

A anoréxica, carrega consigo um medo de deixar de existir, mas não relacionado diretamente com a morte. Este medo surge em razão da angústia que sente da intrusão que a mãe faz sobre ela. Daí a vontade excessiva de expulsá-la, fazer com que haja o descolamento, desta mãe da sua filha. Pinto (2001) apud B. Brusset (1989), afirma:

Esse desejo de posse, que pode assumir a forma de fusão, é ao mesmo tempo angustiante, pois comporta o desaparecimento de si... tudo se passa neste nível, como se a relação de objeto na sua íntegra não se houvesse podido construir: o que prevalece, por isso, é a dimensão identificatória, dimensão extremamente angustiante, já que comporta o desaparecimento de seu ser no outro. (PINTO, 2001 apudB.BRUSSET 1989, p. 257)

Jacques Lacan, ao fazer a distinção dos conceitos de necessidade, demanda e desejo, apresenta um novo caminho e amplia a clínica psicanalítica para o tratamento da anorexia e

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também da bulimia. Em 1958, o autor afirma que é a criança que a mãe alimenta com mais amor a que recusa o alimento, pois a mãe de pacientes anoréxicas não deixa espaço para que uma falta possa ser criada, respondendo rapidamente às demandas como necessidades, com isso não deixa uma lacuna para que o desejo apareça.

2.2 A relação com a figura paterna

As questões da fase edipiana, tem seu lugar marcado ao se analisar a problemática que envolve a anorexia. A referência paterna é de suma importância para a constituição do sujeito, no momento em que há o corte com a figura materna, em que surge a diferença em relação ao outro.

No Complexo de Édipo, a entrada do pai, irá marcar e ressignificar a relação mãe e bebê, onde irá apontar o lugar que a criança tem na família, mostrando que não é o único objeto de desejo da mãe. Neste momento, a criança vê que o pai também é desejado pela pessoa de quem acreditava ter total atenção e amor. Desta maneira, o pai sendo, também, objeto de amor da mãe, esta se torna proibida para a criança, e ela deixa de pensar ser o único objeto de desejo e amor materno.

A interdição do pai, neste processo dual, marca seu lugar como uma pessoa forte e coloca a criança no lugar devido nesta tríade, fazendo com que aceite sua posição, renuncie aos desejos primitivos, aceite a perda da mãe e trabalhe sua frustração.

De modo diferente, caso isso não ocorra, há uma problematização na relação com o objeto mãe, o que promove uma regressão ao modo primário de relação no qual a dimensão narcísica se apresenta em primeiro lugar, o que denota um mau delineamento dos limites entre o eu e o outro. Neste caso, há a falência da figura paterna, um pai fraco, que poderia ser classificado como objeto-esboço, que ratificaria a cumplicidade do relacionamento da mãe com a filha.

Uma vez que permite a discriminação entre a mãe e o bebê, essa nomeação tem fundamental importância para a subjetivação deste. O estabelecimento dessa relação triangular permite, então, a passagem da posição arcaica de poder ao reconhecimento dos limites entre o eu e o outro. O ingresso nesse momento secundário significa, portanto, aceitar a perda da mãe, acessar a frustração, defrontar-se com o mundo de alteridade e renunciar aos desejos primitivos. Assim, a referência paterna tem como função a imposição de um limite na relação primaria, permitindo a inscrição de duas “intimidades” distintas, ou seja, funciona como interdição dessa relação supostamente “perfeita” e absoluta. (GASPAR, 2010, p. 62)

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O pai que se mostra fraco, que não ocupa o seu lugar na tríade, é permissivo e tolerante, sendo que no momento em que a filha faz algo de errado, mesmo que conscientemente para chamar a atenção em busca de autoridade, não coloca restrições, e muitas vezes não assume a responsabilidade para si, ou é de todas as maneiras tolhido pela figura materna que o deixa desprovido de autoridade na relação mãe, pai, filha.

Alguns autores14 da contemporaneidade, estão indicando que além da falha da figura paterna, há também a falha no processo de interiorização do interdito, uma pregnância das fantasias de sedução nas anoréxicas.

Considerando a importância fundamental do Complexo de Édipo na constituição psíquica, tanto na anorexia quanto nas neuroses, podemos apontar que o que parece ocorrer como mais fundamental na problemática anoréxica é uma dificuldade no trabalho de recalcamento das fantasias incestuosas e parricidas. (GASPAR, 2010, p. 63)

Chabert (1999) apud Gaspar (2010), afirma claramente, que esse processo ocorre em virtude de que o sujeito anoréxico parece apresentar objeções para assumir uma posição passiva, espectadora diante da cena primitiva, a qual está na base do Complexo de Édipo. Assim, a anoréxica, toma para si o papel de atividade, que de maneira fantasística, se situa na cena como sujeito ativo e afirmativo.

O fato de o sujeito anoréxico não aceitar esta posição passiva, está ligado à fragilidade dos limites egóicos, que não lhe permite discriminar de maneira efetiva o eu e o outro, o que foi originado no período primário pela falha da mãe investir libidinalmente o bebê e, desse ao receber esse investimento libidinal.

Frente aos obstáculos apresentados pela figura paterna em não exercer sua função adequadamente, na anorexia, a relação que está estabelecida entre pai e filha não possibilita a diferenciação sexual e a assimetria dos papéis. Desta forma, o interdito poderá não se realizar de maneira segura, como ocorre na neurose.

Essa diferenciação de papéis no contexto relacional, característica nos casos de anorexia, faz com que o infante – no que se refere às fantasias originarias e, mais precisamente, à cena primária – se veja completamente englobado, e impossibilitado de assumir posição passiva. Parece ser compelido a tomar um lugar “ativo” – de inclusão e participação na cena - quando deveria ser excluído e reenviado a posição infantil de impotência. (GASPAR, 2010, p. 64).

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Muito embora, tenha se apresentado mais de uma possibilidade quanto ao desencadeamento da anorexia, pela via paterna, o ponto central é o fato de o pai estar alheio a tudo que se refere à cena familiar. Não se envolve nos problemas da família, não se impõe, deixa de reivindicar sua função de pai, frente a uma mulher que lhe tira o espaço.

Bidaud (1998), corrobora que o pai da anoréxica é frequentemente descrito como ausente ou inexistente na sua função paterna. Não encara sua filha nem o distúrbio que ela carrega consigo. Desta maneira, se torna desqualificado pela mãe, tanto na função de pai quanto na de marido, que com suas atitudes inertes, cala-se e faz-se esquecer.

De um lado temos uma mãe super protetora, sufocadora, de outro um pai ausente. Quando chega a puberdade, junto a um conjunto imenso de mudanças corporais e psíquicas acompanhadas de estímulos tantos externos quanto internos, o sofrimento da menina e inevitável, desejando que a mãe de mais espaço a ela e que o pai seja mais presente, uma perfeita equalização para que seu psiquismo encontre o estado ideal através da anorexia.

2.3 Distorção da Imagem Corporal na Anorexia Nervosa

É a fase da adolescência que se mostra fortemente favorável para o aparecimento da Anorexia, uma vez que se põe em evidência as mudanças, os conflitos da época infantil, articulados com as transformações do corpo, próprias dos adolescentes. Essa fase, exige por sua vez, um trabalho psíquico com muitas elaborações.

A imagem do corpo da anoréxica, emite muitas mensagens, sentimentos paradoxais e por vezes ambíguos, compaixão, tristeza, raiva, por não ter forças para vencer o estado do distúrbio e ao mesmo tempo uma felicidade sobre a impossibilidade de obter a mudança.

É possível constatar na paciente anoréxica, a certeza evidente na sua corporeidade em prejuízo do seu interior, no qual o sofrimento que o sujeito sente passa pelo corpo que assume um lugar de privilegio na expressão do mal-estar subjetivo e, na dificuldade dos mecanismos psíquicos para fazer a elaboração. O sujeito anoréxico, deixa de dar importância ao sofrimento interno que sente, por querer externar, através de marcas no próprio corpo todo o mal que está sentindo.

Conforme Maria Helena Fernandes (2001):

As problemáticas internas vêm migrando progressivamente para o corpo: a ênfase na corporalidade parece sugerir que a plataforma dos conflitos migra

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para o exterior do sujeito. [...] O corpo toma a frente da cena, constituindo-se como fonte de sofrimento e frustração, de impedimentos à potência fálico-narcísica. De veículo ou meio de expressão da dor e do sofrimento. Um sofrimento que parece encontrar dificuldade para se manifestar em termos psíquicos. (FERNANDES, 2001, p.17)

Pelo fato de ter havido falhas nos processos de elaboração psíquica, a paciente acometida de anorexia faz do corpo o palco para dispor de recursos para exteriorizar sua dor e sofrimento, podendo assim ser visto o papel fundamental que o corpo tem nessa patologia.

O narcisismo e o ego, conceitos fundamentais da Psicanálise, estão diretamente ligados ao processo de construção da imagem do corpo, que se desvela excessivamente problemática nas pessoas acometidas deste distúrbio alimentar.

O distúrbio de percepção da imagem do corpo, fato que é característico em anoréxicas, passa por uma falha no que se refere à imagem corporal. Aqui está estampado um sério conflito entre a imagem e esquema corporal. O esquema corporal, está restrito à ação e reação automática provindos dos estímulos do ambiente, através de sensações de ordem externas e internas, não há a intencionalidade de modificar o ambiente. Já na imagem corporal, tida como um fato mental, está presente a intencionalidade, por sempre incluir um outro que é exterior, que demanda ao sujeito se apresentar de alguma forma. No entanto a privacidade também ocupa seu espaço, concomitante ao surgimento do eu. A imagem corporal diz respeito à percepção de si como fator causal de mudanças no comportamento do outro enquanto o esquema corporal está ligado à capacidade ativa e criativa de ajustamento autorregulatório das transformações do ambiente. (GASPAR, 2010, p. 35).

Conforme Gaspar (2010), é possível entender que a experiência do corpo e a formação do eu ocorrem concomitantemente. Para que isto ocorra, deve estar presente o mecanismo da experimentação, que é intencional e ativa, bem como a percepção do eu corporal, agindo como transformador no comportamento e desejo do outro.

Podemos então inferir, que para que haja a construção de uma identidade pessoal e que seja consolidada, dois pontos são cruciais, a experimentação intencional com o meio e a percepção do eu corporal como fonte de mudanças no comportamento e nos desejos do outro.

Podemos pensar que os sujeitos que sofrem de distorção da percepção da imagem, como as anoréxicas, não construíram uma identidade de si consistente e estável por não terem conseguido representar, no período infantil, seu próprio corpo como imagem corporal, ou seja, não conseguiram se perceber como agentes de mudanças nas atitudes dos outros. Assim, estes sujeitos buscam causar esse impacto sobre o comportamento do outro através da manipulação de sua própria imagem corpórea, indo de encontro, muitas

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vezes, `a intencionalidade do esquema corporal – de adaptação e manutenção do equilíbrio homeostático15 com o ambiente. (GASPAR, 2010, p. 36) A anoréxica, manipula, usa seu corpo, criando um conflito entre imagem corporal e esquema corporal, com o fito de buscar a consistência de sua identidade.

2.4 A Anorexia Nervosa Masculina

A Anorexia Nervosa masculina, pode ser vista como uma das patologias da contemporaneidade, que coloca muitas indagações ao analista. Por se tratar de algo novo, o analista por sua vez, deve buscar novas técnicas de manejo.

Este distúrbio alimentar em homens, pode estar associado à homossexualidade, vaidade, beleza, busca pelo corpo perfeito. Fatores estes que estão ligados diretamente às questões narcísicas e egoicas. O relacionamento familiar, a tríade, pai, mãe, filho, assim como na anorexia feminina, também tem seu lugar primordial, seu papel fundamental.

A nossa literatura é carente de publicações deste transtorno em homens. Richard Morton, um dos pioneiros a abordar os transtornos alimentares, citou o caso de um jovem de 16 anos acometido de anorexia, já no século XVII. William Gull, também relatou o caso de anorexia em pessoas do sexo masculino, no século XIX. Entre Gull e os anos de 1970, poucos relatos de anorexia em homens foram trazidos nos escritos, ficando esta parcela quase que excluída.

Esta exclusão tem suas justificativas, sendo uma delas a baixa incidência. A anorexia esta primeiramente ligada à figura feminina, no entanto casos de homens acometidos deste transtorno alimentar que buscam tratamento vem aumentando.

Nos homens, a Anorexia Nervosa, surge mais tarde, por volta dos 18 e 25 anos de idade, mas estes registros podem ocorrer em virtude de que a procura pelo tratamento também se dá em tempo mais avançado, bem depois do início da doença. Ao chegar para o atendimento clínico médico, os sintomas já estão muito mais avançados que nas mulheres.

Traçando um paralelo entre anorexia feminina e masculina, esta última também apresenta deficiência na relação familiar, podendo aparentemente mostrar um equilíbrio e estabilidade, mas na maioria das situações, encontra-se um adulto que controla, geralmente a mãe, que deixa de lado os desejos e necessidades emocionais do seu filho.

Segundo Bruch (1973), apud Andrade (2010), p. 230:

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Ao descrever a família da pessoa que desenvolve transtorno alimentar como um grupo familiar que pode demonstrar equilíbrio e estabilidade, mas que, na verdade, essa aparência pode esconder grande desequilíbrio e instabilidade nas relações, penso o quanto estas famílias constroem suas relações sobre alicerce frágil, em que a verdade precisa ficar encoberta para evitar o desmoronamento do lar. Assim, instala-se o teatro, são encenadas peças tristes e repetitivas na tentativa de elaboração de uma emoção com a qual não podem ter contato, mas que está presente.

O jovem anoréxico, assim como a menina, também usa o corpo para lidar com ausências que lhe causaram dores. Todavia, o uso do corpo pode significar um pedido de ajuda.

Conforme Miranda (2015), a anorexia masculina vem aumentando a cada ano. Muitas vezes, a inanição fica escondida atrás dos músculos conseguidos na adesão intensa aos exercícios físicos, a chamada “vigorexia” ou síndrome de Adonis16.

Gaspar (2010), ressalta que além da anorexia incidir principalmente na adolescência, as adolescentes do sexo feminino representam o maior número nos casos registrados, correspondendo a uma ordem de 90%, desta forma, verifica-se que o sexo masculino fica dentro dos 10% restantes, embora ANDRÉ (2001) apud GASPAR (2010), diga que o sexo psíquico está longe de ser o simples decalque do sexo masculino.

Poderíamos conceber a anorexia como a “forma” moderna e exemplar de um conflito específico da mulher, pois sua incidência no sexo feminino se dá em 90% dos casos em relação ao masculino. Ela se une tanto pelo seu impacto, como por seus aspectos de subversão à histeria. Assim como esta foi considerada um predicado exclusivo do sexo feminino, a anorexia é notadamente uma manifestação ligada ao gênero, e hoje considerada uma entidade autônoma, situando-se no cruzamento de quatro patologias: neurótica, psicótica, psicossomática e perversa. (BRUNO, 2010, p.255)

Assim, evidencia-se que a Anorexia Nervosa afeta sobremaneira o sexo feminino, com todas as suas peculiaridades. Todavia, a anorexia masculina perpassa quase que pelas mesmas questões que a feminina, com alguns detalhes que merecem destaque.

O quadro clinico é semelhante em ambos os sexos, sendo alguns fatores de risco o conflito familiar, culto à beleza, distorção da imagem corporal, apelo da mídia e modismos. No que diz respeito ao conflito familiar, este se dá em especial com a figura paterna, onde há um distanciamento entre o filho e o genitor, podendo ainda haver abuso sexual e agressões diversas.

Outro aspecto que os diferencia das mulheres é que, em pacientes homens, observa-se um relacionamento conflituoso e distante com a figura do pai, podendo, em alguns casos, ocorrer agressões físicas e abuso sexual.

16 Distúrbio que atinge principalmente os homens entre 18 e 35 anos de idade, busca pelo corpo

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